sábado, 25 de junho de 2011

Qualquer semelhança não é mera coincidência

Pobre terra da Bruzundanga! (1) Velha, na sua maior parte, como o planeta, toda a sua missão tem sido criar a vida e a fecundidade para os outros, pois nunca os que nela nasceram, os que nela viveram, os que a amaram e sugaram-lhe o leite, tiveram sossego sobre o seu solo! (Lima Barreto)

Estamos em 2011. E vivemos num país em que diariamente somos bombardeados por noticias de corrupção perpetrada pelas elites governantes ou não. Será esta corrupção edêmica? Data venia, pode-se afirmar que a corrupção é antiga no Brasil. Lima Barreto escreveu Os Bruzundangas em 1917. O que se passa hoje, em 2011, 94 anos depois, é diferente de que se passava em 1917?

Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Reproduzo aqui o prefácio de Os Bruzundangas colado da versão da editora Martins Claret e da versão Domínio Público, (http://www.dominiopublico.gov.br/).


Na Arte de furtar (2), que ultimamente tanto barulho causou entre os eruditos, há um capítulo, o quarto, que tem como ementa esta singular afirmação: "Como os maiores ladrões são os que têm por oficio livrar-nos de outros ladrões."


Folha de São Paulo, 15 de maio de 2011
Palocci multiplicou por 20 patrimônio em quatro anos
Chefe da Casa Civil comprou apartamento de R$ 6,6 milhões antes de assumir.
Imóvel foi registrado em nome de empresa que ministro criou para dar consultoria quando era deputado federal


Não li o capítulo, mas abrindo ao acaso um exemplar do curioso livro, achei verdadeira a cousa e boa para justificar a publicação destas despretensiosas "Notas".

A "Bruzundanga" fornece matéria de sobra para livrar-nos, a nós do Brasil, de piores males, pois possui maiores e mais completos. Sua missão é, portanto, como a dos "maiores" da Arte, livrar-nos dos outros, naturalmente menores.

Bem precisados estávamos nós disto quando temos aqui ministros de Estado que são simples caixeiros de venda, a roubar-nos muito modestamente no peso da carne-seca, enquanto a Bruzundanga os tem que se ocupam unicamente, no seu ofício de ministro, de encarecerem o açúcar no mercado interno, conseguindo isto com o vendê-lo abaixo do preço da usina aos estrangeiros. Lá, chama-se a isto prover necessidades públicas; aqui, não sei que nome teria...


Terra.com.br, 24 de junho de 2011
RJ: agentes da PRF são condenados por tráfico e corrupção
Dois policiais rodoviários federais foram condenados pela 2ª Vara Federal de Campos (RJ) a 13 anos e 10 meses de prisão por receberem propina de traficantes de drogas para liberar um veículo carregado com drogas na cidade de Resende, a 146 km da capital do Estado do Rio de Janeiro.


E semelhante ministro daqueles "maiores" de que a Arte nos fala, destinados a ensinar-nos como nos livrar dos nossos modestos caixeiros de mercearias ministeriais. Não contente com ter dessas coisas, a Bruzundanga possui outras muitas que desejava enumerar todas, pois todas elas são dignas de apreço e portadoras de ensinamentos proveitosos.

Como não poderíamos aproveitar aquele caso de um doutor da Bruzundanga, ele mesmo açambarcador de cebolas, que vai para uma comissão, nomeada para estudar as causas da carestia da vida, e propõe que se adotem leis contra os estancadores de mercadorias?

É que este doutor dos "maiores" de que nos fala o célebre livrinho sabia perfeitamente que não estancava e tinha o hábito de reservas mentais. Não açambarcava, mas "aliviava" logo uma grande porção de mercadorias para o estrangeiro, por qualquer coisa, de modo que... Le pauvre homme! (pobre homem) Podia até iludir o nosso pobre Beckman!

Com este exemplo, os menores daqui poderão ser denunciados por este grandalhão de lá, tão generoso e desinteressado, e o nosso povo poderá livrar-se deles.


Folha de São Paulo, 27 de março de 2011
Laranjas compram rádios e TVs do governo federal
Donas de casa e cabeleireira são proprietárias de concessões milionárias. Por trás das empresas há igrejas, políticos e especuladores que, assim, conseguem ocultar a participação


Conheci na Bruzundanga um rapaz (creio que está nas "Notas"), de rabona de sarja e ares de familiar do Santo Ofício, mas tresandando a Comte, senão a anticlericalismo, que, de uma hora para a outra, se fez reitor do Asilo de Enjeitados, apandilhado com padres e frades, depois de ter arranjado um rico casamento eclesiástico, a fim de ver se, com o apoio da sotaina e do solidéu, se fazia ministro ou mesmo mandachuva da República. Que "maior" não acham?

E aquele que, tendo sido ministro do imperador da Bruzundanga e seu conselheiro, se transformou em açougueiro para vender carne aos vizinhos a dez réis de mel coado, graças às isenções que obteve com o prestígio do seu nome, dos seus amigos, da sua família e das suas antigas posições, enquanto os seus patrícios pagavam-lhe o dobro?

Quantos exemplos de lá, bem grandes, nos irão precaver contra. Quantos exemplos de lá, bem grandes, nos irão precaver contra os pequeninos de cá... A Arte fala a verdade...



Terra.com.br, 15 de junho de 2011
DF: MP denúncia Joaquim Roriz como chefe de esquema de corrupção
O Ministério Público do Distrito Federal denunciou o ex-governador Joaquim Roriz como chefe de um esquema de corrupção no Banco de Brasília (BRB). De acordo com informações do DFTV, Roriz teria utilizado o banco para desviar recursos públicos e lavar dinheiro.


