Os carrascos também morrem, Hangmen also die!, 1943, Fritz Lang
Van Gogh, 1948, Alain Resnais
Justiça Injusta, The Sound of Fury, 1950,
Cy Endfield
La Cecilia, 1975, Jean-Louis Comolli
La sombra del Caudillo, 1960, Julio Bracho
A viagem de Chihiro, Sen to Chihiro no
kamikakushi, 2001, Hayao Miyazaki
Un dorado de Pancho Villa, 1967, Emilio
Fernández
Nosferatu, 2024, Robert Eggers
Nosferatu, Nosferatu, eine Symphonie des
Grauens, 1922, F.W. Murnau
Coringa: delírio a dois, Joker: folie à
deux, 2024, Todd Phillips
Guerra civil, Civil war, 2024, Alex Garland
Aníbal, O Conquistador, Annibale, 1959,
Carlo Ludovico Bragaglia & Edgar G. Ulmer
Terra Indomável, American Primeval,
Minissérie, 2025, Peter Berg & Mark L. Smith
Natal da Portela, 1988, Paulo César
Saraceni
Clube dos vândalos, The Bikeriders, 2023,
Jeff Nichols
Sugarcane, 2024, Emily Kassie&Julian
Brave NoiseCat
Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia, Bring
me the head of Alfredo Garcia, 1974, Sam Peckinpah
Sangue Selvagem, Wise Blood, 1979, John
Huston
Jurado Nº 2, Juror #2, 2024, Clint Eastwood
O Preço da Traição, Mulholland Falls, 1996,
Lee Tamahori
The Convert, 2023, Lee Tamahori
Estrada para perdição, Road to Perdition,
2002, Sam Mendes
Veludo Azul, Blue Velvet, 1986, David
Lynch
Quatro Confissões, The Outrage, 1964, Matin
Ritt
Rashomon, Rashômon, 1950, Akira Kurosawa
Anora, 2024, Sean Baker
A Madona de Cedro, 1968, Carlos Coimbra
A Garota da agulha, Pigen med nålen, 2024,
Magnus von Horn
Memória, Memoria, 2021, Apichatpong
Weerasethakul
A Substância, The Substance, 2024, Coralie
Fargeat
Desaparecidas, The Missing, 2003, Ron Howard
31/12/2024
Os carrascos também morrem, Hangmen also die!, 1943, Fritz Lang
OS CARRASCOS TAMBÉM MORREM, Fritz Lang, 1943 por Marc C. Bernard
A opressão exercida em 1941 pelos nazistas sobre Praga e a resistência de seus habitantes são o assunto deste filme realizado em 1942 por Fritz Lang, adaptado de um roteiro original de Bertolt Brecht. A música é de Hanns Eisler e a foto é de James Wong Howe, fotógrafo de Sua Única Saída (Pursued, 1947) e Um Punhado de Bravos (Objective, Burma!, 1945) de Raoul Walsh que estão, junto a Os Carrascos Também Morrem (Hangmen Also Die!, 1943), entre os primeiros filmes americanos de grande importância.
Insistiremos portanto quanto ao fato de que Carrascos... representa uma colaboração entre Lang e Wong Howe. Após sua chegada nos E.U.A. foram, até 1942, diretores de fotografia de seus filmes: Joseph Ruttenberg, Leon Shamroy, Charles Lang Jr., George Barnes, Edward Cronjager e Arthur Miller. A superioridade de Wong Howe determina diretamente uma melhor expressão das intenções de Lang. Durante cento e trinta minutos de projeção, Carrascos prova a que ponto os problemas de luz são integrados à mise en scène, e como eles podem estimular a força dessa mise en scène. Não existe a possibilidade de um trabalho completo sobre um ator fora de uma certa comunhão de idéias entre o realizador e o fotógrafo, de uma colaboração íntima em vista das metas a se alcançar. Um plano mal iluminado é imediatamente esvaziado de seu sangue. Aqueles que conhecem a foto de Wong Howe para A Embriaguez do Sucesso (Sweet Smell of Success, 1957) de Alexander Mackendrick sabem que ela permite imagens de uma grande brutalidade. Ora, basta se ter refletido pouco sobre o que deve ser e o que pode ser a mise en scène para se pressentir a necessidade dessa brutalidade. Todos os grandes romances, Bon pied bon œil de Roger Vailland, ou La Corrida de Michel Déon, são brutais. Da mesma forma, encenar, é se engajar na brutalidade em relação a si mesmo e ao mundo.
A situação de um grande filme é sempre de ir contra a cegueira de seus contemporâneos. Nós somos portanto persuadidos que se, de uma maneira geral, as intenções de Fritz Lang não coincidem inteiramente com as de Bertolt Brecht, ao menos elas estão longe de lhes ser alheias (o crítico brechtiano Louis Marcorelles escreveu o contrário) e até mesmo se reencontram no que tange essa questão. Daí o caráter próprio a cada filme de Lang, como a cada filme de Losey, de ser teatral, de consagrar a duração do espetáculo à exposição dos fatos, dos impulsos e dos sentimentos. Trata-se de fazer com que a verdade se instaure sobre uma questão, isto quer dizer que se propague, que exponha as implicações sociais, econômicas, sentimentais, sexuais e familiares. Nesse sentido, o diálogo de Brecht, que a cada momento precisa onde está a responsabilidade de cada personagem, elimina todo o mistério e precipita a ação. Da mesma forma, a mise en scène de Lang, em Carrascos e em outros filmes, elimina todo o mistério e precipita a ação. Como alcançar a mise en scène de Carrascos e a de O Tigre de Bengala (Der Tiger von Eschnapur, 1959), quais são as qualidades requisitadas? Uma boa memória e um exercício razoável dos sentidos. Em suma, não é falso crer que o talento ou o gênio não existem, pois apenas o trabalho conta (o trabalho do artesão e do técnico).
Lembremo-nos de Joseph Losey falando de Bertolt Brecht: « A verdade não é absoluta mas ela é precisa. » Um policial não se expressaria de outra forma e exigiria: a verdade deve ser estabelecida com exatidão. Eis um desejo que é ao mesmo tempo o mais humilde e o mais pungente. Carrascos não é mais que uma visão um pouco mais exata das coisas. Espetáculo excepcional e todavia natural a quaisquer uns. Quem são esses e como reconhecer suas vozes, a questão está alhures.
Visto que tudo está no método, é necessário citar Georges Bataille: « Se você tiver a paciência, a coragem também de ler meu livro, estudaremos, conforme as regras de uma razão que não descansa, soluções para problemas políticos procedentes de uma sabedoria tradicional, mas encontraremos igualmente essa afirmação: que o ato sexual é no tempo aquilo que o tigre é no espaço » Para concluir, diremos que a brutalidade é um método e também a própria honestidade.
(Présence du Cinéma nº 10, janeiro 1962, pp. 40-41. Traduzido por Bruno Andrade)
01/01/25
Van Gogh, 1948, Alain Resnais
Disponível em Cinema Livre aqui
VAN GOGH, Alain Resnais, 1948 por André Bazin
O cinema e a pintura
Os filmes sobre arte são uma das mais incontestáveis novidades do documentário, depois de seis ou sete anos, e talvez até mesmo a única novidade, pois, após Marey e Lumière, Flaherty, Joris Ivens, Vigo, Cavalcanti, Buñuel e Brunius, não vejo nada que o documentário tenha inventado de essencialmente novo. Ele pôde nuançar ou enriquecer certas aquisições suas, às vezes com muita originalidade e talento, sobretudo no domínio científico, tributário dos progressos técnicos, mas sem conseguir anexar novos territórios.
Pode-se citar excelentes documentários de dez anos atrás mas, para além do fato de tratarem quase que exclusivamente da escultura e da arquitetura, julgadas sem dúvida como mais cinematográficas em função da sua condição espacial, eles se limitavam a uma descrição externa do seu objeto.
O protótipo do gênero é o inevitável Rodin (1942) de René Lucot, cujos estragos foram ainda maiores visto que uma total ausência de gosto e uma constante segurança diante do contra-senso estético são admiravelmente mascarados por uma demagogia plástica e uma falsa pedagogia que naturalmente não deixam de causar ilusão. Essas críticas não são, felizmente, válidas para todos os documentários do mesmo gênero, embora os melhores sejam no fundo um aperfeiçoamento didático do álbum de fotografias.
Foi o filme de Jean Lods sobre Maillol (Aristide Maillol, sculpteur, 1943) que começou a renovar a questão, ainda que a idéia inicial do filme já se encontre numa forma primitiva e elementar nos documentos biográficos de Sacha Guitry. Mas era apenas questão, para Guitry, de conservar uma fotografia animada de um personagem célebre. Lods, ao mesmo tempo em que se propõe o mesmo objetivo, procura transformar seu retrato cinematográfico em uma introdução crítica à obra do artista. Se vemos muito poucas estátuas nesse filme, finalmente sabe-se mais a respeito da escultura de Maillol que da de Rodin pelo filme de Lucot; fica-se mais propenso a compreendê-la e admirá-la. Trata-se certamente neste caso de um fenômeno especificamente cinematográfico, irredutível à fotografia. Apesar de ser muito menos inteligente no seu conjunto, o filme sobre Matisse aperfeiçoa o de Lods ao menos em um aspecto: a câmera lenta da mão de Matisse enquanto pinta.
Contudo, tirando o fato de que esses retratos críticos só são possíveis com artistas vivos, eles ainda permanecem ancorados às tradições cinematográficas anteriores. Pode-se considerá-los como uma combinação da atualidade filmada mesclada a certas concepções literárias da crítica pela biografia e o meio.
Ao contrário, a surpresa e o entusiasmo suscitados pela aparição dos filmes de Emmer e Gras sobre a pintura vêm da sua novidade radical em relação ao uso que se fez anteriormente do cinema. Descobria-se uma apreensão crítica da pintura especificamente cinematográfica, uma síntese das duas matérias estéticas: pictórica e cinematográfica. Em certo sentido, pode-se até mesmo dizer que não se trata mais de pintura, mas sim de cinema, uma vez que a obra inicial é decomposta e recomposta pela câmera. Não é do alcance da minha proposta pesquisar se Emmer é ou não o criador do gênero. É possível que ensaios da mesma natureza sejam anteriores a ele (em particular um Rubens a cores de René Huyghe). A questão não tem grande importância porque é incontestável que é pelos seus trabalhos que Luciano Emmer e Enrico Gras exploraram da forma mais brilhante e mais convincente esse método[1].
Este consiste essencialmente, por um lado, em desenvolver o espaço pictórico no tempo, e por outro em tratar esse espaço como indefinido. Na realidade, é esse último ponto que importa sobretudo, pois é ele que dá ao tempo o seu sentido. O procedimento é fundado pela oposição entre a metafísica do quadro e a da tela. A moldura do tableau (ou até mesmo simplesmente a moldura virtual determinada pelas bordas da tela) mantém efetivamente com a imagem que confina uma relação rigorosamente inversa daquela das bordas da tela do cinema. A moldura é constitutiva da pintura: ela define o microcosmo pictórico como radicalmente heterogêneo ao universo que a rodeia; é o signo de uma exterioridade ontológica da imagem a qual ela controla em relação às imagens do mundo exterior. Por essência a pintura é cercada: inserida por força no mundo natural. O quadro pictórico é, portanto, centrípeto, orientado para o interior. Ao contrário, tudo que é projetado na tela é necessariamente, em função de sua natureza fotográfica, percebido como indefinido, assimilado ao mundo exterior. A tela não é mais um quadro, mas um refúgio; ou, se quisermos, uma janela; ou, se quisermos ainda, um espelho. Ela é centrífuga, pois a imagem se prolonga virtualmente sem limite para além do retângulo negro que restringe nossa visão. Em outros termos, a fotografia e a fortiori o cinema nos mostram sempre um fragmento do universo.
O achado fundamental de Emmer, aquele do qual tudo provém, é o de jamais mostrar os limites do objeto pictórico, ou seja, de inserir a tela no quadro e, portanto, negar o último. A operação comporta uma química e uma física. Inicialmente transforma-se a pintura em fotografia, o que permite em seguida tratar a nova imagem exatamente como o universo, nos apresentando-a sucessivamente e na medida do possível como fragmentos de um mundo indefinidamente expandido, homogêneos ao espaço virtual que nos é ocultado.
Assim sendo, o cineasta nos introduziu psicologicamente no mundo do artista. A fórmula nada mais tem aqui de uma metáfora, não se trata de uma identificação imaginária, de uma participação afetiva ou intelectual, mas de um fenômeno absolutamente independente do nosso grau de consciência e que interessa à própria raiz da percepção. Não nos é mais possível escapar do mundo do pintor porque o tableau se tornou Mundo e, deste modo, somos mantidos no interior desse mundo sem nenhuma outra referência a um outro universo nem, sobretudo, ao Universo como tal. A câmera psicologicamente criou uma quarta dimensão tão ilimitada quanto as três outras e que se desenvolve no interior do tableau.
É partindo dessa introdução da imagem pictórica no universo que Emmer pôde se permitir sua análise dramática. É importante não confundir os dois aspectos da operação, visto que o primeiro é a condição do segundo. Mas quem não vê que toda pintura não se quer dramática e que o cineasta reconstrói aqui o tableau sobre uma outra estrutura que aquela desejada pelo pintor? Constatar isso não é necessariamente um senão. Diríamos mesmo de bom grado que a dramatização é ainda mais bem fundada quando a pintura não é dramática, isto quer dizer anedótica. Quando se trata de “primitivos” que, por exemplo, se esforçaram para integrar um desenvolvimento sucessivo no quadro de um mesmo tableau, como Jérôme Bosch ou Memling, o cinema vem de alguma forma desdobrar a superposição pictórica e, portanto, colocar-nos em contato direto com a invenção do tema. É possível até mesmo que no caso de uma pintura não anedótica, a dramatização renove a visão mais fortemente pela introdução de um meio de apreensão estrangeiro.
O interesse do procedimento de Emmer é certeiro. Esteticamente, ele constitui um tipo de trabalho em segundo grau, cuja existência não pode ser contestada. Na medida em que ela não pretende ser uma representação fiel da pintura, mas uma interpretação pelo cinema, há apenas uma coisa a se dizer: é uma obra cinematográfica. Por outro lado, seu valor pedagógico é potente. É preciso ter uma grande cultura ou uma sensibilidade excepcional para desfrutar de uma pintura cuja anedota não constitui o essencial, ao passo que todo homem, mesmo o mais inculto, é imediatamente sensível ao drama. Ao identificar o tableau ao mundo natural, Emmer o coloca primeiramente sobre o plano da experiência realista à qual ninguém escapa. Ao reconstruí-lo conforme uma sucessão de causas e de efeitos, desdobrando-lhe em forma de narrativa, ele permite que todos, sem expectativas, acedam à emoção.
Mas, dir-se-á: qual emoção? Ela ainda é pictórica? O mais importante talvez não esteja nisto. Bastar-nos-ia que, pictórica ou não, ela fosse estética. Ora, em si mesmo o procedimento não o garante. O perigo dos filmes de Emmer é que valem, sobretudo, pelo seu autor, e que estremecemos ao imaginar os resultados de tal método inconsideradamente aplicado por cineastas que não possuem sua inteligência pictórica. Ou melhor: Emmer não poderia continuar indefinidamente a realizar tais filmes (e ele foi o primeiro a compreendê-lo). Enfim, e isto é o mais grave: os próprios filmes de Emmer não ganham muito ao serem revistos com freqüência (ao passo que não se pode dizer o mesmo das obras que utilizam). Os perigos e os limites da reconstrução dramática vêm à tona ao ridículo se imaginarmos um instante aplicado, por exemplo, ao Sacre de Napoléon por David. Tornar-se-ia apenas uma atualidade reconstituída.
*
O primeiro indício de qualidade do Van Gogh , realizado por Alain Resnais a partir de um roteiro de Gaston Diehl e de Robert Hessens, é precisamente o fato de que se imagina menos facilmente o pastiche. Seria injusto não reconhecer o que esse filme deve a Emmer e no quê ele se distingue e o ultrapassa.
O princípio fundamental é o mesmo: introduzir-nos no universo do pintor pela inserção da tela no quadro. Mas esse realismo de segundo grau não é utilizado com os mesmos fins dramáticos. A pretensão dos autores é aqui ao mesmo tempo mais modesta e mais aventurosa: mais modesta no sentido de que não pretendem reconstruir tal ou tal obra de Van Gogh, nem mesmo um tipo de tableau sintético feito de uma montagem de várias telas. Na medida em que a intenção vai se encontrando, ela é felizmente mantida no segundo plano. O cinema mantém em relação à pintura uma humildade sempre sensível: se ele ousa se servir dela, ele não tenta nos convencer que faz uma prestação de contas exaustiva; no máximo tenta nos convencer que propõe uma introdução. Mas, por outro lado Alain Resnais, Gaston Diehl e R. Hessens buscam fazer um filme sobre o artista e poder retraçar através da sua pintura a vida, ao menos idealizada e simplificada, de Van Gogh.
