1. A travessia de Cassandra, The
Cassandra Crossing, George P. Cosmatos, 1976
2. Uma Pistola para Ringo, Una pistola per Ringo, Duccio
Tessari, 1965
3. Maciste nas minas do Rei Salomão, Maciste nelle miniere del
re Salomone, Piero Regnoli, 1964
4. A queda do Império Romano, The Fall of the Roman Empire,
Anthony Mann, 1964
5. Os bravos não se rendem, Custer of the West, Robert
Siodmak, 1967
6. A Guerra de Tróia, La guerra di Troia, Giorgio Ferroni,
1961
7. O Jovem Karl Marx, Le jeune Karl Marx, Raoul Peck, 2017
8. O jogo da rainha, Firebrand, Karim Aïnouz, 2023
9. E estrelando Pancho Villa, And Starring Pancho Villa as
Himself, Bruce Beresford, 2003
10. Guerra de Canudos, Sergio Rezende, 1997
11. La Femme Musketeer, Steve Boyum, 2004
12. Ambição acima da lei, Posse, Kirk Douglas, 1975
13. Um osso duro de roer, Renegade, Enzo Barboni, 1987
14. Grande Sertão, Geraldo Santos& Renato Santos Pereira,
1965
15. Black Rain: A coragem de uma raça, Kuroi ame, Shôhei
Imamura, 1989
16. Task, Série de TV, Brad Ingelsby (criação), 2025
17. Através das sombras, The Shadow Strays, Timo Tjahjanto,
2024
18. Amazonas, maior rio do mundo, Silvino Santos, 1918
19. Disclaimer, Série de TV, Alfonso Cuarón, 2024
20. Adriano Imperador, Série
de TV, 2022, Susanna Lira
21. Servant, Série TV, criação:Tony Basgallop, 2019–2023
22. O garoto mais bonito do mundo, Världens vackraste pojke,
Kristina Lindström&Kristian Petri, 2021
23. Morte em Veneza, Morte a
Venezia, Luchino Visconti, 1971
24. Renegando o meu sangue, Run of the Arrow, Samuel Fuller,
1957
25. Lady Oscar, Jacques Demy, 1979
26. Rosa de Versalhes, Versailles no bara, Ai Yoshimura,
2025
27. Dívida de sangue, Cat Ballou, Elliot Silverstein, 1965
11.10.25
1. A travessia de Cassandra, The Cassandra Crossing, George P. Cosmatos, 1976
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10 CURIOSIDADES SOBRE O FILME "A TRAVESSIA DE CASSANDRA (1976)"
Mais atual do que nunca, a "Travessia de Cassandra" mostra alguns terroristas que atacam um laboratório químico e acabam contaminados com vírus letal, que não tem cura. Um deles morre no hospital, mas o outro consegue fugir e embarca num trem, espalhando assim a epidemia. Enquanto isso, a polícia e o exército tentam tomar o controle da situação.
Assistam. E leia 10 curiosidades do filme.
1 - O título refere-se a uma ponte no filme chamada "Ponte Kasundruv". A estrutura arquitetônica usada nas filmagens foi o Viaduto de Garabit, localizado no sul da França. Foi construído entre 1881 e 1884 e foi fabricado por Gustave Alexandre Eiffel, o mesmo da Torre Eiffel. Tem cento e vinte e dois metros de altura, quinhentos e sessenta e cinco metros de comprimento. O viaduto Garabit ainda hoje é usado como ponte ferroviária.
2 - De acordo com o livro " Sophia Loren : A Biography", Ava Gardner deu a Loren o seguinte conselho durante a produção: "Sempre fotografe seus close-ups logo de manhã, querida, porque sua aparência não aguenta o dia todo. "
3 - O roteiro deste filme chegou ao escritor e diretor George P. Cosmatos às 5 da manhã, cerca de dois anos e meio antes do lançamento do filme. Cosmatos disse certa vez que ligou imediatamente para Robert Katz , historiador e roteirista, com quem havia colaborado em O Carrasco de Roma (1973), e começou a trabalhar na história no dia seguinte com ele.
4 - Quando criança, o escritor e diretor George P. Cosmatos adoeceu com um surto de cólera enquanto vivia no Egito. Cosmatos disse uma vez: "Para mim, uma epidemia parece mais destrutiva do que um terremoto, um incêndio ou até uma bomba, e uma epidemia causada pelo homem, como é mostrada neste filme, é a mais desprezível de todas. Somos nossa próprios piores inimigos, porque estamos nos matando com o chamado progresso ".
5 - A produção do filme na Suíça foi adiada devido a vandalismo. O trem foi grafitado com slogans políticos no teto e nas paredes internas, durante a noite na estação Delemont. O grafite no teto do trem só foi descoberto quando as filmagens aéreas estavam sendo realizadas com um helicóptero.
6 - Charlton Heston recusou o papel principal por não gostar da ideia de passar doze semanas de filmagens na Itália e na Suíça, e também acreditava que filmes sobre doenças nunca saiam bem nas bilheterias. Heston errou feio em sua previsão. Peter O'Toole também recusou o papel.
7 - Havia dois casais em cena ou nos bastidores: O produtor Carlo Ponti viu o filme como uma vitrine para sua esposa Sophia Loren e encaixou ela como atriz principal. Além deles, Richard Harris e Ann Turkel, que se conheceram nas filmagens de "Até o Último Disparo (1974)". Turkel estava grávida durante as filmagens (e perdeu o bebê).
8 - De acordo com a edição de 17 de março de 1976 da Variety, uma queda de cerca de trinta por cento nos negócios da linha ferroviária suíça, forneceu as condições para o produtor italiano Carlo Ponti filmar parte das sequências ferroviárias na grande estação ferroviária situada em Basileia, Suíça.
9 - Sophia Loren e O.J. Simpson fizeram o Poder de Fogo (1979). Ava Gardner e Burt Lancaster, Os Assassinos (1946). James Coburn, que recusou o papel de Haley, trabalhou também em "Poder de Fogo ".
10 - Lionel Stander, que faz o maquinista Max também interpretou outro personagem chamado "Max", em Casal 20 (1979).
Richard Harris (1930-2002) imdb
Review by Kaijuman ★★★★
2019 Cult Movie Challenge, Week 13: Mar. 26-Apr. 1 [tradução livre]
Semana dos Filmes de Desastre dos Anos 70
“Você acha que eu mandaria pessoalmente mil pessoas para a morte?”
“Não. Mas acho que você simplesmente deixaria que elas fossem mortas. E isso é quase pior.”
Um filme de desastre severamente subestimado, The Cassandra Crossing é uma aventura emocionante dos anos 70.
Você tem um trem cheio de pessoas possivelmente infectadas com uma peste pneumônica, homens armados em trajes de proteção brancos (bem ao estilo italiano) mantendo todos em quarentena, cerca de meia dúzia de personagens principais com seus próprios problemas pessoais, cerca de vinte personagens secundários para prolongar a duração do filme e o destino para o qual todos estão sendo enviados: uma ponte perigosa e instável chamada The Cassandra Crossing.
Há algo nesses filmes que é tão aconchegante. Não sei se são as histórias entrelaçadas, os cenários familiares, a atuação que não é ótima, mas também não é terrível, ou simplesmente o fato de serem dos anos 70. Independentemente disso, eu adoro.
Na maior parte do tempo, o filme é uma viagem tensa e angustiante a bordo de uma armadilha mortal, mas o clímax se transforma em um filme de ação cheio de adrenalina e tem um tiroteio bastante divertido que dura o tempo todo do trem. É agradável e intimista, e adiciona um pouco de sangue brega à mistura. Então chega o final e, acredite, você não está preparado para ele. É uma mistura tão estranha de “felicidade” e “sombrio anos 70”. Para não revelar muito, um cara tem uma viga de aço cravada no peito.
O elenco está repleto de rostos conhecidos. Richard Harris (Orca), Sophia Loren (Cinco Milhas até a Meia-Noite), Martin Sheen (A Contagem Final), O.J. Simpson (O Membro da Ku Klux Klan), Lionel Stander (Transformers: O Filme), Ann Turkel (Humanóides do Abismo), Lee Strasberg (O Poderoso Chefão: Parte II), Ava Gardner (O Sentinela), Burt Lancaster (Duelo de Titãs), John Phillip Law (Perigo: Diabolik), Ray Lovelock (Deixe os Cadáveres Dormirem), Alida Valli (Suspiria), como você pode olhar para esse elenco e não achar que esse filme é incrível?
Embora não seja tão lembrado quanto Aeroporto ou A Torre Infernal, The Cassandra Crossing é um filme muito divertido. Uma mistura estelar de ação, drama, obscenidade e terror. Uma viagem divertida. https://letterboxd.com/film/the-cassandra-crossing/details/
12.10.25
2. Uma Pistola para Ringo, Una pistola per Ringo, Duccio Tessari, 1965
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Uma Pistola Para Ringo: O clássico de Giuliano Gemma e Duccio Tessari
Crítica, Destaques, Filmes3 de abril de 2023 por Filipe Pereira
Uma Pistola Para Ringo é um dos filmes mais famosos e lembrados do movimento conhecido como Western Spaghetti. É uma coprodução europeia entre a Itália e Espanha, conduzido por Duccio Tessari e é mais conhecido por ser protagonizado pelo ator e galã Giuliano Gemma, que aqui, utilizou seu nome americanizado, Montgomery Wood.
Tal qual ocorreu na maioria dos bons filmes do movimento Bangue Bangue à Italiana, esse também foi filmado no deserto de Almería na Espanha, tendo locações também no PC Balcazar Studios em Madrid e em San Jose-Andalucia.
Do original Una Pistola Per Ringo, o leitor pode achar o filme com o nome em inglês A Pistol for Ringo e Ringo no perdona na Argentina. A história se passa no final do ano, durante o período de festas, próximo do natal.
No início é apresentado Ben, o xerife e autoridade local interpretado pelo ator catalão George Martin. Ele recebe uma carta afirmando que em Crystal City, o sujeito conhecido como Cara de Anjo foi absolvido.
De cara é estabelecida uma fama para o personagem central antes mesmo dele aparecer. Fica claro que Ringo agiu em legítima defesa, que normalmente afirma que seus causos são todos defensivos, que ele não causa infortúnios.
Também é dado que os Benson, os membros da família do sujeito assassinado, não iriam gostar dessa decisão judicial. Logo depois aparece Gemma, tentando viver os seus dias de maneira calma, sendo cercado pelos quatro irmãos restantes da família.
Essa é a velha história do homem de moral duvidosa, que não se sabe exatamente qual é a filiação, se ele é um herói, um bandido ou algo que o valha. Ringo recebe a alcunha de Cara de Anjo por conta de sua boa aparência e beleza virginal.
Suas belas feições ajudam a esconder sua capacidade mortífera, uma vez que ele detém cinco homens rapidamente, nos intervalos do ato de pular amarelinhas. É o cúmulo do cowboy rápido no gatilho.
Logo depois de apresentar Wood/Gemma como ponto central da história a música tema do maestro Ennio Morricone embala uma invasão de imigrantes mexicanos, liderados pelo carismático Sancho (Fernando Sancho), um sujeito que aparenta ser bonachão apesar de ser bastante violento e vingativo em seus métodos.
A fotografia de Francisco Marín consegue valorizar bem os cenários arenosos de Almería. Os cânions tornam toda a atmosfera simplória da história em algo maior, épico.
É notório que as cenas de ação são criativas. Ocorre muita coisa em segundo plano, no fundo de tela. Os personagens são diferenciados, há mulheres que fogem do estereótipo de mocinha em apuros - no caso, Dolores de Nieves Navarro - tem estrangeiros capazes não só de se defender, mas também são capazes de causar mal.
Além desses destaques, o filme possui um personagem título que permanece boa parte do início da história preso, aguardando julgamento para crimes que de fato ele não teve culpa, uma vez que diante da tela ele realmente só se defendeu.
Tessari foge de maniqueísmos também na construção de cenário. Acostumado a conduzir filmes épicos como Os Filhos do Trovão (1962), o cineasta realizou anos depois A Marca do Zorro (1975) com Alan Delon, fez o filme de horror Uma Borboleta com as Asas Ensanguentadas (1971), além de ter colaborado com o roteiro de Por Um Punhado de Dólares embora não tenha recebido créditos por isso.
Também dirigiu Tex Willer e os Senhores do Abismo, com o mesmo Gemma vivendo o personagem famoso dos Fumetti. Ainda em 1965 Tessari fez Ringo Não Discute... Mata - também conhecido como O Retorno de Ringo - também fez com Gemma a comédia Vivo ou Preferivelmente Morto em 1969.
Ringo ficou famoso e gerou uma série de imitações e sequências não oficiais. Dentro dos dois tipos, se destacam Cem Mil Dólares para Ringo (1965) com Richard Harrison, Ringo e Gringo Contra Todos (1966) dirigido por Bruno Corbucci, 2 RRRingos no Texas (1967), a comédia musical Duas Pistoleiras Invencíveis (66), houve também Ringo e Sua Pistola de Ouro (66) de Sergio Corbucci, Gringo Selvagem (66) Ringo the Face of Revenge (1967) e Texano, O Bandoleiro Temerário (66).
O exército de Sancho e os subordinados do xerife Ben (George Martin) travam um duelo sanguinário em um primeiro tempo, com perdas para os bandidos e também para os policiais.
Eles chamam a cavalaria do governo, que demorará a chegar, então decidem organizar uma alternativa paliativa. A discussão gira em torno de algumas opções, entre elas, criar uma milícia armada para tentear segurar os avanços dos bandidos, mas eles decidem tentar infiltrar alguém no bando de Sancho.
Depois de muito deliberar, decidem soltar Ringo para ir até o líder latino.
Como primeiro passo, o protagonista chega sem mentir, avisa que estava na prisão e escapou, ou seja, corrompeu a realidade, mas não tanto. Afirma ter sido um auxiliar de cirurgião, dizendo que poderia tirar a bala alojada em seu tronco a pretexto de impedir que seu braço gangrenasse caso não fizessem um procedimento rápido.
Além de rápido no gatilho ele improvisa muito bem e é veloz em construir planos. É um autêntico malandro, capaz de mentir e não ser pego em suas inverdades. Desse modo, é fácil falar que ele não é um herói, nem tenciona ser.
Ele é tão errático que chega a ser imoral, quando perto de Sancho aparenta que trairá Ben e os cidadãos comuns, sugerindo que duas cavalarias virão. Ele diz que tem um plano, mas só contará se ganhar 40% do malote roubado do banco.
Fica a dúvida se ele de fato quer se aproveitar da fragilidade da situação, se está fazendo jogo duplo, se é tão egoísta ao ponto de colocar a cidade em risco ou se está arrumando um modo dos bandidos perderem tempo com planos novos, para então a cavalaria chegar. Essa ambiguidade ajuda a deixar o personagem complexo e enriquece a história.
Sancho utiliza a casa de um homem rico, onde moram o Major Clyde (Antonio Casas), sua filha Miss Ruby (Lorella De Luca) além de muitos empregados.
Estando ali ele consegue posar como o bandido benevolente, que gosta de parecer um alguém compreensivo apesar do banditismo, além de fazer isso tendo em sua posse pelo menos dois reféns entre os nobres cidade.
Mas o roteiro de Tessari não deixa dúvidas, mostrando o bando de contraventores sendo violentos, capazes de matar a sangue frio de uma forma tão explícita que assusta Ruby.
A moça perde o controle ao testemunhar um simples treino de tiros que é seguido de um capanga estapeando outro. Esse fato favorece a aproximação de Ringo, que tenta acalma-la, aproveitando o ensejo para ensaiar uma construção de um casal.
Sancho é um personagem curioso. Sua introdução é engraçada, com ele fazendo um número cômico antes de começar um ataque. Acaba sendo uma espécie de alívio cômico e o principal antagonista, geralmente a figura arquetípica do Pícaro dentro da Jornada do Herói de Joseph Campbell é feita por um capanga, e não pelo chefe dos vilões.
Ele é escroto, machista ao extremo, obriga Dolores a beijar-lhe a força. Em alguns pontos pode-se reclamar que Tessari vilaniza os mexicanos, que historicamente tiveram suas terras roubadas, mas o comentário de condenar as ações de um homem autoritário e abusivo é bem acertada, especialmente para a agenda de costumes atuais.
O roteiro apela para alguns tropos politicamente incorretos, como o fato de um sujeito confundir Ringo com uma pessoa preta unicamente por ele estar sujo de carvão (diga-se, por pouco Gemma não esbarrou em uma manifestação de black face) ou as insinuações de estupro na postura de Pedro (José Manuel Martin), ao menos o texto não deixa essas questões impunes, maltratando ou matando personagens que agem de maneira errada.
A briga sem tiros entra Ringo e Pedro é um bom destaque. É uma troca de golpes franca, não é tão bela e plástica, chega a ser bizarra quanto as batalhas em Trinity Ainda é Meu Nome e nos outros filmes de Bud Spencer e Terence Hill, mas ainda bastante agressiva. Gemma utiliza bem os elementos do cenário, em alguns pontos lembra os futuros filmes de artes marciais de Jackie Chan.
Perto do fim Ringo enfrenta parte do exército de Sancho por partes altas, nos telhados brancos das casas. A composição visual é muito boa, lembra o que fariam nos cinemas ao retratar histórias de aventura que se passam nas Arábias.
Uma Pistola Para Ringo é bastante icônico, graças a dobradinha Gemma e Sancho, que retornaria a parceira em sequências, mas também por apresentar um mocinho trapaceiro e que usa a seu favor quaisquer vantagens circunstanciais a mão, especialmente ao incluir o cenário na luta. É divertido, direto e tem um protagonista bastante memorável além de conseguir terminar de forma otimista, algo raro nos filmes de faroeste italianos.
12.10.25
3. Maciste nas minas do Rei Salomão, Maciste nelle miniere del re Salomone, Piero Regnoli, 1964
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Loris Loddi, 1957 imdb
Loris Loddi wiki [Filmes em que atuou: Conclave, 2024; Feitiço de Áquila, 1985; Cleópatra, 1963; Alpha Dog, 2006]
Destaque: a cena de 5 min em que Maciste vence 10 cavalos (cartaz do filme)
Review by Marty McKee ★★★ [tradução livre]
Big Reg Park (HERCULES IN THE HAUNTED WORLD) interpreta Maciste (ou Sansão, em algumas versões) nesta mistura incomum dos gêneros peplum e aventura na selva. O cenário é a cidade perdida de Zimba, escondida atrás de uma muralha gigante e construída sobre as minas de ouro do antigo rei. O benevolente governante de Zimba, o rei Namar (Giuseppe Addobbati), protegeu as minas durante seu reinado de 20 anos, mas o corrupto general Riad (Ellio Jotta) quer o tesouro para si mesmo. Ele recruta um exército de guerreiros comandado pela bela Fazira (Wandisa Guida, de LIGHTNING BOLT) e os usa para invadir o palácio, assassinar Namar, tomar as minas e escravizar os habitantes da cidade. O jovem filho de Namar, Vazmar (Loris Loddi), e sua babá, Samara (Eleonora Bianchi), procuram a ajuda de Maciste, que luta com um leão que parece estar inconsciente.
Maciste derruba uma porta de pedra para resgatar um amigo da execução por um amaciador de carne, desvia de flechas, balança um homem sobre sua cabeça como um bastão, mas é derrubado por uma rede de palha. Algumas das cenas de ação são legais, mas o diretor Piero Regnoli (THE PLAYGIRLS AND THE VAMPIRE) não é muito bom com o ritmo. Uma cena em que Maciste, preso em uma jaula, entra em uma disputa mortal com dez cavalos é legal, mas dura uma eternidade. Regnoli conseguiu filmar algumas cenas externas na África, permitindo que Park aparecesse em cenas com girafas e outros animais selvagens. Zimba é representada por uma pintura matte decente, e os valores de produção em geral, incluindo os figurinos, são bastante decentes. Letterboxd
Reg Park (1928-2007) imdb
12.10.25
4. A queda do Império Romano, The Fall of the Roman Empire, Anthony Mann, 1964
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Queda do Império Romano do Ocidente wiki
A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO (1964) FILM REVIEW
O sucesso do filme Ben Hur, arrebatando público e crítica, promoveu uma avalanche de filmes épicos contando histórias que, na maioria delas, eram do tempo de Jesus ou dos Romanos. Vieram por exemplo, Spartacus (1960), El Cid (1961), Rei dos reis (1961), Cleópatra (1963) e claro, o tema do post de hoje: A queda do Império Romano de 1964.
No filme, no auge da expansão geográfica do império romano, o general Lívio (Stephen Boyd) comanda a nova política do imperador Marco Aurélio (Alec Guinness), que quer a pacificação de fronteiras e a adoção para os povos conquistados de certa autonomia. Mas Marco Aurélio acaba envenenado por Commodus (Christopher Plummer), filho ilegítimo que assume o trono e mergulha Roma no caos político e administrativo, o que dá origem à... queda do Império Romano.
Os filmes citados acima, de certa forma, guardam algumas relações. O produtor deste, de El Cid (1961) e Rei dos reis (1961) é o mesmo: Samuel Bronston, que era sobrinho de ninguém menos que Leon Trotsky. Kirk Douglas (de Spartacus) recusou um papel no filme, embora quisesse trabalhar com Sophia Loren (que também fez El Cid). Stephen Boyd substituiu Charlton Heston (eles estrelaram Ben-Hur). Boyd culpou o enorme fracasso comercial deste filme por arruinar sua carreira no cinema. Ele faleceu não muito tempo depois, de ataque cardíaco, aos 45 anos.
De fato, o custo da produção e o fracasso de bilheteria deixou até mesmo o produtor Bronston em dificuldades financeiras e, em 1964, ele teve que interromper todas as atividades comerciais. Samuel Bronston Productions entrou com pedido de concordata e falência em junho daquele ano.
Este filme foi originalmente planejado para ser feito após El Cid (1961), e para reunir Charlton Heston e Sophia Loren. O cenário do Forum Romanum estava sendo construído quando Heston rejeitou o roteiro e manifestou interesse em 55 Dias em Pequim (1963), do próprio Samuel Bronston. Heston se deu muito mal com Loren naquele filme e se recusou a trabalhar com ela novamente. Leia o review de El Cid, que escrevi sobre esta história.
Samuel Bronston imediatamente ordenou que o trabalho no Fórum fosse interrompido e o paisagismo e as fundações fossem adaptados para o cenário de Pequim. Após as filmagens, o cenário de Pequim foi demolido e substituído pelo Fórum. Se você olhar com atenção, ambos os conjuntos compartilham uma topografia muito semelhante. Os vários cenários da Roma antiga cobriam cinquenta e cinco acres (duzentos e vinte e dois mil quinhentos e setenta e sete metros quadrados).