Outra coisa curiosa da Bruzundanga, das grandes, das extraordinárias, é a sua "Defesa Nacional". Lá, como em toda a parte, se devia entender por isso a aquisição de armamentos, munições, equipamentos, adestramento de tropas, etc.; mas os doges do Kaphet (vide texto) entenderam que não; que era dar-lhes dinheiro, para elevar artificialmente o preço de sua especiaria. De que modo? Retendo o produto, proibindo-lhe a exportação desde certo limite, conquanto se houvessem tenazmente oposto a que semelhante medida fosse tomada no que toca às utilidades indispensáveis à nossa vida: cereais, carnes, algodão, açúcar, etc.

É preciso notar que tais utilidades, como já fiz notar, iam para o estrangeiro por metade do preço, menos até. Aprendamos por aí a conhecer os nossos "menores".

Poderia muito bem falar de outros grossos casos de lá, capazes de nos livrar dos tais pequenos daqui; mas, para quê? As páginas que se seguem vão revelá-los e eu me dispenso de narrá-los neste curto
prefácio, Pobre terra da Bruzundanga! Velha, na sua maior parte, como o planeta, toda a sua missão tem sido criar a vida e a fecundidade para os outros, pois nunca os que nela nasceram, os que nela viveram, os que a amaram e sugaram-lhe o leite, tiveram sossego sobre o seu solo!

(...)

LIMA BARRETO Todos os Santos, 2-9-17.


Edson Pereira Cardoso, junho de 2011




Citações
(1) Os Bruzundangas é um romance de Lima Barreto, escritor pré-moderno que fala da Bruzundanga é um país de ficção, localizado nas zonas tropical e subtropical, é um lugar muito parecido com o Brasil, onde se encontra, elites pouco cultas dominando e explorando o povo. Desta forma, o narrador que é um brasileiro que morou uns tempos nesse país, vai fazendo de forma satirizada uma crítica a todas as organizações institucionais e algumas pessoas desse país. http://pt.shvoong.com/books/romance/234788-os-bruzundangas/

(2) A arte de furtar prosa barroca, por muitos atribuída ao padre Manuel da Costa (1601-1667), que relaciona as diversas espécies de roubo e de ladrões denunciando um clima de corrupção generalizada na sociedade portuguesa à época do reinado de D. João IV.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Origens

O universo, segundo a ciência, teve a origem há 13 bilhões de anos (de 13,3 a 13,9) pela teoria do Big Bang. A terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos, dizem os da ciência. Os dinossauros viveram há mais ou menos 200 milhões de anos. A expectativa de vida do brasileiro, em 2009, era de 73 ANOS. Da brasileira, 77 ANOS. A terra é cerca de 64 milhões mais velha do que uma pessoa de 70 anos. Relativamente se a terra tem 1 dia de idade esta pessoa terá 1,35 milisegundo.


Mon ami, faisons toujours des contes…
Le temps se passe, et le conte de la vie s'achève, sans qu'on s'en aperçoive (Diderot) 

Mas a ficção é mais agradável que a ciência. Toda vez que penso em nossas origens lembro-me da gênese da Bíblia. Fui católico até a juventude, mas depois a literatura, a filosofia e Marx (o Karl) me desvirtuaram. Hoje se alguém me pergunta se acredito em Deus, respondo: yo paso ou digo que esta pergunta não existe. Agnóstico? Sei não, mas tenho o São Jorge como parceiro.

Eu andarei vestido e armado com as
armas de São Jorge para que meus inimigos,
tendo pés não me alcancem,
tendo mãos não me peguem, tendo
olhos não me vejam, e nem em
pensamentos eles possam me fazer mal  (Oração de S. Jorge).
São Jorge é o santo dos, entre muitos: ferrados, outsiders, prostitutas, indomáveis, das minorias discriminadas etc.
Voltando à Bíblia, vejam o que está no início do capítulo Gênesis (1).

No princípio, Deus criou a terra e o céu
A terra estava sem forma e vazia
As trevas cobriam o abismo
E um vento impetuoso soprava sobre as águas
Aí Deus criou a luz e a luz começou a existir.
E Deus viu que a luz era boa
E Deus separou a luz das trevas
À luz Deus chamou dia e às trevas chamou noite
Houve uma tarde e uma manhã
Foi o primeiro dia

A criação do mundo, segundo esse relato, marcou também a origem do tempo. Essa interpretação é sugerida, por exemplo, por Santo Agostinho, que escreveu que Deus criou o tempo juntamente com o cosmo. "Antes" da Criação, argumentou Santo Agostinho, não faz sentido (2).
O que Deus estava fazendo antes de criar o mundo? Estava criando o inferno para todos aqueles que fazem este tipo de pergunta, argumenta Santo Agostinho.


O mito assírio "Uma outra versão da criação do homem" (c. 800 a. C.) começa com cinco deuses, Anu, Enlil, Shamash, Ea e Anunnaki, discutindo a criação do mundo enquanto estão sentados no céu. Anu simboliza o poder do céu ou do ar, Enlil o poder da terra, Shamash o Sol ou fogo, Ea a água, e Anunnaki o destino. Para os assírios, a Criação ocorreu quando os quatro elementos e o tempo se combinaram para dar forma ao mundo e à vida (1).


Segundo Gleiser, para os índios Hopi, dos Estados Unidos (Arizona) existem duas personagens principais na criação do mundo: Taiowa (o Criador, representando o Ser) e Tokpela (o espaço infinito, representando o Não-Ser).