Seria inútil decidir se tal pretensão esteticamente possui fundamento. Quanto a isso, professor e críticos podem argumentar a favor ou contra. Mais que às teorias sobre a psicologia da criação, é melhor se referir aos resultados. Ora, não resta nenhuma dúvida de que, pelo menos para alguns artistas, a obra sintoniza-se bastante diretamente com a biografia para que tanto uma como a outra se esclareçam reciprocamente. É este o caso de Vincent Van Gogh. É também por isso que o mesmo filme não seria evidentemente possível com Braque, Matisse ou Manet. Mas a biografia espiritual de Van Gogh se confunde com a sua pintura, chegando até mesmo a se confundir com a própria técnica de seu trabalho. Ao contrário de um Cézanne, que retomava por um ano a massa de uma tela, Van Gogh refazia sucessivamente inúmeras vezes um mesmo tema. Enfim, e sobretudo, não é tanto a anedota que é dramática nessa pintura, onde tudo é drama, mas a maneira de pintar e a visão subjetiva das coisas; é o vai-e-vem do pincel que construiu o sol desse fogo de artifício, é o cipreste flamejante, o desenrugar doloroso das amêndoas, a perspectiva desmesurada de uma mesa de sinuca sob uma luz de lâmpada.
É também, dir-se-á, o rugido elevado dos amarelos, o grito das cores puras. Deus que me perdoe! Os filmes sobre a pintura ainda são apenas raramente a cores. Certamente isto não é a princípio desejável, mas se é perdoável ainda não saber se servir da cor nos filmes narrativos, o que seria aqui! Em preto e branco ao menos é certo de que não haverá traição ao pintor, pois se trata de uma convenção evidente para todos. A inconsistência da película torna-se até mesmo um elemento crítico positivo. Van Gogh, que poderíamos acreditar ser antes de tudo um colorista, revela no filme, como se fosse filigrana na massa, a força independente de seus temas, o valor profundo de suas estruturas materiais, o rigor de sua geometria simbólica. Enquanto nenhuma reprodução colorida seria provavelmente boa o suficiente para reproduzir a verdadeira eficácia pictórica de um Renoir, Van Gogh, despojado de sua cor, deixa subsistir uma rede alucinante de nervos e de tendões atados aos ossos do mundo. Melhor e mais seguramente que a fotografia, o cinema em preto e branco pode radiografar a pintura e revelar qualquer elemento essencial de sua existência.
O filme de Alain Resnais, Gaston Diehl e Robert Hessens pode, portanto, ser considerado uma síntese entre o filme-retrato do gênero Matisse ou Maillol e os filmes de Emmer. Em todo caso, ele não possui nada a ver com filmes descritivos anteriores como Rodin. Somente o cinema poderia permitir essas análises, essas aproximações e essa nova síntese pela qual a obra de Van Gogh revela pouco a pouco um sentido que cada quadro não possuía individualmente.
Do ponto de vista puramente técnico a mise en scène de Alain Resnais permanece evidentemente bastante próxima da de Luciano Emmer ou das de André Cauvin, realizador de Memling, e de Storck e Haesaerts, realizadores de Rubens. Essa mise en scène contém, entretanto, duas ou três nuances originais das quais ao menos uma constitui uma novidade capital. Uma vez que a convenção realista da negação do quadro está no princípio do filme, tudo que contribui para confirmar a verossimilhança física do mundo pictórico e a continuidade indefinida do espaço é um progresso. Ora, tanto Storck como Emmer haviam pensado em representar a profundidade apenas por travellings para frente e para trás. Por mais longo que fosse, esse travelling partia fatalmente do plano da tela e em algum momento parava. O efeito já é por vezes espantoso, como no admirável último plano do Paradis terrestre de Jérôme Bosch, no qual a relatividade do movimento nos faz crer que são Adão e Eva que se afastam.
Mas trata-se ainda de uma ilusão de relevo e não de uma terceira dimensão. A pintura permanece uma superfície sem avesso. Salvo engano, é a este Van Gogh que cabe o mérito de ter ultrapassado esse último obstáculo, pelo contracampo de 180 graus. Resnais o pratica duas vezes, a primeira na seqüência dos casebres. Nós vemos em “aberto”, de costas, uma camponesa entrando na sua casa; o plano seguinte é um contracampo “aproximado” da mesma camponesa vista de frente. O segundo exemplo, ainda mais impressionante, próximo do fim do filme, é o de um raccord de dois travellings em contracampo; de início nos é mostrada numa externa a casa do pintor em Arles e, em seguida, enquadra-se a janela com as persianas entreabertas; imediatamente depois o movimento continua em recuo no famoso quarto de visitas, como se a câmera, tendo penetrado no lugar, prolongasse sua observação. Agora parece impossível realizar filmes similares sem encontrar uma forma de passar pela teia de Resnais.
Em Guerrieri, Emmer havia cruzado vários tableaux com notável habilidade, mas sua justificativa era tênue porque pretendia permanecer interior à pintura ao passo que se tratava na realidade somente de uma anedota. No filme de Resnais é o retrato do pintor que requisita à pintura de nos revelá-lo. Se a obra de Van Gogh é solicitada, é pelo menos sem equívoco em relação à fidelidade da intenção do tableau. É por isso que não sentimos nenhum desconforto de nos emocionar com as seqüências patéticas da loucura, do asilo em Saint-Rémy e da saída do asilo, com o belíssimo travelling pelas galerias até a porta e o florescer das amendoeiras em flor. Resnais soube garantir admiravelmente nesta biografia o máximo de elementos especificamente pictóricos. Cada parte, independentemente de sua linha dramática, permanece ligada a um tema: o dos casebres campestres, dos campanários, do Moulin de la Galette... E será que é o caso de se falar de anedota, de drama de pintura ou mais simplesmente de poesia quando a grande viagem de Van Gogh para Provença nos é significada pelo close das famosas botas gastas?
É que apesar de toda a metafísica que pode ser agradável ou mesmo útil de se fazer a respeito de uma técnica, o essencial e o insubstituível localizam-se ainda além. Sinto muito por chegar tão tarde e por permanecer por tão pouco tempo. Mas é também porque, na verdade, não há nada a se dizer sobre o assunto. Van Gogh é aquilo que é porque Alain Resnais, operador de câmera e diretor ao mesmo tempo, é um rapaz que possui um senso notável da pintura e do cinema. E também porque sua modéstia e sua exigência o ajudaram a evitar comprometer sua proposta excedendo-a superficialmente. Basta observar o gosto requintado, a segurança infalível dos enquadramentos, a qualidade não apenas dos movimentos de câmera como também de suas cadências e de seus fins para compreender que o que nos enternece neste filme é a emoção de Alain Resnais diante de Van Gogh. Poderia ter bastado dizer muito simplesmente que soube nos comunicá-la.
Nota:
[1] Ver em La Révue du Cinéma nº 1, outubro 1946, o estudo dos filmes de Emmer e Gras por Jean-George Auriol, em Les origines de la mise en scène.
(La Révue du Cinéma nº 19-20, outono 1949, pp. 114-120. Traduzido por Bruno Andrade)
02/01/25
Justiça Injusta, The Sound of Fury, 1950, Cy Endfield
No iutubi aqui
Justiça Injusta / The Sound of Fury / Try and Get Me, De: Cy Endfield, EUA, 1950
Por Sérgio Vaz
Este é um filme hoje bem pouco conhecido. Produção inteiramente independente em uma época – 1950 – em que isso raridade, não tem grandes astros; foi o último filme americano do diretor Cy Endfield antes que ele se mudasse para a Inglaterra, para fugir da caça às bruxas do macartismo.
No lançamento, foi um fracasso de bilheteria tão grande que os distribuidores, a United Artists, resolveram tentar um novo título, substituindo o original The Sound of Fury, o som da fúria, pelo mais apelativo Try and Get Me, tente me pegar. Os exibidores brasileiros inventaram um título absurdo, grotesco, que não tem absolutamente nada a ver com a trama, com o tema: Justiça Injusta.
E é um filmaço.
É forte, poderoso, impressionante. Sério, pesado, denso. E faz um discurso de lucidez impressionante sobre como o jornalismo sensacionalista incita as pessoas a reações emocionais, sem lógica, brutais, violentas – e sobre como, quando age como parte de uma turba, o ser humano perde completamente a razão.
Para designar The Sound of Fury e outros filmes noir com forte preocupação com questões sociais, com um viés “de esquerda”, o crítico Thom Andersen criou um nome: film gris, da palavra francesa para cinza, cinzento.
Não sabia de nada disso quando me sentei para ver o filme. Jamais tinha ouvido falar no filme, o nome Cy Endfield não me dizia absolutamente nada. E desconhecia completamente que alguém houvesse rotulado esse subgênero de film gris.
The Sound of Fury foi me surpreendendo a cada minuto.
É um filme marcante – e importante.
E impressiona muito, impressiona demais como os conceitos que o filme apresenta sobre a reação das pessoas diante da violência, da criminalidade, fazem falta neste Brasil de 2019.
(O cartaz abaixo mostra claramente como os distribuidores não apenas procuraram um título mais apelativo do que o original: fizeram sensacionalismo barato – e tentaram vender gato por lebre. A loura da foto, a atriz Adele Jergens, que faz a namorada do bandido da história, aparece muito rapidamente – e não nessa pose sexy!)
O filme demora um pouco a mostrar a que veio
Há filmes que começam em tom maior, com algo surpreendente, forte, impressionante. The Sound of Fury é o contrário: abre com sequências sem impacto, com cenas cotidianas. Na verdade, o roteiro criado por Jo Pagano, com base em seu próprio romance The Condemned, usa os primeiros 10, 12 minutos do filme sem indicar para o espectador absolutamente nada do que está por vir.
E é interessante, porque o filme não é longo, bem ao contrário: são 92 minutos, segundo a caixa de DVD Filme Noir Vol. 7, lançado pela Versátil Home Video, e também segundo o IMDb, ou 85 minutos, segundo o guia de Leonard Maltin.
O filme usa 10, 12 minutos dos seus no máximo 92 para mostrar para o espectador quem é o protagonista da história, Howard Tyler, o papel de Frank Lovejoy, um ator que tem todo, absolutamente todo o jeito de um homem comum, médio, mediano, corriqueiro, indistinto, “normal” – se é que existe alguém normal, neste mundo de Deus e o diabo.
Na primeira sequência, um homem tenta falar de Deus para os seus semelhantes. Um pregador, um pregador que tem a ajuda de um grupo de pessoas, mas não consegue obter atenção de muitos semelhantes, numa rua central de uma cidade qualquer. As pessoas passam apressadas pela calçada e não param para ouvir as palavras do pregador:
– “Vocês devem olhar em seus corações e se perguntar se podem responder uma coisa: quanto cada um de vocês é culpado por todo o mal que existe no mundo? Por que fazem o que fazem? Por quê?”
Um cidadão mais apressado tromba no pregador e segue em frente, enquanto o homem que tenta chamar a atenção dos passantes para a palavra de Deus cai no chão – e aí começam os créditos iniciais.
É um daqueles filmes que fogem do esquema que era então o normal – na sua imensa maioria, os filmes começavam com os créditos iniciais, e só então vinha o início da ação. Aqui, não: não apenas há uma sequência antes dos créditos, como os créditos vão rolando enquanto já há ação na tela. Algo extremamente comum mais tarde, mas bastante raro na época.
Num posto de gasolina, à noite, um homem – veremos em seguida que é Howard Tyler, o protagonista – pede carona a um caminhoneiro: – “O senhor vai para Santa Sierra?”
A princípio, o caminhoneiro diz que não dá carona. Mas logo em seguida manda o homem subir.
A viagem é longa, mas o carona – Howard – não tenta puxar conversa. Fica quieto, em silêncio. Com o tempo, será o motorista que tentará puxar conversa. Oferece um charuto, Howard recusa. Oferece um palito para manter na boca, Howard recusa.
Diante de perguntas do caminhoneiro, Howard conta que mora em Santa Sierra. Que estava procurando emprego – soubera que estavam contratando na indústria química, e então tinha feito a viagem até aquela outra cidade, mas, quando chegou lá, viu que não havia vagas. O motorista sugere que ele talvez devesse tentar a sorte mais ao Norte, no Oregon, mas Howard diz que seria difícil, que está instalado em Santa Sierra, tem mulher e filho, e mais um a caminho.
Um pai de família bom, honesto – mas sem emprego
Sim, mulher e filho. Tommy (Donald Smelick) está aí com uns 9, 10 anos. E Judy (Kathleen Ryan, nas fotos acima e abaixo) está grávida de poucos meses, a barriga nem aparece ainda.
Judy recebe o marido com imensa ansiedade e uma pergunta: conseguiu emprego?
Ao saber que não, que o marido não conseguiu emprego, Judy não consegue disfarçar a frustração, a tristeza.
Tommy diz que os colegas de escola vão a um jogo, e ele precisaria de 50 cents. Depois que Howard dá 50 cents para o filho, Judy reclama: afinal, eles estão devendo dinheiro na venda do bairro, e ela não tinha 50 cents para comprar carne para fazer um almoço.
Com 8 minutos de filme, o diretor Cy Endfield e o roteirista Jo Pagano já nos desenharam o quadro. Já sabemos que Howard e Judy são boas pessoas, de bom caráter, e se amam – mas estão à beira do desespero porque Howard não acha emprego. São da Costa Leste, de Boston, e tinham vindo para a Califórnia porque dizia-se que a Califórnia era o novo Eldorado – só não sabiam, como uma hora lá Howard comenta, que um milhão de outras pessoas tinham feito a mesma coisa, e não havia empregos para um milhão de recém-chegados na Califórnia.
O filme já conseguiu que o espectador olhasse Howard e Judy com imensa simpatia.
E então, por acaso, ou por força do destino, por qualquer motivo que seja, Howard fica conhecendo Jerry (o papel de Lloyd Bridges). Jerry o seduz com histórias de um homem que ganha muito dinheiro, e poderia dar um emprego de motorista para Howard, se ele quisesse.
Quando o filme está com exatos 15 minutos, Howard – e o espectador – ficam sabendo que o tal homem que ganha muito dinheiro é o próprio Jerry. E que Jerry ganha muito dinheiro porque é um assaltante.
Judy está grávida, precisa de atendimento médico, logo precisará de hospital. Não há emprego. Howard aceita trabalhar com Jerry.
Aceita como quem dá-se ao carrasco, para usar a expressão tão cruel quanto poderosa criada por Chico Buarque. Aceita porque não vê outra saída – e o espectador sofre com ele.
Atenção: a partir daqui há spoilers
Justiça Injusta/The Sound of Fury, apesar de ser um filme pouco conhecido atualmente, está disponível em DVD, foi lançado no Brasil pela Versátil Home Video na caixa Filme Noir Vol 7, como já foi dito. E seguramente dá para achar o filme na internet.
Digo isso agora porque, a partir daqui, vou avançar sobre fatos que o filme só apresenta quando chega a 30 minutos, e, portanto, a rigor virão spoilers.
O eventual leitor que não tiver visto o filme não deveria ler a partir daqui. Seria muito melhor se ele visse o filme.
O filme se inspira em um caso real
Quando o filme está com 30 minutos, e Howard já participou, como motorista, de uma meia dúzia de assaltos, Jerry parte para o sequestro do filho de um homem riquíssimo da região.
É muito fácil o jeito com que Jerry, com a ajuda de Howard, pega Donald Miller (Carl Kent).
Surpreendentemente, Jerry bem depressa mata a sua presa, bem antes de enviar para o pai dela o bilhete exigindo resgate.
A sequência é brutal, e feita com maestria. Enquanto Howard fecha os olhos, apavorado, Jerry executa o crime, a sangue frio, como se matar um homem fosse algo normal como almoçar, beber uma cerveja.
E aqui é a hora de registrar que o romance The Condemned, de Jo Pagano, e portanto também o roteiro que ele mesmo escreveu para o filme, se inspiram numa história real. Em 1933, em San Jose, na Califórnia, dois homens foram presos pelo sequestro e assassinato do filho de um comerciante. O noticiário sobre o crime bárbaro provocou imensa comoção entre os moradores da cidade, que partiram, em fúria, como uma turba, como estouro de boiada, para fazer justiça com as próprias patas, perdão, mãos.
O sequestro e assassinato de Brooke Hart em San Jose em 1933 já havia inspirado outro filme, antes deste The Sound of Fury – e foi um filmaço, uma obra-prima que, bem diferentemente deste filme aqui de 1950, teve imenso, unânime reconhecimento da crítica. Fúria/Fury foi dirigido em 1936 – três anos apenas após os acontecimentos reais que o inspiraram – pelo respeitadíssimo Fritz Lang, um dos tantos e tantos e tantos grandes realizadores europeus que haviam se radicado nos Estados Unidos para fugir do nazismo.