O salário de Sophia Loren para este filme foi de um milhão de dólares. Ela foi a segunda atriz, atrás de Elizabeth Taylor , a receber essa quantia por um único filme. Christopher Plummer (recém-falecido) ficou surpreso com as inovações e a produção sem economia das despesas. Um Rolls-Royce estava à sua disposição durante toda filmagem. Se compararmos com outro épico de Bronston, Rei dos Reis, o carro que levava Jeffrey Hunter e Robert Ryan quebrou, e eles tiveram que empurrá-lo para começar a rodar a cena, com os figurinos de Jesus Cristo e João Batista.
O diretor Anthony Mann filmou por cento e quarenta e três dias, enquanto os diretores da segunda unidade Yakima Canutt e Andrew Marton filmaram as cenas de ação simultaneamente em sessenta e nove dias. Filmado em Roma e Madrid, este foi um dos filmes mais caros da década de 1960, custando vinte milhões de dólares. O valor não parece tão alto, se compararmos com filmes atuais ou mesmo alguns sucessos da época, como Ben-Hur que custou 15 milhões.
A diferença fica por conta do retorno. Ben Hur venceu 11 Oscars, foi um enorme sucesso. Entre fontes oficiais e não oficiais, ele rendeu 150 milhões de dólares, enquanto "A queda do Império Romano" rendeu 5 milhões. Mesmo com este prejuízo todo, o filme se mantém marcante, e com uma das cenas mais memoráveis e tensas do cinema épico, que é a corrida entre Boyd e Plummer, com bigas.
Aliás, o lendário dublê Yakima Canutt dirigiu a espetacular corrida. Canutt já havia dirigido a famosa corrida de bigas em Ben-Hur (1959), onde Boyd foi um dos dois principais competidores, junto com Charlton Heston
Veniero Colasanti e John Moore atuaram como diretores de arte supervisionando o design de produção com a orientação de Will Durant (um filósofo, historiador, que fez com sua esposa a coleção A História da Civilização). A construção real começou em 1º de outubro de 1962 usando 1.100 homens que trabalharam durante sete meses. Cerca de 400 estudantes de arte e artesãos de toda a Espanha trabalharam na estatuária, nos azulejos, nos afrescos e nos detalhes do cenário.
O Templo de Júpiter foi construído em uma colina de 30 metros de altura ao longo das planícies de Las Matas, por artesãos que construíram o templo de 50 metros. As figuras equestres de bronze no topo do templo estavam a 260 pés acima do pavimento do conjunto do fórum. Para a estatuária, 350 estátuas tiveram que ser construídas. Havia 76 estátuas em tamanho natural, mais de mil bases esculpidas para as figuras e colunas de vitória restantes e uma série das estátuas equestres acima mencionadas com 25 pés de altura. No final das contas, mais de 3.000 esboços foram desenhados para ilustrar as 27 estruturas que formariam os conjuntos. As várias configurações da Roma antiga cobriam 55 acres.
A "Batalha dos Quatro Exércitos" envolveu oito mil soldados, incluindo mil e duzentos cavaleiros, e foi filmada em uma planície em Manzanares el Real (um município de Madrid, na Espanha), o que permitiu que um grande número de soldados fossem visíveis a longa distância.
Richard Harris foi originalmente escalado como Commodus. Ele se retirou por causa de diferenças artísticas com o diretor Anthony Mann. Curiosamente, ele foi escalado como o pai de Commodus, Marcus Aurelius, em Gladiador (2000). Outro fato interessante é notar que tanto Harris quanto Douglas recusaram papéis no filme. E ambos fizeram "Heróis da Telemark", lançado um ano depois, com o próprio Anthony Mann.
Mann foi escalado para dirigir Spartacus, alguns anos antes. Mas ele foi "convidado" a sair porque não se adaptou à grandiosidade da história (ele acabou fazendo dois para Bronston, El Cid e este filme do post). Mas Douglas não entendeu que foi algo certo, se sentindo mal pela saída do diretor. Sendo assim, prometeu a Mann que trabalharia com ele novamente. Não aconteceu em "A queda do Império Romano", mas veio com "Heróis da Telemark". Detalhe: o produtor responsável por dispensar Mann foi... Kirk Douglas.
O nome do filme não se refere à queda do Império Romano propriamente dita, que de fato sobreviveu por séculos após o período retratado no filme, mas sim ao início da corrupção e decadência. Ele lida extensivamente com o problema da sucessão imperial e examina tanto a relação entre pai e filho no pano de fundo da política imperial quanto a natureza e os limites da lealdade e da amizade.
Talvez resida aí o motivo pelo qual o filme não tenha sido tão bem apreciado: um épico, em que as pessoas esperavam altas emoções, mas que mostrou o lado corrupto da política que nos gere até hoje. E já naquela época, o pessoal não se entusiasmava com o assunto.
E tantos anos depois, entendemos bem o motivo: divergências políticas segregam mais que as religiões, gerando uma irracional fúria capaz dos atos mais estapafúrdios e das crenças mais absurdas. Tempos difíceis vivemos. Mas ainda assim, podemos apreciar um épico cujo orçamento foi equivalente ao salário atual de muito ator superestimado e a corrupção não parece tão grave quanto às de hoje.
E fazendo esta comparação entre a época e hoje, proponho uma pequena viagem, para olharmos algumas paisagens marcantes da época e como elas estão hoje.
13.10.25
5. Os bravos não se rendem, Custer of the West, Robert Siodmak, 1967
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Review by Andy Summers 🤠 ★★★ 6
Film # 11-Andy's April Trip to Tombstone [tradução livre]
Este filme do diretor Robert Siodmak tem um grande protagonista na figura de Robert Shaw, um ator com uma intensidade e um lado maníaco que se encaixavam perfeitamente neste complexo personagem histórico. Shaw tinha a aparência, o cabelo e o talento para interpretar esta versão dos últimos anos de Custer no Velho Oeste. As restrições orçamentárias do filme de Siodmak fazem com que a história comece quando Custer se muda para Dakota após a Guerra Civil. Shaw interpreta muito bem o papel de durão, e ele é apoiado por sua esposa na vida real, Mary Ure, Jeffery Hunter, Ty Hardin e Lawrence Tierney, famoso por Reservoir Dogs. Tive que pesquisar no Google porque não conseguia lembrar de onde conhecia o rosto dele. Há alguma ação, muita bravata de Shaw e uma lição de história superficial de Siodmak, já que as restrições orçamentárias parecem destruir seu épico dos sonhos. Mesmo com 141 minutos, o filme parece barato, apesar de Shaw e seus companheiros ocasionalmente nos proporcionarem emoções em um cenário que não parece nem se parece com Montana. Isso porque não era, pois foi filmado na Espanha, e perde algo. Embora eu tenha gostado muito mais do que na minha única visita há vários anos, não achei épico o suficiente para um herói tão celebrado, embora um tanto controverso.
Dada a reputação do general George Armstrong Custer e a forma como ele encontrou a morte, seria de esperar que, em primeiro lugar, houvesse mais filmes sobre ele e, em segundo lugar, mais interesse pelo seu lugar na história. Todo mundo sabe como ele terminou, mas o que o cidadão comum sabe sobre o oficial da cavalaria? Ao assistir a este filme, você verá apenas os destaques finais. Ele precisava de mais detalhes, mais drama e, possivelmente, mais sangue, tripas e violência, assim como os índios faziam naquela época.
Custer era filho de um ferreiro, o último da sua turma em West Point, e não lhe faltava coragem quando se tratava de lutar. O seu serviço na Guerra Civil foi repleto de ação, desde Bull Run até Gettysburg, onde foi promovido pela sua bravura, mas havia dúvidas sobre uma tendência imprudente em que a glória era o seu único objetivo. Ele era um soldado de carreira e, quando a guerra terminou, queria mais ação, então partiu para liderar a recém-formada 7ª Cavalaria e seu encontro com o destino. Isso é o que a maioria das pessoas sabe sobre Custer, mas as pequenas curiosidades que descobri ao ler sobre ele foram realmente chocantes. Ele era casado desde 1864 com Elizabeth Bacon, mas aparentemente teve dois filhos com uma índia cheyenne chamada Mo-nah-see-tah, por volta de 1869, embora isso seja motivo de debate.
Eu também não sabia que seu irmão estava sob seu comando na Batalha de Little Big Horn, obviamente morto também, e esse fato também não é mencionado neste filme? A morte de Custer? Bem, sabíamos que ele caiu em Little Big Horn, mas como ele encontrou a morte tem sido objeto de conjecturas por historiadores ao longo dos anos. Dois ferimentos de bala, um na cabeça e outro abaixo do coração? E, de acordo com um dos tenentes do general Terry que encontrou seu corpo, ele tinha uma flecha cravada no pênis? Isso poderia ter tornado este filme uma história completamente diferente. Letterboxd
.....
Custer of the West (1967), Sunday, January 10, 2021 [tradução livre]
George Armstrong Custer tem sido tema de muitos livros, assim como sua famosa derrota na Batalha de Little Big Horn. Vários filmes foram feitos sobre ele e a batalha. O mais famoso é “They Died with Their Boots On” (1941), com Errol Flynn. Em 1967, o diretor Robert Siodmak pretendia fazer um tratamento semelhante, transformando o herói em mártir. Siodmak havia construído uma reputação como diretor de thrillers e filmes noir, e seria de se esperar que ele fosse exigente com seus atores. Mas, nesse caso, isso não se confirmou. O estúdio escalou Robert Shaw, que havia acabado de sair de “Battle of the Bulge” dois anos antes. Ele recebeu US$ 350 mil. Shaw deu uma olhada no roteiro e sentiu que era coisa dos anos 60, cara. Isso significava que o revisionismo estava em alta quando se tratava de westerns. Ele reescreveu partes do filme para tornar Custer mais vilão e os nativos americanos mais simpáticos.
Aparentemente, ele não se dava bem com Siodmak e lhe deu um soco durante a grande cena do baile e saiu do set. Não sei se foi um acordo mútuo, mas Shaw dirigiu as cenas de batalha. Por falar em “Battle of the Bulge”, Robert Ryan apareceu de graça. Ele estava na região e sentiu que devia ao produtor por ter revivido sua carreira ao escalá-lo para aquele filme. E, assim como “Battle”, este filme também foi filmado na Espanha. Isso e a falta de fidelidade histórica são semelhanças entre os filmes. E para vocês, nerds de história, outra semelhança é que a Batalha de Washita não tem neve.
O filme é uma biografia que começa com Custer liderando uma investida na Guerra Civil. E então, dois anos depois, outra investida (a mesma reutilizada?). Assim, a carreira de Custer na Guerra Civil é resumida por duas investidas contra os canhões. Quando a guerra termina, o guerreiro viciado em adrenalina é chamado à tenda do general Sheridan (Lawrence Tierney) e recebe a chance de continuar matando. Desta vez, serão os índios do Oeste. Na primeira bandeira vermelha, Sheridan é identificado como o comandante-chefe do Exército do Potomac, cargo que George Meade ocupava (pobre George, nunca recebeu o crédito). Sheridan pronuncia o julgamento da história sobre Custer: “Você pode se tornar uma lenda viva ou ser morto. Os mortos são melhores lendas”. Então, ele e Libby Custer (Mary Ure) partem para o oeste. O suspense em Siodmak surge em uma cena ridícula em que os índios amarram dois mineiros a uma carroça em fuga para uma descida por uma estrada íngreme (com POV!).
A partir daqui, tal como para aqueles caçadores, é tudo a descer. Custer encontra-se com o seu comando e entra imediatamente em conflito com o Major Reno (Ty Hardin) e o Capitão Benteen (Jeffrey Hunter). (Os dois atores aparecem juntos em cena, refutando assim a teoria de que são a mesma pessoa.) O resto do filme pega alguns momentos da biografia de Custer e os transforma a tal ponto que qualquer pessoa com conhecimento sobre Custer ficará confusa ao balançar a cabeça e concordar ao mesmo tempo. Além disso, haverá muitos puxões de cabelo e bocas abertas. O filme é um verdadeiro exercício para a sua cabeça e uma verdadeira dor de cabeça. Por exemplo, Shaw reconstitui Custer estalando o chicote quando assume o comando da 7ª Cavalaria, mas isso é exemplificado em uma cena ridícula e absurdamente longa em que ele faz os homens correrem voltas com equipamento completo, com Custer na liderança. Há uma cena de passeio de tronco que rivaliza com a atração da Disneyland e um vagão ferroviário descontrolado que cai de uma ponte. Prepare-se para mais risadas à medida que o filme se aproxima da batalha climática. A batalha parece uma paródia de peça de teatro de colégio do filme de Errol Flynn. Ou imagens do Buffalo Bill's Wild West Show.
“Custer of the West” é uma atrocidade histórica. Faz com que “They Died With Their Boots On” pareça um documentário. Esse filme já era ruim o suficiente, mas foi feito na década de 1940, então o que se poderia esperar? Este filme foi feito vinte anos depois, quando os estudiosos começaram a corrigir a adoração a Custer como herói. Shaw pode ter inclinado o roteiro para uma visão menos simpática de Custer, mas claramente ele não se importava com os eventos reais da vida de Custer. Ele está um pouco mais próximo do verdadeiro Custer do que Flynn, mas o filme ainda assim o retrata de forma errada. Ele é retratado como o caçador de glória que era, mas Shaw o interpreta mais como um cínico. Ele não é realmente simpático aos índios, ele é mais do tipo “apenas segue ordens”. Custer como um seguidor de regras, interessante... e errado. Ele também fica bêbado, o que qualquer leitura superficial sobre ele provaria que não era um vício seu. O filme é descuidado assim. Mas alguém deve ter feito alguma pesquisa na Enciclopédia Britânica (o equivalente à Wikipedia naquela época, para quem não é da geração baby boomer). Alguém com dislexia grave. Posso desculpar o fato de todos os índios e soldados terem rifles de repetição, mas os outros erros são irritantes. Ou desconcertantes. Por alguma razão que só Deus sabe, o inimigo indígena é Dull Knife! Não Crazy Horse ou Sitting Bull. A encenação da Batalha de Little Big Horn é incrivelmente ridícula.
Então, e se o tratássemos apenas como um filme de faroeste em vez de um filme histórico de guerra? Continua a ser um filme terrível. A atuação é fraca, mesmo para o Shaw. Sou fã dele, mas ele realmente não foi bem escalado. Ele nem se deu ao trabalho de deixar o cabelo crescer! Ele também não tem nada a ver com a personalidade de Custer. Isso provavelmente é bom, já que se você contrata Shaw, certamente não vai pedir para ele interpretar um dândi de cabelos compridos. Seu Custer oscila entre lutador contra os índios e defensor dos índios. O elenco deveria ter sido forte (com Hunter e Hardin), mas até mesmo os figurantes índios são ruins. A ação é mal encenada, com cenas de ação risíveis se destacando. Há várias cenas longas e sem sentido. É um filme que começa estúpido e fica cada vez mais estúpido.
Se “They Died…” é o “Coração Valente” dos filmes sobre Custer, o que isso faz de “Custer of the West”? O mais próximo que consigo pensar seria John Wayne como Genghis Khan em “The Conqueror”. Ele não antecipa o revisionismo de “Little Big Man”, que é um filme imensamente melhor. E está no extremo oposto do espectro de “Son of the Morning Star”. Se você ainda não viu nenhum dos dois, assista “Son” e pule “Custer of the West”. E, pelo amor de Deus, não aprenda história com este filme!
GRADE = F
PRECISÃO HISTÓRICA: A representação de Custer liderando ataques na Guerra Civil é simplista, mas capta a essência de seu serviço na Guerra Civil. Ele realmente se destacou em ataques corajosos e foi promovido a general mais jovem do Exército do Potomac. Após a guerra, Sheridan o convenceu a assumir o comando da 2ª Cavalaria no Texas. Sheridan não era comandante do Exército, era comandante do Distrito Militar do Sudoeste. Um ano depois, recebeu o comando da recém-criada 7ª Cavalaria. Ele realmente comandava com rigor, mas a corrida em equipamento completo não teria acontecido. Especialmente com Custer na liderança. Ele foi seguido por sua esposa Libby até os fortes do oeste. Ele tinha o major Reno e o capitão Benteen como subordinados. Eles não discordavam realmente sobre a política indígena, mas Custer tinha um problema com o alcoolismo de Reno. O filme apresenta os eventos fora de ordem. Sheridan realmente o enviou para lidar com os Cheyenne, mas isso foi depois que ele foi suspenso por abandonar seus homens no campo de batalha. Nesse incidente embaraçoso, George deixou seus homens para correr de volta para os braços de Libby. O incidente com os desertores também fez parte dessa campanha. A Batalha de Washita ocorreu em 1868, depois que Custer foi restaurado ao comando sob a insistência de Sheridan. Foi um ataque a uma aldeia indígena, mas no inverno, na neve. Custer não teria sido sarcástico ao relatar a vitória. Na verdade, ele se deleitou com ela e exagerou na “vitória” que, se não foi um massacre, certamente foi injustamente unilateral. Todas as lutas indígenas no filme até Little Big Horn (exceto Washita) são ridículas.
Em 1873, o 7º Regimento foi encarregado de proteger uma missão de levantamento ferroviário (não lenhadores) nas Black Hills. A descoberta de ouro levou ao afluxo de mineiros. Custer não foi destituído do comando, mas foi convocado a Washington para testemunhar perante uma comissão do Congresso. Ele não argumentou que o tratamento dado aos índios se devia à corrupção. Sua preocupação era com a corrupção no sistema de comércio postal. Ele acusou o secretário do Interior, Belknap, de receber propina dos comerciantes. O irmão de Grant, Orvil, fazia parte do esquema, segundo Custer. Isso piorou ainda mais seu relacionamento com Grant, já que anteriormente Custer havia prendido o filho do presidente, Fred, por embriaguez. Grant suspendeu Custer por causa de sua franqueza. Custer não escreveu uma carta a Grant, mas foi visitá-lo, sem ser autorizado a entrar. Foi a intervenção de Sherman e Sheridan que permitiu a Custer recuperar o comando. No filme, Custer delineia a campanha de Little Big Horn num mapa. Ele afirma que as partes do exército se encontrariam no rio a 25 de junho. Em primeiro lugar, esse não era o plano de Custer. Segundo, é ridículo pensar que Custer sabia a data e o local da batalha. Ainda mais engraçado é a ideia de que os índios esperavam empurrar os brancos para o outro lado do Mississippi. Eles estavam simplesmente defendendo suas terras e se recusando a ir para a reserva. O objetivo da campanha do Exército era forçá-los a ir para as reservas na área. Basicamente, o governo havia se aliado aos mineiros e Custer não tinha nenhum problema com isso.
A batalha cinematográfica é uma confusão. Custer dividiu o 7º Regimento. Reno atacou a aldeia (não há aldeia no filme). Os índios foram surpreendidos. Não houve nenhum encontro com os índios antes do ataque de Reno. Ele foi repelido e refugiou-se numa floresta, mas Benteen (que tinha sido enviado numa missão inútil) só se juntou a ele depois de ele ter recuado ainda mais para uma colina. Custer não negociou com Dull Knife. Suas companhias cavalgaram até o outro extremo da aldeia, mas provavelmente tentaram atravessar no meio. Ele foi forçado a recuar diante da pressão indígena. Seus homens não estavam realmente cercados. Eles resistiram em grupos e os índios se aproximaram furtivamente a pé no início. Eles não os cercaram a cavalo. Alguns dos homens de Benteen (não liderados por ele) tentaram chegar até Custer, mas não foram emboscados. Eles voltaram quando as chances pareciam muito grandes. Enquanto isso, o comando de Custer estava sendo reduzido. Alguns dos índios tinham rifles de repetição, mas a maioria estava armada com armas tradicionais. Nenhum dos cavaleiros tinha armas de repetição. Todos estavam armados com rifles Springfield 1873 de tiro único. Eram armas de carregamento pela culatra, mas às vezes emperravam nos momentos mais inoportunos. Custer não teria lutado com uma espada. Eles as deixaram para trás propositalmente (assim como as metralhadoras Gatling). Os índios eram liderados por Gall e Crazy Horse, com este último liderando uma carga de cavalaria que esmagou os poucos sobreviventes no final da batalha. A morte de Custer é ridícula. Ele quase certamente não foi o último homem a permanecer de pé e obviamente não teve interação com Dull Knife (que não desempenhou um papel importante na batalha). Restava um cavalo (Comanche), mas não era o cavalo de Custer. O filme omite mostrar a mutilação dos cadáveres. Embora pareça que cerca de 30 homens morreram com Custer, na verdade foram cerca de 200.
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The Magnificent 60s - Custer of the West (1967) **** by Brian Hannan
Muito mais realista do que eu esperava para uma representação de um dos maiores heróis do oeste americano, apesar de suas falhas. Muito mais sombrio, com uma abordagem contundente da corrupção endêmica nos mais altos escalões que alimentou as Guerras Indígenas. Revisionismo com impacto. E ousado o suficiente para virar os tropos do Cinerama de cabeça para baixo.
Devemos lidar com o último primeiro, porque isso revela a extensão da amargura que permeia um filme biográfico em que as grandes habilidades de um soldado são usadas de forma injustificada. Você deve se lembrar que, desde seus primórdios, o Cinerama dependia de emoções de natureza específica, que, assim como o 3D, colocavam os espectadores no lugar do motorista, apenas para assustá-los. Você estava sempre correndo em direção ao perigo, fosse descendo as corredeiras em How the West Was Won (1962) ou descendo ladeiras sinuosas em The Battle of the Bulge (1965). Sempre parecia haver um trem descontrolado à mão. De qualquer forma, era apenas uma viagem emocionante, com os ocupantes escapando ilesos.
Aqui não é assim. Os homens na carroça em fuga foram amarrados a ela. Ela desce a colina a toda velocidade, em determinado momento com uma visão invertida, mas acaba caindo do penhasco, sem escapatória para os homens. Um soldado desce um rio em um tronco para escapar dos nativos americanos. Ele consegue, mas é morto em terra firme por uma flecha. Um trem em fuga cai em uma ponte em chamas. As emoções normais, então, com um toque realista.
A recompensa para o grande herói, Custer (Robert Shaw), líder galante de sessenta cargas de cavalaria durante a Guerra Civil, é uma comissão com a 7ª Cavalaria em Dakota em uma missão descrita pelo general Sheridan (Lawrence Tierney) como “roubo puro e simples”, o roubo descarado de terras dos nativos americanos.