O primeiro mundo foi Tokpela. Mas antes, se diz, existia apenas o Criador, Taiowa. Todo o resto era espaço infinito. Não existia um começo ou um fim, o tempo não existia, tampouco formas materiais ou vida. Simplesmente um vazio incomensurável, com seu princípio e fim, tempo, formas e vida existindo na mente de Taiowa, o Criador. Então Ele, o infinito, concebeu o finito: primeiro Ele criou Sotuknang, dizendo-lhe:
"Eu o criei, o primeiro poder e instrumento em forma humana. Eu sou seu tio. Vá adiante e perfile os vários universos em ordem, para que eles possam trabalhar juntos, de acordo com meu plano". Sotuknang seguiu as instruções de Taiowa; do espaço infinito ele conjurou o que se manifestaria como substância sólida, e começou a moldar as formas concretas do mundo. Nesse mito, o Infinito cria o finito, dando forma concreta à matéria.

E minhas origens recentes?
Conheço a partir de meados do século XVIII. São portuguesas, mas no caminho houve uma mistura indígena, os caiapós (3).



Para os caiapós (referência Wik) há um mundo celeste do qual provém a humanidade. Os primeiros seres humanos que chegaram à Terra vieram de lá por uma longa corda, qual formigas por um tronco. Isto foi possível porque um homem viu um tatu e o seguiu até que entrou num buraco, que depois foi usado pelas pessoas para vir a este mundo. Também as plantas celestes baixaram do mundo celestial quando a filha da chuva brigou com a mãe, desceu a este mundo e foi acolhida por um homem, a quem entregou as plantas.

Nascido em 1950, sou filho de Orípia (1922- ), neto de Maria Cândida (1887-1965), bisneto de Jerônymo ( -1905), trineto de Joaquim ( -1874), tetraneto de Simão Antônio (1782-1873) e pentaneto de Manuel Antônio (1747-1801)...

Em nenhum lugar existe tempo algum (Mário Peixoto)

Edson Pereira Cardoso, junho de 2011



Citações


(1) O Gênesis da Bíblia em forma de mapas (http://cmap.ihmc.us/)






Clique sobre as figuras para ampliar


(2) Marcelo Gleiser, A dança do universo: dos mitos da criação ao big bang, Editora Schwarcz, 1997

(3) Nilson Cardoso de Carvalho, Os Marques Librinas de Barretos, 1999
"Antes da chegada desses "bandeirantes ao contrário" quem habitava esta imensidão de campos (região de Barretos, SP), florestas e cerrados eram as onças, veados, capivaras, jacarés, antas, pacas, macacos, tamanduás, guarás, catetus, queixadas e muitos outros bichos, perseguidos de vez em quando por seus caçadores de então, os índios caiapós em suas incursões anuais por seus domínios. Esse povo, que existe ainda e preserva vários traços culturais, habita hoje o sul do Pará, mas no passado seu território era muito mais extenso.
O território dos caiapós abrangia uma vasta região do Brasil Central, com sua base principal situada na foz do Rio Verde, afluente do Paraná, irradiando-se pelo Rio Pardo até suas cabeceiras vizinhas de Camapuã, onde tinham aldeia grande e ao norte pelas nascentes do Rio Verde, Serra do Caiapó, nascentes do Araguaia até Vila Boa, e ao sul faziam incursões por toda a trilha do Anhanguera.
Permaneciam nas aldeias durante a estação das chuvas e no período de estio faziam incursões por seu território, caçando, coletando frutos silvestres, recolhendo plantas medicinais e materiais para confecção de artefatos. Dormiam então sobre esteiras de palmeiras, ao relento ou debaixo de precários abrigos no interior da floresta. Durante essas expedições a comida era abundante; construiam dois ou três fornos de pedra, onde colocavam a assar grandes porções de anta, queixada, catetu e veado, assim como palmito em grande quantidade.
Os caiapós, assim como as outras tribos jês do Planalto Central, não fabricavam cerâmica e portanto não cozinhavam o alimento; assavam-no no "moquem", espécie de grelha de paus ou no forno já referido, chamado beraburu. Terminada a estação seca regressavam para as aldeias, onde passavam o período das águas cuidando de suas roças de mandioca, batata doce e inhame."



Lider Megaron de uma tribo caiapó (Scientific America Brasil Especial, nº14)


domingo, 19 de junho de 2011

Docência: uma profissão dividida

Quando revejo os resultados da minha atividade docente, no passado, as
consequências reais são as mesmas – ou produziram dano ou nada ocorreu.
Isto é francamente aflitivo (1).

A aflição presente no depoimento acima é simplesmente de Carl Rogers (1902 – 1987). Rogers foi um dos formuladores da abordagem pedagógica humanista. A abordagem em que aprendizagem é centrada na pessoa e o professor intervém como um facilitador da aprendizagem e não como aquele que transmite conhecimento.
Quando discutimos a profissionalização docente devemos considerar a conjuntura atual das transformações no mundo do trabalho. As profissões tradicionais, de uma forma geral, estão num período de redefinições e a profissão docente, devido às suas especificidades, não foge destas redefinições.

Os profissionais têm conhecimentos especializados adquiridos, normalmente, em universidades. Esses conhecimentos exigem autonomia e discernimento, além de uma parcela de improvisação e adaptação a situações novas. Exigem do profissional reflexão para que possa compreender o problema como também organizar e esclarecer os objetivos almejados e os meios a serem usados para atingi-los. Uma das tendências que discute a profissionalização do ofício docente objetiva desenvolver e implantar essas características no interior do ensino e formação de professores. Tardif (2).