Com Spencer Tracy e Sylvia Sidney no elenco, Fúria foi o primeiro e provavelmente o melhor de todos os filmes americanos do grande realizador austríaco. Dele diz o Guide des Films de Jean Tulard: “Permanece um vigoroso libelo contra o linchamento e já traz o tema da vingança, que voltará a aparecer em diversos filmes americanos de Lang”.
É possível que o fato de que Fritz Lang já havia abordado o tema ainda em 1936 tenha concorrido para que este The Sound of Fury não tivesse tido amplo reconhecimento da crítica da época, e não tenha virado um cult. Não posso afirmar isso, não tenho elementos para isso. É apenas uma possibilidade.
Belos diálogos sobre jornalismo e crime
Um dos pontos mais fortes, mais impressionantes, mais incisivos, mais brilhantes deste filme surpreendente é como ele realça o papel da imprensa sensacionalista na formação de um caldo de cultura de cegueira, de ódio brutal, irracional, diante da violência, da criminalidade.
Para tratar dessas questões de fundo, dessas questões maiores, temas importantes para estudos nas várias áreas das ciências humanas – sociologia, antropologia, comunicações –, o autor e roteirista Jo Pagano criou dois personagens, que são amigos mas ao mesmo tempo representam visões opostas de mundo.
Um é o jornalista Gil Stanton (Richard Carlson), um sujeito emproado, que se acha genial, como tantos jornalistas que se encantam com o fato de seu nome passar a ser conhecido como se fosse um ator de TV. Gil é o grande nome do jornal de Santa Sierra, e o dono do jornal, Hal Clendenning (Art Smith), o convence a usar seu talento fazendo reportagens mais emocionais, emocionantes, sobre a criminalidade que anda crescendo ali na região – estava havendo uma onda de assaltos a postos de gasolina, lanchonetes.
Afinal, é preciso vender jornais – e sensacionalismo faz vender jornais. Grandes manchetes sobre crimes atraem as atenções das pessoas, as pessoas compram mais jornais. É um círculo vicioso. Qualquer pessoa que some 1 mais 1 sabe disso. Essa é a razão do sucesso dos jornais sensacionalistas, “populares”, é a explicação para o sucesso dos Datenas da vida, essa praga que dá no mundo inteiro.
O outro personagem é um cientista italiano, respeitadíssimo, amigo de Gil Stanton, a quem o jornalista preza muito. Chama-se Vito Simone (Renzo Cesana), e é um homem de absoluto bom senso, que defende aquela coisa básica, fundamental: as pessoas devem raciocinar com a mente, com a razão, e não com as emoções.
Depois que Howard é preso, e a polícia ainda busca Jerry, Vito Simone diz para Gil Stanton:
– “Você está condenando esses dois homens sem julgamento, sem investigação. Tudo isso é um apelo direto à emotividade dos seus leitores.”
E o jornalista: – “Mas essa era a idéia, Vito”.
O cientista: – “Mas isso é errado. Pode ter sérias consequências. Como jornalista, você tem grandes responsabilidades.”
E o jornalista: – “E eu tenho que arcar com elas”. Em seguida, interrompe a conversa, porque precisa ir para o tribunal, onde começaria o julgamento de Howard.
O diálogo entre o jornalista que escreve histórias sensacionalistas e o amigo dele que é contrário a tudo isso continua mais tarde. O professor Vito leva para a casa de Gil Stanton a mulher do homem que o jornalista vem definindo como um monstro – e Judy lê para ele uma carta que recebeu de Howard. Uma bela carta, em que Howard admite sua culpa e pede que Judy o esqueça, e toque a vida para frente.
É impressionante como a atriz Kathleen Ryan está muito mais bela nessa sequência do que em todas as outras em que ela aparece. A honradez deixa as pessoas mais belas. Depois que Judy vai embora, o diálogo entre os dois, o jornalista e o cientista, continua.
Diz o cientista: – “Foi por isso que te implorei, pela manhã, que não trate esse trágico crime com sentimentalismo leviano.”
Gil Stanton está chocado com o encontro com Judy, com a carta de Howard, que mostra que ele não é um monstro. Mostra na expressão que está perplexo, que está raciocinando, que está ponderando. – “Mas Howard Tyler é culpado”, ele diz, tentando defender o que vinha fazendo.
– “Sim, Howard Tyler é culpado, mas o ódio não é a solução. É errado tratar Tyler e seu cúmplice como se não fossem seres humanos. Os homens não vivem no vácuo. Eles vivem uns com os outros. E se um homem se torna criminoso, às vezes é porque o meio em que ele vive é defeituoso. (…) Por isso decidi fazer palestras; do meu modo humilde, tento apontar que a violência é uma doença causada por um colapso moral e social. Esse é o problema real, tanto em relação às pessoas quanto às nações. E isso deve ser solucionado com a razão, não com a emoção. Com compreensão, e não com ódio. Só assim poderemos recuperar o centro moral do nosso universo.”
Os seguidores da Lei do Talião estão no poder
O autor e roteirista Jo Pagano foi muito feliz ao criar os personagens de Howard e Jerry, um tão diferente do outro. Howard é basicamente um bom homem; numa situação terrível, de não ter como manter a família, comete o imenso erro de se associar a um criminoso. Hora nenhuma ele toma iniciativas violentas – muito ao contrário, se recusa a participar das ações violentas.
Jerry é completamente diferente. Jerry é de fato um psicopata, um criminoso, um sujeito que mata a sangue frio.
O xerife da cidade, Demig (Cliff Clark), um homem honrado, fala diversas vezes sobre a necessidade de que Howard e Jerry tenham um julgamento justo. A fair trial.
Em um julgamento justo, seguramente seria possível se estabelecer que a culpa de um tem um peso completamente diferente da culpa de outro. Mas não há Justiça para os dois criminosos. Ao contrário do que diz o título brasileiro, Justiça Injusta. Não chega a haver Justiça para Howard e Jerry – o que há é justiçamento.
Os seres humanos se dividem em diversas categorias. Há, por exemplo, os racistas e os não-racistas; os que seguem as leis e os foras-da-lei. Mas uma das distinções mais claras, creio, é entre os que defendem cegamente a Lei do Talião, o olho-por-olho-dente-por-dente, e os que são contra.
A turba fictícia cidade de Santa Sierra, assim como a turba verdadeira da muito real Santa Fé em 1933, incitada pelos textos sensacionalistas do jornal, partiu para executar a Lei do Talião com suas próprias mãos. Não interessa se um planejou e executou os crimes e o outro foi apenas um acessório. Fazer distinção exigiria razão, e os que defendem cegamente a Lei do Talião não pensam – agem seguindo o que mandam seus instintos, suas tripas.
É de chorar, é apavorante ver que no Brasil dos últimos tempos a seita dos seguidores da Lei do Talião assumiu o poder.
Anotação em março de 2019
03/01/25
La Cecilia, 1975, Jean-Louis Comolli
No iutubi aqui
Review by dirtylaundri ★★★★
A beautiful film about the legacy of a dream, a sometimes surprisingly romantic revision arrested halfway between the last echoes of immediacy and nostalgia for a past that never (truly) was, between somber, melodic resignation and clear-headed analysis.
Reading about criticism of LA CECILIA´s alleged conservative form and unflattering comparisons with more openly experimental approaches I´m thrown back on my ongoing alienation from certain strands of film discourse, seemingly thoroughly undone decades ago and still living on, zombie-like (which might also mean, of course, that they do answer to contemporary needs; can´t hurt to be suspicious of one´s own alienation).
Anyway, to me, this didn´t feel like a compromised work at all. The sense of freedom in the beginning is realized precisely as form, as an aesthetic equilibrium, with landscape, camera movement and human gestures becoming directly expressive (without the need for history, discourse etc). This only works because the group is still small and there are no fixed structures limiting movement. This way the film can present, in the same frame, different reactions to the same event - but reactions in terms of gestures, not in terms of psychology. Some of those guys, like my favorite, the one with the moustache, are almost all gesture. There´s something theatrical about it too, yes, but theater doesn´t necessarily mean Brechtian alienation. Classic hollywood and its use of types might be a better (if still not fully satisfying) comparison.
Later on, with the (necessary) arrival of the families and thereby history, the equilibrium is gone, the mise en scene becomes compartmentalised, freedom is not completely lost, but relegated to special zones like those beautiful close-ups of Olimpia and Rossi on the meadows (two heads painted into nature). At the same time, the utopia of the first part only fully comes into view (but only like that: as utopia) once it´s gone. Letterboxd
04/01/25
La sombra del Caudillo, 1960, Julio Bracho
No iutubi aqui
La sombra del caudillo. Reflexiones sobre la película más censurada del cine mexicano
David R. Maciel analiza la película La sombra del caudillo, basada en la novela homónima de Martín Luis Guzmán. A decir del historiador e investigador cinematográfico, fue censurada por su visión crítica de la corrupción, la manipulación y el enriquecimiento ilícito de la clase gobernante. “Hoy puedo afirmar que he logrado la ambición más grande de mi vida y la culminación de mi carrera de director cinematográfico. Es más, podría morir ahora mismo”, diría Julio Bracho, su realizador. Esta obra maestra del cine mexicano ha sido restaurada, recientemente, por el Laboratorio de Restauración Digital de la Cineteca Nacional con el patrocinio de Arte & Cultura del Centro Ricardo B. Salinas Pliego.
Por David R. Maciel
En torno al cine mexicano, la década de los sesenta constituye ante todo una era de transición, que por cierto no ha recibido la atención adecuada de los especialistas. Es sin duda una etapa difícil, compleja y contradictoria que marca el fin de la época de oro: ese glorioso período que llevó al cine mexicano a dominar como industria y espectáculo a todo el mundo de habla castellana. La relación cine-Estado no sólo se hace más compleja, sino que sentaría las bases para los dramáticos cambios conducentes a una enorme y directa participación del Estado en todas las etapas y esferas del cine industrial mexicano en los años siguientes (García y Coria: 1997).
La cinta La sombra del caudillo (1960) del director Julio Bracho ocupa un lugar singular en los anales del cine mexicano, no sólo porque fue la película más censurada en toda su historia, sino porque se trató de una obra maestra del cine político e histórico mexicano merced a su dirección, su guion, sus actuaciones, y, fundamentalmente, a su absoluta fidelidad a la esencia de la novela de Martín Luis Guzmán –una de las obras más sobresalientes de la literatura mexicana.
El proyecto de la película La sombra del caudillo se inició cuando el director de cine Julio Bracho leyó por primera vez la novela en 1936 y su gran sueño fue llevarla a la pantalla. Tuvieron que transcurrir más de dos décadas para que el proyecto de la filmación empezara a materializarse. En 1959, cuando Martín Luis Guzmán recibió el Premio Nacional de Literatura, Bracho le comentó al presidente Adolfo López Mateos su idea de filmar La sombra del caudillo. El presidente, amigo personal de Martín Luis Guzmán desde que ambos fueron militantes en la campaña de José Vasconcelos para la presidencia de 1929, e interesado en el tema del cine, accedió a tal petición. “Ya era tiempo de que se filmara esa película” –le respondería el presidente López Mateos (Luna: 1984)–. Otro hecho favorable para el proyecto fue que México en 1960 celebraba el cincuentenario de la Revolución mexicana y por ende existía mucho interés oficial por apoyar propuestas relacionadas con esta temática.
Para la filmación, se podía acceder a los fondos gubernamentales disponibles. De hecho, el Banco Nacional Cinematográfico, a través de su director Federico Heuer, simpatizó con el proyecto y apoyó la iniciativa de que la Sección de Técnicos y Manuales produjera la película. El banco otorgó 700 000 pesos de anticipo, los cuales fueron íntegramente dedicados a la producción. Por lo demás, los Estudios Churubusco cobraron una cuota reducida por el uso de sus instalaciones y en el material empleado se obtuvo una gran rebaja. En señal de solidaridad, el Sindicato de Actores ofreció una colaboración importantísima: ningún actor cobraría salario de antemano (Ramírez de Aguilar: 1962). El eminente elenco incluía a Antonio Aguilar, Bárbara Gil, Kitty de Hoyos, José Elías Moreno, Miguel Ángel Ferriz, Tito Junco, Carlos López Moctezuma, Ignacio López Tarso y Tomás Perrín, entre otros.
Cuando la Secretaría de Gobernación le dio su aprobación al guion de La sombra del caudillo, se abrió la puerta al inicio oficial de la filmación en febrero de 1960. Durante el rodaje, Bracho recibió ayuda de varias instituciones gubernamentales. Con el fin de crear el mejor realismo posible, el director filmó varias escenas en la Cámara de Diputados, en el Castillo de Chapultepec y en cuarteles militares. La producción se concluyó en cinco semanas y media.
La trama
Construida como un thriller político, La sombra del caudillo retrata la lucha descarnada por el poder en los años de la posrevolución. La trama gira en torno a la pugna entre las facciones políticas y sus abanderados; en ella queda de manifiesto que los ideales de la Revolución mexicana fueron evidentemente traicionados por políticos que sólo mantenían su discurso revolucionario como fachada. La visión crítica que presenta de los principales dirigentes del país era que se enriquecían mientras grandes sectores populares seguían en la pobreza. La película muestra también dramáticamente la intriga, el uso/abuso del poder, la traición, la venganza. También se describe cómo en las contiendas políticas se hace uso de los aparatos coercitivos del gobierno, del chantaje político, y de la manipulación de la opinión pública a través de la prensa. En suma, la cinta subraya el lado oscuro de los orígenes del sistema político posrevolucionario en los años veinte (y de sus fundadores).
"La visión crítica que presenta de los principales dirigentes del país era que se enriquecían mientras grandes sectores populares seguían en la pobreza. La película muestra también dramáticamente la intriga, el uso/abuso del poder, la traición, la venganza." El autor
Los protagonistas son los dos principales contendientes a la presidencia de México, ambos secretarios de Estado, uno, el General Hilario Jiménez, Ministro de Gobernación, favorecido por el líder máximo de la Revolución de ese momento –El Caudillo–; y el otro, el General Ignacio Aguirre, Ministro de la Guerra, apoyado por otras importantes facciones políticas. Al enterarse de que El Caudillo ha decidido apoyar a su contrincante (y antiguo compañero de armas), el General Aguirre decide dimitir de su posible candidatura a la presidencia. Así se lo hace saber a El Caudillo y al General Jiménez. Sin embargo, no les convence su ofrecimiento de ausentarse de la contienda política –dado que el General Aguirre contaba con fuertes apoyos, una exitosa trayectoria militar y política, y una personalidad sumamente carismática.
Al percibir que no aceptan su palabra dada de buena fe, el General Aguirre choca fuertemente con El Caudillo y con el General Jiménez. El resultado inmediato es la agresión violenta que se dirige en contra de los colaboradores más cercanos del General Aguirre, ordenada por el General Jiménez. Entonces, como el mismo Aguirre señala enfáticamente en la película, todas las circunstancias lo llevan irremediablemente a aceptar su candidatura y a romper definitivamente con El Caudillo.
Cuando el General Aguirre decide salir de la Ciudad de México para formular una estrategia y reunir aliados para su campaña política, El Caudillo lo “madruga” haciéndolo caer en una trampa en la que interviene la traición de quien creía uno de sus más fieles seguidores: el General Elizondo, quien arresta abruptamente a Aguirre y a sus colaboradores cuando se creían totalmente seguros bajo su protección.
La película concluye con el fusilamiento sin juicio del General Aguirre y del grupo que lo acompañaba por órdenes expresas de El Caudillo. Como justificación de estos sangrientos hechos, la película muestra cómo la prensa –totalmente manipulada– había reportado que el General Aguirre se había levantado en armas en contra del presidente y que había muerto en el intento. La última escena de la cinta revela que hubo un sobreviviente, Axcaná González, el más cercano colaborador del General Aguirre, quien herido recibe auxilio de un carro diplomático y se asume que es trasladado a la capital para convertirse en el único testigo de los trágicos acontecimientos.
"Dado que existían rumores de cierta inconformidad, Bracho trató de impedir cualquier situación adversa. Acudió a Martín Luis Guzmán para que filmara un prólogo a la película. La idea central era resaltar los avances democráticos del país y presentar al caudillaje y al autoritarismo como hechos ya lejanos al México de los sesenta."
Los desencuentros con la censura
Una vez terminada, La sombra del caudillo logró la autorización de la Dirección General de Cinematografía para su exhibición. Julio Bracho estaba convencido de que era su mejor película y que contribuiría a promover el renacimiento del cine mexicano (Ibarra: 2000). Dado que existían rumores de cierta inconformidad de algunos funcionarios con la temática, Bracho trató de impedir cualquier situación adversa. Para ello, acudió a Martín Luis Guzmán con la idea de que filmara un prólogo a la película. La idea central era resaltar los avances democráticos del país y presentar al caudillaje y al autoritarismo como hechos ya lejanos al México de los sesenta. Martín Luis Guzmán entendió perfectamente la preocupación de Bracho y en su prólogo de siete minutos hace hincapié en que, aun cuando existieron capítulos oscuros en la consolidación de la Revolución mexicana, al paso del tiempo los subsecuentes gobiernos democráticos habrían superado totalmente tales prácticas. Dicho prólogo se añadió a todas las copias programadas para el estreno de la película y se suponía que evitaría las objeciones de funcionarios del gobierno.