Essa é praticamente a primeira cena, uma análise brutal do Oeste americano, colonos gananciosos devoradores de terras que precisam de proteção, um soldado que, ao obedecer ordens, concorda tacitamente em travar uma cruzada profana, não uma guerra justificada contra a escravidão.
E Custer não herda a unidade de cavalaria de John Ford, onde todos os bêbados têm qualidades redentoras, mesmo que seja apenas para proporcionar algum humor. Seu segundo em comando, o major Reno (Ty Hardin), é alcoólatra, e quase todo o batalhão é composto por fingidos doentes. Embora mais tarde profira bobagens cavalheirescas sobre odiar máquinas, é o canhão que Custer usa contra o inimigo que proporciona a vitória inicial, permitindo a ostentação de que 255 homens conquistaram a nação Cheyenne. Mas, é claro, tal triunfalismo se mostra prematuro, com os Cheyenne e os Sioux se vingando de cidades indefesas.
Custer é apresentado com ambivalência, mas recebe uma espécie de passe livre devido à sua intolerância ao álcool, antipatia pela guerra e denúncias que apontam o dedo a funcionários do governo e empresários corruptos. Por outro lado, ele é o principal divulgador da sua própria imagem, vaidoso, sobretudo na sua determinação em vencer a Batalha de Little Big Horn sozinho, chegando um dia antes das outras forças designadas.
Ele é ao mesmo tempo implacável e reconfortante. Em vez de repreender um soldado rebelde por roubar água durante uma viagem pelo deserto, ele diz-lhe para esperar até ao pôr do sol, quando a sua sede será saciada. Mas, apesar dos repetidos tratados quebrados, ele não tem simpatia pelo chefe nativo americano Dull Knife (Kieron Moore) por não compreender que um poder superior sempre vencerá. Há um pouco demais de informação concentrada num tempo de execução relativamente curto. Um russo aparece para apontar que os Estados Unidos estão negociando a compra do Alasca. Ferrovias entram na equação, assim como uma versão inicial de um tanque. Um garimpeiro anônimo tem dentes de ouro porque gosta do “sabor do ouro”. Robert Ryan faz uma participação especial como desertor.
Tudo isso é redundante quando a venalidade que Custer enfrenta é tratada em uma cena brilhante, quando garimpeiros começam a cavar o forte na esperança de encontrar o mineral precioso.
Não sou especialista em precisão histórica, mas, em geral, independentemente de esta representação da vida e época do General Custer ser realmente verdadeira, ela certamente soa verdadeira.
O ator britânico Robert Shaw (Battle of the Bulge), com seus olhos maliciosos e seu jeito característico de falar com os lábios cerrados, não consegue dar profundidade suficiente à personagem, mas talvez isso seja culpa do roteiro, que o colocou, fora do desastroso combate final, como ainda mais heróico na arena política do que no campo de batalha. Como sua esposa, Mary Ure (Where Eagles Dare, 1968) aparece apenas esporadicamente e tem pouco a fazer. Lawrence Tierney (Reservoir Dogs, 1992) está excelente como o egoísta Sheridan. Assim como o épico Cinerama Krakatoa East of Java (1968), este sofre com a falta de estrelas reconhecíveis.
O diretor Robert Siodmak (O Pirata Vermelho, 1952) cria um western literário e revisionista que garante que a inteligência não seja ofuscada pela ação. Bernard Gordon (Krakatoa a Leste de Java) e Julian Zimet (Circus World/O Magnífico Showman, 1964) são creditados pelo roteiro.
Uma tentativa válida de usar uma lenda para explorar as questões mais importantes da época.
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Não há mais índio bom só o que está morto. A invasão capitalista na desocupação dos povos originário. Extração de minérios, de madeira e a ferrovia.
SINOPSE DE OS BRAVOS NÃO SE RENDEM
Uma espetacular produção baseada na tumultuada história do herói que se tornou uma lenda: O general George Armstrong Custer (Robert Shaw). Servindo em uma guerra civil, general Custer é enviado para o oeste para assumir o comando da 7° Cavalaria e destruir uma tribo indígena de sua reserva devido a descoberta de ouro nessas terras. Seguindo o ataque, Custer é chamado de volta para Washington, para testemunhar no congresso onde revela subornos e corrupções que envolvem o president Grant. Este filme investiga a fundo os pensamentos do general Custer e revela as motivações que levaram ao caminho da glória e fracasso.
Dálogo entre Gen. George Armstrong Custer (Robert Shaw (1927-1978) e Chief Dull Knife-Cheyennes (Kieron Moore (1924-2007)
Sou George Armstrong Custer. General do exército dos Estados Unidos.
O capitão me disse que entende nosso idioma. É verdade? Ótimo... porque convém que entenda claramente o que vou Ihe dizer.
Sei que veio ao Forte unicamente... para me ameaçar. Se eu não prometer manter os mineiros... fora do território índio, vocês os matarão. Não é verdade?
Espero que esteja perfeitamente claro... que não penso negociar quanto aos mineiros. Não há nada que possa me obrigar... a fazer promessas de nenhuma classe. Não estou em condições de fazer promessas. O que eu decidir fazer eu o farei porque me assiste o direito... segundo meu ponto de vista.
Direitos! Sei que têm direitos humanos. Os do tratado, direitos morais... e se alguma vez os esquecer tenho aqui ao capitão Benteen para me recordar disso todos os dias. Mas não sou político, nem moralista, nem pregador. E ao dizer moralista, quero dizer... que não sou o melhor dos homens. Sou militar. Os únicos direitos que me concernem... são os direitos dos meus soldados. O único dever que me concerne... é o que me impõe o comando.
Explicarei isso mais simplesmente. parece que pretendemos lhes eliminar... da face da terra não é de minha responsabilidade. O problema deve ser agora o mesmo... que quando os cheyenes ficaram com as reservas de caça de outras tribos. Não tiveram em conta seus direitos. Nem lhes importou que eles viviam ali há mil anos. Tinham mais homens e mais cavalos. Aniquilaram-nos em combate e tomaram o que queriam. Justo ou injusto, para bem ou para mau... assim é como parece que se fazem as coisas.
Isso é história e o que acontece agora também é história.
Vocês são um povo derrotado militarmente. Estão pagando o preço de seu tremendo atraso.
Pessoalmente, sejam quais sejam meus sentimentos... e não digo que os tenha nada posso fazer para mudar tudo isso. Entendeu-me?
...
Discurso de Custer no Congresso
Honoráveis membros do Senado e da Câmara de Representantes.
Durante nove dias estive escutando... seu debate sobre o problema dos índios.
Os índios não são nenhum problema. São os brancos o problema. Perguntam... por que um dia adula-se a uma tribo... e a extermina o dia seguinte? por que com uma mão assinamos tratados...e disparamos com a outra?
Só há uma resposta: Corrupção. O cidadão americano tem direito ou seja... quem são os responsáveis. E esta é a resposta.
Indaguem quem se beneficiam deste duplo jogo político. Não tem sentido investigar entre a tropa. Está desviando a investigação. Eu desafio a que encontrem um só oficial rico... em todo o exército dos Estados Unidos. Nenhum soldado tem um arca cheia de ouro em barras... nem ações da ferrovia.
Os culpados... vão ter os senhores que buscá-los aqui, em Washington. E terão que buscá-los nos cargos mais altos. Sei quais são os responsáveis... e eu vou dar seus nomes.
14.10.25
6. A Guerra de Tróia, La guerra di Troia, Giorgio Ferroni, 1961
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Guerra de Troia wiki
Sinopse: A Guerra de Tróia (La Guerra Di Troia). Filme ítalo/franco de 1961, dos gêneros aventura e épico com fundo lendário e histórico, dirigido por Giorgio Ferroni, roteirizado pelo diretor Ugo Liberatore, música de Mario Ammonini e Giovani Fusco.
Enredo: Troia se abala com a morte de Heitor, e sua liderança é assumida por Eneias (Steve Reeves) que negocia uma trégua para se reorganizar, no lado grego Ulisses (John Drew Barrymore) aceita e exige reféns e madeira. No ano dez da Guerra de Tróia, Eneias e Paris (Warner Bentivegna) sucedem Hector como os comandantes dos poderoso exércitos de Tróia. Como seu inimigo eles tem Ulisses, que desenvolveu toda uma estratégia pela qual ele, e todos os seus homens conseguirão passar escondidos pelos imensos e indestrutíveis portões de Tróia.
15.10.25
7. O Jovem Karl Marx, Le jeune Karl Marx, Raoul Peck, 2017
‘O jovem Karl Marx’ de Raoul Peck (2017): o homem que mudou o mundo
Lavra Palavra, outubro 5, 2017. Por Heribaldo Maia, graduando em História Licenciatura pela UFPE e militante da União da Juventude Comunista.
Poderia começar esse texto problematizando as formas do capitalismo censurar o filme recém lançado: O jovem Karl Marx (2017), do diretor haitiano Raoul Peck. Ou entrar num debate sobre o pensamento marxiano. Porém o filme – que expôs de forma didática pontos centrais da obra do jovem Marx (e Engels), inseriu importantes momentos da história da luta dos trabalhadores e envolveu diversos personagens da história como Proudhon, Bakunin, Bauer, etc –, apontou outro aspecto que é fundamental e que me chamou atenção (principalmente num momento em que o nome de Marx é imediatamente associado ao de um “demônio mítico que criou um exército de doutrinadores): o homem por trás do gigante pensador que foi Karl Marx.
Dessa forma não buscarei trazer nenhum debate social, político, filosófico ou econômico. Também não irei expor o método marxiano ou suas categorias. Serão apenas reflexos de quem foi afetado pelo filme.
Raoul Peck que já é famoso por sua militância no mundo da cultura, em específico no cinema visto seus diversos filmes como o premiado: Eu não sou seu negro (2016); mas também: Lumumba (2000), Abril Sangrento (2005), entre outros, encarou a difícil missão de sintetizar a vida do jovem Marx para o cinema. Peck, mais uma vez, mostrou todo seu talento ao não transformar “O jovem Karl Marx” em um filme panfletário ou numa mera propaganda marxista. Contudo isso não retirou do filme seu caráter político firme, sendo muito mais profundo e contundente que qualquer propaganda típica do realismo soviético. Esse foi o ponto alto do filme.
Apesar dos diálogos não terem sido dos mais empolgantes, creio eu que Peck prezou pela didática e em tornar o filme acessível, aliou uma sensibilidade, delicadeza e uma beleza estética. Assim que Peck, se apoiando em intensa pesquisa, nos trouxe o homem Karl Marx: o gênio temperamental, o estudioso compulsivo, o marido amoroso (porém falho como todo humano), o pai preocupado, o político agressivo e o amigo de difícil trato.
O filme mostra como foi o fato de Marx se revoltar diante da injustiça sofrida pelos mais pobres, pela desumanização promovida pelo capital, que o moveram a estudar, pesquisar e lutar por um novo mundo. Não foi coincidência o início do filme remeter ao famoso caso do “roubo de lenha”, mostrando como esse fato de sua juventude o marcou para toda a vida. O profundo senso humanista e amor a emancipação deve ter levado o jovem Marx a se perguntar: que mundo era esse que uma pessoa não tinha o direito de se esquentar no inverno? A resposta: o mundo do capital.
O homem genial, que sempre constatou em seus estudos o caráter social do homem – ao contrário do individualismo burguês –, só foi o que foi, e ainda é, porque não viveu como “uma mônada isolada”, mas se deixou construir pelas pessoas que o rodearam, em especial Engels e jenny. O filme mostra com perfeição isso. Jenny, sempre ao seu lado, o influenciou em tudo: os debates, a escolha dos títulos e o incentivo a persistir. Engels, que se Marx não tivesse conhecido talvez nunca tivesse sido quem foi, lhe indicou textos e autores, caminhos de pesquisa e políticos e o apresentou a classe trabalhadora, mas, antes de tudo, Engels também foi o amigo que o socorreu financeiramente e emocionalmente nos momentos de cansaço.
Dessa forma o filme se distanciou dos clichês propagandísticos. Peck não transformou Marx em mito, e isso é fundamental, isso que tornou “O jovem Karl Marx” um filme grandioso.
Na época em que vivemos (principalmente no Brasil) uma miséria política enorme, rodeados por “mitos”, Marx retornou nas lentes de Peck grandioso em sua humanidade e não como um ídolo ou um mito a ser seguido cegamente. Por isso, essa radical humanidade, que Marx é perigoso, por isso o filme é uma lição política. A lição de Marx, que Peck apreendeu e reproduziu tão bem, é: os homens não precisam de mitos para se libertarem, nós precisamos de homens que sonhem o novo, amem a liberdade humana e lutem por isso.
Ao contrário dos humanos, o mito olha para os demais com distanciamento visto que sua posição o torna maior que os demais. Do alto de sua posição está sempre a cima de todos. Assim sendo, o mito nos aparece como uma espécie de “salvador”, de “messias”, ao qual devemos entregar nossos destinos e esperar a redenção. Marx, humanizado no filme, aparece sentindo as dores que sentimos, amando como amamos, vendo de perto a exploração que vivemos, vacilando como qualquer um vacila, cheio de defeitos como todos nós, ou seja: humano em sua completude e concretude. Marx, o homem que mudou o mundo era apenas um homem que queria mudar o mundo. Por isso foi tão grande, por isso sempre será grande.
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Nos créditos finais do filme
"A história de todas as sociedades até nossa época tem sido a história das lutas de classes".
"A sociedade divide-se cada vez mais, em 2 grupos hostis, em duas grandes classes diametralmente opostas: A burguesia e o proletariado."
"A burguesia fez da dignidade pessoal, um simples valor de troca, e substituiu as diversas liberdades conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade do comércio e de lucro. "Ela rasgou o véu da emoção sentimental que cobria as relações familiares, reduzindo-as a simples relações monetárias." "Ela afogou os mais celestiais êxtases de fervor religioso, do sentimentalismo filisteu, nas águas geladas do cálculo egoísta."
"As crises comerciais, com a sua periodicidade, ameaçam cada vez mais a sociedades burguesa". "Impelida pela constante necessidade de novos mercados, a burguesia invade todo o globo". "E assim se desenvolve uma burguesia comercial generalizada e uma interdependência generalizada das nações".
"A burguesia moderna se assemelha a um feiticeiro que já não sabe como controlar os poderes infernais... que invocou."
MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA
"As armas de que a burguesia usou para derrubar o feudalismo, voltam-se contra ela".
A REVOLUÇÃO DE 1848 ECLODIU UM MÊS DEPOIS. ELA MOBILIZOU TODAS AS CLASSES DA EUROPA OCIDENTAL E ACABOU COM OS REGIMES GOVERNAMENTAIS AUTOCRÁTICOS. DAS SUAS RUÍNAS SURGIRIA O MOVIMENTO INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES.
O MANIFESTO DESTE PARTIDO COMUNISTA AINDA INEXISTENTE, SERIA TRADUZIDO E REIMPRESSO NO MUNDO INTEIRO ATÉ HOJE.
EXILADO NA INGLATERRA, KARL MARX, COM A AJUDA DE
JENNY E FRIEDRICH, ESCREVERIA ATÉ O FIM DA VIDA,
APESAR DE DOENÇAS E PRIVAÇÕES, A SUA OBRA-PRIMA: "O CAPITAL".
UMA OBRA ABERTA, INCOMENSURÁVEL E INACABADA, PORQUE O PRÓPRIO OBJETO
DA SUA CRÍTICA ESTÁ EM PERPÉTUO MOVIMENTO.
Em tempo
16.10.25
8. O jogo da rainha, Firebrand, Karim Aïnouz, 2023
O que mais odeio nele é que não consigo odiá-lo
16.10.25
9. E estrelando Pancho Villa, And Starring Pancho Villa as Himself, Bruce Beresford, 2003
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E estrelando Pancho Villa
O filme para TV "E Estrelando Pancho Villa", criativa produção da HBO, teve a má sorte de ter sido realizada em 2003, mesmo ano de "Angels in America", minissérie de sucesso do canal. Mesmo assim Antonio Banderas, que está em um de seus melhores momentos, chegou a concorrer ao Globo de Ouro e ao Emmy.
O filme tem um bom roteiro do experiente Larry Gelbart e foi dirigido pelo australiano Bruce Beresford ("Conduzindo Miss Daisy"). Baseado em fatos reais e com bastante senso de humor, mostra o diretor D.W. Griffith mandando ao México o jovem executivo Thayer (Eion Bailey), da produtora Mutual, que fica deslumbrado e horrorizado com o sujeito, que é brutal e fascinante. Ele tenta ajudar nas filmagens (evitando, por exemplo, ataques à noite porque são difíceis de filmar) e ficar em ângulos favoráveis para a câmera.
Eventualmente o filme rendeu um longa-metragem histórico. Tanto Thayer quanto a atriz Teddy realmente existiram assim como o filme "The Life of General Villa", que estreou em Nova York em maio de 1914 (infelizmente a fita se perdeu, restaram apenas as fotos de cena).
Embora os fatos pareçam estranhos e absurdos, os produtores garantem que 95% do que mostram é verdadeiro. Até a cena em que ela mata a mulher com um tiro na cabeça.
Custou US$ 30 milhões, um recorde para um filme de duas horas feito para a TV. Mas é um interessante e atraente registro do fascínio que o cinema exerceu sobre muitos líderes e bandidos. Vale conhecer.
17.10.25
10. Guerra de Canudos, Sergio Rezende, 1997
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Por Regina Guedes 3/20/2025
O filme de 1997 é do diretor Sérgio Rezende. Sobre a maior guerra civil ocorrida em território brasileiro, em 1890, entre republicanos soldados da nova ordem que invadiram e destruíram uma espécie de comuna rural que conclamavam ser a nova 'Revolta da Vendéia'. O conflito assolou o interior da Bahia, na localidade de um lugar chamado Monte Santo. A Guerra de Canudos durou de 1896-1897, houve 4 expedições para a destruição total de canudos. Filme também aborda algumas frases do livro de Euclides da Cunha, Os Sertões, que apesar de toda as polêmicas, ainda é um livro de suma importância para a História do Brasil
"Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair, cair sem parar" - Luiz Gonzaga, Súplica Cearense
Todo mundo deveria, acho eu, pelo menos uma vez ler ou parar para refletir um pouco desse livro, ou pelo menos já ouviu falar dessa tão clássica e pomposa obra.
O autor dialoga diversas tradições científicas ofuscados por uma falta de direcionamento de fala no seu método, ele erra na premissa, se comparar a Tucídides, mas seu 'report' relatório é mais do que partidário e vamos aos poucos explicar isso. Mas temos que admitir a importância dele para as formas escritas da nossa língua e academia.
Lembro de ter lido esse livro na época da faculdade, lembro bastante de um aulas onde queriam dizer que Euclides tinha sido crítico a guerra de canudos, denunciando como um crime, palavras de começo e fim de livro, todo o livro é uma denúncia tipológica sobre o nordestino e o nordeste. Nessa crítica, vamos tentar contextualizar a escrita e o estilo do autor.
Agora que eu li as 575 páginas desse livro, e citando o próprio Euclides, em nota a sua segunda edição, a primeira publicação do livro inteiro foi em 1902, e em 1903 já havia uma reimpressão onde fica claro o lado de Euclides na guerra:
"Não tive o intuito de defender o sertanejo porque este livro não é um livro de defesa; é infelizmente, de ataque". Ele diz com todas as letras o que se você leu o livro inteiro, vai entender também, o caráter preconceituoso e de falso julgamento científico, fruto de uma extensa descrição etnográfica sobre o "tipo sertanejo", sendo um dos três principais capítulos de análise.
Bom, ás vezes ler é realmente a arte de desfazer nós ideológicos cegos, que por nenhuma maneira, são aleatórios. Eu tenho que ser sincera e dizer que não é uma leitura gostosa, mas li o livro como um relato de viagem, como um report vindo do fronte da guerra e me lembrou aquela polêmica daquele livro, "O Fardo do Homem Branco". Apesar disso, sua obra tem erros de gênero científico e vamos nos embrenhar nessas matas da escrita de Euclides.
Isso é notável no teor da obra, como Euclides se achava o mais branco dos brancos e chega a comentar surpreso que havia umas e outras loirinhas no meio da cidadela fantasmas do fenômeno do conservadorismo popular, mas mesmo assim, devemos pelo menos ler o livro antes de "cancelar", porque até o livro que possa ser maçante e prolixo como este, tem lições de diversas áreas científicas que podem nos ensinar sobre a estrutura da forma e fazer do saber científico.
O racismo presente em Euclides da Cunha, também está presente no sudeste e na sua imprensa, não precisamos dizer que o Estadão de Euclides sempre esteve ligado com o conservadorismo.
Afinal de conta, essa guerra civil é complicada, parecida em estética com a guerra civil americana, aqui a rivalidade não tem na a ver com raça, apesar das defesas apaixonadas e transloucadas do mestre da erudição aleatória, senhor Euclides da Cunha. Como ele é apenas ou cancelado (para quem entendeu parte de seu pensamento evolucionista social), ou louvado, para quem não entendeu nada mesmo.
Muitos erroneamente marcam que Euclides haveria "denunciado" toda a extensão de crueldade com Canudos, mas ele esqueceu da morte de mulheres e e venda de crianças, e de que nem mesmo se rendendo, aquelas pessoas foram consideradas ser humano por ninguém.
Euclides falou tanto da loucura carismática abjeta e irrevogável de Antônio Conselheiro que esqueceu da sua própria loucura e de seu próprio telhado de vidro.
Conselheiro, por sua vez, considerado um sábio ainda pelas gerações atuais lá no nordeste, ele usava uma peça azul escura de um tecido de brim americano simples. Era essa a famosa vestimenta de Conselheiro.
No fim, existe uma troposfera narrativa que compara os dois, os dois tinham suas próprias visões de mundo, mas tinham suas similaridades. Ambos diagnosticaram os problemas locais e converteram isso em uma visão unilateral e que influenciou massas diferentes. Euclides falou para a massa da academia e Conselheiro, por sua vez se converteu nessa figura adorada pelo povo nordestino.
Hoje em dia, na região onde era Monte Santo, nas margens do Rio São Francisco corria certa influência por todo o nordeste, dos sertões que tanto Antônio Conselheiro conhecia com a palma da mão. Atualmente, tem até um museu para relembrar parte de sua história, de notória importância para a História do Brasil.
Apesar do flagelo e do catolicismo, vale lembrar que essas pessoas viviam com nada, e que o exército resolveu invadir não para levar comida mas para levar a "civilização", na bala se for preciso, sim, Canudos foi muito mais que um crime, foi uma vergonha que indica o quanto não são civilizado aqueles que se dizem tão civilizados.