Uma outra corrente nesta discussão trata o tema de forma diferente. Diz que "o conceito de profissionalidade docente está em permanente elaboração, devendo ser anlisado em função do momento histórico concreto e da realidade social que o conhecimento escolar pretende legitimar; em suma, tem de ser contextualizado" (3). Em função da dificuldade em obter uma definição exata do conceito de profissionalidade diz-se que a profissão docente é uma semi-profissão em comparação com as profissões liberais clássicas.

O ensino é uma prática social que reflete a cultura e contextos sociais contemporâneos. Para a compreensão da prática docente devemos entender as interações em três níveis ou contextos diferentes:
(a) o contexto pedagógico formado pelas práticas cotidianas da classe; (b) o contexto profissional elaborado por um comportamento de grupo que legitima a sua prática e (c) o contexto sócio-cultural que incorpora valores e conteúdos considerados relevantes. A prática profissional estará delimitada por estes contextos e em permanente mudanças já que os indivíduos no processo educativo interagem com o meio social e com a realidade histórica. Aqui o conceito de prática não está limitado ao domínio metodológico. Existe uma prática educativa anterior e paralela à escolaridade própria de uma determinada sociedade ou cultura. São as práticas institucionais que regulam o sistema educativo no geral e as condições de trabalho no particular.

Estas práticas nos remetem a uma questão importante a ser discutida que é a autonomia do professor. Esta autonomia está circunscrita a regras bem definidas que configuram as ações profissionais a uma acomodação à ordem vigente. A liberdade do professor se desenvolve no interior de um ambiente que só pode mudar parcialmente. O professor completamente autônomo não existe. Se for real a existência de múltiplas restrições e condicionalismos é também verdade que há espaços possíveis para a expressão da individualidade profissional.

Como conviver num ambiente escolar em que a proposta pedagógica privilegia o ensino centrado no professor e supõe a aprendizagem predominantemente em aulas presenciais? A resposta pode estar na insatisfação com esta ordem e na proposição de alternativas de transformação das práticas pedagógicas de aprendizagem. O professor não é um técnico que se limita a aplicar corretamente um conjunto de diretivas, mas um profissional que se interroga sobre o sentido e a pertinência de todas as decisões em matéria educativa.

Sacristan argumenta que a profissão docente não detém a responsabilidade exclusiva sobre a atividade educativa devido às influências políticas, econômicas e culturais além da desprofissionalização do professorado. Diz ainda que "do ponto de vista social a educação escolar e extra-escolar é entendida como um espaço cultural partilhado, que não é exclusivo de uma classe profissional concreta, ainda que se conceda uma certa legitimidade técnica à ação docente. Pode mesmo afirmar-se que, contrariamente a outros ofícios, a prática artesanal de ensino não codificou um saber especializado no seio da profissão."

Aspectos que se deve ressaltar nestas reflexões:

1. Apesar de elementos de uma profissão confusa (ou profissionalidade dividida) o professor tem que intervir em todos os domínios que influenciam a prática docente no sentido da emancipação profissional
2. Os programas de formação devem incidir em pelo menos quatro campos: o docente e a melhoria e mudança das condições de aprendizagem; o professor participando ativamente do desenvolvimento curricular; o docente participando e alterando as condições da escola e, finalmente, o docente participando nas mudanças da realidade social.
3. Uma proposta de profissionalização: que os docentes dominem a utilização de práticas profissionais em termos conscientes e com conhecimento da gramática e da sintaxe de sua atividade.


O certo é que existe no discurso pedagógico dominante uma hiper-responsabilização dos professores em relação à prática pedagógica e à qualidade do ensino, situação que reflete a realidade de um sistema escolar centrado na figura do professor como condutor visível dos processos institucionalizados de educação (3).

Quando penso na complexidade com o ser docente lembro-me das aflições de Carl Rogers e do filme/clip da banda Pink Floyd, Another brinck in the wall (4).


Edson Pereira Cardoso, junho de 2011



Citações
(1) In Mizukami, M. G. N., ENSINO: As abordagens do processo, EPU, 1986, p.51
(2) Tardif, Maurice, Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários, Revista Brasileira de Educação, nº13, Jan/abr, 2000.
(3) Sacristan, S. Gimeno. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores. In Novoa, Antônio, Profissão professor, Porto Editora, 1995.
(4) Pink Floyd, Another brinck in the wall

               http://www.youtube.com/watch?v=t4SKL7f9n58 15/06/2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Palmas para os estudantes

 


Protesto de estudantes cancela Fórum Nacional da Reforma Eleitoral. O protesto, seguido de ocupação do Centro de Convenções de Vitória, cancelou o evento marcado para a noite de quarta-feira, dia 15/06/2011, em Vitória, ES. Para o evento estava confirmada a presença do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), e o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande. No entanto, Michel Temer, que já havia desembarcado no Aeroporto de Vitória, cancelou sua participação no evento.
A foto acima ilustra bem a pretensão que darei ao texto. Para início de conversa, o que pretendem os estudantes?