Las perspectivas para La sombra del caudillo parecían muy positivas cuando se llevó a cabo su primera exhibición para la prensa e invitados especiales en el teatro Versalles de la Ciudad de México, el 17 de junio de 1960. El periodista Laureano González Porcel publicó una amplia crónica de la cinta:
[…] el público puesto de pie, tributó una emocionada ovación al autor, director y dirigentes del sindicato […] En ese momento, el escritor José Revueltas dijo que La sombra del caudillo es la primera gran película que ha hecho nuestro cine. (Últimas Noticias, 18 de julio de 1960).
Más adelante, el director Bracho declaró:
"Hoy puedo afirmar que he logrado la ambición más grande de mi vida y la culminación de mi carrera de director cinematográfico. Es más, podría morir ahora mismo, porque ya nada me interesa tanto, ni me apasiona de igual modo, ni como hombre ni como realizador cinematográfico ni como mexicano. (Últimas Noticias, 21 de julio de 1960)."
En varias revistas de cine, La sombra del caudillo recibió halagos. En Zócalo se subraya que es una cinta de gran valor estético y político por lo que sería sumamente apreciada por el público cuando se exhibiera regularmente (Zócalo, 24 de junio de 1960).
El 29 de junio de 1960, la Dirección General de Cinematografía otorgó la autorización formal número 30268 para la exhibición nacional de La sombra del caudillo, dándole la categoría “C”, sólo para adultos (Ramírez de Aguilar 1962). En la prensa se anunció que la cinta sería proyectada en cuatro importantes salas del Distrito Federal: Chapultepec, Latino, Roble y Variedades, para lo cual se hicieron carteles de publicidad y se llevó a cabo una extensa campaña de promoción (Gurezpe 1972). Al final, el anticipado estreno nunca ocurrió. Como lo anota Ariel Zúñiga: “Ya que muchas de las figuras que participaron en los hechos que narra la novela y que figuraban como personajes clave en la película aún estaban activas políticamente, la solución más eficiente era silenciar el film” (Zúñiga: 1995).
Lo que sucedió posteriormente fue un hecho insólito en la historia del cine mexicano. Con dos días de antelación a su ya programada exhibición pública en una premier de gala, en horas avanzadas de la noche, miembros de las fuerzas armadas entraron sin previo aviso a las instalaciones de la empresa Películas Nacionales encargada de la distribución de la cinta. Por la fuerza, procedieron a apoderarse y a decomisar todas las copias y el material publicitario. Después de la confiscación, el destino de las copias de La sombra del caudillo fue incierto.
Julio Bracho nunca se dio por vencido y emprendió una intensa lucha personal para lograr su estreno. Usó todos los medios a su alcance para lograr la exhibición de la cinta. En su artículo para México en la Cultura en 1962 se refiere, por ejemplo, a la necesidad de que se termine con el “malentendido” sobre su película, que parte de la base de que denigra al país (Bracho 1962). El resultado de sus esfuerzos fue decepcionante. En su lucha de tres décadas recurrió a diferentes oficinas y funcionarios y confrontó enérgicamente a los presidentes López Mateos, Díaz Ordaz, Echeverría y López Portillo. Sin embargo, todo fue inútil (Quintanilla: 2010).
"El Estado, al censurarla, cometió uno de sus mayores errores en su rol de promotor y difusor de la cultura nacional.En palabras de Carlos Monsiváis, dicha censura es un ejercicio de “rechazo cultural” a los mitos del México posrevolucionario."
Consecuencias de la cinta “prohibida”
El desastre causado por la censura a esta película tuvo una resonancia histórica tanto para la cultura como para la política. El Estado, al censurarla, cometió uno de sus mayores errores en su rol de promotor y difusor de la cultura nacional. En palabras de Carlos Monsiváis, dicha censura es un ejercicio de “rechazo cultural” a los mitos del México posrevolucionario. La película constituye una búsqueda por una “sentencia condenatoria” a una generación que traicionó los ideales de la Revolución y llevó a cabo una lucha sin cuartel por el acceso al poder. La cinta –continúa Monsiváis– denuncia la corrupción, la represión y la manipulación de los gobiernos, así como el pasmoso cinismo de los políticos frente a su propio discurso (Monsiváis: 1972). Al final, la brutal censura parece responder a la profundidad de su crítica hacia las prácticas antidemocráticas del naciente sistema político posrevolucionario.
La prohibición de La sombra del caudillo demuestra otro hecho poco comentado y analizado a fondo en México: la relación entre el Estado y el Ejército. Si, en efecto, la censura de la película en un primer momento fue iniciativa de la alta jerarquía de las fuerzas armadas de México, es evidente que las autoridades civiles no enfrentaron de ninguna forma esta decisión. Este caso demuestra que el ejercicio del presidencialismo del Estado mexicano de esa época del PRI tenía sus límites, y este fue el caso del presidente López Mateos y de sus sucesores, quienes siguieron el mismo camino.
La censura también tuvo consecuencias para quienes participaron en la cinta. El caso de Julio Bracho fue particularmente dramático, ya que nunca pudo sobreponerse totalmente al hecho de que la película que él consideraba la mejor lograda de su distinguida trayectoria fuera censurada durante toda su vida. Además, a consecuencia de la censura de La sombra del caudillo y por temor a las represalias del Estado, se fueron generando actitudes de alejamiento, rechazo, indiferencia y hasta de boicot hacia este director. Su hija Diana Bracho da cuenta de que, por temor al gobierno, se llevó a cabo un tipo de “macartismo” por parte de la industria cinematográfica hacia su padre. Le dieron una “muerte civil”. “A causa de esto –señala Diana Bracho– mi padre tuvo una depresión muy profunda” (entrevista con Diana Bracho, 2012).
A modo de conclusión
No fue sino hasta 1990, durante el régimen de Salinas de Gortari, cuando empezó a cambiar la suerte para esta obra maestra del cine mexicano. Por fin, después de décadas de presión anticensura por parte de la opinión pública, en especial de los sectores de la comunidad cinematográfica, y por el hecho de que el Estado se encontraba a la defensiva por otros casos de censura cinematográfica, se permitió una breve exhibición al público general de la cinta. Inicialmente, se planeaba incluirla en la Muestra Internacional de Cine, pero se le excluyó y se adelantó su estreno en la sala Gabriel Figueroa, el 25 de octubre de 1990. Posteriormente, el 12 de noviembre de ese mismo año, se proyectó también en la Cineteca Nacional. Sin embargo, la copia de 16 mm en poder de la Filmoteca Nacional que se exhibió era de mala calidad debido a la falta de fondos para su restauración (entrevista con Ernesto Román).
En 1991 la Academia de Artes Cinematográficas de México llevó a cabo un muy retrasado pero sumamente merecido reconocimiento a La sombra del caudillo al otorgarle su máximo honor: el Ariel de Oro (Quintanilla: 2010). El Ariel fue recibido por dirigentes del STPC en su papel de productores de la cinta.
'Se puede decir que por fin se cierra el capítulo más negro de la censura cinematográfica en México. A través de las batallas en contra de la censura ejercida por el Estado mexicano y ciertamente por el auge de las nuevas tecnologías, se rompió en gran medida el cerco a esta joya del cine político mexicano."
Posteriormente, la sección del STPC logró vender los derechos de la película (en DVD). La empresa Zima Entertainment la distribuyó en México y Centroamérica. Asimismo, por primera vez en la historia de la televisión mexicana, cadenas de televisión de cable han incluido La sombra del caudillo en su programación.
Con estas medidas, se puede decir que por fin se cierra el capítulo más negro de la censura cinematográfica en México. A través de las batallas en contra de la censura ejercida por el Estado mexicano y ciertamente por el auge de las nuevas tecnologías, se rompió en gran medida el cerco a esta joya del cine político mexicano. Ahora existe acceso (y oportunidades de análisis) a La sombra del caudillo para más sectores de la sociedad mexicana actual y las generaciones futuras, así como para espectadores fuera de las fronteras de México.
Referencias bibliográficas
Entrevista con Diana Bracho por Daniela Pastor en la Ciudad de México, 29 de enero de 2012.
Entrevista con Ernesto Román por David Maciel desde Los Ángeles, California, 1 de junio de 2012.
García, Gustavo y José Felipe Coria, Nuevo cine mexicano, México: Clío, 1997.
Gurezpe, Agustín, “Hablan [sic] un grupo de trabajadores del cine”, Excélsior, 16 de junio de 1972.
Ibarra, Jesús, Los Bracho: tres generaciones de cine mexicano, México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2006.
Luna, Andrés de, La batalla y su sombra: la Revolución en el cine mexicano, México: Universidad Autónoma Metropolitana-Xochimilco, 1984.
Monsiváis, Carlos, “Notas sobre la novela de la Revolución”, Siempre!, 17 de mayo de 1972.
Ramírez de Aguilar, Alberto, “Agenda de un reportero”, Excélsior, 22 de marzo de 1962.
Quintanilla, Susana, “La película que usted no pudo ver”, en “Libros, cine y televisión. Mecánicas de la censura”, Proceso bicentenario, octubre de 2010.
Últimas Noticias, 18 de junio de 1960.
Últimas Noticias, 21 de julio de 1960.
Zócalo, 24 de junio de 1960.
Zúñiga, Ariel, “Roberto Gavaldón”, en Paulo Paranaguá (ed.), Mexican Cinema, México/Londres: The British Institute, 1995.
David R. Maciel
David R. Maciel es doctor en Historia por la Universidad de California, y profesor emérito de la Universidad de California, Los Ángeles (UCLA) y de la Universidad de Nuevo México. Actualmente es profesor asociado en el Centro de Investigación y Docencia Económicas (CIDE). Ha ocupado, asimismo, puestos académicos en diversas universidades norteamericanas. En 1999 recibió el Premio Ohtli, otorgado por el Gobierno de México a través de la Secretaría de Relaciones Exteriores. De su copiosa bibliografía destacan: Mexico’s Cinema: A Century of Films and Filmmakers; El México de afuera. Historia del pueblo chicano; The Chicano Renaissance. Contemporary Cultural Trends; La otra cara de México: el pueblo chicano. Actualmente coordina los proyectos The Golden Age of Mexican Cinema y La emigración latinoamericana en el imaginario cinematográfico.
La sombra del caudillo (película de 1960) wiki
Revolución mexicana wiki
03/01/25
A viagem de Chihiro, Sen to Chihiro no kamikakushi, 2001, Hayao Miyazaki
Crítica | A Viagem de Chihiro por Ritter Fan
Se Luís Buñuel se reunisse com Salvador Dalí, Lewis Carrol, Alejandro Jodorowski, David Lynch e Terry Gilliam para conversar sobre ideias para filmes sob efeito dos mais diversos alucinógenos, tenho certeza de que eles não teriam a capacidade de chegar a um décimo da inventividade e imaginação que Hayao Miyazaki demonstra em A Viagem de Chihiro, longa de pura fantasia que o mestre das animações constrói ao redor de sua premissa favorita, o amadurecimento de uma jovem. Na verdade, o primeiro filme do século XXI do Estúdio Ghibli é quase que completamente um longo e deslumbrante desfile da fertilíssima inventividade sonora e visual de Miyazaki que parece feliz em soltar os freios completamente nos departamentos de criaturas bizarras e cenários magníficos e laboriosos que mantêm o espectador boquiaberto o tempo todo.
A história não é, muito sinceramente, mais do que um fiapo narrativo, quase que apenas uma desculpa para colocar em movimento o tal hipnotizante desfile visual que mencionei. Nela, a jovem, magérrima e medrosa Chihiro, muito a contragosto, muda-se de cidade com seus pais, deixando sua vida normal para trás tanto metafórica quanto literalmente. Já próximos de seu destino, porém, eles pegam um caminho errado e acabam no que parecem ser as ruínas de um parque de diversões que, à noite, ganha esplendorosa, mas também perigosa vida e que a menina precisa explorar não só para sair de lá, como também para resgatar seus pais que foram transformados em porcos (lembranças de Porco Rosso e de Pinóquio aqui) e podem virar bacon a qualquer momento.
Mas é importante não confundir história simples, um mero gatilho narrativo, por assim dizer, com história vazia e rasa. Não é o que acontece aqui, como, aliás, não acontece com nenhuma obra de Miyazaki se pararmos para pensar. Os contornos de história de crescimento e amadurecimento com claros toques de Alice no País das Maravilhas estão todos lá e Chihiro realmente lida com seu próprio rito de passagem, começando como uma menininha assustada e agarrada à barra da saia da mãe e chegando a uma jovem capaz de atos de coragem para fazer o que acha que é certo, sem jamais deixar que sua personalidade meiga, inteligente e curiosa funcione como ímã para as mais improváveis amizades. Esse caminho bastante objetivo, mas nem por isso desinteressante, é acompanhado não só por um exemplar trabalho de voz de Rumi Hiiragi, como por uma variada e complexa trilha sonora composta por Joe Hisaishi (prolífico parceiro das produções de Miyazaki, como Porco Rosso e Princesa Mononoke) que usa belas sequências em piano com a mesma facilidade com que lida com metais para pontuar os momentos mais tensos da jornada da jovem.
É inafastável concluir, porém, que A Viagem de Chihiro tem em sua história um pano de fundo apenas, com os holofotes ficando quase que o tempo todo no desbunde sonoro e visual que faz materializar um mundo mágico e onírico com impressionante fluidez, mais uma vez demonstrando o quanto o cineasta consegue fazer o inusitado parecer parte do cotidiano. Não há demora na “compra” da transformação fantástica por que passa o parque de diversões em pedaços que serve de atrativo aos pais de Chihiro no começo da fita e não há exatamente estranheza a cada nova criatura que apareça, seja a bruxa cabeçuda que comanda o local, o espírito sem rosto que se conecta com Chihiro ou a gigantesca e enlameada criatura que chega para limpar-se na casa de banhos, logo revelando-se outra coisa bem diferente.
Miyazaki orquestra sua narrativa de maneira exemplar, sem cansar o espectador com repetições cansadas e sem por sequer um segundo deixar de hipnotizá-lo com um cada vez mais expansivo universo de regras próprias. Há um ritmo gostoso que marca bem as descobertas de Chihiro e sua evolução ao longo da história, mas há, também, uma aceleração sensível nos 20 minutos finais, com uma resolução a partir da viagem de trem da menina que, diante de tudo o que veio antes de maneira muito compassada, é apressada, derramando “novas regras” que parecem contar outra história que, apesar de ainda muito boa, distancia-se do que o cineasta construíra. Talvez a maior marca dessa perda momentânea de ritmo seja determinada revelação final – que não abordarei aqui, mas, se abordasse, diante de sua aleatoriedade, dificilmente poderia ser considerada spoiler – que muito artificialmente conecta o passado de Chihiro com outro personagem sem que haja qualquer efetiva preparação para ela. É, na falta de palavras mais eufemísticas, o literal coelho retirado da cartola que quebra a imersão nos minutos finais.
Mesmo com sua derrapagem quase na linha de chegada, A Viagem de Chihiro continua sendo uma jornada cinematográfica como poucas que desafia os limites da imaginação, mais uma vez coroando Miyazaki como um dos reis da arte da animação cinematográfica. Os anos 2000 começaram de forma estupenda para o cineasta e seu estúdio, imediatamente marcando o universo de Chihiro como um dos mais ricos a ganhar forma na Sétima Arte.
04/01/25
Un dorado de Pancho Villa, 1967, Emilio Fernández
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Un Dorado de Pancho Villa começa em Pancho Villa dirigindo-se a seus fiéis no final da Revolução Mexicana. A história segue o retorno de Aurelio Perez (um major e um dos membros da elite das forças de Pancho Villa) à sua cidade natal. Ao retornar, ele descobre que sua mãe faleceu e Amalia, a namorada que ele deixou para trás, agora é casada com o infame Don Gonzalo da cidade; um homem enganoso de poder e riqueza. Amalia, chateada ao descobrir que foi enganada para se casar por Don Gonzalo, entra em uma discussão letal com ele. Logo Aurelio é acusado do resultado dessa fatalidade e é preso pelo comandante da cidade; um amigo do Don com suas próprias queixas contra Perez. Maria, uma admiradora de Perez, se propõe a ajudar a libertá-lo de sua injustiça. Quando seu primeiro plano é frustrado, Maria resolve o problema com as próprias mãos. Ela resgata Perez, embora só consiga melhorar a situação temporariamente, deixando o comandante com fome em sua busca por vingança.
Review by Morell ★★
Una película de la última etapa del cine de Emilio Fernández, donde vuelve otra vez a los temas revolucionarios y campiranos. Aquí cuenta la historia de uno de los soldados de Pancho Villa, a los que el llamaba dorados, una vez que este depone las armas, y como dicho soldado al regresar a su pueblo ve que su madre murió y la que era su prometida se casó con otro.