A ironia é que Euclides mesmo depois de todo seu sucesso na capital, veio a saber que sua senhora estava de caso com um cadete muito bom de tiro, ele foi até a casa dele para tirar satisfação em um duelo (claro, na moda antiga) e morreu pro amante da mulher.
Afinal Euclides se achava superior aos "mestiços locais" de canudos e sujeito muito homem mesmo, mas no fim, ele morreu e sua esposa correu para casar com seu assassino, este foi o fim do "homem superior" que julgou tanto a vida e fez um levantamento genealógico de invejar qualquer fofoqueiro de plantão na família cearense de Antônio Conselheiro.
Talvez outro motivo para canudos, o medo das elites do Rio de Janeiro das pessoas do Ceará, isso desde Bárbara de Alencar com a nossa primeira tentativa de independência real contra Portugal, muito antes de 1822, em 1817.
Claro que podemos brincar com essa biografia, aqui não há nada de sagrado, mas talvez você aprenda uma ou duas coisas novas que não são racismo puro, que os nordestinos e seus descendentes devem dar muita risada da arrogância do sudeste, sempre presente para mostrar o "modelo de civilização avançada" .
Claro que a explicação para isso é profunda e quem vai dar é outro mestre, este um mestre popular, com cores populares, o senhor Joaquim Maria Machado de Assis, escreveu em um dos seus últimos livros a contradição da abolição da monarquia no Brasil.
Em Esaú e Jacó, Machado constrói uma lição sobre a contradição dos primeiros anos de governo republicano em Esaú e Jacó em 1904 (dois anos depois da primeira publicação formal de Os Sertões.
Dom Pedro II ( o filho dele), já era um pouco menos ruim? Ele foi entusiasta das luzes e das invenções, tinha vários projetos que nunca saíram do papel. Quando a filha dele "libertou" os escravos com a Lei Aurea, naquela época, houve até mesmo uma guarda de homens negros recém libertos que queriam proteger a princesa até a morte...
Uma coisa épica, e porque a monarquia aboliu a escravidão, sendo o penúltimo país a fazer isso. Mesmo assim, os fazendeiros (agro negócio) consideraram a suprema traição. Logo, surgiu no Brasil o fenômeno igual aos Estados Unidos atual, a ascensão do republicanismo de direita, acredito que o Brasil foi o primeiro país do mundo a passar por tal fenômeno por conta da contradição das raízes das nossas elites, eram profundamente escravocratas, foram através delas onde as "novidades" e outros importados da "civilização" e seus valores vieram a fazer parte da nacionalidade brasileira.
Na verdade o que ele fazia era propaganda de guerra, tanto que voltou ao exército depois e ganhou assento "nobre" da literatura e na aca. Mesmo o mais apologista do exército, o engenheiro Euclides da Cunha escreveu por fim para além do universo descritivo e etnográfico, ele literalmente matou a cultura junto com o exército, era membro dele e foi expulso por indisciplina, logo mais, aceito de volta no período republicano.
O problema está presente na forma e nos motivos gerais da contenda. Em História, não podemos apenas escolher um lado facilmente, mas isso em si em alguns casos significa ser injusto com a própria história. Apesar da razão que havia por parte dessa cidadela rústica, a sua pauta e agenda era uma pauta perdida, até porque, a monarquia invadiu, destruiu e reprimiu o nordeste durante todo o tempo. Essa é a contradição que surfa Canudos e sua tão mal compreendida guerra. Mas havia sim certo domínio na surdina de grupos religiosos fracamente, não tão ortodoxos, logo nascia o tradição dos padres/líderes políticos e religiosos.
No caso de Antônio Conselheiro, foi acusado de messianismo e de ter perdido a esposa por levantamentos que Euclides buscou sobre pessoas que sabiam um pouco do místico líder. Aqui em Canudos os republicanos militares estão muito distante do ideal de heróis, porém canudos queria em tese a volta da monarquia, ganhando a acusação de misticismo e messianismo.
A via a briga de republicanos vindos da capital da época (Rio de Janeiro), invadindo uma cidadela rural onde uns ou outros "acreditavam" em certo culto. Mas o motivo de reunião era outro, era a seca, era o latifúndio, era a miséria. Euclides se preocupa tanto em explicar a loucura por conta da "raça dos locais", que esquece daquilo que Josué de Castro viria a estudar com a temática estrutural em demanda.
O livro A geografia da fome é um marco das novas gerações que tentaram explicar sobre o real nordeste, mostra uma obra madura, uma obra de necessária revisão na forma de identificar os o que seriam esses crônicos "problemas geradores de miséria e fome".
durante o período republicano considerado da "República em Armas", na época de uma série de golpes de Estado marcaram os primeiros anos de república, instaurando uma administração de ordenamento militar e positivista. Um clássico filme com Selton Mello, Paulo Betti, Marieta Severo, Claudia Abreu, Tuca Andrada, Tunico Pereira, e José Wilker como Antônio Conselheiro.
Quem seria esse Sérgio Rezende? Vi aleatoriamente esses dias na Pluto TV se não me engano um filme dele.
Esse cara é um cineasta fantástico e um pouco desconhecido pela quantidade e qualidade de filmes que cria, ele é grandes épicos históricos como este filme. Ele já foi até processado pelo Jorge Caldeira que achou o filme uma cópia de uma biografia sobre o maior empresário que o Brasil já teve, o Barão de Mauá, um clássico de novo de História do Brasil, o filme também com Paulo Betti.
Ele também fez outros dois filmes clássicos com o Paulo Betti que também está no filme como um dos seguidores de Conselheiro. Outro que ele fez importante foi sobre guerrilheiro e militar Carlos Lamarca. Tem outro filme dele ótimo com a Vera Fisher e o José Wilker também, chamado Doida Demais (1989) não é um épico histórico, mas certamente os debates do filme ainda são super atuais e traz Vera Fisher em seu melhor papel da vida, sério, ela foi muito atriz nesse filme.
Era um sobre arte e cinema e contrabando, e não consigo entender como e porque seu filme ficou tão bom apesar de todos os empecilhos de se fazer um filme no Brasil, mas vemos que em Doida Demais, o filme foi aperfeiçoado em pós produção por um equipe americana antes do lançamento, ele foi apurado, ainda mais naquela época onde havia pouco dinheiro para o cinema nacional.
Depois da redemocratização, ele se embrenhou nas matas dos épicos históricos e se saiu muito bem, eu não sei como, mas ele faz uma estética única de filme, vale muito a pena conhecer sua filmografia. Para retratar o interior da Bahia foi filmada na verdade no município de Junco de Salitre para retratar a região do interior profundo da Bahia, um profundo deserto.
O personagem do jornalista representa o Euclides da Cunha, ele tinha sido no filme fotógrafo que tirou uma foto das irmãs com desconto na foto e diz depois para a moça que havia virado prostituta, essa moça pede para ele restaurar a foto da irmã, mas ele diz que não consegue salvar a foto.
No filme, a filha é a Luiza, a personagem da Claudia Abreu que não quer cair no messianismo de Conselheiro, já que é ela que tanto queria tirar uma foto, acaba fugindo da família e se vira prostituta, sua família passa a viver e acreditar na palavra de Antônio Conselheiro.
Luiza se casa com um homem que viria a ser soldado raro local da guerra, e nisso ela conhece o personagem de Selton Mello, que interpreta um engenheiro que inicialmente acreditava em toda a educação e civilidade, mas no fim estava nas trincheiras tacando dinamite nos sertanejos.
O filme é pontual e esclarecer e acerta muito em suspender na maior parte do filme um julgamento exato sobre as pessoas, elas são como são devido a sua origem, para o mal ou para o bem. Sabe-se que o verdadeiro do "guia" Antônio Conselheiro, era Antônio Vicente Mendes Maciel, e ele era de origem de uma família cearense, ele nasceu em Quixeramobim.
A interpretação de José Wilker foi incrível no filme, fazendo a gente "gostar" automaticamente pelo personagem histórico, que também é cheio de contradições. O movimento ganhou força quando começaram a construir uma cidade a partir de uma igreja. Conta-se que começaram a sentir medo de Canudos porque eles tomaram uma volta de uma mercadoria para construir a sua igreja, eles fizeram uma espécie de comboio e conseguiram pegar a carga.
O filme coloca situações que puderam fazer prosperar tanto o 'culto' e cidade de Canudos, a questão dos novos impostos, da opressão da fome e da seca e o agravamento da situação pela instabilidade política. Acontece que o filme retrata bem consegue ser fiel e mostrar bem a figura do jornalista que acompanha o cortejo de guerra, Euclides da Cunha que é citado e é personagem importante na história.
Vemos retratado a figura caricata de Moreira Cezar (nome de rua na cidade onde eu moro), ele queria chegar até o centro da luta, mas acabou morrendo pelo caminho na sanha de querer invadir canudos, morreu bem no meio do cerco ao lugar.
Alguns fatos principais históricos que podemos mencionar. Os Sertões de Euclides da Cunha é sobre um conflito dado no interior da Bahia. Dividido em 3 capítulos, um A Terra, o segundo capítulo, O Homem, e o terceiro, A Luta, cada um foca em uma forma de descrição científica, o primeiro quer descrever a topografia e a geologia da região, o segundo foca na influência do meio sobre a formação da personalidade e tipo do homem sertanejo e o terceiro foca em cobrir as 4 expedições.
Como foi o fim do conflito, onde até mesmo o mais "engajado" observava que fora um crime, mas também era um crime toda a "morte" da população local e da cultura feitas na obra de Euclides, o objetivo claro dos etnógrafos na maioria dos casos está claro nele, matar com a escrita também a resistência, não apenas a morte física, mas a morte da honra na escrita e no correr de sua pena.
O livro de Euclides foi resultado dele ter sido mandado como correspondente pelo Estadão. Ele só veio a publicar o livro em 1902. Em notas a segunda edição, Euclides retoma o argumento que muitos não entenderam de que ele "involuntariamente" contrário ao movimento de Canudos, que pode ser comparado hoje em dia, com a questão da terra (MST), ou da seca e da fome.
O livro de Euclides se divide em 3 partes essenciais do que Euclides julgava ser o cerne de explicação daquela povoação no meio do nada que parecia surgir e ressurgir com o mesmo vigor com que fora abatida a cada vez.
Livro escrito em primeira pessoa, com a narração variando para descrição morfológica, geológica e topográfica da região. Ele dá descrições não somente sobre o lugar e a história, mas também depois da página 150, começa um interessante levantamento sobre as origens da família de Conselheiro e da formação do seu caráter e sua jornada de peregrinação pelo sertão de cariri antes de seguir para o interior da Bahia.
Ele conta e reconta a trajetória messiânica de Conselheiro. Com muita lenda envolvida, já que ele escuta de quem disse ter conhecido o homem. Vale lembrar e questionar a validade do que se é transmitido e os meios.
Escreveu Euclides sobre haver cadernos escritos com profecias, onde se dizia que o sertão ia virar mar e o mar virar sertão (como nas músicas populares, 'o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão'). Outra profecia era de que em 1900 o mundo ia acabar.
Acho difícil não ser um pouco artificial, já que se contextualizar a guerra canudos, foi um conflito de proporções enormes, onde o povo faminto (descamisado) lutava por saber não ter chance para eles na nova e forçada sociedade republicana, que reproduzia e buscava aumentar o poderio da elite branca do sudeste do país e de forçar seus modos de vida, além de impostos, é claro.
Canudos foi a guerra civil no Brasil que mais matou pessoas, em torno de 25 mil pessoas de ambos os lados, vale mencionar que a "cidade" foi destruída por duas vezes durante 4 expedições. Tudo era construído de volta com o pedido e trabalho (não assalariado) do povo sertanejo que tratava o Conselheiro como santo.
Se consigo concordar com poucas análises strict sensus de Euclides da Cunha, a que mais concordo, também presente no filme é que o exército fez em Canudos foi um crime. Apesar de todo o racismo da análises, concordo que foi um massacre. O racismo de Euclides é indefensável e digno de um acompanhamento especial de análise. É um livro que deveria ser dado sempre junto ao filme, que explica pormenores subjetivos que ajudam a explicar o conflito acima de apenas taxar como bom ou mau.
Até hoje, a persona de Antônio Conselheiro é lembrada, mas na época, depois de sua morte, sua cabeça foi mandada para a faculdade de medicina na Bahia para Nina Rodriguez fazer testes para confirmar o traço louco e doente que ele teria. Ele propunha a reconstrução de casas e cemitérios e conhecia o sertão profundamente, depois de 20 anos percorrendo o trecho desértico em forma de penitência.
Existe também uma incrível contradição e erro como acadêmico por parte de Euclides da Cunha, o seu método de descrição era o etnográfico, porém a antropologia etnográfica na época estava ao ponto de inventar o secularismo analítico e o relativismo a partir do ponto de vista do nativo.
Apesar da etnografia de estudo de diário de campo, Euclides nada aprende com o meio, mas usa como referência central de antropologia generalizadoras, dessas típicas do fim do século XIX com foco do evolucionismo social e comparação entre raças e culturas, como feito por Morgan ao comparar os níveis de evolução.
A diferença é que o trabalho de Morgan apesar de pontualmente ora errado ou racista, buscava uma ideia de teoria e generalização que abarcava vários povos e civilizações, seu estudo apesar de envelhecer mal, serviu como fonte aos novos estudos da antropologia ligados ao 'difusionismo cultural', se essa nova antropologia de estudo quase jornalístico do local único e singular, não pode ser a antropologia de gabinete, enciclopédica, está aqui a natureza da maior estranheza do método científico proposto por Euclides.
Na época que Euclides escrevia também escrevia Franz Boas e já era presente a moda do relativismo cultural, ou seja, Euclides usou do mesmo método das novas antropologias que usavam de monografias e estudos de casos particulares e locais e tribos onde o objetivo era tentar ao máximo não revelar ou guiar os nativos na sua própria cultura.
Só que a diferença é que Euclides queria fazer um estudo generalizador e claro, julgador da cultura da região de apenas um lugar. Enquanto que os estudos de evolucionismo cultural de Morgan eram comparações quase enciclopédicas de diversas sociedades diferentes ao longo da história. O que é engraçado, pois todos querem cancelar Morgan, mas poucos correm para "cancelar" Euclides.
Ou seja, mesmo que ele se comparasse com Tucídides, ele não teria como ser científico e escrever o livro que escreveu. Uma coisa é a forma escrita, e o texto enseja grandes ensinamentos sobre o ato de explorar em sim, Euclides era um homem muito inteligente e versado em várias tradições, mas ele próprio não via o quanto ele poderia estar tão perdido na história quanto os sertanejos que ele tanto criticava ou invejava. Vale o comentário de que pela escrita dele, acho que sua esposa pode ser o caso de mulher que mais mereceu trair da história da humanidade, logo atrás de Leopoldina.
O erro dele é que, apesar das mil comparações com outros casos, com a revolta da Vendeia, ou com o messianismo de Conselheiro parecer com o mito do sebastianismo em Portugal, ainda é um caso local, não denota primeiro traços étnicos ou sociais gerais como normalmente é feito na antropologia. Ou seja, a antropologia generalista de gabinete não pode ir a campo, é um erro crasso do trabalho de Euclides.
Euclides da Cunha foi mandado em 1897 como correspondente do jornal Estadão. Ele foi profundamente ligado com a visão de mundo do exército, essa visão positivista de suposta superioridade. No final do conflito, ele aborda no livro, sobraria apenas 4 pessoas, depois do exército dinamitar a área ficou a sensação de que houve um desvairado uso da força. Porém, a "pauta" que defendia canudos era de vertente também extremamente conservadora e rígida.
Canudos sofreu com 4 expedições em seu territórios até ser completamente destruída, e no fim apenas sobreviveram 4 pessoas, o exército havia feito um massacre dando como justificativa que a cidadela fantasma era recinto de propaganda contrária ao novo regime e que precisava ser destruída a todo custo.
O livro aborda tudo, até mesmo uma parte onde ele critica a queda dos valores tradicionais da literatura latina perante a ascensão da influência de Bizâncio (até disso ele reclama, mas e a arte barroca, por exemplo, não é bonita?)... Mas o grosso das barbaridades eram pontuais em seu texto, o que já era de se esperar. O que é interessante é entender que esse estilo virou canônico e louvado por toda o eixo da academia, principalmente no sudeste. A república substituiu a falta de eleições para a época das eleições compradas e a toque de caixa, da época do chamado "voto de cabresto" .
Euclides com toda sua pompa e toda a prolixa linguagem que deriva, mas no capítulo A Terra existe uma descrição até bonita do clima do lugar, em uma forma de justificativa do que ele achava que produzia o homem típico do sertão, as condições duras tornavam o sertanejo um tipo forte. Mas essa força foi idealizada para exatamente gerar um certo medo para gerar recursos para esse conflito.
Em certa parte do livro onde ele não está divagando, vemos que ele encobre distorce muitas informações, tem certa parte onde ele fala de um boato de que os sertanejos iriam ter ajuda de armas vindas da Argentina, obviamente, uma mentira, um boato de que existia forças ocultas apoiando o conflito.
É complicado apontar que ele mentira em algumas informações, é óbvio que o relato entre o relato jornalístico e a descrição tem uma plausibilidade de ficção na figura do jornalista autor, mas este mesmo não sustenta seu teatro até o fim, e por fim, é entendido como também como parte do tabuleiro, essa é a forma da História, recolocar e fazer cada coisa envelhecer da forma como é em essência.
O ataque de Euclides, apesar de todo seu sucesso biográfico saiu pela culatra, hoje em dia, vemos os arroubos republicanos como na verdade, a plena continuação das injustiças que já acorriam no período monárquico. Negligenciou sua esposa que o traiu com o cabo Dilermano (exímio atirador), ao tentar lavar sua honra, ele acabou morrendo dessa forma o escritor que denunciou o messianismo e o abandono de esposa e traição que Antônio Conselheiro sofreu e que o levou a virar um andarilho e depois guia adorado local, quando ele morreu virou lenda, e sua cabeça foi usada para tentar provar teorias do racismo científico.
Vale lembrar que o IML (o morgue) da Bahia leva o nome de Nina Rodrigues que analisou a "loucura" na cabeça de Conselheiro antes de sumirem com a cabeça de vez, considerado localmente até mesmo como figura de historiador, nato taumaturgo, uma visão completamente oposta, mostrando como as tradições locais nordestinas e do Rio de Janeiro se diferem. Santo no nordeste, mas declarado insano pelo sudeste. Um destino duplo que instiga debates e curiosidade.
18.10.25
11. La Femme Musketeer, Steve Boyum, 2004
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A Filha do Mosqueteiro, ela herdou a espada.. e a coragem!
Publicado em 30/05/2025
Em A Filha do Mosqueteiro, Jacques D'Artagnan (Michael York) é um ex-mosqueteiro que treinou sua filha, Valentine (Susie Amy), para esgrimir e lutar tão bem quanto ele poderia. Ansiosa para seguir os passos de seu pai, Valentine segue para Paris, onde o Comandante Finot (Roy Dotrice) recusa a ideia de uma mosqueteira. Destemida, Valentine tenta provar seu valor resgatando a noiva do rei de um temível bando de sequestradores, e é acompanhada pelos filhos de outros mosqueteiros famosos.
19.10.25
12. Ambição acima da lei, Posse, Kirk Douglas, 1975
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Crítica | Ambição acima da lei (Posse) por Luiz Santiago, 5 de setembro de 2023
Sobre corruptos que se dizem "defensores da lei e da ordem".
Ambição Acima da Lei (cujo título original é Posse) foi o segundo e último filme dirigido por Kirk Douglas, que dois anos antes, em 1973, assinou Scalawag – As Aventuras de um Velhaco, também um faroeste. Diante do fracasso de bilheteria e da recepção entre regular e negativa da crítica, Douglas resolveu manter-se apenas na produção e na atuação dali para frente. Interpretando o papel principal em Posse, de um delegado com pretensões políticas que, na verdade, visava favorecer os acionistas da companhia de trens, o ator e diretor cria um cenário que segue a cartilha dos faroestes questionadores e um tanto cínicos dos anos 1970, fazendo cair as máscaras dos autoproclamados “homens de bem“, exibindo para todos o quanto escondiam ser tão ruins quanto os bandidos que prometiam combater.
Candidato ao Senado dos Estados Unidos, o delegado Howard Nightingale (Kirk Douglas) segue à caça de um perigoso bandido, líder de uma gangue famosa no Texas. O roteiro cria uma progressiva marcha de pessoas, mostrando a fuga e a perseguição em diferentes estágios e por diferentes pontos de vista, embora tudo acabe centralizado em Howard e no bandido que ele precisa prender para garantir sua eleição, o debochado e inteligentíssimo Jack Strawhorn (Bruce Dern, em uma divertida e leve construção de personagem). A dinâmica entre policial e fora-da-lei irá gerar uma das cenas mais interessantes do filme, numa tomada noturna, quando o candidato visita o seu prisioneiro e trava com ele uma breve, mas muito reveladora conversa. Ambos possuem ambições e são estrategistas de primeira, com a diferença que Jack veste a carapuça de bandido, enquanto Howard exibe a sua faceta de policial ilibado e futuro político limpo, com intenção de atender aos interesses do povo.
O título em português deste filme dá uma impressão bem mais megalomaníaca para o que de fato temos na tela, mas é fato que a ambição do delegado-candidato é forte o bastante para, sempre que necessário, suplantar a lei e fingir que “não há nada demais nisso“. Há um pouco de Maquiavel na construção desse personagem, e Kirk Douglas guia isso com grande competência, fazendo Howard passar pela fase de respeito, para depois jogá-lo na lama moral, assim que suas intenções ficam claras. O encerramento mostra que a população, quando está muito encantada por uma figura punitivista, demagoga, ambiciosa, moralista e narcisista, opta por ignorar problemas ligados a seu “político ou homem da lei de estimação” apenas para ver a “ordem” chegar ao poder e supostamente consertar a crise do momento. Isso, aliás, é algo perfeitamente identificável em qualquer democracia contemporânea. Mas tudo muda quando a essência desse tão adorado “punidor de respeito” é escancarada, principalmente quando ele perde o posto que ambicionava conquistar. A coroação disso vem com a figura patética e risível de Kirk Douglas chorando e gritando, enquanto o povo da cidade vira-lhe as costas.