Redução imediata da passagem para TODOS os capixabas
Aumento da frota do Sistema Transcol
Ônibus 24 horas
Exoneração da diretora-presidente da CETURBE, Denise Cadete
Desarquivamento da CPI do Transcol
Fim do conselho Tarifário – COTAR – e criação de um conselho Estadual de Transporte Público, com 50% de representação de usuários, 25% de trabalhadores rodoviários e 25% para governo e empresários
Mês de maio fixo para o reajuste tarifário. CHEGA de aumento no Reveillon!
Acesso irrestrito às tabelas de custos e lucros do Sistema Transcol
Conferência Estadual que debata com a população sobre mobilidade urbana
Modalidades alternativas de transporte (ciclovias, aquaviário, perueiros etc)
Fim do pedágio da Terceira Ponte
Extinção do Batalhão de Missões Espaciais – BME
Exoneração do Secretário Estadual de Segurança, Henrique Herkenhoff


As reivindições são de uma clareza estonteante. Cito algumas: tarifa menor para todos os capixabas (hoje é de R$2,30), ampliação da frota e democratização do Conselho Tarifário.
O Sistema Transcol transporta, em média, 15,4 milhões de passageiros por mês. Quem mora na Grande Vitória e é usuário ou usuária de transporte coletivo (provavelmente, mais de 90% da população) sabe que nos horários de pico, em torno das 8 e 18 horas, os ônibus se tornam navios negreiros. Isto mesmo: NAVIOS NEGREIROS.

A cobertura jornalística de eventos de cunho social, feita na Grande Vitória, representa bem o que é a "democracia" nos meios de comunicação no Brasil. O sistema Gazeta de jornal, TV e rádio não produz matérias jornalísticas imparciais dando a voz a todos protagonistas. Na verdade produz editorial e emite a opinião dos donos.

Apesar desta manipulação, recentemente, uma pesquisa de opinião (com seus ouvintes) da Rádio FM Super deu o seguinte resultado:


O que você acha da manifestação dos estudantes da Grande Vitória?
Sou contra. Pois atrapalham a rotina dos trabalhadores.
41.7%

Sou a favor. Somente com protestos as autoridades olham para a população.
58.2%
http://www.fmsuper.com.br/v1/




Não vejo outra saída: a população tem que se juntar aos estudantes e lutar pelo viver com dignidade.

Palmas para os estudantes


Edson Pereira Cardoso, junho de 2011



 

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Americanos



Minha cabeça foi feita pela literatura, pelo cinema e pela ciência. Vivo, até hoje, sob império dos livros e dos filmes. Conheço bastante o cinema a partir da década de 1940 e dos filmes que vi há uma predominância dos realizados nos Estados Unidos. Tem filmes que vi várias vezes. Cito alguns vistos mais de 5 vezes: 2001, uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick, O homem que matou o facínora de John Ford, Face oculta de Marlon Brando, Kill Bill – v. 2 de Quentin Tarantino e Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Todos eles filmes americanos. Americano, como designação de quem nasce nos Estados Unidos, sempre me intrigou. Nasci no Brasil e sou da America.Do Sul. E não me chamam de americano, me chamam de brasileiro.

A palavra e o poder

Em 1925, Vladimir Maiakóvski, o poeta Russo, viajou pela América visitando Cuba, México e EUA o que resultou no livro Minha descoberta da América(1). Disso resultou uma prosa quase fotográfica, que mescla o ritmo da própria poesia maiakovskiana com o realismo cru do registro. Com essa poética do flash, ele descreve o navio povoado por uma mescla dos tipos humanos mais diversos, párias de toda espécie. Russos vagando pelo mundo à procura de emprego, turcos que só falam inglês, representantes de empresas francesas com passaportes paraguaios e argentinos, esses "colonizadores contemporâneos" que dividem o navio em classes, com a primeira vomitando na segunda, a segunda na terceira e esta em si mesma: cruza tudo isso com a história da exploração dos índios e negros norte-americanos por toda espécie de aventureiros(2). Quando se diz "América" na imaginação logo aparecem Nova York, Manhattan, Los Angeles, Hollywood etc. Estranho porque as Américas são três: a do Norte, a Central e a do Sul. Os Estados Unidos não ocupam nem toda a do Norte. Tomaram, apropriaram e incorporaram a denominação da todas as Américas.

Estranho e certo. Diz Maiakovski: "Certo, porque pegaram à força o direito de se autodenominar Estados Unidos da América, com encouraçados gigantes e dólares, enchendo de medo as repúblicas e colônias vizinhas. Só durante minha única curta temporada trimestral vi os americanos brandir um punho de ferro diante do nariz dos mexicanos sobre o projeto mexicano de nacionalização de seu próprio subsolo terrestre inalienável"

Que os Estados Unidos fazem parte da América todo mundo sabe. Mas, segundo Maiakovski, foi Calvin Coolidge (presidente de então) que "apenas formalizou essa
questãozinha em um dos últimos decretos, autodeterminando-se – e somente a si mesmos – americanos. Debalde o rugido de protesto de muitas dezenas de repúblicas e até de outros Estados Unidos (por exemplo, os Estados Unidos de México) que forma a América. Agora a palavra América foi definitivamente anexada".

A palavra não é neutra. Segundo Florence Carboni ela "é forjada no contexto do mundo social, embalado por relações de poder, das quais constitui representação e simbolização, ainda que o falante possua, em geral, consciência muito frágil da origem social e ideológica da língua e da palavra das quais se serve"(3).

Para Carboni "o uso polissêmico da categoria americano enseja que, ao lado dos americanos imediatos, plenos e legítimos, já que política, econômica e militarmente dominantes, surjam americanos necessariamente mediados, parciais e semi-legítimos, devido a sua subalternização continental. O império no mundo dos fatos se reflete e se reforça no mundo das palavras".

Originariamente, a palavra homo descrevia toda a espécie humana. Sua apropriação como designativo do indivíduo de sexo masculino, no contexto da ordem patriarcal, apoiou, no mundo da língua, o encobrimento e a subalternização da mulher, no mundo das coisas(4). A palavra "homem" em boa parte dos textos atuais representa os sexos masculinos e femininos.