Lo mejor: Logra que la película hacer un retrato del México rural, post revolucionario, las mejores escenas de la película son donde no hay diálogo y se limitan a mostrar el paisaje y su gente haciendo labores cotidianas, aunque eso en parte también la vuelve lenta y aburrida.
Lo peor: la anécdota en sí, o más que lo que se cuenta, como se cuenta, demasiado melodramático, con diálogos declamatorios, interpretaciones que en algunas escenas caen en la sobreactuación, villanos de opereta como el hacendado y el militar, y personajes desaprovechados como el de Amalia, incluso situaciones que podrían haber aprovechado más el odio que se tenía ésta con su marido, y no solo usarlos de subtrama para justificar una injusticia que luego se comete contra el protagonista. Letterboxd
05/01/25
Nosferatu, 2024, Robert Eggers
Crítica | Nosferatu (2024) por Leonardo Campos
Clima febril, perseguição psicossocial e dinâmicas abusivas como subtexto contemporâneo embalam essa refilmagem do clássico expressionista.
Qualquer retomada de uma narrativa clássica gera comoção do público, da crítica, dentre outros setores que engendram a cultura cinematográfica. Nosferatu, dirigido por Robert Eggers, também responsável por tecer o texto dramático, não é um filme para todos. Digo isso, caro leitor, porque diferentemente do tom frenético e do excesso de reviravoltas estabelecidas nas atuais histórias de terror, a perspectiva gótica contemplativa e o desenvolvimento dominado de alegorias do filme não sacolejam as plateias contemporâneas, em sua maioria, obcecadas por banhos de sangue, atos divididos por didatismo, ação quase sem interrupções e metáforas trocadas por comparações mais simplórias e objetivas. Refilmagem do clássico expressionista de F. W. Murnau, que por sua vez, era uma tradução não autorizada de Drácula, de Bram Stoker, para o suporte semiótico cinematográfico, essa versão de Eggers é uma corajosa empreitada artística, pois invade um território que possui aura específica. Em 1979, Werner Herzog também ousou, ao trazer um elenco e uma equipe de realizadores muito competentes para entregar ao público o seu olhar para esse enredo diabólico sobre obsessão, isolamento e inevitabilidade da morte.
Agora, em plena década de 2020, a decadência humana, a ojeriza diante da monstruosidade e a intensidade dos relacionamentos que, em muitas situações, ganham um dinamismo tóxico, podem ser as palavras-chave que definem mais uma aparição do Conde Orlok nas telas dos cinemas. Dessa vez, mais próximo do vampiro de Gary Oldman, dirigido por Coppola, mas com muitos traços de Max Schrek, orientado por Murnau em 1922. Lançado em 2024 no exterior e na lista dos principais lançamentos da primeira semana de 2025, Nosferatu é um filme grandioso. O elenco entrega desempenhos dramáticos espetaculares, as imagens são suntuosas, a trilha sonora de Robin Carolan, já adquirida e executada enquanto escrevo esse texto, é uma obra-prima da música instrumental contemporânea, numa história que em si traz um enredo simples, mas carregado de complexidade pelos desdobramentos interpretativos que nos permite estabelecer enquanto estamos assistindo, bem como a sua permanência em nossas mentes após o desfecho dessa versão que contabiliza 132 minutos de horror visual e psicológico em cena. Visceral na visualidade e febril em seu subtexto, eis um filme que traduz psicanaliticamente o conceito de pesadelo para imagens aterrorizantes sobre as erosões da condição humana.
A trama, amplamente conhecida, nos apresenta uma tradução livre da estrutura narrativa do romance epistolar de Bram Stoker. Ellen Hutter (Lily-Rose Depp), recém-casada com Thomas Hutter (Nicholas Hoult), acredita que a sua vida de traumas passados e turbulência onírica constante está caminhando para uma mudança positiva. Logo nos primeiros momentos, seu esposo é enviado pelo chefe para resolver uma questão contratual com o Conde Orlok (Bill Skarsgard), o “Nosferatu” da história, figura enigmática que vive numa zona distante, na Transilvânia, um lugar dominado por superstições e atmosfera nebulosa. Enquanto viaja para dar cabo da missão que supostamente mudará a situação social de suas vidas, Thomas vivencia momentos de incerteza, pesadelos muito estranhos, fincados com em sua realidade, além de atravessar condições macabras nunca antes experimentadas. As coisas ficam ainda mais intensas quando chega ao castelo do decrépito conde, um homem com voz gutural assustadora e aparência idem. Desse momento em diante, ele precisa batalhar pela sua sobrevivência e lidar com a obsessão do cliente que possui planos muito maiores que o imaginado. A propriedade que Orlok deseja não é exatamente uma mansão, mas a alma e a entrega de Ellen.
Enquanto isso, em paralelo, acompanhamos o adoecimento cada vez mais intenso da jovem esposa. Em conexão com os acontecimentos que dominam o cotidiano nos apresentado em elipses ao passo que o filme se desenvolve, a moça teme pela vida do marido, ao passo que começa a aceitar que talvez, para resolver de uma vez por todas as celeumas estabelecidas com o reinado de horror do vampiro, será preciso se sacrificar para salvar a todos. Infelizmente, antes de decidir o que será de seu desfecho, Ellen perde pessoas queridas que gravitam em torno de sua existência, em especial, a amiga Anna Harding (Emma Corrin), outra mulher resignada que a acompanhou durante a viagem do marido, sendo paciente com suas questões de saúde. Diferentemente de muitos filmes que seguem essa base temática, Nosferatu coloca em cena passagens com momentos de transe e possessão que emulam os melhores efeitos dos bons filmes na seara do exorcismo, entregando aos espectadores uma experiência crua de horror, com direito ao ataque contra duas crianças, ceifadas impiedosamente pelo monstro, num jogo de sombras mais assustador que uma passagem focada em ser explícita, dentre outras cenas angustiantes, num filme que pode ser definido como uma apaixonada homenagem ao terror.
Cinema, como qualquer manifestação artística, é contexto. Sabemos que os monstros espelham ansiedades e inseguranças de suas respectivas épocas. Xenofobia, a relação da humanidade com a ciência, os avanços tecnológicos e a ambiguidade da fé religiosa forraram o ambiente onde a versão expressionista de 1922 se deitou. Agora, Eggers e sua equipe pavimentam um caminho trilhado pelas questões que dominam os debates da nossa atual sociedade adoecida. Nosferatu versa sobre culpa, passa por questões acerca dos impactos do isolamento de toda “espécie”, além de dialogar com tópicos emblemáticos sobre os papeis de gênero. Longe de assumir uma postura panfletária e, consequentemente, histérica e desesperada, a narrativa prefere se apoiar num discurso onde olhares, ações e algumas linhas de diálogo, bem como os expressivos elementos estéticos que gravitam em torno dos personagens, emitem as suas mensagens e deixam o espectador navegar nas caudalosas e turbulentas águas das existências abissais de figuras ficcionais abaladas por suas existências conflituosas. Numa perspectiva de interpretação filosófica, essa acinzentada produção, fruto da eficiente direção de fotografia de Jaris Blachke, ambientada por uma inquietante e assombrosa atmosfera, possui muitos tons nietzschianos.
Ainda entre os destaques, temos uma participação menor, mas eficiente de William Dafoe como o Professor Albin von Franz, personagem que traz para as linhas de diálogos do roteiro, discussões panorâmicas sobre alquimia e crenças que permeavam o imaginário popular em 1836. Diversos nomes mencionados em Drácula, Frankenstein, dentre outros clássicos góticos, por aqui, enriquecem o texto com uma precisão histórica respeitosa, também a se desdobrar no desenvolvimento dos aspectos estéticos do filme. O design de produção de Craig Lathrop, com sua cenografia ogival e presença de outros recursos góticos assertivos, se mescla aos metais, sopros e cordas da já mencionada trilha de Carolan, nos permitindo mergulhar em uma jornada de horror com poucos precedentes no âmbito dos filmes do gênero na contemporaneidade. Os figurinos de Linda Muir, também bem delineados para a estruturação dos personagens diante de suas necessidades dramáticas e perfis social, físico e psicológico, reforçam a preocupação dos envolvidos em colocar o público para consumir uma história eficientemente costurada em todos os seus aspectos. Inspirada numa revista de moda do mesmo ano onde a narrativa se encontra situada, a figurinista conseguiu entregar o máximo de coesão em seu planejamento visual.
Outro ponto que merece destaque é o design de som. Confesso que apesar de funcionar, senti uma carga relativamente excessiva no tom de voz do Conde Orlok, nalguns momentos, muito excessivo em sua dinâmica de monstruosidade, atrapalhando trechos em que a sua fala não é a única em cena. Talvez tenha sido uma escolha proposital, tendo em vista nos reforçar que a sua ameaça diante dos pobres mortais é algo a provocar o silenciamento alheio. Fora isso, o setor utiliza ótimos recursos para nos conectar emocionalmente com o tom sombrio dessa história já contada anteriormente, mas que agora ganha novos contornos, em simbiose com os avanços tecnológicos que permitem novos experimentos estéticos para evolução da linguagem cinematográfica. Em sua estrutura, a trama é praticamente a mesma de 1922, com poucas mudanças, diferenciando-se mais na associação com o seu contexto. É uma nova época, algumas ansiedades e medos de antes predominam, agora em camadas adicionais de reflexões sociais, políticas e históricas. Ademais, Nosferatu é um reflexo do cinema de Robert Eggers, um dos mais proeminentes cineastas especializados no gênero terror na contemporaneidade.
Ele é um cineasta que rapidamente se destacou no cenário do cinema de terror, entregando histórias mais associadas ao que o público e a crítica consideram “cult”. Em seu estilo único e meticuloso, Nosferatu é talvez o mais “comercial” de seus filmes, se compararmos o desenvolvimento com A Bruxa e O Farol, por exemplo, tramas que também expõem características marcantes que se tornaram sua assinatura, tais como a imersão em contextos históricos, com a recriação de épocas passadas com uma precisão impressionante, a construção de atmosferas sombrias e opressivas, com narrativas que incorporam elementos de horror psicológico que vão além do susto momentâneo, tendo a tensão criada por meio da ambientação e da construção de personagens complexos que enfrentam seus próprios demônios. Para o filme em questão, analisado por aqui, o cineasta já possuía uma boa base de sustentação, desde os traços expressionistas de 1922 ao clima nebuloso da versão de 1979. Eggers é hábil em explorar o medo do desconhecido, utilizando a solidão e a natureza como ferramentas para aumentar a tensão, com filmes que muitas vezes deixam o espectador com uma sensação de inquietação duradoura, além da sessão na sala de cinema. Outro traço que merece ser delineado é a sua abordagem para temas interligados entre as palavras-chave loucura, obsessão e a fragilidade da mente humana. Seus personagens frequentemente se debatem com suas próprias limitações e medos, refletindo uma busca por significado em um mundo hostil. É assim que acompanhamos a jornada de horror do casal Thomas e Ellen, numa Alemanha nublada e opressiva.
Um filme para ser contemplado. E que, segundo dados da mídia, tem alcançado expressivos resultados nas bilheterias e um bom magnetismo com a crítica especializada.
NOSFERATU - EU NÃO ESTAVA PREPARADO PARA ISSO vídeo
05/01/25
Nosferatu, Nosferatu, eine Symphonie des Grauens, 1922, F.W. Murnau
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Nosferatu (1922) By: Marcos T R Almeida, 27/08/2014
“Nosferatu é uma palavra moderna derivada da palavra em eslavo antigo Nosufur-atu, extraída do grego Nosophoros, Portador de Pragas.” – J. Gordon Melton
Quando o escritor irlandês Bram Stoker publicou no ano de 1897 seu livro Drácula, talvez não pudesse imaginar o tamanho em proporções que sua obra iria adquirir no futuro com a invenção do cinema. Foram feitas mais de cem versões sobre o vampiro mais cruel de que se tem registro, com a imagem medonha de um ser malígno que alimenta-se de sangue humano, levanta-se de seu insalubre sepulcro ao cair as “trevas no céu pesadamente” (como dizia Antero de Quental), e depois retorna ao mesmo local ao ouvir o cantar do galo, como indício de que o dia vai nascer.
Dentre estes horripilantes filmes sobre vampiros, Nosferatu parece ser o primeiro (1922), destacando-se dos outros por arrepiantes cenas rodadas em branco e preto, dando à obra um caráter de profunda fantasmagoria e pesadelo, onde o vampiro Conde Orlok surge da escuridão em um visual agressivo e bizarro como o protótipo ser anti-social, com seu semblante sinistro que lembra uma medonha figura que traz a própria morte encarnada em si mesmo. Pestilento e doentio, Nosferatu tem os dentes em forma de duas pontas juntas como a de um rato roedor, usa um casaco preto como um gótico moderno de vida noturna, além de unhas pontiagudas e cabeça sem um só fio de cabelo. Magro e alto, esta figura horrível traz o horror encarnado assustando até o mais cético mortal.
O filme invoca em suas imagens trêmulas, as exóticas paisagens da Alemanha que muito aproxima-se em beleza exuberante das regiões desconhecidas da Romênia, a antiga Transilvânia onde viveu na Idade Média o Drácula histórico Vlad Tepes Dracul.
Neste pitoresco cenário, o diretor F. W. Murnau encontrou todos os ingredientes básicos que invocam o vampirismo, montanhas, florestas densas, riachos, pontes, capelas, castelos em ruínas, aldeões ciganos, lobos, carruagens e, é claro, o talento de Max Schreck, que faz o papel do vampiro Nosferatu. E desta forma, a primeira versão para o cinema da obra de Bram Stoker revive todas aquelas imagens do horror de Drácula contidas nas páginas do livro.
Quem for assistir Nosferatu na esperança de ver cenas fortes de violência e sangue num exagero aloprado e até ridículo, caracterizado pela idiotice da ideologia americana, vai com certeza ficar decepcionado, afinal Nosferatu é uma obra do expressionismo alemão e assim o caráter do horror dá-se num clima de sonhos maus e pesadelos, culminando numa peste maligna que arrasta todos para uma grande mortandade, e tudo envolto numa atmosfera gótica e nevoenta, onde é o inconsciente quem vai ser despertado para uma realidade mais subjetiva que objetiva.
O enredo do filme é simples, baseado no livro “Drácula“, com algumas modificações de nomes e locais apenas, e isso devido talvez por não terem pagos os direitos autorais à viúva de Bram Stoker, que teria entrado com um recurso na justiça para a destruição das cópias do filme caso não fossem pagos os direitos autorais.
Para a nossa sorte, algumas cópias do filme sobreviveram a esta polêmica e hoje podemos mergulhar dentro destas imagens e captar o verdadeiro horror que Nosferatu causa no espectador.
Nosferatu é o “não morto“, o morto vivo, um vampiro que nada tem de galã e sedutor pois é corcunda e de aspecto decadente. Ele penetra na civilização do Homem como uma maldição, vindo de longe, navegando em uma escuna, um velho barco onde os tripulantes são todos mortos. Nosferatu bebe o sangue deles e transmite a peste negra a todos. A maioria dos marinheiros morrem de febre alta em delírio!
Milhares de ratos acompanham o vampiro, fazendo uma alusão também à maior mancha de horror ocorrida na Idade Média na Europa: a peste negra…
No decorrer do filme, o amor, aleijão da humanidade, entra em cena e o vampiro é atingido não com uma estaca no coração mas com a imagem ideal de uma mulher jovem e bela, aquela que ele havia visto o retrato no camafeu do corretor de imóveis que ele fez prisioneiro em seu castelo.
Esta imagem ideal, fruto de uma visão de poeta, é para o vampiro um martírio que atormenta-o, e ele deixa-se prender em seus braços macios de seda… A bela mulher convence-o a ficar com ela desfrutando os “beijos de fogo” da volúpia e do sangue. Assim, o dia vai clareando, despontam os primeiros raios do sol, a aurora segue a aurora, canta o galo mensageiro de Apollo e Nosferatu embriagado com o sabor do sangue doce da bela jovem, impregnado de uma luxúria sexual, ele esquece que tem que voltar para o sepulcro…
Então, logo ele é destruído pela luz do sol convertendo-se em um monte de poeira. Enganado e seduzido por uma “mulher ideal“, encontrou seu aniquilamento! Assim a peste também acaba e os habitantes libertam-se do mal! Vale a pena ver Nosferatu e rever o clássico expressionista do cinema de horror, e desta forma mergulhar acordado em um dos mais medonhos pesadelos da criação humana. Confiram!
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Nosferatu, Roger Ebert, September 28, 1997
To watch F.W. Murnau’s “Nosferatu” (1922) is to seethe vampire movie before it had really seen itself. Here is the story of Dracula before it was buried alive in clichés, jokes, TV skits, cartoons and more than 30 other films. The film is in awe of its material. It seems to really believe in vampires.