Fora a atuação dos protagonistas e do jornalista vivido por James Stacy (num papel pequeno, mas muito bem interpretado), o filme não tem um elenco com interpretações constantemente interessantes e nem uma direção que consegue mostrar a problemática na tela com plena organicidade. Isoladamente, o filme tem ótimas cenas e sequências, mas seu encadeamento narrativo não avança para algo mais refinado e a própria derrocada dos mocinhos, quando percebem quem de fato é o seu líder, parece rápida demais. A construção da desconfiança vem num momento avançado da trama, fazendo o final do filme parecer corrido ou até “demasiadamente fácil”. No processo, a música do grande Maurice Jarre se destaca e chega a dar um grande suporte para muitas cenas, especialmente no final. Outros momentos, porém, mesmo com boa música, são dispensáveis, como a “sequência das cucarachas” e os momentos libidinosos dos homens da posse de Howard com algumas mulheres locais — embora isoladamente possamos fazer uma leitura muito boa sobre mais uma máscara social sendo retirada.
Posse é um filme bem mais político do que parece, e a despeito da direção nada polida de Kirk Douglas, reflete tão bem o tempo histórico, que sua temática sobrevive facilmente, conseguindo, em muitos aspectos, fazer mais sentido ainda no século XXI. Para nossa tristeza, algumas constituições sociais, num determinado sistema, simplesmente não mudam, e não raro aqueles que antes eram temidos por estufarem o peito e se dizerem defensores da lei e da ordem, acabam revelando-se ícones da corrupção.
19.10.25
13. Um osso duro de roer, Renegade, Enzo Barboni, 1987
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Sinopse: Renegado-um osso duro de roer (Renegade - Un Osso Troppo Duro). Longa-metragem italiano de 1987 do gênero comédia (com cenas de ação), dirigido por Enzo Barboni e estrelado por Terence Hill e Robert Vaughn. Neste filme, Terence Hill contracena com seu filho adotivo, Ross Hill, que morreria em janeiro de 1990, aos 17 anos de idade. Em um estilo de atuação preferida de Terence, "Renegade" é um filme que mescla ação, comédia e lembra os velhos filmes de faroeste, quando o vilão infringe a lei para tomar posse da terra alheia. Luke é um acomodado cowboy que vive viajando pelo sudoeste americano com o seu cavalo e aplicando pequenos golpes para sobreviver.
Enredo=Após a prisão de seu amigo, Moose (Norman Bowler), este pede para que Luke(Terence Hill) seja o tutor do filho adolescente e também para cuidar das terras recém adquiridas; sendo assim, Luke e Matt (Ross Hill) chegam a Green Heaven e lá encontram o gângster, conhecido de Luke, que colocou Moose na cadeia e planeja desocupar toda a região para construir um empreendimento imobiliário que destruirá o paraíso ecológico que é o local. Com muita briga e algumas explosões, Luke e Matt desafiam o poder de Lawson (Robert Vaughn) para restaurar a paz e a lei.
19.10.25
14. Grande Sertão, Geraldo Santos& Renato Santos Pereira, 1965
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Tesouros da Sétima Arte – “Grande Sertão: Veredas”, de Geraldo e Renato Santos Pereira
Por Octavio Caruso -14 de agosto de 2013
Grande Sertão: Veredas (1965)
“Sertão, o senhor sabe, é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado.”
Houve uma época em que o cinema nacional investia em obras de gêneros (algo essencial na formação de uma indústria cinematográfica), como nesta produção dos estúdios “Vera Cruz” (berço de Mazzaropi), que adapta o livro de João Guimarães Rosa: “Grande Sertão: Veredas”. Na época ele foi muito criticado, assim como o excelente “O Pagador de Promessas” (único filme brasileiro a receber a Palma de Ouro em Cannes, algo que não descia na goela dos realizadores do “Cinema Novo”), por ser tradicional.
A moda era levantar a bandeira da estética da fome, uma cópia disfarçada que se apropriava da originalidade do movimento neo-realista italiano e da nouvelle vague francesa. O pensamento era: “nós somos bons demais para fazer filme de terror”. O patrono desta revolução nascida de um complexo de vira-lata, que buscava desesperadamente atrair o reconhecimento intelectual e desprezava o que era popular, foi Glauber Rocha.
O legado deixado por estes “gênios” politizados e influenciados por substâncias psicotrópicas foram alguns filmes insuportáveis (ainda que incensados por muitos), direcionados para o próprio umbigo de seus realizadores e seus familiares próximos, além da interrupção de uma potencial indústria, que com erros e acertos (como qualquer uma) conseguiria formar em longo prazo um panorama mais interessante do que o que estamos presenciando hoje.
O filme cria uma ambientação perfeita, mas possui alguns problemas, como um excesso de narração em off nos primeiros quinze minutos, fazendo com que a trama demore a engatar. Como parte do ciclo de filmes que utilizavam a influência dos faroestes americanos, temos na bela fotografia de José Rosa (que anos antes havia feito “Vidas Secas”) uma forte inspiração nos trabalhos de John Ford. A câmera descritiva, em movimentos panorâmicos, explora a paisagem com o mesmo desejo em mitificar (elemento auxiliado pela trilha do gaúcho Radamés Gnattali) aqueles homens de expressões rochosas.
O belo rosto de Sônia Clara (em seu primeiro trabalho, ainda adolescente) é trabalhado pela fotografia (como na cena em que está deitada em uma rede, banhada por sombras duras, que salientam a dicotomia de sua personagem) e complementado por sua atuação plena em sutilezas. O ponto alto do filme é a constante transformação de Reinaldo em Diadorim, refletida em sua postura que se alterna entre demonstrar a firmeza do valente sertanejo e a fragilidade da jovem apaixonada.
Um dos méritos da adaptação foi modificar o momento da revelação de sua identidade, posicionando-a ainda na metade da projeção (no livro é revelado apenas no final, o que poderia soar ingênuo em uma mídia audiovisual). Gosto muito de uma bela montagem no terceiro ato, intercalando os berros silenciosos do protagonista (vivido por Maurício do Valle) desafiando o demônio, com o som de uma tempestade que se aproxima e os trovões que cruzam o céu do sertão.
Grande Sertão Veredas: Antônio Cândido sobre Guimarães Rosa - vídeo
20.10.25
15. Black Rain: A coragem de uma raça, Kuroi ame, Shôhei Imamura, 1989
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Shôhei Imamura (1926-2006) imdb
BLACK RAIN: A CORAGEM DE UMA RAÇA
Em 1989, coincidentemente, dois filmes bem diferentes foram lançados com o mesmo título. O primeiro deles, um drama japonês. O outro, um policial feito por Hollywood. O destaque aqui fica com Black Rain: A Coragem de Uma Raça, de Shohei Imamura. Com roteiro do próprio diretor, escrito junto com Masuji Ibuse e Toshiro Ishido, aborda a explosão da bomba atômica em Hiroshima dia 6 de agosto de 1945 e suas consequências. Acompanhamos aqui o casal Shigematsu (Kazuo Kitamura) e Shigeko (Etsuko Ichihara) que presencia os horrores daquela destruição e a exposição radioativa que atinge a população. A história avança cinco anos e reencontramos o casal vivendo na aldeia de Fukuyama onde tentam ajudar a jovem Yasuko (Yoshiko Tanaka) a encontrar um marido. Algo difícil pois acredita-se que ela esteja contaminada pela radiação que afetou a região. Assim como levou à loucura Yuichi (Keisuke Ishida), um jovem ex-soldado. O título faz referência à chuva de partículas radioativas que ocorreu por conta da explosão da bomba atômica, a “chuva negra”. Imamura vinha do aclamado A Balada de Narayama, realizado seis anos antes e vencedor da Palma de Ouro em Cannes. Seu estilo seco e direto vem acrescido de uma forte carga humanista que nos envolve por inteiro no drama daquelas pessoas. Em tempo: O cineasta Takashi Miike trabalhou como assistente de direção e fez uma ponta no filme. No Brasil mantiveram o título em inglês com um subtítulo para não confundir com Chuva Negra, de Ridley Scott, lançado pouco meses depois.
O FÍGADO DE HIROSHIMA: Imamura, a bomba atômica e a Segunda Guerra por Paulo Ricardo de Almeida
Black Rain, A Coragem de uma Raça, Kuroi Ame, 1989, Japão
Dr. Akagi, Kanzo Sensei, 1998, Japão/França
11 de Setembro (segmento Japão),m11'09''01 / September 11 (segment "Japan"), 2002, Japão
A sociedade ruma para o caos, o homem não aprende com os próprios erros, o mundo em processo de destruição. A infâmia e a loucura sempre marcaram o cinema de Shohei Imamura, e nada é mais infame na História japonesa do que a 2a Guerra Mundial e as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente, que varreram do mapa cerca de 300 mil vidas de uma vez. Em Black Rain, A Coragem de uma Raça, em Dr. Akagi e no episódio Japão para o 11 de Setembro, Imamura trata dos efeitos devastadores da guerra, verdadeira doença que corrói o corpo, a mente, os sentimentos e a alma daqueles que a vivenciam.
Shigematsu e Shigeku, os tios de Yasuko, querem casá-la, pois, aos 25 anos, ela passa da idade: a premissa de Black Rain é arquetípica dos filmes de Yasujiro Ozu, alguns dos quais com Shohei Imamura na assistência de direção. Porém, ao contrário de Ozu, a sobrinha não se rebela contra o casamento, uma vez que a crise dos valores tradicionais do Japão acontece, sobretudo, devido à bomba atômica – no fatídico 6 de agosto, Yasuko, além de receber a chuva negra radioativa, atravessou com os tios a Hiroshima contaminada. Um após o outro, os pretendentes desistem – já que não desejam esposa de pouca saúde que morra a qualquer instante –, exceto seu amigo de infância, de clã inferior que, embora talhe ídolos de pedra, voltou mentalmente perturbado da guerra: sempre que escuta a aproximação de veículos automotores, lança-se para "destruí-los", mesmo que apenas de forma imaginária.
Filme fúnebre, Black Rain se estrutura a partir das memórias de Shigematsu, que intercalam imagens do passado – visões aterrorizantes da cidade destruída, onde homens e mulheres, iguais a zumbis, vagam sem sentido – e do presente, cinco anos depois, em vila rural nas imediações de Hiroshima que concentra sobreviventes do "raio que mata" (impossível não associar o local aos antigos leprosários, em que os doentes eram separados do convívio social e abandonados à própria sorte). Enquanto aguarda a própria morte a da esposa, e torce para que a sobrinha não tenha sido irradiada, Shigematsu participa do enterro de três amigos que com ele estiveram em meio ao horror. São as transformações da sociedade que, se em Ozu integram o ciclo da vida (nascer, crescer, multiplicar, morrer, renascer), em Imamura são catalisadas pelas experiências trágicas da guerra e da bomba atômica, que desestruturam o núcleo familiar – o casamento impossível de Yasuko –, modificam as milenares relações entre os clãs e põem em crise a influência dos antepassados sobre os vivos – a loucura da avó após a reforma agrária, que retirou terras ancestrais da família; a obsessão de Shigeku com a cunhada morta que jamais conheceu.
Embora Black Rain esteja distante dos ângulos extremos e dos intrincados movimentos de câmera que Imamura realiza na década de 60 (em Desejo Profano, Os Pornógrafos, Profundo Desejo dos Deuses, por exemplo) – salvo a representação apocalíptica da Hiroshima atômica, emoldurada pela música de Toru Takemitsu, o campo é mostrado em plano longos, fixos, bucólicos, e os interiores em suaves contra-plongées à altura do chão, bem ao gosto de Ozu –, o cineasta permanece em busca de analogias entre homens e animais: Yasuko, já doente e à beira da morte, identifica-se, por contraste, à carpa-rainha, forte e vigorosa. No segmento Japão para 11 de Setembro, o soldado que volta da guerra prefere se comportar como a cobra, e não mais como homem: para que "ser humano", se este é capaz de perpetraras maiores violências e atrocidades contra seus pares? Na natureza, mata-se pela sobrevivência – somente na civilização, na vida em sociedade, ocorre o assassinato, o crime por motivos torpes. A melhor metáfora visual de Black Rain, todavia, não está na carpa-rainha, mas na própria fotografia em preto-e-branco, visto que se condiciona a cura de Yasuko ao surgimento do arco-íris no horizonte, o somente aconteceria se o filme fosse colorido.
Dr. Akagi (literalmente, "doutor fígado") termina quando Black Rain, a coragem de uma raça começa: com a explosão da bomba atômica em Hiroshima.
Dr. Akagi e Sonoko, sua assistente, estão no bote à deriva (imagem que Imamura já usara em Os Pornógrafos) quando assistem ao cogumelo atômico que, aos olhos do protagonista, toma a forma de fígado hipertrofiado. Correndo para lá e para cá a fim de atender aos pacientes na pequena ilha – que contém campo de prisioneiros estrangeiros – onde trabalha como médico de família, Akagi ajuda a amiga a livrar o bordel de que é dona da suspeita de tifo, esconde e trata soldado holandês foragido, vê a morte do amigo cirurgião viciado em morfina, é preso e torturado, chora a perda do único filho na Manchúria, profana túmulos para fazer pesquisas com seu microscópio e, mais importante, diagnostica "crise de fígado" em todos os doentes que lhe consultam. O encavalar de acontecimentos, que se sucedem de maneira inverossímil; a estranha figura do herói, com calças de golfe, chapéu panamá e movimentos desordenados; a hiper-atividade sexual da assistente e todos os coadjuvantes caricaturais ao redor do par central; a trilha sonora jazzística; as imagens completamente falsas de computação gráfica conferem ao filme tom leve, quase cômico, de desenho animado ao estilo Looney Tunes.
No entanto, em Dr. Akagi Imamura não suprime as críticas aos desmandos civilizatórios e à desumanidade cristalizada na prática social, bem como identifica na guerra o momento em que a falsa ordem cede ao caos, em que o descontrole total rompe a aparente tranqüilidade do cotidiano. Para Akagi, os japoneses estão doentes do fígado: glicose, repouso e alimentação saudável servem apenas para minorar os sintomas da pandemia, não para erradicar o mal. O cineasta, ao metamorfosear a nuvem radioativa em fígado hipertrofiado, transfere-o do concreto ao simbólico, do individual ao coletivo, do corpo à alma: trata-se da sociedade inteira que padece na loucura da guerra, que abdica do pouco de humano que ainda possui em troca da insensatez. E, se nos filmes precedentes do diretor, as comparações com a natureza se davam com elementos exteriores ao homem – peixes, insetos -, em Dr. Akagi (e mesmo em Black Rain: a radioatividade invisível que entra pelos poros e tritura a carne) a metáfora se estabelece com parte constituinte do próprio homem, interna a ele, como se a corrupção já fosse indissociável do apodrecimento da civilização.
Em Black Rain, o ex-soldado com pavor de motores embarca na ambulância para acompanhar a amada ao hospital. Em Dr. Akagi, Akagi e Sonoko vêem abraçados a bomba atômica que explode. Afeto: palavra em desuso que, como leme, garante ao barco à deriva a direção que ele tanto precisa.
20.10.25
16. Task, Série de TV, Brad Ingelsby (criação),2025
TASK - Outra Mare of Easttown? | Crítica da minissérie - vídeo
21.10.25
17. Através das sombras, The Shadow Strays, Timo Tjahjanto, 2024
‘Através das Sombras’ é ação brutal e sangrenta em cada cena
Giselle Costa Rosa, 17/10/2024
“Através das sombras” (The Shadow Strays), dirigido por Timo Tjahjanto, é um filme de ação e thriller lançado pela Netflix que promete e entrega cenas intensas de combate.
Conhecido por seus trabalhos anteriores em filmes como “A Noite nos Persegue” e “Os 4 Malfeitores”, Tjahjanto se aprofunda mais uma vez em um mundo de assassinos impiedosos e sequências de luta minuciosamente coreografadas.
O filme, que combina artes marciais, tiroteios e uma trama simples, foca no visual e na brutalidade, deixando pouco espaço para diálogos profundos ou desenvolvimento de personagens.
Sinopse do filme Através das sombras (2024)
A trama gira em torno de um sindicato de assassinos chamado “Através das Sombras”, composto por indivíduos extremamente habilidosos. A protagonista, conhecida como 13 (interpretada por Aurora Ribero), é uma jovem assassina de apenas 17 anos, mas já com vasta experiência no mundo do crime. Após uma missão desastrosa no Japão, onde as coisas saem do controle, ela é afastada de suas atividades.
Porém, quando o jovem Monji, seu vizinho de 11 anos, é sequestrado por criminosos que também matam sua mãe, 13 decide desafiar as ordens de seus superiores para salvá-lo. Nessa jornada, ela enfrenta seus próprios colegas assassinos, em uma luta que desafia sua lealdade e habilidades.
Crítica de Através das sombras, da Netflix
“Através das Sombras” é, sem dúvida, um filme para os amantes de ação extrema. As cenas de luta são espetaculares, com coreografias que impressionam pela precisão e intensidade, graças à colaboração dos talentosos coreógrafos de dublês Muhammad Irfan e Trisna Irawan, que também trabalharam no clássico “Operação Invasão”. Cada confronto é executado com maestria, trazendo uma sensação de urgência e violência visceral que mantém o público na ponta da cadeira.
Entretanto, para quem busca um enredo mais complexo ou diálogos bem elaborados, o filme pode parecer um tanto superficial. A narrativa é simples e direta: uma jovem assassina tentando resgatar um menino em meio a uma onda de crimes e traições. Embora isso funcione dentro do contexto proposto, “Através das Sombras” se apoia fortemente nas cenas de ação, deixando pouco espaço para explorar profundamente os personagens ou suas motivações.
Aurora Ribero entrega uma atuação sólida como 13, mostrando habilidade tanto nas cenas de ação quanto nos momentos mais emocionais. Sua relação com o jovem Monji, embora tocante, não é suficientemente explorada, o que poderia ter dado mais profundidade à trama. Hana Malasan, no papel de Umbra, a mentora de 13, também se destaca, trazendo uma certa frieza e calculismo que complementam bem a narrativa.
O maior ponto fraco do filme é sua duração. Com quase 2 horas e meia, “Através das sombras” acaba se prolongando mais do que o necessário, com cenas de ação que, embora impressionantes, poderiam ter sido encurtadas sem perder seu impacto. Ainda assim, para os fãs do estilo brutal e sangrento que Timo Tjahjanto domina, o filme oferece entretenimento de sobra.
Conclusão
“Através das sombras” é um espetáculo visual repleto de ação e violência, perfeito para os fãs do gênero. Apesar de sua simplicidade narrativa e da longa duração, o filme brilha em suas cenas de luta e na forma como retrata um mundo de assassinos sem piedade.
Se você está em busca de uma experiência intensa e sanguinolenta, esta produção da Netflix cumpre o que promete. Para quem prefere um enredo mais elaborado, talvez essa não seja a escolha ideal. Contudo, dentro de sua proposta, “Através das Sombras” é um sucesso inegável.
22.10.25
18. Amazonas, maior rio do mundo, Silvino Santos, 1918
Amazonas, o maior rio do mundo (1918) - Isso não existe maisPor Bruno Carmelo
O principal interesse deste documentário reside em sua própria existência. Lançado nos cinemas em 2023, ele foi realizado entre os anos de 1918 e 1920 por Silvino Santos, “cineasta da selva”, em sua primeira incursão audiovisual pela região amazônica. No entanto, o material em película era considerado perdido, até ser redescoberto e restaurado. Chega aos olhos dos espectadores 105 anos após sua filmagem, em momento distinto de compreensão do Brasil e do cinema.
Por isso, Amazonas, o Maior Rio do Mundo passa a ser interpretado por sua excepcionalidade, além de sintoma de uma época. Seduz menos pela perspectiva acerca do país no início do século XX do que pela capacidade do acervo cinematográfico em desaparecer e ressurgir. O aspecto fantasmático inerente a toda captação em imagens (afinal, o elemento apreendido diz respeito a algo que se produziu em frente à câmera em algum instante do passado) adquire outro patamar através de um filme encontrado tal qual um artefato arqueológico.
Tal reflexão nos leva ao debate acerca da preservação da arte e da cultura. Antes, perdiam-se os filmes pela dificuldade de conservar o nitrato, pelo descaso das autoridades, pelo caráter inflamável da película. Agora, somem as produções devido à volatilidade e ausência de materialidade das mídias digitais. Plataformas de streaming travam, encerram as atividades, retiram títulos do catálogo. Ontem e hoje, o cinema revela, mas também oculta e é ocultado.
"Cabe, aos espectadores e críticos de hoje, emprestar a compreensão de mundo de 2023. Logo, nota-se o olhar mercadológico ao Rio Amazonas e seus arredores."
Neste caso, Santos destina seu olhar etnográfico à Amazônia, que se encontra, em nossos tempos, consideravelmente reduzida, destruída, atacada por motivações econômicas e por governos omissos. É impossível assistir ao material pela perspectiva da época em que foi criado. Cabe, aos espectadores e críticos de hoje, emprestar à imagem a compreensão de mundo de 2023, ainda que não condigam com a intenção inicial de seu criador. Devido às imprevisibilidades do circuito exibidor, esta obra chega aos cinemas na mesma época dos blockbusters da Marvel, dos filmes independentes de grandes festivais, dos documentários (auto)biográficos em primeira pessoa.
Logo, nota-se o olhar mercadológico ao Rio Amazonas e seus arredores. Ao invés de destacar a beleza da região e a importância do patrimônio, como talvez fariam as produções contemporâneas, o média-metragem destaca o potencial lucrativo desta região brasileira. Ressalta o valor da borracha, da madeira, da pele e carne dos animais, dos peixes encontrados nas águas. Pode-se ganhar muito dinheiro aqui, sugere cada uma das cenas. Deste modo, assemelha-se a uma peça promocional ao capital internacional — o equivalente de “o agro é pop” de 105 anos atrás.
Em consequência, explica-se o Amazonas ao olhar estrangeiro. O filme não visa exatamente o público brasileiro, ou pelo menos, não o cidadão desta parte do país. Neste sentido, é relevante que o material tenha sido restaurado pela Cinemateca de Praga, que lhe emprestou letreiros em língua tcheca. O diretor destaca a flora e a fauna a quem não as conheça, abraçando o exotismo digno da perspectiva alheia àquela realidade. Prioriza tudo aquilo que soa diferente, estranho, curioso. Olhem as casas flutuantes! Veja como os indígenas decoram seus corpos! Descubra o tamanho dos peixes-bois que vivem no rio! Conheça as imensas vitórias-régias!
O cinema se faz prova de verdade e de existência, mas também vitrine ao mundo. Hoje, esta perspectiva transborda de racismo ao descrever indígenas enquanto “tribos selvagens”, ao observar pessoas sem nenhum interesse por sua subjetividade. Conforme se distancia das aldeias, os letreiros apontam: “Aqui, a terra se torna mais civilizada”. Filmam-se os espaços enquanto paisagens distantes, passíveis de apreensão (venha e veja por si próprio!), enquanto os seres humanos se transformam em massas indistintas de autóctones. Pessoas são como árvores ou onças-pintadas: meras peças de mobília neste cômodo tão engraçado e diferente do nosso.