A designação exclusiva dos habitantes dos Estados Unidos como norte-americanos é também incorreta. Canadenses e mexicanos são habitantes da América do Norte. Seria como designar de "sul-americanos" os habitantes do Brasil. "Africanos" os habitantes da África do Sul. A definição de quem nasceu nos Estados Unidos como estadunidense constitui a única nominação pátria correta, linguística e sociologicamente. Ela constitui a restauração lingüística, desprovida de valor, do sentido inicial do termo americano - habitante da América - que sofreu deslocamento semântico impróprio devido ao poder material e cultural do imperialismo estadunidense(5).

Spike Lee, cineasta estadunidense, recentemente (agosto de 2010) anunciou o seu último filme "If God is Willing and Da Creek Don't Rise" para a HBO como a continuação de "Quando Os Diques Se Romperam: Um Réquiem em Quatro Atos", documentário sobre os estragos feitos pelo furacão Katrina em Nova Orleans. Estragos principalmente na Nova Orleans pobre e negra. Disse Spike Lee sobre o filme: "Nós queríamos, com o segundo filme, continuar a história, que é uma grande parte da história da América". Num trecho deste último filme há uma comparação entre Nova Orleans e o Haiti após o terremoto (janeiro de 2010) que devastou o país da América Central. A "América" citada pelo cineasta não se refere a apenas USA. Ele estava se referindo à triste história da América dos americanos.

Os americanos e americanas


Touro Sentado, Urso que Corre, Cavalo Branco
e outros chefes indígenas estadunidenses (6)



Francisco Villa e Emilliano Zapata, mexicanos, em 1914 (7)


Lampião, Maria Bonita e demais companheiros brasileiros (8)


Vidas Secas (filme): Fabiano, Sinhá Vitória e filhos, brasileiros (9)


Indios do Xingu, brasileiros (10)



Marylin Monroe, estadunidense, por Bert Stern (11)


Marlon Brando, estadunidense, e Anthony Quinn, mexicano (12)


Cholazita,inca, peruana (13)


Mecedes Sosa, argentina (14)


Mulher da Guatemala da etnia maia (15)


Pablo Neruda, chileno (16)


O autor, aos 8 anos de idade, brasileiro (17)


Edson Pereira Cardoso, setembro de 2010








Referências

1.    Vladimir Maiakovski, Minha descoberta da América, Martins Fontes, 2007

2.     Paulo Bezerra, Um comuna nos EUA, Folha de São Paulo, 09/09/2007

Florence Carboni, “Apenas estadunidenses”, Revista Espaço Acadêmico, nº 46, março 2005.

4.    Idem

5.     Ibidem


7.    Idem

8.    Pesquisa Google – Lampião e Maria Bonita

9. http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&q=vidas+secas+filme&aq=3&aqi=g10&aql=&oq=vidas+secas+&gs_rfai=&fp=dca3e15775870e9b. No filme Fabiano é representado por Átila Iório, Sinhá Vitória por Maria Ribeiro e os filhos por Gilvan Lima e Genivaldo Lima. Vidas Secas, de Graciliano Ramos, é um clássico da literatura brasileira. O Vidas Secas que tenho comigo, da Record de 2010, é a 113ª edição.
 
10.Fotos tiradas na década de 70 pelo fotógrafo Valdir Zwetsch no parque indígena do Xingu que mostram rotina dos índios. folha.com.br/fg2642

 11http://www.zimbio.com/

12.http://www.slideshare.net/jarbascomputadores/detrs-de-las-cmaras,
Marlon Brando e Anthony Quinn quando da filmagem de “Viva Zapata”, 1952, de Elia Kazan

13. http://www.co.terra.com/imprime/0,,OI2946444-EI6580,00.html Os incas habitaram a Cordilheira dos Andes, na região do atual Peru, entre os anos de 3000 a.C e 1500 da nossa era.


15.Grande Atlas Universal. América do Sul e Central e Antártida, vol. 3, p.39, Editorial Sol, 2004.


17.Foto de Nilson Cardoso de Carvalho, 1958











segunda-feira, 6 de junho de 2011

Os dinossauros

Certa vez, há muito tempo, fui a um jantar na casa de uma amiga chamada Clarice. Lá, entremeados por um vinho e conversa fiada disse a ela sobre o que tinha lido no jornal da época.

Um grupo de cientistas australianos da Universidade de Melbourne, em 2008, tinha conseguido pela primeira vez "ressuscitar" um segmento de DNA de um animal extinto. Conseguiram extrair um gene de um tilaciano, mais conhecido como tigre-da-tasmânia, extinto desde 1936, e inseri-lo num embrião de camundongo. No caso usado no estudo o DNA foi tirado de um exemplar morto há mais de cem anos que estava preservado em álcool. O trecho de DNA escolhido pelos pesquisadores - o gene Col2A1, que atuava no desenvolvimento do tecido cartilaginoso do animal - tornou-se ativo no roedor. (Folha de São Paulo, 22/05/2008)

Aí eu disse

- Já pensou no que isto pode dar Clarice? Poderão ressuscitar dinossauros. É a vida imitando a arte. Lembra do filme Jurassic Park?

De pronto ela disse

- Olha amigo, fico muito preocupada com estas maluquices da ciência. Podem recriar estes monstros para nos atacar e destruir tudo que aparecer.

- Clarice pára com isto. Dinossauro há 150 milhões de anos era um bicho como todo bicho é.

Era o amigo discordando.

