segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Balanço das Eleições 2016 por Sakamoto

Leonardo Sakamoto

30/10/2016 22:44

Como dizia um sábio professor, o pós-eleição é o momento em que nós jornalistas de política e sociedade matamos nossa inveja dos colegas que cobrem esporte e organizamos nossos bate-bolas, fazendo contextualizações, análises e previsões. Nós sabemos e vocês também sabem que o Brasil não respeita previsões e, portanto, boa parte disso será letra morta em breve.

Tendo isso em vista, faço algumas considerações sobre os resultados deste segundo turno sob a ótica da esquerda:

1) O PT foi (mesmo) o grande derrotado das eleições municipais, como era de se esperar após a Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma, o noticiário amplamente desfavorável e, principalmente, a crise econômica e o aumento do desemprego. Não há resquício de esperança para se agarrar. Se o partido não cair na real, parar de culpar os outros e fazer a autocrítica, não voltará a disputar a narrativa.

2) Certamente, houve uma onda conservadora, como já tratei no post sobre os resultados do primeiro turno. Mas não afirmaria que o país deu uma guinada para a direita, uma vez que nunca conseguiu-se implementar por aqui um projeto social, econômico e político de esquerda. Apenas aproximações bem questionáveis. O orignalmente trabalhista PT aliou-se a coisas mais estranhas que ele em nome da governabilidade. Reforma agrária, reforma tributária democrática, reforma política, reforma urbana, garantia de direitos humanos? Ninguém sabe, ninguém viu.

3) Interessante como mesmo políticos de esquerda que sempre tiveram um posicionamento crítico ao modelo de desenvolvimento do PT foram colocados no mesmo saco e punidos pelo eleitor. Sim, boa parte da esquerda foi levada junto para o buraco, mesmo que tenha reclamado do governo Dilma o tempo inteiro. Um exemplo disso é Crivella, que foi ministro dela e membro de sua base de sustentação durante um bom tempo. Ele não foi tão identificado com ela quanto Freixo foi – apesar do PSOL ter se posicionado contra o governo do PT.

4) Com Marcelo ''Universal'' Crivella, o neopentecostalismo televisivo dá um salto para a implementação de seu projeto de poder. Desconfio que o Brasil terá um presidente assumidamente evangélico neopentecostal antes de ter um presidente assumidamente ateu. Para isso, certamente acabará se distanciando de extremistas, como Silas Malafaia – que surtou, no Twitter, na noite deste domingo, xingando a Globo, a Veja, o PT, o PSOL, Freixo, a esquerda, e bradando ''Chora Capeta'' – assim, sem vírgula separando o vocativo.

5) Marcelo Freixo teve 1.163.662 votos no Rio de Janeiro, maior do que sua última votação para prefeito em 2012. Considerando que sua campanha foi feita com poucos recursos financeiros e sem máquina partidária, isso é um feito considerável. Por isso, não acho que ele sai derrotado. Pelo contrário, Freixo se cacifa como uma das lideranças políticas da esquerda nesse momento em que o campo progressista terá que se reinventar.

6) Com os resultados do segundo turno das eleições, pode-se dizer que a esquerda foi abandonada pela periferia das duas maiores cidades do país. De certa forma, o cenário lembrou as votações majoritárias do PT durante a década de 90. Vale lembrar que o partido levou anos, em um lento trabalho de base, com uma militância engajada, para que a periferia ''comprasse'' a sua narrativa. Claro que a periferia que votou em Lula em 2002 também estava cansada da crise do segundo governo FHC e queria mudança. Mas depois ficou ao lado do partido por conta do crescimento econômico, do aumento do salário mínimo, da diminuição da fome, do Bolsa Família e da melhoria na qualidade de vida. Quando o cenário muda, alterado pela crise econômica, da qual o PT tem culpa, o povão procura outra saída.

7) E vendo a estratificação dos bairros em que Freixo e Haddad foram os mais votados, a esquerda vai ter que suar – e muito – para reencontrar-se com o discurso de mudança, saber disputar o simbólico e reconquistar a periferia. Haddad foi melhor votado, em porcentagem, em Pinheiros – bairro onde se reúne boa parte da esquerda classe média alta paulistana, cercada de um lado pela PUC-SP e pelo outro pelo campus da USP. Há alguns anos, o centro de São Paulo era do PSDB e todo o gigante entorno populacional era PT. Enquanto isso, Freixo levou os bairros mais próximos do Centro e Crivella ficou com a maior parte da periferia.

Em Belém, Edmilson (PSOL), que teve 47,67% contra os 52,33% de Zenaldo Coutinho, ao contrário, tem entrada forte na periferia. Já foi prefeito, tem recall, estabelece um diálogo. Resta saber se a Justiça Eleitoral irá cassar a candidatura do vencedor por uso da máquina, como se discutia durante a campanha.