Isso porque Santos assume a perspectiva de quem não pertence àquele meio, e filma enquanto estrangeiro surpreso, deslumbrado, ao invés de acostumado ao local e próximo aos habitantes. “Mais uma etapa da nossa jornada”, avisam os letreiros da obra muda. “Nossa jornada se encerra aqui”, alerta rumo à conclusão. Fica clara a impressão de viagem à Amazônia, pela perspectiva turística, com tudo de positivo e negativo que esta postura possa significar.
Nos nossos dias, chama a atenção a raridade de presenciar um filme mudo (sem trilha sonora acrescentada) no circuito comercial. Impressiona o agenciamento de imagens que não estejam focadas no rosto humano, e nem necessariamente no corpo humano enquanto elemento organizador do quadro. A montagem intercala sequências de natureza em ordem próxima da aleatoriedade, em oposição aos conceitos posteriores de narrativa ou linearidade.
As cenas de animais, rios e árvores poderiam ser organizadas em qualquer outra estrutura, sem prejuízo particular ao resultado. Interessam em si próprias, pela dificuldade da captação, mais do que pela riqueza de discurso obtido através da aproximação entre elas. Amazonas, o Maior Rio do Mundo se converte, aos olhos contemporâneos, numa obra retórica. Assistimos à obra perdida de mais de cem anos atrás, ao invés de um documentário de Silvino Santos a respeito do Rio Amazonas. A restauração se faz arqueologia, e o cinema dos nossos tempos encontra a função museológica da imagem.
André Bazin discutia, em seus escritos, a preservação cinematográfica do real em âmbar, para a descoberta de futuras gerações. De maneira consciente ou não, esta forma de arte portaria valor em sua própria iniciativa, para além dos elementos representados. Alguns cineastas e críticos de cinema assumem a intenção de deixar às sociedades futuras uma prova de nossa percepção de mundo no tempo em que nos encontramos. Pois bem, as interpretações mudaram, inevitavelmente. Assistimos a este documentário com o intuito de ver algo que não existe mais.
Há um aspecto amargo ao perceber que a natureza se degradou, os povos indígenas foram massacrados, junto a um curioso alívio em notar que descobrimos formas mais responsáveis, menos fetichistas e exploradoras, de travar contato com culturas diferentes daquela dos homens brancos. Ganhamos em reflexão sobre a natureza (humana e geográfica), perdemos na existência de uma natureza a partir da qual refletir. Com Amazonas, o Maior Rio do Mundo, desapareceram a película, a floresta, a maneira de ver o Brasil e a realidade. À nossa geração, resta um filme de fantasmas.
Bruno Carmelo: Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e da FIPRESCI (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle — Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Papo de Cinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua — Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema.
Amazonas, maior rio do mundo (1918-1920) - Estreia hoje na Itália o filme amazônico perdido de Silvino Santos, de mais de cem anos, identificado a partir de pesquisa de docente da UFPA Sávio Stoco
23.10.25
19. Disclaimer, Série de TV, Alfonso Cuarón, 2024
'Disclaimer' | Crítica: Cate Blanchett brilha em suspense de vingança 'envolvente'
Caryn James, Role,Da BBC Culture, 11 novembro 2024
Disponível no Apple TV +, a nova série Disclaimer traz dois nomes que por si só já valem o "play" na sua TV: Cate Blanchett, atriz ganhadora de dois Oscars (por Blue Jasmine e O Aviador); e o diretor mexicano Alfonso Cuarón, que também já levou duas estatuetas para casa (por Roma e Gravidade).
Neste texto, a crítica de cinema da BBC Caryn James explica por que deu 4 de 5 estrelas para a produção "inteligente e belamente filmada".
Em seus filmes mais deslumbrantes, como Filhos da Esperança, Alfonso Cuarón confia que o público vai acompanhar sua direção, por mais sinuoso que seja o caminho narrativo.
Essa abordagem brilha em Disclaimer, uma série cheia de reviravoltas que aborda o tema eterno — e mais atual do que nunca — da ficção versus realidade.
Cate Blanchett protagoniza no papel intrigante de Catherine Ravenscroft, uma famosa jornalista investigativa que recebe anonimamente um romance no qual ela é, indiscutivelmente, a personagem central, uma mulher deplorável.
Disclaimer pode não trazer uma nova perspectiva sobre como nossa imaginação preenche as lacunas da realidade, mas Cuarón e Blanchett tornam a série uma experiência envolvente e inteligente.
Cuarón escreveu e dirigiu todos os setes episódios, desacelerando o ritmo relação à obra original, o romance de 2015 de Renée Knight. A história alterna entre passado e presente, revelando detalhes gradualmente, inicialmente com certa confusão intencional.
Vemos um jovem casal fazendo sexo em um trem viajando pela Europa, mas ainda não sabemos quem são. Em seguida conhecemos um professor aposentado de Londres com o nome peculiar de Stephen Brigstocke, interpretado por Kevin Kline com um prazer diabólico.
Stephen acaba de descobrir um romance escrito por sua falecida esposa.
Reconhecendo Catherine na história, ele publica o livro sob um pseudônimo e o envia para a jornalista, com o aviso usual encontrado em obras de ficção alterado para: "Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas não é mera coincidência".
Não é o papel mais desafiador que Blanchett já interpretou, mas ela está, como sempre, extremamente convincente, intensificando o sofrimento de Catherine a cada nova provocação de Stephen, que ameaça arruinar sua vida.
Ele a culpa por uma tragédia que o marcou e, em busca de vingança, segue enviando fotos ainda mais impactantes que o próprio romance.
Blanchett navega pela atuação com maestria. Catherine se torna cada vez mais frenética, mas ainda assim permanece simpática em seu desespero, independentemente de como ela possa — ou não — ter agido anos antes.
Kline interpreta Stephen com grande precisão. Ele está profundamente abalado pela perda da esposa, falecida há nove anos, e anda por aí vestindo o velho cardigã rosa dela.
Ao mesmo tempo, revela-se amargo em relação aos seus ex-alunos. À medida que seu plano avança, ele finge ser um velho triste quando conveniente, mas logo dá as costas e exibe um sorriso ardiloso que revela sua verdadeira intenção.
Stephen se torna desprezível, mas Kline é sempre fascinante de assistir.
Kodi Smit-McPhee é comovente como o filho infeliz e sem rumo de Catherine.
Já Sacha Baron Cohen, um pouco deslocado no elenco, interpreta o marido de Catherine, Robert, com uma peruca incompreensivelmente ruim. Sua atuação engessada torna Robert mais tolo e ingênuo do que o personagem pretendia ser.
A primeira parte da série apresenta o enredo de vingança e os esforços de Catherine para encontrar — e silenciar — Stephen.
Grande parte dos episódios do meio da série é dedicada a flashbacks, muitos dos quais se passam na Itália. Os grandes diretores de fotografia Emmanuel Lubezki e Bruno Delbonnel criam uma estética etérea e sedutora por lá, mas também conseguem fazer até os dias mais chuvosos de Londres parecerem radiantes.
Lesley Manville está comovente no papel de Nancy, esposa de Stephen, que mergulha em uma depressão profunda após a morte de seu filho adolescente, Jonathan (Louis Partridge).
Outros flashbacks recriam cenas do romance escrito por Nancy, com Leila George interpretando uma Catherine mais jovem.
Essa parte do meio também é a mais sensual da série, lembrando que Cuarón é um mestre do erotismo sutil, algo que remonta ao filme E a tua mãe também (2001).
Aqui, ele carrega as palavras e os olhares com tensão sexual. No entanto, Nancy não poderia ter testemunhado tudo o que escreveu no livro, e a história de Cuarón se torna ainda mais provocante.
Numa narração de fundo em primeira pessoa, frequentemente ouvimos Stephen explicando seus planos, tornando o público cúmplice de seu esquema.
Mas a narração alternada do ponto de vista de Catherine, onde uma voz sem corpo (Indira Varma) a chama de "você", é apenas irritante. Quando uma Catherine angustiada se olha no espelho após ler o romance, ouvimos: "Você já viu esse rosto antes. Esperava nunca mais vê-lo. Sua máscara caiu."Blanchett nos permite ver o que Catherine está sentindo. Não há necessidade de explicar seus pensamentos.
Narradores são frequentemente não confiáveis e memórias são subjetivas, tanto na ficção quanto na realidade.
O motivo pelo qual alguns personagens de Disclaimer demoram tanto para perceber isso é um tanto difícil de entender. No entanto, isso quase não importa, já que Cuarón nos guia por esse constante e fascinante labirinto de possibilidades.
24.10.25
20.Adriano Imperador, Série de TV, 2022, Susanna Lira
Série sobre Adriano promete: 'o que ele faz na Vila Cruzeiro? Vamos contar'
Gabriel Carneiro, UOL, em São Paulo, 20/07/2022
Adriano Imperador está longe do futebol desde 2016, odeia dar entrevista, marca presença em eventos públicos muito selecionados e não parece ligar muito para as opiniões que têm sobre ele. Pode soar irônico, mas amanhã (21) estreia uma série protagonizada pelo ex-jogador que promete falar sobre tudo que gravita em torno de seu "universo polêmico". Tentativa, diz a diretora da obra Susanna Lira, de "desvendar e traduzir" o homem por trás do ídolo.
O lançamento é do serviço de streaming Paramount+, o mesmo que transmitirá a Libertadores a partir de 2023 e que aposta forte no futebol. A série sobre Adriano é uma das apostas e estreia no primeiro minuto da quinta-feira.
São três episódios. O primeiro tem 45 minutos de duração e começa a cumprir a promessa mencionada pela diretora ao focar não no Adriano, mas na Vila Cruzeiro. Esse é o nome da favela localizada no bairro da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, onde o ex-jogador nasceu, foi criado, viveu a infância e a juventude e voltou depois de adulto para se curar da depressão e reencontrar o propósito.
"As pessoas perguntam: 'O que o Adriano tanto vai fazer na Vila Cruzeiro?'. Elas vão descobrir na série", adianta Susanna Lira. O fato de Adriano ter largado a carreira ainda em alta e contratos milionários na Europa e no Brasil para passar mais tempo na Vila Cruzeiro gerou polêmica e incompreensão por anos. Ainda gera, de certa forma. Mas nos primeiros momentos do episódio inicial de "Adriano, Imperador", dois recados já estão na mesa.
É onde eu nasci, onde eu fui criado, onde me sinto à vontade para ser o Adriano." Eu gosto de rir, brincar, estar com meus amigos, fazer churrasco. Eu sou complicado? Você que tá complicando."
"O império está onde ele quer" A série apresenta um acervo de imagens inédito da infância e da juventude de Adriano. Foi a primeira vez que um tio do ex-jogador chamado Pedro Paulo, apelidado de Papau, liberou filmagens caseiras em VHS para serem exibidas. "Eu tenho um relicário na minha casa para o Tio Papau. Viva às famílias que investiram no VHS", brinca a diretora Susanna Lira, que usou as imagens à profusão. Além deste recurso, a série tem várias entrevistas com Adriano e outras com Ronaldo, Zanetti, Petkovic, Léo Moura, Aloísio Chulapa, Massimo Moratti (ex-presidente da Inter de Milão) e amigos e familiares.
Claro que os papos com os grandes craques são valiosos, mas os retratos da infância é que arrebatam em "Adriano, Imperador". As imagens falam, jogam na cara, o que prende Adriano àquele lugar. O que tem lá que ele gosta tanto.
Uma das cenas icônicas mostra cinco amigos e Thiago, irmão do Imperador, resenhando à beira da quadrinha na Vila Cruzeiro onde o ídolo da Inter de Milão deu os primeiros chutes. Ali, eles contam em clima descontraído que o pai de Adriano era meio pai de todos os meninos da favela, porque era envolvido com tudo que dizia respeito ao futebol por lá. Em Almir, o Mirim, técnico do time da comunidade, as mães confiavam os filhos para que fugissem da "vida errada". Um amigo conta que foi barrado de um jogo amador porque chegou com um copo de cerveja na quadrinha. Outro, porque arrumou confusão na escola na semana anterior. Todos naquele encontro mostram estar muito unidos, entrosados, cúmplices e saudosos de Mirim.
"A imprensa gosta de falar questões superficiais sobre a vida dele, então ter tempo de aprofundar e conhecer a pessoa e sua história foi muito importante. Julgam muito quando na verdade as pessoas precisam ser compreendidas. Não no sentido de passar pano, porque tive toda a liberdade de fazer a série da maneira como tinha que ser. Para mim, a morte do pai é um ponto de virada na vida do Adriano. É quando tudo mudou e fez o império dele estar onde ele queria que estivesse", conta a diretoria da série.
O pai de Adriano morreu em 11 de agosto de 2004 aos 44 anos. Isso foi logo depois do título da Copa América pela seleção brasileira e desencadeou no jogador que vivia o auge pela Inter de Milão os efeitos que lhe acompanharam até o fim da carreira, em 2016. "Eu não consegui mais parar de pensar. Se eu fosse para o treino, se eu fosse para puta que o pariu, eu não conseguia esquecer", desabafa Adriano ao longo da série documental, antes de revelar que foi nessa época em que começou a "entrar na cachaça" e notar uma queda de desempenho. Os demônios também estão presentes em "Adriano, Imperador".
Por exemplo: o episódio de abertura da série já menciona de cara a denúncia contra o ex-atacante, em 2014, por associação para o tráfico de drogas na Vila Cruzeiro. A promessa é de que o assunto será explorado na sequência. Adriano foi absolvido pela Justiça do Rio de Janeiro dois anos depois. O material de divulgação da obra também diz que ela fala de "conflitos, fama, dinheiro, escândalos, carros, mulheres e depressão". Nada de passar pano.
Assim define Susanna Lira: "A vulnerabilidade é a força dele. Essa força se mostrou quando ele aprendeu a fingir menos, a ser mais real, mesmo que perdesse algumas coisas no caminho. Num mundo em que todos têm que ganhar o tempo todo, ele tomou a decisão certa antes que sucumbisse." Adriano parou cedo. Jogou só a Copa do Mundo de 2006 pela seleção e não atingiu o patamar esperado. Mas se tudo tivesse dado tão certo e seguido o roteiro calculado das histórias dos grandes craques, talvez não tivesse a emoção e os tombos e imperfeições que motivam a assistir.
25.10.25
21. Servant, Série TV, criação:Tony Basgallop, 2019–2023
Conhece Servant? Veja tudo sobre a série de suspense com bebê reborn e ator de Harry Potter
SERVANT - É PARA EXPLODIR NOSSA CABEÇA - vídeo
28.10.25
22. O garoto mais bonito do mundo, Världens vackraste pojke, Kristina Lindström&Kristian Petri, 2021
Björn Andrésen imdb
O garoto mais bonito do mundo por Bruno Carmelo
Sinopse: A vida do ator Björn Andresen foi drasticamente alterada quando, na juventude, ele foi escolhido para viver Tadzio no filme Morte em Veneza, do diretor italiano Luchino Visconti. Mais de 50 anos depois, isso ainda o persegue.
Crítica
Duas vertentes paralelas organizam a narrativa deste documentário. A primeira delas, evocada no título, diz respeito ao filme Morte em Veneza (1971), de Luchino Visconti, quando o adolescente Björn Andrésen foi escolhido para interpretar o menino por quem um intelectual (Dirk Bogarde) se apaixona. O diretor italiano levou anos em busca do “garoto mais bonito do mundo”, até encontrar o sueco de 15 anos de idade e transformá-lo num ícone mundial. O primeiro terço da trama se dedica exclusivamente a este episódio, revelando materiais raros de making of e questionando a decisão perversa de despir uma criança para os propósitos da câmera. Ele foi utilizado para reforçar a fama de um cineasta poderoso, e então devolvido à vida de classe média-baixa. Os criadores tentam compreender a fascinação do cineasta pelo garoto, e o poder exercido um no outro. A questão ética surge, ainda que de maneira discreta: teria sido uma forma de abuso praticada por adultos sobre um menino? O cinema é responsável pelo impacto das obras na vida dos atores pós-exibição? A conversão de Andrésen em ícone de beleza constitui um caso de erotização da infância? Até que ponto estamos dispostos a tolerar tais atos em nome da arte?
Numa segunda parte, abandona-se a metalinguagem. Passada a associação do protagonista com Tadzio, ele é visto na fase adulta, aos 66 anos, vivendo num apartamento precário e imundo. Os diretores Kristian Petri e Kristina Lindström relembram a ausência do pai e morte trágica da mãe quando ainda era pequeno. Ele sempre teve dificuldade de se relacionar afetivamente com as mulheres, tornando-se, por sua vez, um pai ausente. Neste segmento, Andrésen, o ator, se transforma em Andrésen, sujeito comum envolto em mortes, depressão e incontáveis traumas familiares. Após colocá-lo num pedestal, na condição de ícone idealizado, os cineastas demonstram prazer equivalente em retirá-lo do topo. Eles se focam no apartamento caindo aos pedaços, no corpo envelhecido, no fogão imundo. Ao invés de uma história de redenção, desenham a trajetória de queda, do ápice à beira do anonimato. Nesta parte, o herói vira um sujeito melancólico, carente e solitário. O velho Tadzio não possui fãs, algo frisado com insistência pelo longa. Corredores vazios, música de suspense, cores azuladas e frias reforçam seu estado emocional ao limite da psicopatologia.
O problema se encontra na tentativa de unir os dois movimentos. O garoto mais bonito do mundo (2021) afirma que seu personagem foi um astro explorado, e depois, explica que se tornou um homem triste, mas teima em encontrar uma relação entre ambos. A associação óbvia seria de causa e consequência: Andrésen teria conhecido a depressão por causa da experiência no clássico de Visconti. No entanto, o roteiro evita este caminho. Outra possibilidade seria de concessão: o protagonista viveria em tais condições apesar do papel famoso, ou seja, teria conquistado certo anonimato e independência após o assédio da mídia. Ora, o longa-metragem tampouco aposta nesta relação. Resta uma mísera sucessão de dados: ele foi famoso, e não é mais (ao invés do “mas”). Petri e Lindström efetuam belo trabalho de descrição, em ritmo agradável e contemplativo. Quando chega a hora da reflexão a partir dos fatos, interrompem o discurso. Morte em Veneza teria destruído a vida do menino? O veterano italiano se converteu numa figura paterna substituta? O menino encontrou nos admiradores adultos o afeto de que foi privado na infância? A vulnerabilidade de ter descoberto o cadáver da mãe o deixou propenso aos abusos? Todas estas teses seriam plausíveis, contanto que bem fundamentadas. No entanto, o filme evita qualquer hipótese de ordem psicológica.
Algo tão impressionante quanto a obsessão da câmera pelo protagonista é o tratamento estético oferecido pelos criadores. Trata-se de uma produção com amplos recursos financeiros, capa de viajar a diversos países, restaurar materiais de arquivo raros, efetuar lânguidos planos-sequência numa sauna, pelas ruas, nas ruínas do hotel utilizado por Visconti. A fotografia efetua um trabalho ostensivo de baixas luzes, como se o herói vivesse num eterno crepúsculo. A melodia da trilha sonora, em pianos tristes e percussões assustadoras, sustenta o aspecto de mistério, enquanto a dissociação total entre voz e imagem, aplicando o som a cenas etéreas do homem nas termas, ou jogado na cama de um quarto de hotel, reforça uma nostalgia evidente por si própria. O cuidado com a luz e os enquadramentos revela tamanha rigidez que o resultado remete a uma propaganda de perfumes, ou a um desfile de moda. A decadência se faz elegante; a miséria emocional é embalada em planos brilhosos e perfeccionistas. A estética vai além da redundância, passando a explorar a dupla sina de Andrésen: a de astro explorado, e de astro abandonado. Conforme a narrativa avança, os choros se multiplicam, os sussurros se fazem mais presentes, e a música capricha no tom lacrimoso. Se inicialmente tentava compreender seu protagonista, aos poucos o documentário passa a ter piedade do mesmo.
O garoto mais bonito do mundo ainda incomoda pela associação constante entre homossexualidade e pedofilia. Na época do lançamento de Morte em Veneza, o amor platônico da ficção levantou questionamentos nesse sentido, mas a polêmica se dissipou. Os diretores a retomam com vigor, relembrando duas vezes que o cineasta era gay assumido, assim como toda a equipe, e sugerindo em pelo menos duas oportunidades que Andrésen teria sido violentado pelos profissionais da obra italiana. Caso abusos tenham ocorrido, precisam ser levados a sério, com provas e argumentos contra os responsáveis.
No entanto, a insinuação constante e vaga de que, por serem gays, os homens seriam propensos a fazer sexo com um jovem de 15 anos provoca forte desconforto. “É como se, na cabeça deles, estivessem me fazendo um boquete”, explica o homem adulto, numa fala que a montagem faz questão de preservar. Novas afirmações de teor semelhante surgem na trama. A princípio, parte-se da delicada e complexa relação sobre os deveres éticos do cinema e a influência tóxica dos grandes autores. Aos poucos, descola-se do mundo do cinema para investir na espetacularização do sofrimento alheio. O ato de filmar, ao vivo e em close-up, as lágrimas de um sujeito idoso lendo o boletim policial que descreve a morte de sua mãe diz muito sobre a fronteira nada tênue entre empatia e exploração. O projeto contrário à violência de que Andrésen foi vítima não se distancia tanto dos algozes que critica.
29.10.25
23. Morte em Veneza, Morte a Venezia, Luchino Visconti, 1971
Morte em Veneza (1971): Uma crise de criatividade e um romance impossível são usados para refletir o contexto boêmio e decadente de antes das grandes guerras
Por Matheus Bastos, 9/01/2023
Gustav von Aschenbach, um renomado compositor austríaco, viaja para Veneza em busca de inspiração e descanso. Lá, ele se hospeda em um luxuoso hotel à beira-mar, onde conhece Tadzio, um belo jovem polonês que está de férias com sua família. Gustav fica fascinado pela beleza e inocência de Tadzio, e começa a segui-lo pela cidade, sem nunca se aproximar ou falar com ele. Enquanto isso, uma epidemia de cólera se espalha por Veneza, mas Gustav ignora os avisos e permanece na cidade, obcecado por Tadzio. O filme retrata a decadência física e moral de Gustav, que se entrega a um amor platônico e impossível
O filme, assim como o livro, tem uma premissa de gênero muito interessante. Ao falar logo no título a palavra "morte", quer de propósito nos jogar logo de cara no gênero criminal, de detetive e investigação. E nesse gênero, é comum vermos primeiro a morte e depois a investigação dessa morte. Aqui passamos todo o filme/livro nos questionando: quem morreu ou vai morrer?