Max Schreck, who plays the vampire, avoids most of the theatrical touches that would distract from all the later performances, from Bela Lugosi to Christopher Lee to Frank Langella to Gary Oldman. The vampire should come across not like a flamboyant actor but like a man suffering from a dread curse. Schreck plays the count more like an animal than a human being; the art direction by Murnau’s collaborator, Albin Grau, gives him bat ears, clawlike nails and fangs that are in the middle of his mouth like a rodent’s, instead of on the sides like on a Halloween mask.
Murnau’s silent film was based on the Bram Stoker novel, but the title and character names were changed because Stoker’s widow charged, not unreasonably, that her husband’s estate was being ripped off. Ironically, in the long run Murnau was the making of Stoker, because “Nosferatu” inspired dozens of other Dracula films, none of them as artistic or unforgettable, although Werner Herzog’s 1979 version with Klaus Kinski comes closest.
“Nosferatu” is a better title, anyway, than “Dracula.” Say “Dracula” and you smile. Say “Nosferatu” and you’ve eaten a lemon. Murnau’s story begins in Bremen, Germany. Knock (Alexander Granach), a simian little real estate agent, assigns his employee Hutter (Gustav von Wangenheim) to visit the remote castle of Count Orlok, who wishes to buy a house in town–“a deserted one.” A clue to the story can be found in Orlok’s letter, which we see over Knock’s shoulder. It is written in occult symbols; since Knock can read it, we should not be surprised later when he calls Orlok “Master.”
During Hutter’s trip to Orlok’s lair in the Carpathian Mountains, Murnau’s images foretell doom. In an inn, all of the customers fall silent when Hutter mentions Orlok’s name. Outside, horses bolt and run, and a hyena snarls before slinking away. At Hutter’s bedside, he finds a book that explains vampire lore: They must sleep, he learns, in earth from the graveyards of the Black Death.
Hutter’s hired coach refuses to take him onto Orlok’s estate. The count sends his own coach, which travels in fast-motion, as does his servant, who scurries like a rat. Hutter is still laughing at warnings of vampirism, but his laugh fades at dinner, when he cuts himself with a breadknife and the count seems unhealthily interested in “Blood–your beautiful blood!”
Two of the key sequences in the film now follow; both are montages in which simultaneous events are intercut. That’s a routine technique today, but Murnau is credited with helping to introduce the montage, and here we see Orlok advancing on Hutter while, in Bremen, his wife, Ellen, sleepwalks and cries out a warning that causes the vampire to turn away. (He advances and retreats through an archway shaped to frame his bat-like head.) Later, after Hutter realizes his danger, he escapes from the castle and races back to Bremen by coach, while Orlok travels by sea, and Murnau intercuts the coach with shipboard events and Ellen restlessly waiting.
The shots on the ship are the ones everyone remembers. The cargo is a stack of coffins, all filled with earth (from the nourishing graveyards of the plague). Crew members sicken and die. A brave mate goes below with a hatchet to open a coffin, and rats tumble out. Then Count Orlok rises straight up, stiff and eerie, from one of the coffins, in a shot that was as frightening and famous in its time as the rotating head in “The Exorcist.” The ship arrives in port with its crew dead, and the hatch opens by itself.
Murnau now inserts scenes with little direct connection to the story, except symbolically. One involves a scientist who gives a lecture on thevenus flytrap, “the vampire of the vegetable kingdom.” Then Knock, in a jail cell, watches in closeup as a spider devours its prey. Why cannot man likewise be a vampire? Knock senses his Master has arrived, escapes, and scurries about the town with a coffin on his back. As fear of the plague spreads, “the town was looking for a scapegoat,” the titles say, and Knock creeps about on rooftops and is stoned, while the street is filled with dark processions of the coffins of the newly dead.
Ellen Hutter learns that the only way to stop a vampire is for a good woman to distract him so that he stays out past the first cock’s crow. Her sacrifice not only saves the city but also reminds us of the buried sexuality in the Dracula story. Bram Stoker wrote with ironclad 19th century Victorian values, inspiring no end of analysis from readers who wonder if the buried message of Dracula might be that unlicensed sex is dangerous to society. The Victorians feared venereal disease the way we fear AIDS, and vampirism may be a metaphor; the predator vampire lives without a mate, stalking his victims or seducing them with promises of bliss–like a rapist, or a pickup artist. The cure for vampirism is obviously not a stake through the heart, but nuclear families and bourgeois values.
Is Murnau’s “Nosferatu” scary in the modern sense? Not for me. I admire it more for its artistry and ideas, its atmosphere and images, than for its ability to manipulate my emotions like a skillful modern horror film. It knows none of the later tricks of the trade, like sudden threats that pop in from the side of the screen. But “Nosferatu” remains effective: It doesn’t scare us, but it haunts us. It shows not that vampires can jump out of shadows, but that evil can grow there, nourished on death.
In a sense, Murnau’s film is about all of the things we worry about at 3 in the morning–cancer, war, disease, madness. It suggests these dark fears in the very style of its visuals. Much of the film is shot in shadow. The corners of the screen are used more than is ordinary; characters lurk or cower there, and it’s a rule of composition that tension is created when the subject of a shot is removed from the center of the frame. Murnau’s special effects add to the disquieting atmosphere: the fast motion of Orlok’s servant, the disappearance of the phantom coach, the manifestation of the count out of thin air, the use of a photographic negative to give us white trees against a black sky.
Murnau (1888-1931) made 22 films but is known mostly for three masterpieces: “Nosferatu”; “The Last Laugh” (1924), with Emil Jannings as a hotel doorman devastated by the loss of his job, and “Sunrise” (1927), which won Janet Gaynor an Oscar for her work as a woman whose husband considers murdering her. The worldwide success of “Nosferatu” and “The Last Laugh” won Murnau a Hollywood contract with Fox, and he moved to America in 1926. His last film was “Tabu” (1931); he was killed in a car crash on the Pacific Coast Highway just before its premiere, his promising career cut short at 43.
If he had lived, the rest of his career would have been spent making sound films. He probably would have made some great ones. But with a silent like “The Last Laugh,” he famously did not require a single title card to tell his story. And “Nosferatu” is more effective for being silent. It is commonplace to say that silent films are more “dreamlike,” but what does that mean? In “Nosferatu,” it means that the characters are confronted with alarming images and denied the freedom to talk them away. There is no repartee in nightmares. Human speech dissipates the shadows and makes a room seem normal. Those things that live only at night do not need to talk, for their victims are asleep, waiting.
06/01/24
Coringa: delírio a dois, Joker: folie à deux, 2024, Todd Phillips
“Coringa: Delírio a Dois”: da expectativa à frustração
Karina Amélia, 3 de outubro de 2024
O filme “Coringa” (2019) pode ser definido como “perturbador”, “denso”. O longa, aclamado pela crítica e querido pelo público, levou às telas apreensão, incômodo e peso, e por isso, é compreensível que fãs da produção de cinco anos atrás busquem esses pontos na continuação, “Coringa: Delírio a Dois”. Mas, no meio do caminho, há um vilão para atrapalhar quem vai ao cinema: a expectativa.
De acordo com o dicionário Oxford Languages, a palavra significa: “uma situação de quem espera a ocorrência de algo, ou sua probabilidade de ocorrência, em determinado momento”. A partir disso, posso afirmar que a expectativa pode ser considerada a grande protagonista do novo filme, acompanhando o público do início ao fim.
Na verdade, a expectativa ronda “Coringa: Delírio a Dois” desde 2022, quando o diretor Todd Phillips confirmou a realização da sequência, novamente com Joaquin Phoenix reprisando o papel que lhe rendeu o primeiro Oscar. “Coringa: Folie à Deux” foi o título original anunciado e faz referência ao Transtorno Delirante Induzido, que é um transtorno raro no qual os sintomas psicóticos são compartilhados por duas ou mais pessoas. Ou seja, no anúncio ficou claro que o protagonista teria uma companhia para dividir a história. Pouco tempo depois, Lady Gaga confirmou que faria parte do elenco, gerando ainda mais expectativa. E em 2023, o primeiro trailer do filme foi lançado, levando à criação de diversas teorias a respeito da história, mas trazendo também uma certa desconfiança… E enfim, o filme chega ao público.
Em “Coringa: Delírio a Dois”, Arthur Fleck está institucionalizado em Arkham, esperando ser julgado por seus crimes cometidos como Coringa. Enquanto luta com sua dupla identidade, Arthur se apaixona de maneira repentina e encontra na música um refúgio seguro para seus pensamentos sombrios.
O filme é e não é um musical. Nos bastidores, Gaga afirmou que não considera a obra um musical, enquanto Phillips disse que, tecnicamente, não é um longa do gênero, mas a música faz parte da personalidade do protagonista, assim como no filme de origem.
Realmente a presença da música na trama é utilizada de forma recorrente, sendo uma ferramenta para trazer à tona os desejos e sentimentos de Fleck de maneira muito fantasiosa. Mas no longa, o musical, enquanto gênero cinematográfico, é apresentado de forma entediante e cansativa, provocando o questionamento: “nossa, de novo o personagem vai começar a cantar?”
Em algumas cenas, as canções são jogadas repentinamente, quando fica claro que um diálogo seria mais apropriado, o que contribui para que a presença da música se torne algo banal. E este é um erro quase imperdoável. Trazer uma cantora do nível de Lady Gaga para um musical e, ao invés de utilizar a música como um recurso emocional que envolva o público, transformar as canções em algo monótono é, no mínimo, uma decisão amadora por parte de Phillips, que novamente assina o roteiro ao lado de Scott Silver.
Gaga é uma artista grandiosa, e é justamente isso que impede que as cenas musicais se tornem totalmente desinteressantes. Embora alguns números não enriqueçam tanto à narrativa, eles ganham força pela presença de uma intérprete versátil, que oferece uma performance de extrema qualidade, transitando com maestria entre o pop e o jazz. Dona de 13 Grammys (e um Oscar) conquistados em cerca de 15 anos de carreira, Gaga eleva as apresentações do filme a outro patamar, dando vida à uma Harley Quinn desequilibrada e extravagante, sendo fiel à personalidade da vilã tão conhecida do público, seja nos cinemas, nos quadrinhos ou nos desenhos animados.
Mas, infelizmente, a atuação da artista não passa muito disso. O roteiro não desenvolve bem a personagem, mesmo ela sendo a coprotagonista do longa. A impressão que fica é que Phillips e Silver se limitaram a dar voz à Gaga apenas nos palcos e não se aprofundaram na trama do par romântico do Coringa. Tudo o que sabemos da vida pregressa de Lee Quinzel é dito em uma única frase e o que resta é o que conseguimos inferir enquanto ela contracena com Fleck. Tudo o que diz respeito a ela é muito raso e isso prejudica a atuação de Gaga, que não tem um texto coeso para trabalhar e acaba apresentando uma personagem genérica, sem profundidade e sem história.
O mau desenvolvimento de Lee deixa ainda mais nítida a pouca química entre Phoenix e Gaga. Mas o casal não é o único prejudicado. Ao contrário do filme de origem, “Coringa: Delírio a Dois” tem uma narrativa desconexa, pouco atrativa e que quase não demanda de seu elenco. Não há surpresas, riscos e muito menos diálogos elaborados ou interessantes. Há perguntas que não são respondidas e relações que não são elaboradas, gerando confusão e esvaziando a trama. O filme é marcado por faltas: não há suspense, perturbação, inquietação, medo ou reflexões, elementos que foram marcantes no longa de 2019, escrito pela mesma dupla.
O roteiro fraco só não consegue estragar uma coisa: a impecável atuação de Joaquin Phoenix. Mas isso quando ele não está cantando, pois nas cenas musicais é nítido notar o desconforto do ator. No início do filme, pode-se até duvidar se ele conseguirá oferecer uma interpretação tão brilhante quanto na primeira vez em que interpretou o personagem, mas, nas poucas cenas impactantes da narrativa, Phoenix entrega novamente uma ótima performance, capturando a atenção do público a cada gesto e expressão. Note-se, porém, que, por ser um filme com poucas cenas de violência, a transformação de Arthur Fleck em Coringa precisou ser realizada de maneira mais sutil. E o ator desempenha esse desafio com maestria.
A dualidade entre a realidade e a fantasia na mente de Arthur Fleck/Coringa é apresentada de uma forma intrigante, que requer uma atenção maior do espectador. Mas a escolha de não aprofundar as questões sociais que sempre estiveram presentes na vida do personagem também mostra a preguiça de Phillips e Silver, que só entram nesses problemas de fato no terceiro ato, quando o personagem fala pouco tempo sobre o que a sociedade sempre esperou dele. É um momento emocionante e tenso, como acontece diversas vezes em “Coringa”, porém, o monólogo é cortado de maneira brusca. Algo, aliás, que é recorrente ao longo do filme: quando há qualquer sinal de profundidade, a cena é interrompida por algum elemento, seja a música ou uma ação desconexa de algum dos personagens.
Entre os (poucos) pontos positivos de “Coringa: Delírio a Dois” está também a trilha sonora: linda, com uma mistura de covers de canções clássicas, como “What the World Needs Now is Love”, de Jackie DeShannon, ou “Close to you”, dos Carpenters, com músicas compostas por Lady Gaga exclusivamente para o filme, como “The Joker”.
Destaca-se ainda o visual trabalhado pelo diretor de fotografia, Lawrence Sher (que também trabalhou no filme de 2019). Ele faz um belo trabalho, trazendo para a tela um musical distópico, com muito cinza e preto ao redor dos personagens, mas com cores brilhantes e vivas para representar o amor entre Coringa e Arlequina.
A verdade é que “Coringa: Delírio a Dois” não é um filme péssimo. Porém, quando se constata que temos uma das maiores estrelas do pop atual ao lado de um ator versátil e aclamado, com um orçamento de 200 milhões de dólares gasto em um filme apenas mediano, o resultado é um enorme desperdício.
07/01/25
Guerra civil, Civil war, 2024, Alex Garland
Crítica | Guerra Civil (2024) por Ritter Fan 19 de abril de 2024
Nação dividida, filme hesitante.
Lembro-me como se fosse ontem que, quando estava saindo da sessão de Dunkirk, uma jovem a poucos passos na minha frente reclamava com o namorado (ou irmão, amigo, sei lá) que o filme não mostrou quem era o inimigo. Em um primeiro momento, a superfície do comentário dela me fez rir internamente e gargalhar externamente mais a frente, pela inacreditável demonstração de ignorância que acabara de testemunhar. Mas o que atravessou o tempo em minha cabeça foi algo que estava abaixo da superfície e que vejo repetir-se com cada vez mais constância: a aparente necessidade de explicações detalhadas sobre tudo o que é mostrado em tela ou talvez, pior ainda, a incapacidade de muitos de interpretar. Faço esse apontamento, pois algo semelhante vem acontecendo com Guerra Civil, quarto longa-metragem de Alex Garland, que começou sua carreira nessa cadeira com o excelente Ex Machina: Instinto Artificial, que, apesar de elogiado, vem sofrendo críticas sobre a falta de detalhamento do contexto sobre os eventos que levaram ao conflito que serve de pano de fundo para a obra.
Para começo de conversa, apesar de Garland – ainda bem! – não parar seu filme para explicar detalhes sobre a origem e desenvolvimento da segunda guerra desta natureza nos EUA, ele fornece informações mais do que suficientes para que qualquer um com o mínimo de conhecimento sobre assuntos atuais monte o simples, mas aterrador quebra-cabeças que revela a fragilidade até de democracias bem estabelecidas, colocando estados contra estados, irmãos contra irmãos. Não há dúvidas sobre o que ocorreu e não há dúvidas sobre que presidente o ator Nick Offerman representa no pouco em que ele aparece. O problema de Guerra Civil definitivamente não está aí, mesmo que, quase como uma chave inglesa sendo jogada na engrenagem, ele indique que a Califórnia juntou-se com o Texas para começar a secessão, um detalhe que não importa muito, na verdade, mas que parece indicar que o diretor e roteirista não quer criar polêmicas. Seja como for, o problema do filme é de outra ordem completamente.
O problema é tentar compreender o que Garland quer com seu filme. Se sua intenção é extrapolar eventos recentes para entregar uma espécie de cenário “o que aconteceria se…” como uma espécie de alerta para que a história não se repita, ele falha por não conseguir desenvolver sua premissa, já que, como já afirmei acima, a guerra do título é um pano de fundo apenas para uma outra história, esta de jornalistas intrépidos em uma road trip de Nova York até Washington D.C. para tentar entrevistar o presidente entocado na Casa Branca. Apenas para tentar traçar um paralelo elucidativos, rememoremos a primeira obra-prima sci-fi de Alfonso Cuarón, o aterrorizante Filhos da Esperança. No longa de 2007, o cineasta mexicano pouco oferece de contexto para a distopia que retrata, mas consegue fazê-la entremear-se com a narrativa central, fundindo pano de fundo com a perigosa jornada que está em primeiro plano. O contexto é a história e a história é o contexto. Já em Guerra Civil, o contexto poderia ser absolutamente qualquer outro envolvendo um conflito armado se o objetivo não era falar sobre a proposta de uma “história alternativa que não é lá uma extrapolação muito distante do que poderia ter sido”, como é o caso do apocalipse que vemos em A Estrada, de John Hillcoat.