Penso num dos culpados pela reação de Clarice: Steven Spielberg. Foi um bom diretor, estadunidense de cinema, mas teve umas idéias meio atravessadas (ou até reacionárias) sobre o mundo animal. Ele fez dois filmes emblemáticos que reforçam minhas suspeitas: Tubarão, de 1975 e Jurassic Park, de 1993.

O filme Tubarão é baseado no livro homônimo de Michael Crichton e é classificado no gênero terror e suspense. Vejam só, um filme em que a personagem principal é um tubarão, o vilão da estória. Uma garota é encontrada morta na praia, possivelmente por um ataque de tubarão. Aí a trama toda transcorre na caça a um tubarão branco. Ao contrário do que mostra o filme o tubarão branco não caça gente para comer. Ele gosta mesmo é de gordura, que é abundante nas focas, leões e elefantes marinhos. Claro que ele não vai desprezar um humano de 150 kg viciado em refrigerante, pizza e sorvete. Caiu no mar é peixe. É um equívoco imaginar que tubarões são agressivos com os humanos. Das cerca de 400 espécies, apenas 30 estão envolvidas em ataques a pessoas.

Jurassic Park, que também tem a origem num livro de Michael Crichton, conta a visita de paleontólogos a um parque temático com dinossauros ressuscitados por clonagem através de mosquitos fossilizados em âmbar. Este parque situa-se na Costa Rica. Coisas estranhas só acontecem na América Central, o quintal da América USA. Até parece que os dinossauros não passaram pelos Estados Unidos. Durante a visita um espião industrial desliga todo o parque a fim de roubar embriões de dinossauros. Com os bichos soltos a ilha se torna uma Babel infernal. Os dinosauros que aparecem no filme são: Velociraptor, Braquiossauro, Cearadactilo, Dilofossauro, Euplocéfulo, Hadrossauro, Hipsilofodonte, Maiassauro, Microceratus, Othinielia, Procompsógnato, Tiranossauro, Estegossauro, Estiracossauro, Tricerátopo, Apatossauro. Destas 16 espécies, 10 eram herbívoros. Existem predadores entre eles e todos lutam pela manutenção de seus territórios como todos os bichos, inclusive os humanos carnívoros. O que o filme mostra são dinossauros, "monstros raivosos", em luta permanente com as pessoas da ilha. Em momento algum é dito o porquê da raiva. Imaginem um animal deste enclausurado como num zoológico.

Nestes dois filmes, Tubarão e Jurassic Park, os animais são vistos como inimigos dos humanos "inocentes". Não são vistos como parte da natureza e que lutam pela sobrevivência. O cinema é pródigo em mostrar os bichos como seres violentos e cruéis.

Estamos em 2040.

Passados 30 anos daquele jantar, Clarice está com 85 anos e mora no segundo andar de um prédio situado na Rua Imperatriz, na Praça Maciel Pinheiro, em Recife. Fica próxima da Livraria Imperatriz que a amiga frequenta regularmente. Onde tem livro Clarice está. Sempre uma leitora voraz. Para ela o livro é tratado como amante. Sempre foi e sempre é.

Sábado de manhãzinha, Clarice recebe a visita da Martinha.

- Oi filhinha, tudo bem? Que bom te ver. Você tá feliz hoje né?

A "filhinha" da Clarice é uma braquiossauro de 15 metros de altura, 20 metros de comprimento, um pescoço de 10 metros e pesa cerca de 80 toneladas. A conversa entre as duas sempre acontece na varanda do apartamento.

- Já sei, veio para o café da manhã.

E fez um cafuné na cabecinha da Martinha.

- Hoje tem algo especial pra ti. Além da samambaia tem um tempero que você vai gostar: manjericão e alecrim. Penso em fazer macarrão no almoço e por isso aproveitei para inovar em seu café. Pelo olho a "filhinha" gostou da novidade e pediu mais. Clarice mudou. As maluquices da ciência não a revoltam mais. Martinha que o diga.

Martinha passa pela Rua Imperatriz duas vezes por semana. As varandas dos apartamentos mais baixos dos prédios da rua têm samambaias gigantes para o desjejum da amiga do pessoal. No lugar da decoração luminosa na época do Natal vemos a saudável vista das "ham ã’bae" que em tupi significa aquele que se torce em espiral.

Uma curiosidade pertinente: como um bicho deste tamanho anda no asfalto? Mole. Os ressuscitadores da Martinha, pensando nisto, conceberam um "sapato" especial para andar neste tipo de piso.

Clarice tem o costume de ver filmes antigos num canal de TV a cabo. Daqueles que gosta de rever tem: Tudo sobre minha mãe de Almodóvar, Casablanca de Michael Curtiz, Imitação da Vida de Douglas Sirk, Kill Bill v.2 de Tarantino, Estômago de Marcos Jorge e outros.

Um dia reviu Jurassic Park. E pensou: meu Deus! O cinema já fez muito bem para mim, mas como pode ter feito tantas besteiras!


 
Edson Pereira Cardoso, Junho de 2010


NB: fiz este texto lembrando de Clarice Lispector.