No meio, somos provocados pela figura do escritor apaixonado por um rapaz de beleza extremamente feminina. Aqui é preciso destacar a incrível perspicácia do diretor do filme, Visconti, que soube construir psicologicamente cada transição psicológica do filme. Como na primeira vez que ele vê Tadzio, onde ele tenta ignorar mas a câmera continua focar em Tadzio, ressaltando sua beleza que é ambígua, nos fazendo constantemente pensar se inicialmente não estamos olhando para uma mulher.
Logo na sequência, o autor trava um debate filosófico com um amigo, que obviamente é um tropo do próprio autor. No quarto de hotel, eles travam um debate psicológico e filosófico sobre o verdadeiro valor dos sentimentos em perspectiva com a arte e a existência humana. Para ser bem pragmático, de um lado o protagonista está falando sobre a educação, a arte e a ciência em um plano geral, enquanto um projeto humano. Por isso, para ele, a arte é como a ciência e a educação, possuindo a missão de passar sabedoria, por isso ele não acredita que seja possível um envolvimento real, pessoal, e romântico com seu objeto, uma vez que isso "corromperia" a arte, em uma visão bem similar a cristã, mas que preserva pelo progresso e pela ciência.
Já seu amigo, acredita que isso nada tem a ver com a real arte, uma vez que se o mal existe ele deve ser representado. Logo, para conhecer a verdade, o autor, da arte ou da ciência deve "se envolver", se contaminar, para só assim entender a malícia humana. Em termos estéticos e de arte, essa visão está certa, uma vez que propõe que toda a elevação cultural do ocidente, principalmente europeia, é uma farsa. Porém, em termos políticos, que é o tom do debate do amigo, essa ideia de romper com o estabelecido, na arte e na ciência remeteria ao pensamento, que no contexto de Thomas Mann, levaria ao nazismo pelo senso de "reparação histórica". Só que tão pouco o puritanismo cristão do autor parece a solução.
Aqui, além de estar debatendo a questão de separação entre trabalho de campo e o trabalho teórico, a sequência busca debater com é o lugar da arte, da literatura, perante o trabalho científico e acadêmico. Ela subverte e vulgariza a ciência ou está junto no processo civilizacional de "disseminar as luzes"?
Se pensarmos a questão das formas de Tadzio e de sua beleza, querem refletir a nossa própria noção do que é belo. A "musa inspiradora" tem as formas perfeitas de um homem, o que faz muito sentido se pensarmos que diversos pintores do Renascimento italiano eram homossexuais e introduziam na arte a sua noção de belo através da simetria das formas, que podem inclusive ser masculinas. Isso seria o desvelar de uma farsa, a da "musa", já que a inspiração poderia vir de qualquer lugar, ou seria um pensamento machista e antirromântico pela dúvida que provoca a arte? Esse é o ponto de a Morte em Veneza.
O ponto para a trama é que o protagonista se moraliza e por si só, estabelecendo ele mesmo por seus preceitos artístico que o romance com Tadzio é impossível, mesmo que ele observe que o garoto é aberto para um amizade mais "colorida" com um dos amigos. Entretanto, ao mesmo tempo, o protagonista não consegue deixar Veneza. Um, por que sua mala foi despachada errado. Dois, pois obviamente está apaixonado por Tadzio e sabe que ao partir tudo acabou, se tornando apenas mais uma história de verão.
Assim, passamos por mais alguns momentos interessantes e geniais da direção, tudo parece uma tragédia cômica que ri da cara do protagonista, e ele sabe disso.
A certa altura, todos são acometidos por uma epidemia de varíola, fazendo parecer que agora todos os personagens estão presos juntos em uma quarentena. Só que agora, o tom trágico e de morte já tomou conta dos becos de Veneza, fazendo com que mesmo que consumado, o romance de Tadzio seria apenas um jardim no parque das elites. Ainda mais depois da epidemia de cólera que assolou a região.
Temos então a épica cena do protagonista no barbeiro. Ele faz o famoso "serviço completo", aparando barba, cabelo e bigode, ainda passando uma maquiagem no rosto, como era costume na época. Só que pelo olhar do próprio diretor e para audiência contemporânea, a cena é cheia de ironia pois é como se ele estivesse se montando, e assumindo sua sexualidade gay, dentro do costume mais ultrapassado dos homens antiquados do início do século XX, que passavam a maquiagem no rosto para se declarar para amada em um serenada a luz da lua, onde a maquiagem ajudaria a reconhecer seu rosto mesmo com a pouca luz.
Aqui precisarei contar o final do filme, pois a reflexão total do filme só faz sentido comentando o final. Acontece que no momento onde ele parecia que ia se declarar, o homem fica tão estupefato com a beleza de Tadzio (ou provavelmente também foi impactado pela doença) que sucumbe por não conseguir se declarar. A tradição, a moralidade e até mesmo sua visão do que seria a "missão do escritor" e da sabedoria, se declarar em uma sociedade conservadora e hierarquia, era o mesmo que a morte.
Assim, nos é revelado de quem a é a "morte em Veneza" apenas no final, e é do próprio protagonista, que morre por amor e não por assassinato. É extremamente criativo, original e irônico, uma vez que entrega libertinagem das elites do final do XIX para o início do XX, ao espectro de uma tragédia das elites.
O filme reflete como o conhecimento, a sabedoria, é profundamente impactado por nossas paixões, onde tentar recalcar essas paixões pode ser destruidor.
O livro, A Morte em Veneza, aborda o bloqueio criativo de um autor frente a uma paixonite não correspondida, ele comenta do caráter bucólico e romântico de Veneza e suas pequenas canoas, as ruas estreitas, muito antigas e muito românticas, que são na verdade muito sujas são mencionadas pelo autor. Vemos essa retroalimentação na questão do autor Thomas Mann se colocar no lugar e vice e versa do autor. Vemos então a diferença quase surreal das duas partes do livro A Morte em Veneza sobre esse espírito da juventude perdida que o autor busca encontrar na paisagem italiana. Lá ele fica hospedado em Lido.
Já o segundo capítulo que é quase um livro a parte. "TonioKröger" é sobre a infância e os desejos não realizados da vida do autor, com o tema do exílio do artista da realidade. Podemos pensar a obra de Mann como uma intensa alegoria dos sentimentos em relação a arte e a criação artística que obedece padrões mesmo que a maioria das pessoas entendam arte como apenas dom e originalidade, isso dentro do campo do senso comum. A Morte em Veneza, que por sua vez já aborda a vida do autor depois de tragédias e consagrações, altos e baixos.
Sendo inspirado na experiência pessoal do autor que se hospedou em um hotel em Veneza em 1911 e ficou impressionado com a beleza de um rapaz. Mann também se baseou na vida de Gustav Mahler, em sua aparência física e background. O diretor Luchino Viscondi, ao fazer o filme em 1971, optou por colocar Aschenbach como um compositor de música mesmo e usar diretamente as obras de Mahler na trilha sonora. A novela também chegou a ser adaptada para ópera por Benjamin Briitten em 1973.
Também é mencionado que o lugar que ele viaja que é idílico fora de Munique de onde ele veio originalmente (já que é um turista alemão), seu desprezo pelo lugar é descrito por ele como “gente maltrapilha e simples. Mas mesmo assim essas pessoas capturam sua fascinação e seu olhar. Ele se aventura por uma pequena ilha no mar adriático, onde tinha uma casa de campo em Trieste. Mas é no Hotel Balneário onde ele conheceu Tadzio e se apaixonou simbolicamente pelo rapaz, o "muso" que seduziu seus pensamentos macabros. Em Veneza, a descrição normalmente romântica do lugar sede a ideia de uma cidade fedida de cheiro e doente em miasmas.
O autor se apaixona platonicamente pelo jovem, o qual o ator já foi conhecido como o homem “mais bonito do mundo”, Tadzio, é descrito no livro como um garoto na puberdade com cabelos loiros e angelicais, e membro caloroso de uma família grande de mulheres que o criava com muito zelo e amor, onde a caretice da educação feminina tornava todas as meninas meio sem graça, pelo penteado liso e pelas roupas censuradas. Mas não o menino, ele era apenas amor, parecia no livro uma descrição da educação grega livre, onde aos homens que é permitido o comportamento de musa. Na vida real, o ator que fez o filme e que recebeu essa maldição na época, exatamente como descrito no livro, de ser "o garoto mais bonito do mundo", teve uma vida trágica.
Ainda há uma crítica aqui ao estilo psicológico de livros como “Os Miseráveis”, pois o protagonista teria escrito uma obra similar. Olha essa ironia: “Um Miserável”, é o livro pretenso do autor da estória. O velhaco autor representa a velha Europa frente a cultura popular, e o autor representa o imenso ego da condição de existência de um autor, e sua forma de arte é perpassada por aqueles paradigmas antigos de Nietszche sobre arte, música, autor, nação e nacionalismo.
Aschenback representa além da velha Europa, o engessamento do intelectual de laboratório frente as novidades da cultura popular. Esse estranhamento é visto pela inveja da experiência fora do campo da arte, que é o campo onde as representações são impregnadas da técnica de gênios que que por sua vez, se inspiram em diversos elementos, como na música de Wagner, por exemplo, e o intrínseco nacionalismo romântico escrito por ele em suas peças teatrais.
Ao final, a vida do protagonista é perdida quando ele tem um treco ao ver seu desejo interno refletido na realidade presente dele. Ele vê o objeto de seu desejo, gostando de um garoto mais velho mas dentro da idade, quando ele vê o objeto desejo, desejando por si uma sexualidade e uma autonomia, ele perde o controle e morre. Sua vida de cenografia e tragédias que lhe renderam fama tinha acabado e sem nenhum legado (já que perdeu sua família antes mesmo de começar a estória do livro).
O que nos leva a uma reflexão mais profunda ainda: se a atração por Tadzio está associado a sua beleza e jovialidade, não seria sua atração por ele também a vontade de reparar o filho e a família perdida? A volta aos anos de jovialidade que não volta...
Ele chegou a perseguir o menino e sua família para ficar de olho nele, um tanto doentio para quem sabia que não poderia tomar uma atitude. Na verdade, a relação não é amorosa, é uma relação de admiração enquanto objeto do homem velho em relação ao menino que lhe servia de muso de inspiração.
Há aqui toda uma piada elaborada, Aschenback seria o tipo de cara que “quase chegava lá” em termos de arte, quando a tragédia atacou sua vida, foi coroado com uma “arte madura” por parte de sua crítica. Sua inspiração é fornecida em contexto de viagem, de hedonismo, quando ele vê no garoto Tadzio a juventude livre e colorida, sem nem pensar muito ou se precisar se justificar, Tadzio não era apenas objeto de seu desejo, era como uma pintura que indicava um tipo de ideal grego, clássico, fora do alcance. O protagonista, um autor de musicais de renome alemão morre na praia diante do objeto de seu desejo fora de seu alcance, pode-se dizer que morreu disso, de desejo…
“Decorreram alguns minutos antes que alguém acudisse ao hóspede que acabara de desmaiar, com o corpo prostrado sobre o braço da cadeira. Levaram-no ao quarto. E no mesmo dia ainda o mundo recebeu com reverência e comoção a notícia de sua morte.” (P.81)
Ou seja, vivenciando sua homossexualidade sem medo e sem ajuda abusiva de alguém externo que o usa como musa inspiradora. Há aqui uma crítica ao caráter artificial e fictício da arte e de sua potência de representação, o jovem belo é apenas uma paisagem, como ele é a fantasia mais afável aos dias finais do autor de renome, ele também significa a risada das crianças que inocentes brincam na rua, o sucesso dos vendedores de rua e a lotação amena e cultural de locais como Veneza, que são bonitos e arquitetônicos, porém velhos e muito sujos. Por isso livro e filme mostram o processo de higienização de lavar as ruas e passar cal.
Não é um um filme fácil e está longe de ser puramente "divertido". Entretanto é um filme profundo, reflexivo, que faz refletir sobre questões de ética, uma vez que está cercado de humanismo e ironia, para buscar entender a dimensão de um relacionamento fora do padrão e que, ao mesmo tempo, é trágico. Por isso, entra naquela categoria de filmes necessários, pois aborda questões humanas e filosóficas que atingem todos nós. Em contextos histórico, o livro é um bom retrato do clima boemio e decadente do início do século XX na Europa, e que vai levar as duas grandes guerras. Já o filme, sabe com perfeição aprofundar a tragédia, a piada, uma vez que já era a metade do século, e aquilo que podia conter certa beleza nos relatos de Mann, fica empoeirado pela polvora do cinismo de Visconti, que reflete a beleza dessa época, mas como esse "romance" do popular com a "Belle Époque", com a burguesia, estava fadado ao fracasso pelas grandes guerras, nunca maus sendo retomado.
Em outras palavras, é um filme para poucos. Você pode tanto amar, como odiar, o que não torna o filme ruim. Um dos filmes que mais recomendo no momento, pois está super atual.
História e produção do filme
Visconti filmou muitas das cenas no Grand Hôtel des Bains localizado no Lido de Veneza, onde Thomas Mann havia passado férias em 1911, o que inspirou o conto. Juntamente com a família, o jovem Visconti integrou no ano seguinte a distinta companhia do hotel, que retrataria fielmente no seu filme quase 60 anos depois. Além do seu charme cosmopolita, também exala a elegância discreta encontrada no Grand Hôtel de Balbec de Marcel Proust. Junto com Death in Venice, Visconti também planejou iniciar uma adaptação cinematográfica de In Search of Lost Time, um projeto que nunca verá a luz do dia. Para Death in Venice, as cenas retrospectivas foram filmadas na Áustria e no norte da Itália.
No início houve dificuldades organizacionais e legais, pois os direitos do filme já haviam sido concedidos. A administradora do patrimônio Erika Mann os havia vendido em 1963 por US $ 18.000 ao ator e diretor José Ferrer e ao produtor de cinema Joseph Besch, que então encomendou um roteiro de HAL Craig (de), no qual Aschenbach era escritor como no conto. A princípio, Ferrer queria dirigir o filme, mas depois desistiu em favor de Franco Zeffirelli.
O papel principal foi recusado por atores conhecidos. Além de John Gielgud e Burt Lancaster, Alec Guinness também desistiu. Para Piers Paul Reads, esta é a “maior oportunidade perdida” da sua vida, já que é um dos raros atores capazes de retratar um escritor de forma convincente. Após longas negociações entre os advogados, um contrato foi assinado em março de 1970, pelo qual Ferrer, que inicialmente queria assumir o papel de Aschenbach, vendeu seus direitos a Visconti por 72.000 dólares americanos.
Desde o tiroteio, surgiram conflitos e altercações, principalmente por causa da relação entre Mahler e Aschenbach. O famoso modelo literário, a grande empresa cinematográfica e nomes como Visconti e Bogarde contribuíram para que a adaptação fosse aguardada com curiosidade e discussões antes mesmo de o filme chegar aos cinemas. Este interesse traduziu-se em artigos de imprensa e contribuições para revistas cinematográficas e literárias, que tratavam da transformação do escritor em compositor e da música utilizada.
O artigo mais influente foi o longo artigo Visconti in Venice do crítico de cinema americano Hollis Alpert, publicado em agosto de 1970 na Saturday Review, um renomado semanário. Alpert viajou a Veneza para discutir com Visconti os trabalhos em andamento. Como o diretor não estava disponível, o crítico recorreu a Dirk Bogarde, que se dispôs a falar sobre o filme e seu papel e a quem considerava uma fonte confiável. Bogarde relatou uma anedota de Visconti que o teria levado a transformar o escritor em um compositor do início do século XX: Thomas Mann teria conhecido em um trem, na volta de Veneza, um homem de cinquenta e um anos - velho chorando, com cabelos tingidos e maquiagem ruim, visivelmente em grande angústia. Ele teria falado com ele e saberia que se tratava de Gustav Mahlerele mesmo, apaixonado por um menino que personificava beleza, pureza e inocência. Ao final do filme, Bogarde estaria na praia no papel de Aschenbach e observaria o menino que logo deixaria Veneza, infestado de cólera.
O encontro no trem não aconteceu e é pura invenção. Isso não poderia acontecer, até porque o compositor, sofrendo de uma doença cardíaca, foi atormentado por outras preocupações durante os últimos estágios de sua vida em Nova York, Paris e finalmente Viena. Como Alpert descreve, as primeiras tentativas de maquiagem fizeram o ator parecer estranhamente semelhante a Mahler, que parecia muito próximo dos envolvidos, então eles optaram por uma semelhança com Thomas Mann.
O artigo de Alpert gerou inúmeras cartas de leitores da revista. Assim, em outubro do mesmo ano, a viúva de Thomas Mann, Katia, sublinhou que a anedota do encontro no comboio era excêntrica e que “o protagonista e a trama [...] não tinham absolutamente nenhuma relação com Mahler”. A segunda filha de Mahler, Anna, também reagiu e negou "qualquer intenção da parte de Thomas Mann de identificar Aschenbach com Mahler". Ela se referiu a uma carta de Golo Mann que supostamente falava de mentira. Visconti também negou qualquer semelhança física com Mahler.
No entanto, o próprio Thomas Mann sublinhou a relação entre o famoso compositor e a personagem do seu conto. Numa carta de 25 de março de 1921, escreveu ao historiador de arte Wolfgang Born (de) que a morte de Mahler, da qual soube "na Ilha Brioni " através da imprensa vienense, foi incorporada ao conceito de novo.
A "personalidade intensa e devoradora" do músico causou "a impressão mais forte" nele. Os “tremores da sua morte” teriam “misturado com as impressões e ideias” que “deram origem à notícia”. Ele teria dado ao seu “herói da decadência orgiástica não apenas o primeiro nome do grande músico”, mas também “a máscara de Mahler” na descrição exterior. A última imagem da coleção, intitulada Der Tod, mostra a cabeça de Aschenbach e “inconfundivelmente” traz as feições de Mahler. A carta foi publicada como prefácio do livro ilustrado Der Tod in Venedig, que continha nove litografias de Wolfgang Born.
Visconti decidiu prescindir da música composta especialmente para o filme e convocou, além de Gustav Mahler, outros compositores como Modest Mussorgsky, Ludwig van Beethoven e Franz Lehár (The Merry Widow ).
Visconti usa o adagie pós-romântico da Quinta Sinfonia de Mahler muitas vezes para transmitir o humor de Aschenbach. No conto, as poucas alusões à música estão ligadas a momentos em que o subconsciente de Aschenbach se expressa ou em que a racionalidade e a cultura parecem ameaçadas pela loucura ambiente. No filme, por outro lado, é uma parte contínua e integrante da obra.
Tendo outras obras de Mahler tocadas para ele, Visconti ouviu a peça um dia e ficou surpreso com a perfeição com que combinava com os movimentos e imagens, "o corte, todo o ritmo, como se tivesse sido composto especialmente para isso". Da cena de abertura à cena da morte, ela ressoa quatro vezes em longos trechos e uma vez em versão para piano no primeiro flashback, onde Alfried a executa ao piano. O caráter intimista dessa música lenta marca o filme e acompanha os movimentos do protagonista por Veneza. O mesmo vale para a parte central mais dinâmica, marcada por uma inquieta escala cromática wagneriana, que alude ao leitmotiv do olhar em Tristão e Isolda. O adagio fundamenta a busca solitária de Aschenbach por algo novo em uma melancolia insistente e sugere que as esperanças escondidas em seu desejo de beleza são vãs.
O filme teve sua estreia mundial em Londres em 1º de março de 1971, na presença da Rainha Elizabeth II e da Princesa Anne, e arrecadou fundos para a preservação de Veneza. Na Itália foi lançado em5 de março de 1971 em Milão. Na França, sai em23 de maio de 1971 no Festival de Cinema de Cannes de 1971 e lançado nacionalmente em4 de junho de 1971. Morte em Veneza foi lançado na Alemanha Ocidental em 4 de junho de 1971; a primeira transmissão de televisão estava no ar em14 de março de 1993 no canal ZDF. Na Alemanha Oriental, foi exibido pela primeira vez em 1974.
Por meio de certas declarações, Katia Mann e Visconti tentaram evitar potenciais escândalos que, no entanto, eclodiram após o lançamento do filme. Klaus Pringsheim, cunhado de Thomas Mann, enviou uma forte carta de protesto à produtora cinematográfica. Ele falou de um “crime de dupla calúnia” tanto contra Mahler, “cuja imagem venerável é lamentavelmente desonrada”, quanto contra Thomas Mann, cujo “romance” (sic) é estigmatizado como fonte de calúnia para “milhões de espectadores que não t lê-lo. Seria necessário “fazer algo para reparar uma injustiça imperdoável e proteger os nomes de dois gigantes da literatura e da música europeias de novos insultos”. A carta aberta foi assinado por maestros como Otto Klemperer, Fritz Mahler (de) e Wolfgang Sawallisch, bem como pelo presidente da Internationale Gustav Mahler Gesellschaft (de) Erwin Ratz e foi publicado em dezembro de 1972 na revista Österreichische Musikzeitschrift (de) sob o título Protest gegen Mahler-Diffamierung .
Foi veiculado que o enredo do filme "foi baseado [...] em um episódio da vida de Gustav Mahler", o que contraria os fatos e o conto, que está ligado à experiência pessoal de Mann em Veneza em 1911 e que, de resto, é produto da sua imaginação. Aschenbach certamente apresenta algumas referências autobiográficas, mas é “um personagem inventado”. Tadzio é “a imagem de um belo rapaz” que o autor conheceu na cidade e que hoje vive em Varsóviacomo Barão Wladyslaw Moes. Em homenagem ao compositor, Thomas Mann teria escolhido o primeiro nome Gustav e dado-lhe a aparência de Mahler. Visconti foi acusado de falsificar o relato e a sua base histórica; alusões à morte da menina e uma passagem da Quarta Sinfonia , com a qual Alfried gostaria de apoiar as suas teses, teriam feito acreditar na autenticidade.
Katia Mann confirmou que a descrição detalhada de Tadzio se deveu justamente à sua viagem a Veneza. Em entrevista tardia, ela explicou que o 'menino muito charmoso, bonito como um deus, com cerca de treze anos' com seu 'terno de marinheiro, gola aberta e uma bela malha' chamou a atenção do marido. Ficara fascinado, amara-o “mais do que a razão” e “sempre o observara na praia com os seus camaradas”, embora não o tivesse “seguido por toda a Veneza”.
Em uma resposta de Mann para o filme ele disse: "Nada é inventado, o viajante no cemitério de Munique, o barco escuro para vindo da Ilha de Pola, o velho dândi, o gondoleiro desconfiado, Tadzio e sua família, a partida perdida por causa de bagagem extraviada, cólera, o funcionário da agência de viagens que confessou a verdade, o charlatão perverso, isso eu sei… Era tudo verdade.