Mas imaginemos, então, que Garland queria mesmo falar sobre correspondentes de guerra em meio a um conflito bélico. Nesse caso, ele usa a quadra central de atores – Kirsten Dunst como Lee Smith, uma renomada fotojornalista; Wagner Moura como Joel, repórter da Reuters e colega de Lee; Stephen McKinley Henderson como Sammy, jornalista do The New York Times e mentor de Lee; e Cailee Spaeny como a aspirante a fotojornalista Jessie Cullen que tem Lee como seu ídolo – para conversar sobre objetividade jornalística, sobre a bravura e desprendimento deles, sobre o quanto o que eles vêm cobra psicologicamente deles e também sobre o quanto uma fotografia vale como denúncia ou pode ser usada como uma forma de se explorar o sofrimento humano. Há peso nessas discussões, mas mesmo aí Garland não assume riscos e envereda por caminhos fáceis. Vemos Lee, caracterizada como uma profissional fria, incapaz de se emocionar publicamente diante do que vê, desmontando completamente no terço final, da mesma forma que vemos Joel, que demonstra prazer em meio a tiroteios e mortandade, perdendo as estribeiras. E, claro, há os personagens de uso único que aparecem tão rapidamente quanto desaparecem, para cumprir uma função específica que, porém, não ressoa tão bem se eles fossem integrais à narrativa central.
No entanto, Garland consegue extrair ótimas performances de Dunst e de Moura. A primeira, aliás, consegue entregar um trabalho de primeira como uma jornalista já completamente dessensibilizada pelo que viu em sua carreira e que faz de tudo para guardar todo e qualquer resquício de sentimento nos recônditos mais profundos de seu cérebro, ainda que isso transpareça, delicadamente, em seu semblante abatido e, por vezes, contorcido. Moura ganhou um texto mais injusto para trabalhar, pois seu personagem parece flutuar demais entre leveza e desespero, mas o ator acerta em cheio mesmo assim. Não sou muito fã da forma como o roteiro telegrafa a relação de Lee com Jessie, inclusive e especialmente a sequência final das duas, e o que isso significa para a atuação de Spaeny, que fica meio presa em uma camisa de força, mas a jovem, que recentemente matou a pau como Priscilla Presley, em Priscilla, continua sendo uma das grandes revelações de tempos recentes.
Para além da atuação, Garland acerta em algumas cenas e breves momentos. A sequência estrelada pelo marido de Dunst, Jesse Plemons, que sequer é creditado por ter sido chamado às pressas para cobrir a ausência de outro ator, é de dar calafrios na espinha, mesmo que os acontecimentos envolvam os tais personagens de uso único que mencionei e, por isso, não tenham a força que poderiam ter. De maneira mais sutil, temos a cena dos snipers no Paraíso do Inverno que, em poucas palavras, representam exatamente o que é guerra, qualquer guerra: são pessoas atirando porque outras pessoas estão atirando nelas. Pode ser até reducionista, mas é brilhante e na mosca. Finalmente, ainda mais discretas são as menções de Lee e Jessie sobre seus respectivos pais, tranquilos em fazendas do interior americano onde provavelmente a guerra não chegou, fazendo de tudo para simplesmente ignorar o que está acontecendo ao redor deles. Não é o que quase todos nós fazemos todos os dias com tudo de horrível ao nosso redor?
O trabalho de arquitetura sonora do longa, com o uso de tiros e explosões levemente mais altos do que o normal para criar choque em contraste com sequências em que os sons são abafados ou eliminados, é excelente, ainda que não exatamente original, com a fotografia naturalista de Rob Hardy (parceiro de Garland desde Ex Machina) dando o tom que por vezes flerta com o documentário. A trilha sonora composta por Geoff Barrow e Ben Salisbury (ambos também parceiros de Garland) é do tipo que mais aprecio, discreta, pontual e feita para ser “inaudível”, como um complemento subliminar de atmosfera que o diretor quebra com a sincronização de canções pré-existentes.
Guerra Civil, no final das contas, até consegue ter muito a seu favor, mas Garland, quando hesita em realmente investir no que tem, ou seja um contexto recente alarmante para impulsionar uma história de jornalismo destemido (ou sensacionalista, podem escolher), ele acaba sabotando seu filme, como um motorista experiente que, porém, tem medo de passar por cima de quebra molas e reduz a velocidade a quase zero para não causar desconforto nos passageiros. Ainda é uma obra que vale o preço do ingresso, não tenham dúvida, mas o cineasta tinha que ter ousado mais, provocado mais e, no processo, transformado seu longa em uma Hummer que passa por cima de sensibilidades sem dó, nem piedade.
08/01/25
Aníbal, O Conquistador, Annibale, 1959, Carlo Ludovico Bragaglia & Edgar G. Ulmer
No iutubi aqui
Review by M@ ★★★
Edgar Ulmer, a little later in the career. Even after blacklisted, he still manages to get another big budget picture out with Warner Bros. Just another reason I'm always impressed by not only his output/consistency of work. But in correlation to budgets, He really stretched em and had talent, and I'll appreciate that trait of resourcefulness in filmmaking. Always. The film itself is a pretty well paced drama, with some war/battles here and there. I was never really bored or uninterested. It's shot well. Massive fields and mountains as your sets and backdrops with thousands of actors for soldiers on foot/on horse, and then the ELEPHANTS 🐘 I COULDNT tell you how accurate this flick is. It's a tad dull in the end. Imo. I kinda chalk it up to the portrayal of Hannibal. Could be the performance or a combo with the direction. It's not bad. In fact it's a solid sword and sandal war film. Any Edgar G Ulmer fans will obviously wanna check this out. The King of the B's was the King 👑🙌 Letterboxd
Terence Hill, 1939
Aníbal wiki
Mais sobre o filme aqui
09/01/25
Terra Indomável, American Primeval, Minissérie, 2025, Peter Berg & Mark L. Smith
TERRA INDOMÁVEL - Velho Oeste bruto de verdade! PH Santos
Terra Indomável Por João Lanari Bo
A terra é de todos
“Terra Indomável”, série em seis episódios da Netflix dirigida por Peter Berg, revisita esse território mítico construído por um dos gêneros mais populares do cinema, o “western”. Ou “faroeste”, como era conhecido pela audiência brasileira, sempre entusiasmada, como o resto do planeta, com os desbravadores que por aquelas bandas se aventuravam. Este é talvez o dispositivo mais bem sucedido dos ideólogos de Hollywood: imprimir no inconsciente ótico dos espectadores uma predisposição épica – somos movidos por um impulso de conquista de novos espaços, do leste para oeste, em última análise resultado da expansão do capital e a consequente fundação de uma nação, os Estados Unidos. Algo que os gregos inventaram quando Homero rascunhou a Odisseia, saga do retorno de Ulysses ao país natal.
O gênero atravessou décadas, o público passou a exigir narrativas mais complexas e o entusiasmo diminuiu – mas não desapareceu. Uma das novidades de “Terra Indomável”, ao atualizar o mito do “faroeste”, é a exacerbação da violência: não é o primeiro a fazer isso, mas o fez calçado em uma materialidade histórica até certo ponto surpreendente, levando-se em conta os limites ditados pelo consumidor do streaming. Roteiro, personagens, emoções – tudo é feito para segurar esse consumidor na cadeira (ou poltrona).
A série, cujos acontecimentos ocorrem em menos de duas semanas, transcorre no que era o Território de Utah, em 1857. O eixo é a jornada improvável de uma jovem mãe (Sara) e seu filho (Devin), desesperados para chegar na Califórnia, em um mundo volátil e extremamente perigoso. Pioneiros, povos indígenas, militares e mórmons, habitam esse mundo e lutam para sobreviver – e a sequela desse embate irá ecoar por décadas e gerações.
As famosas imagens do Monument Valley que John Ford usava e abusava em seus filmes – que sinalizavam uma linha do horizonte a ultrapassar, de preferência por John Wayne, não aparecem na série. Aqui, tomadas de ângulo baixo são filmadas e editadas intensa e minuciosamente. Os pontos de vista de cada um dos grupos em conflito se cruzam, condensando uma aglomeração de perspectivas. E os ambientes variam – entrepostos de colonos, pradarias secas, tribos de indígenas, montanhas geladas. O sangue jorra dos animais, a violência é iminente, a crueldade dos agentes humanos é um dado imediato da realidade. Violência enraizada no conflito movido pelos interesses materiais dos envolvidos, balizados pela posse da terra e exploração dos recursos.
“Terra Indomável” combina de forma eficiente informações históricas com elementos ficcionais – mas vai além da indefectível expressão “baseado em fatos reais”. O responsável por esse lastro é o talentoso criador Mark L. Smith, que escreveu o script de “O Regresso”. Nos detalhes de produção, o acerto também foi feliz: a caracterização da tribo Shoshone – materiais com que as tendas eram construídas, roupas, linguagem, atores e figurantes todos native indians – foi confiada a consultoria especializada de indígenas. Personagens secundários, mas fundamentais na trama, existiram de fato – como o Governador do Território, Brigham Young, e o proprietário do entreposto Fort Bridger, Jim Bridger. E os eventos, sobretudo o “Massacre de Moutain Meadows”, que liquidou cerca de 120 pessoas, homens, mulheres e crianças, integrantes de uma caravana de fazendeiros em busca de novas terras – este, também enraizado na história.
O Massacre – utilizado como núcleo dramático de “Terra Indomável” – é dos episódios mais sangrentos da “conquista” do oeste. Foi em 1857: os agressores faziam parte de uma milícia mórmon, estabelecida em Utah (Brigham Young era mórmon). A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, a igreja dos mórmons, foi fundada na costa leste por Joseph Smith, em 1830, mas sucessivos conflitos (inclusive a morte do fundador) levaram os conversos para o oeste, onde se mesclaram às disputas locais. Era uma época (e uma região) onde a aplicação das leis e a ausência de poder policial implicavam na criação de milícias, verdadeiros destacamentos paramilitares – os mórmons não eram exceção. Eram, entretanto, organizados e financiados pelas contribuições dos fiéis. Tinham como objetivo estabelecer uma teocracia, separada da União, onde práticas como poligamia – bastante polêmica no resto do país – seriam norma geral.
O poder em Washington obviamente não podia tolerar essa secessão. O microcosmo de “Terra Indomável” tem como pano de fundo a Guerra de Utah, que durou de 1857 a 58. O microcosmo: alguns participantes, entre agressores e vítimas do Massacre, sobreviveram a dois ou mais episódios da série. Caçadores de recompensas passando por Fort Bridger – Sara tinha sua cabeça a prêmio por crime cometido na Filadélfia – circulavam pela área. Os militares também, embora sem a capacidade exagerada de intervenção típica do gênero (a famosa cavalaria). Finalmente, os indígenas, os tradicionais donos da terra, que assistem a tudo entre perplexidade e revolta.
E é um branco criado pelos Shoshone quem vai, junto com Sara, filho e mais uma indígena adolescente e muda, enfrentar as atrocidades e os inimigos – ele é o ponto nevrálgico que ancora a história. Uma história violenta, por certo.
12/01/24
Natal da Portela, 1988, Paulo César Saraceni
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Documentário sobre Paulo da Portela - "O Teu Nome não Caiu no Esquecimento"
Cavaleiro da Esperança - Paulo da Portela
Em 1946, Paulo da Portela fez o samba "Cavaleiro da Esperança" para homenagear Luís Carlos Prestes, que faria hoje 119 anos. Na época, Paulo da Portela havia deixado a Portela e estava em sua pequena escola, a Lira do Amor, cuja sede ficava na Rua Pacheco da Rocha, em Bento Ribeiro. Paulo da Portela era ligado ao Partido Comunista que havia eleito o senador Prestes. No momento, ele liderava a bancada comunista, que ainda tinha nomes como Jorge Amado, Carlos Mariguella e João Amazonas. Óbvio que o samba não teve vida longa, Paulo da Portela sequer gravou a canção. Os deputados e senadores comunistas foram cassados e o Partido Comunista foi posto na ilegalidade em pouco tempo. Em 1988, Monarco reviveu o samba e ainda fez uma segunda parte para o filme "Natal da Portela", de Paulo César Saraceni. A história estava assim salva, e o hino democrático de Paulo da Portela ficava para posteridade na grande voz de Monarco. MIS
13/01/25
Clube dos vândalos, The Bikeriders, 2023, Jeff Nichols
Crítica | Clube dos Vândalos por Ritter Fan 24 de junho de 2024
Um autêntico retrato de um estilo de vida e de um país.
Apesar de eu achar que o diretor e roteirista Jeff Nichols mais do que merece uma grande oportunidade na Hollywood mainstream, potencialmente encarando um projeto grandioso de centenas de milhões de dólares, tenho para mim que ele é um dos melhores cineastas independentes americanos de sua geração, criando e lançando poucos, mas delicados e belíssimos filmes em uma carreira que, podemos dizer, começou relativamente tarde, apenas em 2007, quando ele já tinha 29 anos e que poderia ser desvirtuada pelo sucesso mais amplo. Com apenas cinco filmes em seu currículo, ele finalmente conseguiu financiamento de monta da Regency Pictures para colocar nas telonas um projeto xodó seu de quase 20 anos, uma adaptação do famoso (nos EUA) fotolivro The Bikeriders, do jornalista e fotógrafo Danny Lyon, que conta a história do clube de motocicletas Chicago Outlaws Motorcycle Club, do qual ele fazia parte, por meio de fotografias e entrevistas que ele reuniu ao longo de vários anos na década de 60 e que foi originalmente publicado em 1968.
Nichols faz um “dois em um”, ou seja, ele não só conta como o referido livro foi feito, fazendo de Lyon, vivido por Mike Faist, um personagem de seu filme que entrevista principalmente Kathy Bauer (Jodie Comer), primeiro namorada e depois esposa de Benny (Austin Butler), um dos primeiros membros do clube do título fundado por Johnny Davis (Tom Hardy), como também conta a história do próprio clube. Com uma montagem que divide o longa em capítulos, vemos a criação do clube como uma ideia de Johnny para dar um propósito para sua vida e estabelecer um senso de comunidade, sua evolução e crescimento nos anos seguintes e como ele começa a desvirtuar-se, partindo para a forma de gangue fora-da-lei na medida em que passa a absorver novos e mais jovens membros e a espalhar-se em filiais pelo meio-oeste americano. O que Nichols faz, com essa estrutura, é uma inteligente maneira de adaptar um fotolivro quase que como um “fotofilme”, com as sequências funcionando como fotografias representativas dos diversos momentos importantes e transformativos pelos quais o clube passa, algo que o filtro suave, levemente dessaturado, de Adam Stone, diretor de fotografia que sempre trabalha com Nichols, ajuda à dar vida.
Mas mais do que isso, Clube dos Vândalos é um recorte respeitoso, mas honesto e sem firulas, de uma cultura muito específica que foge de abordagens românticas e que pode ser encarado como um retrato da vida em sociedade em geral, ou seja, o quanto nós precisamos de nossos pares para dar sentido à nossa existência e o quanto isso, multiplicado por um número cada vez maior de pessoas, afetado pelas mais diferentes personalidades e por eventos externos, tende primeiro a dar elasticidade aos propósitos originais e, depois, corrompê-los quase que por completo, transformando o grupo em uma turba, a comunidade em uma desarmonia. Aliás, os eventos externos, notadamente o envolvimento dos EUA na Guerra do Vietnã e as consequências psicológicas naqueles que foram para o fronte e retornaram, são particularmente relevantes não só objetivamente para a desconexão do clube e sua transformação em gangue como também para indiretamente representar a famosa perda da inocência e o encaminhamento dos EUA para um novo caminho de violência, paralelizando o clube ao país e vice-versa.
O olhar de Nichols é apurado. Cada cena tem seu propósito dentro da estrutura que ele elegeu e cada “capítulo” é uma peça importante nessa evolução – ou involução, dependendo de como o espectador encarar – dos Vândalos e de seu estilo de vida que é curiosamente bem mais regrado no início do que a percepção popular dita sobre clubes de motocicletas. Mas talvez as características do cineasta que eu mais aprecie seja sua perfeita calma e tranquilidade que abre todo o espaço possível para que o elenco central e também, lateralmente, ainda que um pouco caricaturalmente, o coadjuvante – Michael Shannon, Norman Reedus, Boyd Holbrook e Damon Herriman – desabroche completamente ao longo de sua narrativa, sem jamais, em momento algum, perder a naturalidade ou a imersão e, também, sua sintonia com os atores. Dos três principais, fica evidente como Nichols sabe que é Jodie Comer quem tem maior latitude dramática e ele usa uma discreta progressão física na personagem que faz de seus cortes de cabelo e de seus figurinos ecos de sua linguagem corporal, de sua inflexão de voz e sua capacidade de dizer muito com o olhar, com pequenos movimentos da boca. E Comer tem tempo para trabalhar sua personagem; tem uma câmera que, por mais inclemente que possa ser em seus close-ups, está ali, esperando pacientemente que Kathy conte a história dos motoqueiros a partir de seu ponto de vista tanto para Lyon e, claro, para nós.