Em tempo

Steven Spielberg arrependido em 2022

"Em seu extemporâneo mea culpa, o cineasta se ateve ao “danoso” estímulo que seu thriller deu à pesca do tubarão como atividade esportiva. Por sorte, o tubarão do filme era fake, um artefato mecânico, como a Moby Dick de John Huston, não um bicho de verdade, como os golfinhos Flipper e Winter. Do contrário, Spielberg teria de prestar contas aos órgãos que desde 1938 monitoram o tratamento dado a animais em produções cinematográficas." Gatos, tubarões e cães no caminho de papas, cineastas e presidentes

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Flexal 2 e os dez mandamentos


A notícia:

Protesto de moradores fecha a Rodovia do Contorno, em Cariacica. Congestionamento chegou a 6 km em cada sentido. Durante manifestação, meninos jogaram bola no meio da pista, protestando contra a falta de um campo de futebol na região. A Rodovia do Contorno ficou totalmente fechada por quatro horas nesta quinta-feira (05/05/2011), na altura do bairro Flexal 2, em Cariacica, por conta de um protesto de moradores. O congestionamento, de acordo com informações da Polícia Rodoviária Federal (PRF), chegou a seis quilômetros em cada sentido. Por volta das 10h30, o Corpo de Bombeiros realizou a limpeza e desobstruiu a via para o tráfego de automóveis. A população pede, entre outras coisas, o cumprimento das promessas feitas à comunidade como a instalação de passarelas para travessia de pedestres e a abertura na divisão da rodovia. Eles ainda querem uma unidade de saúde no bairro e o calçamento das ruas. A criação de um campo de futebol também está entre as reivindicações. Crianças do bairro, em forma de protesto, jogavam futebol no meio da rodovia. Os moradores afirmam que elas não têm local apropriado para a prática de esporte dentro do bairro. Outro fato que chamou atenção, durante o protesto, foi um morador que se fantasiou do personagem bíblico Moisés e criou uma espécie de "tábua dos dez mandamentos", com as reivindicações feitas pelos moradores. Nilson Silva, morador do bairro há 33 anos e vice-presidente da associação de moradores, brincou com a passagem bíblica e disse que os governantes vão cometer "um grande pecado" caso não cumpram o que eles pedem. "Nós fizemos os dez mandamentos para que todos possam entender nossas reinvidicações. Será pecado se (os governantes) não seguirem, e será um pecado grave, sem perdão. A população está sofrendo muito. Não temos unidade de saúde, nem campo de futebol, estamos isolados", disse o 'Moisés de Flexal 2'. http://gazetaonline.globo.com/ de 5/5/2011.

O "Moisés de Flexal 2" está na foto abaixo.







Homem fantasiado de Moisés exibe as reivindicações dos moradores,
durante protesto na Rodovia do Contorno. foto: Guido Nunes




As reivindicações que estão na tábua são: I – Construirás posto de saúde e o CRAS(Centros de Referência da Assistência Social), II – Entregarás as escrituras dos terrenos, III – Atentarás para a Rod. do Contorno, IV – Construirás muros de arrimo nas encostas, V – Reformarás o campo do Apolo, VI – Farás um asfalto descente, VII – Trarás mais linhas de ônibus, VIII – Trarás Correios e Internet, IX – Construirás Escolas de Ensino Médio, X – Não nos farás de PALHAÇO!

Flexal 2 é um dos 260 bairros distribuídos em 12 regiões urbanas na cidade de Cariacica. As reivindicações dos moradores e moradoras mostram por si as condições precárias do bairro. Contexto: de 01/01/2011 até 3/6/2011 foram pagos, em impostos pelos cidadãos, à União R$369 bilhões. Veja em  http://www.impostometro.com.br/

Será falta de recursos ou falta de vontade política? Uma resposta possível: estão querendo nos fazer de palhaço.
Cariacica é uma cidade do Estado do Espírito Santo. Carijacica, "chegada do branco" foi denominação tupi, e, com o correr dos anos, se tornou Cariacica. Tem população de 348 933 de habitantes (3ª maior cidade do Estado). Renda per capta de aproximadamente a metade da renda per capta do Brasil em 2010 que foi de R$19.016. IDH: 0,75 (Brasil: 0,69). É uma cidade com problemas de violência. Em 2008 a insuportável taxa de homicídios juvenil (15 a 24 anos) foi de 134 para cada 100 mil habitantes, 8º lugar das cidades do Brasil [1]. Contexto: Cariacica localiza-se num país onde, em 2010, 60,7% da população tinha a ultrajante renda domiciliar per capta de até um salário mínimo (IBGE 2011).

Reproduzo abaixo os Dez Mandamentos da Bíblia Sagrada. A introdução e as explicações de cada mandamento são da própria Bíblia. Apesar de questionar a afirmação de que só Ele pode dar as orientações para que o homem conserve a liberdade e a vida (cabe também às pessoas organizadas lutar pelas transformações sociais) é uma importante referência no contexto Flexal 2.

Os Dez Mandamentos – Êxodo 20 [2]

A constituição do povo de Deus: Então Deus pronunciou todas estas palavras: Eu Javé seu Deus, que fiz você sair da terra do Egito, da casa da escravidão.

No momento solene da aliança com o povo, Deus apresenta os Dez Mandamentos. Estes possibilitarão ao povo formar uma relação social onde todos possam viver com liberdade e dignidade, porque eles não o deixam construir uma sociedade baseada na escravidão, que leva a morte. Não se trata de simples leis; são princípios que orientam para uma nova compreensão e prática de vida.

Introdução: O único Deus verdadeiro é aquele que liberta da escravidão, para dar liberdade e vida. Só ele pode dar orientações para que o homem conserve a liberdade e a vida, e não volte a ser escravo. Os mandamentos exprimem a resposta que o homem dá ao Deus que liberta.

Em forma de mapa, os dez mandamentos (http://cmap.ihmc.us)

Clique sobre a imagem para ampliar
 
Edson Pereira Cardoso, junho de 2011

 
[1] Mapa da Violência 2011. Os jovens do Brasil, Julio Jacobo Waiselfisz, Instituto Sangari. Disponível em:
[2] Bíblia Sagrada – Edição Pastoral, CNBB, Paulus, 50ª impressão, 2003, p.92