8) É cedo para decretar a morte do PT. Os eleitores mandaram um recado através do voto. Parte da esquerda foi desalojada das Prefeituras e realocada nos parlamentos municipais para cumprir o papel de oposição. Parte, desalojada também das Câmaras de Vereadores, deverá ir para as ruas, de onde saiu na década de 80. De um ponto de vista muito otimista, o retorno às ruas pode levar o PT e os movimentos sociais a ele relacionados fazerem sua autocrítica. Isso será um processo bem doloroso e longo, em que os diferentes grupos e movimentos da esquerda irão bater bastante cabeça entre si, como foi na década de 70 durante a ditadura. Aliás, isso acontece nesta noite, com gente do PT e do PSOL quebrando o pau nas redes sociais. Particularmente, não acredito que parte da esquerda conseguirá fazer essa autocrítica. Mas isso já é outra historia

9) Em Fortaleza, o candidato de Ciro e Cid Gomes, Roberto Cláudio (PDT), foi reeleito. Não sei se isso fortalece as pretensões presidenciais de Ciro, mas, ao menos, não as derruba antecipadamente. Clécio Luís (Rede) também foi reeleito prefeito de Macapá (AP) – isso não ajuda muito as pretensões de Marina Silva, que segue não imprimindo uma marca ao partido. O governador Flávio Dino (PC do B), cujo partido havia eleito muitos prefeitos no primeiro turno no Maranhão, viu o candidato em quem declarou voto (Edivaldo Holanda Jr) vencer a capital São Luís. Apesar, é claro, do outro candidato, Eduardo Braide, também ter disputado o apoio de Dino. Seu correligionário Edvaldo Nogueira venceu em Aracaju (SE). Isso pode mexer com a correlação de forças entre PT e PC do B. Será que chegou a hora dos comunistas saírem da órbita do partido do ABC e exigir o protagonismo dessa dupla?

10) O PSDB cresceu significativamente. Mas um rosário de partidos menores conquistou importantes cidades e capitais. Não é possível saber o que o fortalecimento de siglas menores fará com o já fragmentado Congresso Nacional. Mas ainda acho que não há um grande vencedor nestas eleições. Como já escrevi aqui, a classe política é responsável pela situação a que chegamos, com toda a corrupção, incompetência e ignorância que minou a credibilidade de instituições. Compra da Reeleição, Mensalões, Trensalões, Lavas-Jato e a maioria dos escândalos, que permanece longe dos olhos do grande público. A democracia representativa tradicional e seus vícios se mostraram insuficientes para as demandas da população.

Ao mesmo tempo, políticos, mídia, empresários e parte da sociedade conseguiram a proeza de dar espaço aos que defendem que ''fazer política é escroto''. Ou seja, ao invés de tentarmos melhorar a política, reinventar a democracia, a saída é negar tudo o que ela representa e buscar saídas rápidas, vazias e, não raro, autoritárias. Daí, surgiram candidatos que estufaram o peito e mentiram, com orgulho, que não são políticos e não fazem política. Isso abre portas para que pessoas que se colocam como ''salvadores da pátria'' ganhem espaço a fim de nos ''tirar das trevas'' sem o empecilho da ''política''.

E é neste momento, como nunca, que precisaremos da política

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/ em 31/10/2016

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Chicago e a violência. E nóis?

 Deu no UOL (http://www.uol.com.br/) em 25/09/2016

O correspondente da BBC Ian Pannell já conheceu muitos locais assolados pela violência. Ele cobriu guerras no Iraque, Afeganistão e Síria. Mas, baseado atualmente em Washington, Estados Unidos, ele não teve que ir muito longe para fazer uma nova reportagem sobre conflitos: Pannell retratou o que está por trás das impressionantes taxas de violência de Chicago, que atingiram o seu patamar mais alto dos últimos 20 anos.
O jornal Chicago Tribune reportou que, no início de setembro, a cidade registrou seu 500º homicídio de 2016, mantendo uma tendência de alta nesse tipo de crime iniciada em 2014, atribuída à guerra entre gangues rivais, à proliferação de armas e à exclusão socioeconômica de parte da população. Apesar de haver diferenças brutais entre zonas de guerra da Síria e as ruas de bairros como Englewood ou Austin, Pannell diz reconhecer algumas similaridades. Desde 2001, 7.916 pessoas foram assassinadas em Chicago. A perda de vidas americanas foi maior do que nas guerras do Iraque (4.504) e Afeganistão (2.385) juntas.
Uma conta rápida: para Chicago em 2016 a taxa de homicídios por 100 mil habitantes será 500/2.695.598/100 mil = 18,5 até início de setembro. Estima-se, na pior das hipóteses, 24,5 para este índice em 2016.

E nóis? 
Diferente da terra de Alphonse Gabriel "Al" Capone (1889-1947), entre os seis municípios com maiores índices da região sudeste, três são capixabas (dados de 2014). São eles: Serra-ES (72,4), Cabo Frio-RJ (67,5), Nova Iguaçu-RJ (58,3), Cariacica-ES (57,5), Betim-MG (49,2) e Vila Velha-ES (49,2).

O Espírito Santo foi o estado com a maior taxa de homicídios da região Sudeste e também registrou a quinta maior taxa do Brasil em 2014. Foram 1528 homicídios durante todo o ano um índice de 39,3 vítimas a cada 100 mil habitantes. Dados: Mapa da violência – 2016. http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf

E mais...  
"Não vamos abaixar a guarda" diz André Garcia. Manchete de "A Tribuna" de 01/10/2016. Este senhor é o Secretário de Segurança de Estado do Espírito Santo. E o motivo para não abaixar a guarda: segundo a SESP - Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social – "de janeiro até 29/09/2016 foram assassinadas 77 mulheres" ou 8,5 mulheres assassinada por mês. Em 2015 foram 105 ou 8,7 assassinatos por mês. O Espírito Santo está em 4º lugar em assassinatos de mulheres.

Epílogo
Ianques, brasileiros e brasileiras têm motivos de sobra para não se orgulharem no quesito violência. Mas o Brasil é mais violento. É escabrosa, entre nós, a violência contra a mulher.

Não estamos em paz, estamos em guerra.