A história é essencialmente uma história de morte, a morte vista como uma força de sedução e imortalidade, uma história sobre o desejo de morte. Porém, o problema que me interessou sobretudo foi o da ambiguidade do artista, a tragédia do domínio da sua Arte. A paixão como desordem e degradação foi o verdadeiro tema da minha ficção.
O que eu originalmente queria contar não tinha nada a ver com homossexualidade; foi a história do último amor de Goethe aos setenta anos, por Ulrike von Levetzow, uma jovem de Marienbad: uma história perversa, bela, grotesca e perturbadora que se tornou a Morte em Veneza. A isto juntou-se a experiência desta viagem lírica e pessoal que me fez decidir levar as coisas ao extremo introduzindo o tema do amor proibido. O fato erótico aqui é uma aventura antiburguesa, tanto sensual quanto espiritual. Stefan George disse que em Morte em Veneza tudo o que é elevado é reduzido à decadência e ele está certo.", concluiu Mann.
Depois de um tempo, as coisas se acalmaram, principalmente quando Michael Thomas Mann saiu em defesa de Visconti em outra carta aberta, justificando sua abordagem pela técnica de seu pai. A notícia foi bem transposta para o cinema e a “aposta artística” teve sucesso, porque as “relações latentes com Mahler tornaram-se visíveis e audíveis”. O "Aschenbach na tela" foi, no entanto, "um homem quebrado desde o início [...], um excêntrico neurótico" que morreu "tristemente " e não tinha a altura de queda schopenhaueriana do original .
Comentários
ogjane1 de setembro de 2023 às 14:16
Palavras do próprio Thomas Mann, interrogado por Visconti em 1951 a respeito desse filme - está em francês, mas os interessados poderão traduzir com uma ferramenta do Google:
[tradução livre] “Nada foi inventado: o viajante no cemitério de Munique, o barco sombrio vindo da Ilha de Pola, o velho dândi, o gondoleiro suspeito, Tadzio e sua família, a partida perdida por causa da bagagem extraviada, a cólera, o funcionário da agência de viagens que confessou a verdade, o malvado saltimbanco, o que sei eu... Tudo era verdade.
A história é essencialmente uma história de morte, morte considerada como uma força de sedução e imortalidade, uma história sobre o desejo da morte. No entanto, o problema que mais me interessava era a ambiguidade do artista, a tragédia do domínio de sua arte. A paixão como desordem e degradação era o verdadeiro tema da minha ficção.
O que eu queria contar originalmente não tinha nada de homossexual; era a história do último amor de Goethe aos setenta anos, por Ulrike von Levetzow, uma jovem de Marienbad: uma história cruel, bela, grotesca e perturbadora que se tornou A Morte em Veneza. A isso se somou a experiência dessa viagem lírica e pessoal que me levou a levar as coisas ao extremo, introduzindo o tema do amor proibido. O fato erótico é aqui uma aventura antiburguesa, ao mesmo tempo sensual e espiritual.
Stefan George disse que em A morte em Veneza tudo o que há de mais elevado é rebaixado a se tornar decadente, e ele está certo."
Responder
Matheus Bastos2 de setembro de 2023 às 15:11
Obrigado pela contribuição, acrescentarei ao texto a tradução.
Em tempo
Death in Venice-Gustav Mahler- Adagietto (from Symphony N°5)
30.10.25
24. Renegando o meu sangue, Run of the Arrow, Samuel Fuller, 1957
RENEGANDO O MEU SANGUE por Jacques Lourcelles
(Run of the Arrow). 1957. RKO (86 minutos). Produção: Samuel Fuller para a Globe Enterprises. Roteiro: Samuel Fuller. Fotografia: Joseph Biroc (RKO-Scope, Technicolor). Música: Victor Young. Cenografia: Albert S. D’Agostino, Jack Okey (a.d.), Bert Granger (s.d.). Montagem: Gene Fowler Jr. Elenco: Rod Steiger (soldado O’Meara), Sarita Montiel (Yellow Moccasin), Brian Keith (capitão Clark), Ralph Meeker (tenente Driscoll), Jay C. Flippen (Walking Coyote), Charles Bronson (Blue Buffalo), Olive Carey (sra. O’Meara), H. M. Wynant (Crazy Wolf), Neyle Morrow (tenente Stockwell), Frank DeKova (Red Cloud), Coronel Tim McCoy (general Allen), Stuart Randall (Coronel Taylor), Frank Warner (tocador de banjo à ponte), Billy Miller (Silent Tongue), Chuck Hayward (cabo responsável pela sela), Chuck Roberson (sargento que se afoga na areia movediça).
Mais ainda que os seus outros filmes, os quatro westerns de Fuller constituem uma fabulosa saga da diferença, da raiva de si e dos outros e do impossível desejo de mudar de pele. Em Matei Jesse James, Bob Ford, por amar demais Jesse James, mata-o e aquiesce para o resto de sua vida ao uniforme de traidor. Em O Barão aventureiro, James Addison Reavis, para satisfazer seu orgulho imenso e seu patriotismo louco, rouba e se apropria de um Estado inteiro. Em Dragões da violência uma mulher, descontente do mais profundo de si mesma de sua feminilidade e sentindo também que a ordem que irá se instalar irá lhe varrer inexoravelmente, torna-se a condutora de quarenta assassinos que ela conduz a toda velocidade rumo à destruição e à morte. Em Renegando o meu sangue, um soldado desencantado, vencido e cheio de raiva contra o seu país e sua raça quer se transformar em outro, quer se tornar um Sioux. Renegando o meu sangue, o mais aprimorado dos filmes de Fuller, é também o mais fundamentalmente barroco. A decupagem oferece uma colisão contínua entre planos muito diferentes na sua duração e suas escalas (ver a antológica sequência de abertura, antes e durante os créditos). A progressão sabiamente caótica da narrativa encadeia sem transição cenas de diálogo e de debate e cenas de ação e violência. Um máximo de tensão barroca é obtido do fato de que a narrativa é em primeira pessoa (como em vários filmes de Fuller) e que ao mesmo tempo essa subjetividade dilacerada, esfacelada se encontra situada num contexto histórico factualmente verídico, objetivo e minuciosamente reconstruído.
Em Fuller, a verdade de uma época brota da descrição interior dos personagens que têm mais a sofrer nessa época. E a serenidade - porque finalmente Renegando o meu sangue desemboca sobre uma certa serenidade - emana de uma evocação sem compromisso dos extremos. Para Fuller, somente esse conhecimento dos extremos poderá favorecer a emergência de um eventual humanismo. Será necessário que seu personagem vá até o fim do seu impasse para poder abrir os olhos sobre si mesmo. No que concerne sua forma, tudo em Renegando o meu sangue é de uma genial perfeição no excesso: a escritura e a mise en scène, tão integradas uma à outra (Fuller escreve como metteur en scène e filma como escritor); o Technicolor de Joseph Biroc, em alguns momentos rutilante e esmerado, em outros brando e sereno; a interpretação de Rod Steiger da qual o estilo “Actor’s Studio”, excêntrico e pungente, exprime à maravilha o impossível desejo de alteridade do personagem. Renegando o meu sangue, desde as suas primeiras imagens, é tão abundante de expressividade e sinceridade que é difícil, quando o descobrimos, não experimentar o sentimento de que se vê o mais belo filme do mundo.
Nota: o filme oferece a rara particularidade de ter sido produzido pela RKO (ao fim de sua existência) e depois distribuído pela Universal. Sarita Montiel foi dublada por Angie Dickinson. A cartela final do filme porta essas palavras: “The end of this story can only be written by you” (O fim dessa história só pode ser escrito por você).
(Dictionnaire du cinéma: Les Films, Paris: Laffont, 1992, pp. 809-811)
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The man without a country: Philip Nolan
Samuel Fuller (1912-1997) imdb
31/10/25
25. Lady Oscar, Jacques Demy, 1979
Roteiro: Riyoko Ikeda & Jacques Demy & Patricia Louisianna Knop
Review by Carlos Valladares ★★★★
[tradução livre] O filme mais profundamente político de Demy; ele ostenta orgulhosamente sua bandeira queer-trans-socialista-não binária. Procure por ele e depois leia a análise impressionante de Anne E. Duggan em seu livro de 2013 (muito recente!!!) Queer Enchantments: Gender, Sexuality, and Class in the Fairy-Tale Cinema of Jacques Demy. Ele se encaixa perfeitamente em tantos temas favoritos de Demy: incesto, a luta trabalhista, o esmaecimento das linhas de gênero, teatralidade e desempenho de papéis sociais, a natureza política do amor romântico privado (odeio a generalização abrangente do romance como uma construção puramente apolítica, que o descarta quando ele é contextualizado narrativamente dentro de redes de raça [O Quimono Carmesim, Amor e Basquete], classe e sexualidade não heteronormativa). De muitas maneiras, onde Lady Oscar termina, Une Chambre en Ville começa.
Acompanhamos as aventuras de Lady Oscar, biologicamente nascida mulher, mas criada como homem pelo padre Oscar para que pudesse progredir na França patriarcal pré-Revolução. Oscar acaba por ascender a chefe da guarda pessoal de Maria Antonieta e torna-se amiga íntima da rainha oprimida. (Demy foi pioneiro em uma Antoinette feminista 27 anos antes da reinterpretação mais conhecida de Coppola.) Eventualmente, a aristocrática Oscar desperta o amor do melhor amigo de infância e irmão substituto André, que é filho da babá da classe trabalhadora de Oscar. O amor deles é transgressivo.
Oscar sente que eles precisam reprimir isso, pois, na verdade, nutrem sentimentos pelo elegante e bonito Von Fersen, que está apaixonado por Marie. Baseado no mangá shojo japonês (mangá voltado para o público adolescente feminino) de 1972-3, A Rosa de Versalhes, de Riyoko Ikeda. Demy filmou a maior parte do filme nos jardins do palácio de Versalhes, adicionando uma camada extra de ironia a um filme que habilmente “revoluciona o gênero e a sexualidade”, “criando um mundo em que as pessoas não são condenadas por se amarem com base em convenções sociais arbitrárias” e que enfatiza que “a Revolução Francesa tem tanto a ver com a libertação em relação à sexualidade quanto com a libertação em relação à classe social” (Duggan).
É revoltante e ultrajante que Lady Oscar não seja tão discutida ou conhecida como deveria ser. Enquanto os americanos recebem versões diluídas da arte revolucionária (ou seja, a americanização da adaptação musical francesa do romance Les Miserables, de Victor Hugo, sobre a qual ouvi defesas desconcertantes sobre a arte de Demy), na década de 1980, Demy estava realmente nas barricadas, criando arte pop-socialista por meio de formatos musicais com um efeito revelador. Talvez eu não devesse ficar irritado. Nosso interesse por esse tipo de arte depende de quão facilmente ela está disponível para o público. Eu vi minha versão de Lady Oscar pedindo à Biblioteca da Universidade de Stanford para encomendá-la na Amazon francesa. Recebemos uma caixa enorme (e cara) chamada Integrale Jacques Demy, vendida pela CineTamaris (empresa que administra os filmes de Demy e de sua viúva, Agnès Varda) e que contém TODOS os longas-metragens, curtas-metragens e horas de entrevistas e entrevistas impressas sobre cada filme de Demy. Claramente, essa não é a opção mais acessível para o cinéfilo comum.
O que me entristece é saber que Lady Oscar interessaria a muitas pessoas cujo interesse não é especificamente pelos filmes de Jacques Demy ou mesmo pelo cinema em geral; talvez elas gostem de mangás, de história francesa, de empoderamento feminino, de expressões radicais de sensibilidades queer não convencionais na arte em geral. O filme tem muito a oferecer. Mas filmes como esse são vistos (incorretamente, eu diria) como incrivelmente nichados, então não se tenta contextualizá-los ou redescobri-los ou, pior ainda, eles são simplesmente ignorados. Muitas empresas cinematográficas (Kino Lorber, Milestone, Second Run Video e Criterion e sua série Eclipse, que foi interrompida de forma preocupante no momento) estão no negócio de aumentar nossa consciência sobre a história do cinema, mas elas parecem poucas e distantes entre si.
Isso só mostra o quanto a disponibilidade de um filme pode influenciar nossa percepção da história do cinema (e da história em geral). Isso me faz pensar em como Losing Ground, de Kathleen Collins, e Out 1, de Jacques Rivette — obras-primas radicais em termos formais e temáticos — praticamente não existiam até serem relançados nos cinemas e em vídeo doméstico no mesmo ano, 2015. Imagine se Lady Oscar fosse lançado, junto com Model Shop, na caixa da Criterion com os filmes de Jacques Demy. Nossa, que descoberta seria para muita gente! Por que não, Janus?
P.S. Eu gostaria de escrever muito mais sobre a profundidade estética de Lady Oscar, que parece uma combinação entre a quietude kubrickiana de Barry Lyndon e os desmaios românticos das tomadas com grua de Demy, que não são bem ophulsianas, mas também não são bem musicais de Hollywood, como costumam ser chamadas. Estou trabalhando em uma teoria sobre o elenco coletivo para minha tese de graduação — talvez eu devesse criar uma semelhante para as tomadas com grua de Demy e suas várias variantes?
## - Depois de ler os ensaios de Susan Sontag sobre estilo, provavelmente não deveria fazer essas distinções entre estilo e conteúdo, mas lá vamos nós. Letterboxd
02/11/25
27. Rosa de Versalhes, Versailles no bara, Ai Yoshimura, 2025 [Netflix]
Roteiristas: Riyoko Ikeda & Tomoko Konparu
Versailles no coffin (2025) – A rosa de Versalhes. O filme da Lady Oscar
Cartoon online 6 fevereiro 2025
A espera acabou: “A Rosa de Versalhes – O Filme” (“Versailles no Bara”) finalmente estreou nos cinemas japoneses em Janeiro 31 2025, trazendo um dos clássicos atemporais da animação japonesa de volta à tela grande. Baseado no famoso mangá de Riyoko Ikeda, esta adaptação cinematográfica visa reviver a lenda de Senhora Óscar, com animação moderna e uma narrativa fiel à história épica original.
O enredo: um drama histórico atemporal
A história se passa na França do século XVIII e acompanha os acontecimentos de Oscar François de Jarjayes, uma jovem criada como homem pela vontade de seu pai, um general da Guarda Real. Oscar se vê envolvida no tumulto da Revolução Francesa, dividida entre a lealdade à monarquia e uma crescente consciência da injustiça social. No centro da história também encontramos Maria antonietta, a conta Hans Axel von Fersen e André Grandier, amiga fiel e amante secreta de Oscar.
Um estilo visual entre o passado e o presente
A animação do filme, produzida por Toei Animation, busca uma fusão perfeita entre o estilo clássico do anime original e as tecnologias modernas. O design dos personagens mantém o refinamento do estilo de Riyoko Ikeda, enquanto os cenários e cenários proporcionam uma imersão espetacular, recriando a magnificência da corte de Versalhes com detalhes nunca antes vistos. O uso de CGI, embora limitado, ajuda a tornar as cenas de batalha e as danças da corte ainda mais impressionantes.
Quando e onde ver
O filme foi lançado nos cinemas japoneses em Janeiro 31 2025, e deve ser lançado internacionalmente nos próximos meses. Embora ainda não haja confirmação oficial, é provável que o filme seja distribuído na Itália pela Crunchyroll o Prime Video, seguindo a tendência das recentes grandes adaptações de anime.
Uma herança cultural que perdura
“A Rosa de Versalhes” não é apenas uma história de amor e luta, mas uma obra que marcou a história da animação e dos quadrinhos japoneses. O filme representa uma oportunidade para novas gerações descobrirem esta saga icônica, enquanto para fãs de longa data é um retorno emocionante a uma narrativa atemporal.
Primeiras avaliações e recepção
As primeiras impressões dos críticos japoneses são extremamente positivas. Elogios são feitos à fidelidade à história original, à elegância visual e à trilha sonora épica, que apresenta temas musicais históricos rearranjados para a ocasião. No entanto, alguns espectadores apontam que o ritmo do filme pode ser lento para aqueles que não estão familiarizados com a história.
Conclusão
“The Rose of Versailles – The Movie” se confirma como um dos eventos de anime mais importantes de 2025. Uma obra que combina história, drama e animação cuidada nos mínimos detalhes, capaz de emocionar tanto os nostálgicos quanto os novos espectadores. Enquanto aguardamos a confirmação para distribuição italiana, resta apenas nos preparar para reviver a magia de Versalhes na tela grande.
04.11.25
27. Dívida de sangue, Cat Ballou, Elliot Silverstein, 1965
🐴 “O Cavalo Que Roubou o Oscar” — A História Não Contada por Trás de "DÍVIDA DE SANGUE (Cat Ballou) (1965) Direção: Elliot Silverstein
Roteiro: Walter Newman, Frank Pierson
Elenco: Jane Fonda, Lee Marvin, Michael Callan
Título original: Cat Ballou
Quando "Dívida de Sangue" (Cat Ballou) estreou nos cinemas em 1965, Lee Marvin entregou uma das atuações mais engraçadas e irreverentes da história do faroeste — interpretando tanto o herói bêbado Kid Shelleen quanto o impiedoso fora da lei Tim Strawn.
Mas quem realmente roubou a cena?
Seu cavalo.
No momento mais lendário do filme, Kid Shelleen, completamente bêbado, cavalga até a cidade — cambaleando, quase dormindo — e se apoia desajeitadamente em uma parede. O que torna a cena inesquecível é o que acontece a seguir:
seu cavalo também se apoia.
Perfeitamente.
Em sincronia.
Como dois amigos bêbados se apoiando um no outro depois de muitos goles de uísque.
A plateia gargalhou. Os críticos a consideraram um dos maiores momentos de comédia física já filmados em um faroeste. E quando Marvin ganhou o Oscar de Melhor Ator, ele disse a famosa frase:
“Metade disso pertence ao meu cavalo.”
Ele não estava brincando.
Por trás das risadas, havia semanas de treinamento cuidadoso — os treinadores de animais passaram horas ensinando aquele cavalo branco a imitar o balanço e a imobilidade de Marvin. Não era computação gráfica, não era truque de edição — apenas pura sincronia, confiança e um ator que sabia como transformar o caos em comédia.
Foi isso que tornou "Dívida de Sangue" (Cat Ballou) especial. Não era apenas uma paródia de faroestes; era uma carta de amor a eles — cheia de garra, risadas e emoção.
E embora Lee Marvin tenha levado o Oscar para casa, todo fã que já assistiu a essa cena sabe a verdade:
🏆 O cavalo também merecia um.
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Crítica | Dívida de Sangue (1965) por Guilherme Coral, 23 de outubro de 2014
Elliot Silverstein, que até então só havia trabalhado na televisão, entra no mundo do cinema apostando no western. Sua abordagem do gênero, já em seu período crepuscular, contudo, não foi nada convencional. Ao invés de nos trazer o velho bang-bang, Silverstein decide criar uma mistura de drama, filme histórico, comédia e musical. O resultado foi contemplado com uma série de nomeações ao Oscar e Lee Marvin acabou levando a estatueta de melhor ator coadjuvante pelo seu papel como Kid Shelleen/ Tim Strawn. Mas olhando agora para trás, será que essa mistura, de fato, funcionou?
A princípio a resposta é difícil de se dar. Passamos grande parte da projeção em um grande estranhamento, como se a obra vagasse por diferentes gêneros, mas sem encontrar sua real linguagem. Ainda assim, essa heterogeneidade não é o suficiente para nos afastar, em geral graças a distintos elementos presentes desde os minutos iniciais da narrativa.
Começamos já sabendo que esse não é o faroeste comum quando a mulher-símbolo da Columbia pictures ganha vida e se torna uma cowgirl que começa a atirar. De imediato pulamos para Nat King Cole e Stubby Kaye cantando a música tema do longa-metragem, a balada de Cat Ballou. Os dois músicos atuam como narradores em diversos pontos do filme, funcionando como bem posicionadas elipses ao longo da história de Cat Ballou (Jane Fonda), uma jovem professora que se se torna fora-da-lei após seu pai ser assassinado, em uma espécie de vingança desenfreada. Para isso conta com a ajuda de Clay Boone (Michael Callan), Jed (Dwayne Hickman), o índio Jackson (Tom Nardini) e o cômico Kid Shelleen.
Mesmo nos momentos mais dramáticos, o lado cômico da obra nos impede de termos nossos espíritos abaixados. Tal característica acaba prejudicando nossa identificação com os personagens e, ironicamente, acaba tirando grande parte da graça das gags presentes na narrativa. Alguns momentos conseguem, de fato, tirar algumas risadas do espectador, mas, durante a maioria da projeção, permanecemos em uma constante apatia em relação ao longa.
Essa ênfase em um tom menos pesado acaba prejudicando, também, os personagens, que acabam soando rasos demais – inclusive a própria Ballou. Kid Shelleen é o único a ganhar um maior destaque dentre os coadjuvantes, mas esse foco soa fora do lugar, como se inserido de última hora no roteiro, criando um distinto estranhamento no espectador, especialmente quando, após uma aparente evolução, o personagem volta aos seus modos decadentes.
O roteiro de Dívida de Sangue, porém, funciona no âmbito de homenagem que faz ao gênero western. Através de citações de outros personagens, como Jackson acerca do General Custer, ou aparições de notáveis figuras, como Butch Cassidy, vemos diferentes pontos do faroeste serem referenciados. Além disso, a construção desse tom de decadência do Velho Oeste é evidente e mais de um indivíduo fala abertamente sobre essa situação. Kid Shellen, por sua vez, é um desses elementos em decadência, representando os velhos cowboys que entraram em extinção após a chegada da modernidade.
Elliot Silverstein ainda chama a atenção em sequências específicas, em especial à dança nos minutos iniciais do longa. Realizada em plano-sequência vemos um sólido trabalho de direção, envolvendo diversos personagens e uma coreografia precisa, rapidamente divertindo o espectador. O mesmo vale para a posterior briga de bar que, de forma cômica se insere no meio da narrativa, optando por planos bem intercalados que definem um ótimo trabalho de montagem que se mantém ao longo do filme.
Dívida de Sangue é uma obra repleta de altos e baixos. Conta com seus evidentes problemas de tom, mas acaba nos divertindo, em especial pelo sólido trabalho de Lee Marvin. Trata-se de um bom retrato do fim do velho Oeste, construído de forma nada convencional. Com ótimas melodias, pode não ser o melhor exemplar do gênero, mas vale a experiência.






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