De maneira semelhante, Nichols extrai de Tom Hardy aquela sua atuação fechada, introspectiva, marcada pelo mistério e pela densidade do que não é dito ou do que é apenas dado a entender com poucas palavras, com um toque sentimental debaixo de várias camadas de masculinidade sutil. É um trabalho mais do que esperado do ator, mas que, sinceramente, há muito tempo não via nesse nível e que pode ser comparado à sua inesquecível performance em Guerreiro. Austin Butler, um dos jovens atores mais cotados do momento, talvez tenha seu melhor papel de sua ainda incipiente carreira, com Nichols muito claramente querendo extrair dele o imagético que associamos mais diretamente a James Dean, mas ao mesmo tempo sem copiar o ídolo que infelizmente viveu pouco. Benny é um homem simples, que apenas vive sua vida e que tem nos Vândalos um porto seguro e Nichols sabe usar a beleza “antiquada” do ator plenamente a favor do personagem, dando a Butler todas as oportunidades para ele mostrar a que veio, oportunidades essas que ele agarra com todo o fervor ainda que nem sempre acerte completamente no equilíbrio entre o estoicismo verdadeiro e o semblante de olhar perdido e lacrimoso. Se ele não chega ao nível de Comer e Hardy, ele pelo menos fica ali na vizinhança, pois o filme, muito preocupado com as relações humanas – que filme de Nichols não tem essa preocupação, não é mesmo? – não funcionaria como funciona se a trinca central não vibrasse na mesma frequência.
Clube dos Vândalos, por seu tema, estilo e abordagem narrativa, tem talvez a natural tendência de passar completamente despercebido do público em geral, como, aliás, aconteceu com toda a filmografia de Nichols. Essa é uma das principais razões pela qual eu advogo que o diretor tenha oportunidade de entregar um blockbuster que chame atenção para seu trabalho anterior, como aconteceu, por exemplo, com Denis Villeneuve. Por outro lado, advogando ao contrário e de maneira até egoísta, o cineasta é uma relativa raridade no panteão de diretores jovens americanos e seus filmes todos pequenos joias imperdíveis a ponto de dar vontade de mantê-lo “escondido” para evitar sua corrupção como o clube transformado em gangue que ele retrata em mais este belo exemplar de sua carreira.
14/01/24
Sugarcane, 2024, Emily Kassie&Julian Brave NoiseCat
'Sugarcane' explora passado doloroso dos indígenas canadenses
Documentário mostra como escolas públicas administradas pela Igreja Católica no país promoveram matança de jovens alunos
André Barcinski, fsp, 14/01/2025
Nem toda grande história rende um grande documentário. É o caso de "Sugarcane", exibido na Disney+, um dos filmes documentais mais premiados do ano passado, mas que parece estar sendo celebrado mais pela força de sua incrível história do que por seus méritos cinematográficos.
"Sugarcane" relata os muitos anos de abuso e torturas sofridos por crianças em escolas públicas indígenas no Canadá. Em 2021, corpos foram encontrados enterrados nas áreas dessas escolas e revelaram um sistemático e sangrento método de eliminação de jovens indígenas.
A grande maioria dessas escolas era gerida pela Igreja Católica. As histórias eram escabrosas e envolviam castigos corporais, abusos sexuais, estupros e até a incineração de bebês de meninas indígenas.
As escolas indígenas foram criadas pelo governo canadense no fim do século 19 com o objetivo de "resolver o problema indígena", o que significava tirar crianças indígenas do convívio dos pais e as educar nos preceitos europeus e católicos. A rede teve 500 escolas, durou quase um século, até 1997, e nesse período recebeu cerca de 150 mil jovens. Foi só após o fim do sistema que os relatos de abusos e violência impactaram a população canadense.
"Sugarcane" foi dirigido por Emily Kassie, uma premiada fotojornalista conhecida por coberturas de crises humanitárias entre refugiados na África e imagens chocantes de violência em centros de detenção de imigrantes, e por Julian Brave NoiseCat, ativista, escritor e membro de uma nação indígena do noroeste do Canadá. A história dos abusos cometidos em escolas indígenas é muito próxima à família de NoiseCat, já que o pai e avó são sobreviventes de uma das escolas onde a violência era constante.
O filme tenta abarcar muitas histórias, e talvez esse seja o seu problema central. Há tantos personagens e tantas subtramas que o espectador acaba se perdendo na narrativa, e a força dramática da história se perde. Kassie e NoiseCat entrevistam diversos ex-alunos das escolas indígenas, políticos e investigadores que estão há anos buscando evidências dos maus-tratos. É tanta gente que o filme acaba sem um personagem central para ancorar a trama.
Os depoimentos são comoventes, e é impossível não se emocionar com os relatos dos barbarismos sofridos. Mas "Sugarcane", em certo ponto, lembra mais uma reportagem de TV do que um filme. Há sequências em que vários indígenas se reúnem para lembrar os tempos que passaram nas escolas, e essas cenas têm uma desagradável sensação de experiência coletiva de reality show.
Kassie e NoiseCat tentaram fazer um filme imersivo e lúdico, repleto de cenas bonitas de paisagens e rituais indígenas e decorado com uma trilha sonora atmosférica da compositora indígena Mali Obomsawim. Algumas sequências são realmente lindas, mas o principal, que é contar de forma objetiva a história das escolas indígenas e suas vítimas, de alguma forma fica em segundo plano.
Por outro lado, as cenas de arquivo e fotografias são incríveis e mostram como o governo canadense e a Igreja Católica fizeram de tudo para divulgar o estereótipo de que a população indígena seria preguiçosa e pouco inteligente, e que só a educação religiosa severa seria capaz de "salvar" os jovens indígenas. No fim das contas, "Sugarcane" merece ser visto, mas fica aquém da força de sua história.
15/01/25
Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia, Bring me the head of Alfredo Garcia, 1974, Sam Peckinpah
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Isela Vega (1939-2021)
Review by Josh Lewis ★★★★★
“There ain't nothing sacred about a hole in the ground or the man that's in it. Or you, or me.”
A tough, bleak and deliberately repulsive neo-noir as a self-portrait of a former marine turned cowboy filmmaker trying to drink himself to death in Mexico; Warren Oates even modelled his look and performance on Peckinpah. One with a perversely grim sense of humor and romance about the central pulpy, ultimately pointless mission to trade in the rotting head of a corpse for money (and by extension one last chance at freedom or love), until suddenly it very brutally strips you of all beauty and hope of anything after the mission and becomes this ugly, fatalistic and feral horror-western.
That grave scene is one of the most harrowing I've ever seen, and signals the film's transformation into a psychotic, animalistic revenge movie of sweaty, hysterical rage where there is no past, no future, just the absurd/filthy logistics of the job at hand (drawn with so much gruesome texture it has a stench to it), followed by a never-ending present of senseless, slow-motion, squib-heavy bodily destruction. A desperate and vicious suicide-mission transmission from a man filled with pain and regret, and an anguished cry into the void of nothingness that there must be some sort of purpose or value behind all the misery and carnage he's both experienced and caused. Even if he has to falsely assert it by sheer ugly force. “Directed by Sam Peckinpah” with the barrel of a gun staring down the camera lens is one of those career-summarizing images, and "you've got a nose for shit" feels like it applies just as much to him as it does Oates' Bennie. Letterboxd
16/01/25
Sangue Selvagem, Wise Blood, 1979, John Huston
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| CRÍTICAS | Sangue Selvagem, Posted on Junho 25, 2021 by dermot
Sangue Violento é a história de Hazel Motes (Brad Dourif), um veterano que acaba de chegar do Vietname. Vem com uma pensão de invalidez, mas nunca mostra a lesão, porque tem vergonha de dizer onde é que foi atingido. No entanto, também parece vir um pouco tolinho da cabeça. Afinal de contas, já todos vimos war movies suficientes para saber como é o processo de desumanização da guerra e isso não nos surpreende.
Hazel decide então viver uma vida sem qualquer crença, porque está convencido que não existe qualquer Deus. No entanto, o seu niilismo tem quase a forma de um humor absurdo, já que decide fundar a Igreja Sem Cristo, pregando nas ruas a sua verdade, ao mesmo tempo que procura um novo cristo que possa ser o seu próprio redentor. Contudo, a vida não para de lhe pregar partidas e de lhe estar sempre a acenar com situações ou objectos crísticos, não lhe permitido uma redenção em condições.
Como qualquer gótico sulista, Sangue Violento está cheio de momentos bizarros e violência cruel – que inclui a múmia de uma criança(?) a quem retiraram todo o sangue e cozeram a boca -, mas John Huston não tem qualquer problemas em o cruzar com a comédia negra, especialmente com a figura de Enoch (Dan Shor), o outro tolinho sem-abrigo que fala com macacos e que se torna amigo de Hazel. No entanto, é Harry Dean Stanton que tem uma das personagens secundárias principais da trama, na pele de um pregador aldrabão que finge ser cego, e que funciona como uma espécie do outro lado da moeda de Hazel Motes.
John Huston filma Sangue Violento com grande liberdade formal. Começa por parecer querer fazer um gótico sulista típico, mas rapidamente se cansa e vai-se divertindo, explorando os códigos da comédia, os do absurdo ou os do melodrama religioso. Sangue Violento é o verdadeiro filme independente, décadas antes do indie se ter tornado num género. E por isso é, actualmente, um filme de culto. Não é muito melhor do que um Cheeseburger, mas em termos de simbolismo vale tudo isso e mais, muito mais.
16/01/25
Jurado Nº 2, Juror #2, 2024, Clint Eastwood
"Jurado Nº 2": e Clint Eastwood continua batendo um bolão
Juror # 2 (Jurado n°2) - Crítca: Clint Eastwood dirige um dos melhores filmes do ano
18/01/24
O Preço da Traição, Mulholland Falls, 1996, Lee Tamahori
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Review by Kevin Jones ★★★★
I am a simple man. Give me a few guys smoking cigarettes, wearing suits, and killing guys in old time Los Angeles, and I will love that movie. A cheesy and joyfully indulgent neo-noir, Mulholland Falls is no exception. A spellbinding film with director Lee Tamahori embracing all of the genre's cliches and indulgences, Mulholland Falls is a thoroughly entertaining and visually stylish neo-noir crime thriller with strong performances and an equally capable plot. However, it does become a little unwound towards the end where Tamahori may have placed his tongue a bit too firmly alongside his cheek.
Investigating the murder of Allison Pond (Jennifer Connelly), LAPD detective Max Hoover (Nick Nolte) is troubled. You see, he had just finished his affair with Allison and, unbeknownst to him, her troubled neighbor recorded all of her sexual trysts without her knowledge. Who else did he film, you ask? Well, General Timms (John Malkovich) had also loved Allison and also enjoyed her company from time to time. Though Max called it off with her, he is clearly not over her and is desperate to find her killer and beat the shit out of him. Along with his buddies (Michael Madsen, Chazz Palminteri, and Chris Penn), Max is known for distributing justice around Los Angeles and making people fall off of Mulholland Drive in mysterious ways. It is this hard nosed attitude that aligns him so closely with the detectives in old noir films.
In a strong performance in the lead role, Nick Nolte holds his cards close. He always has an ice cold delivery. He only shows his emotions slightly when Allison is dead and when his wife Katherine (Melanie Griffith) sees the tape of him and Allison. Oh and when he finds out who killed Allison. He was a little ticked off at that one. Aside from those though, Nolte gives a commanding and stolid performance that sees him pull his fedora close to his face and smoke in his tailored suit. Somehow, this glorious hard nosed cop performance is the central part of the film and it is terrific. Alongside him, Palminteri gives a top-notch performance as his partner Ellery Coolidge. Seeing a therapist for his anger issues, Coolidge is always eating and always in the backseat.
The central crime in the film - the murder of Allison Pond - is captivating. With Max Hoover caught up in a web of government cover-ups and military bomb tests, the web weaved by director Lee Tamahori is very sticky and equally as riveting. The plot is never convoluted or hard to follow, rather it is nuanced and complex, which is just what a noir should be. While the film often acts as a subtle satire of the genre that Tamahori so clearly loves, he never skimps on the plot of his film and gives it one that rivals the best noirs around. As the femme fatale of sorts, Jennifer Connelly is terrific. Sensual and alluring, Connelly makes for a compelling figure in the film and one that it is not hard to believe guys would trip over themselves to make her acquaintance. Yet, despite this, she retains this sort of innocence that makes you just as livid as Max is when he discovers her unfortunate demise.
That said, the ending is a bit much. The whole sequence with the plane is far too over-the-top. Though somewhat tongue-in-cheek, it discards the hard nosed noir atmosphere of the build-up for a crazy action type sequence. That said, it does rescue it at the end where everybody just stands around smoking and in complete silence. Unfortunately though, this plane sequence is hard to defend and seemingly out of place in a detective story of this kind.
Stylish with killer costume design, production design, and cinematography, Mulholland Falls offers strong performances across the board (even Melanie Griffith, who was oddly nominated for a Razzie for this role) and a strong plot to go along with it. While admittedly indulgent and sometimes a parody of the genre itself, Mulholland Falls is a strong, spellbinding, and harshly criticized neo-noir. Though it has its defenders - namely, Roger Ebert - they are hardly numerous, which is a shame. Letterboxd
19/01/25
The Convert, 2023, Lee Tamahori
Maoris wiki
The Convert, Monica Castillo, July 15, 2024
In his latest movie “The Convert,” director and co-writer Lee Tamahori returns home to New Zealand for a look at a fraught chapter in the country’s history. Bringing his action movie bona fides from the James Bond entry “Die Another Day” and “xXx: State of the Union,” Tamahori hews intense dramatic moments over battlefields and tense conversations as two factions of indigenous Māori wrestle for control while British colonists set up one of their first claims on the nation. Our main character enters these most turbulent times advocating for peace and finds few listeners. This is not an uncommon chapter in history, but the way Tamahori and his cast and crew approach the topic is fascinating, even if sometimes a little conflicted.
In 1830, Thomas Munro (Guy Pearce) lands in New Zealand. After years in the military, he’s a troubled man who wants to get away from England as much as possible and finds passage to the other side of the world as a lay preacher. However, our adventurer does not find peace. Instead, he finds a community in tumult as two Māori chiefs, Maianui (Antonio Te Maioha) and Akatarewa (Lawrence Makoare), fight among themselves for control of the region, traders like Kedgley (Dean O'Gorman) supply muskets and bullets to both combatants and the British colonists in the town of Epworth ostracize anyone not British and Protestant. They even go so far as to withhold medical supplies from a wounded Māori woman, Rangimai (Tioreore Ngatai-Melbourne), whom Thomas rescued from an ambush. As tensions mount, Thomas finds allies with Rangimai and a widow named Charlotte (Jacqueline McKenzie), even as war seems all but inevitable.
Thomas feels like something of a Trojan Horse character, an outsider to interest audiences beyond New Zealand in its history and a perfect excuse for constantly translating different languages and customs. However, something feels missing from his character, even if he has the most screen time to share his past war stories and beliefs. Pearce brings him to life with the most solemn of performances, quietly restraining his emotions – and violence – until the very end. But his story isn’t the most compelling.
The real heart of the movie belongs to Rangimai, a woman tormented by the violence of the men around her yet more than willing to take her revenge for the murder of her husband. In a star-making turn, Ngatai-Melbourne rises to the occasion with her bold performance, singing funeral songs for the dead, taking up arms against her enemies, yet also sharing rare scenes of tenderness with Charlotte and Thomas. The character is secretive yet earnest, understands the political games at play, and is willing to participate in its events. She’s eager to learn from her British neighbors even as they reject her and her people because she understands that to know them is itself an advantage.
Tamahori and co-writer Shane Danielsen may have taken some historical liberties in loosely basing their script on true events, creating composite characters or writing in new figures. Still, if the goal of “The Convert” was to give a sense of New Zealand when most of its residents called it by its Māori name, Aotearoa, then it is successful. Cinematographer Gin Loane frames Tamahori and Danielsen story with the gorgeous natural landscape around them, sometimes shooting in stark contrast to show off the dark sandy earth, inky rivers, and cloudy skies. In other moments, the camera revels in the crashing white waves, formidable rocky cliffs, and luscious green forests, occasionally moving in to focus on a bird or plant, grounding its story with a sense of place like no other. Thomas sees this part of the world for the first time, and the camera mirrors his curiosity. Likewise, the visual style is also used to heighten the narrative’s more dramatic scenes, like when Rangimai greets her father, the chief, after the murder of her husband. The reunion happens near the coastline, where the soil is dark, and the skies appear stormy, a harbinger for the battle forecast ahead.
“The Convert” is Tamahori’s third feature set in New Zealand. His breakout film “Once Were Warriors” introduced him to international audiences, and decades later, he returned with “Māhana,” a period piece following a Māori family in the 1960s. This trip back in time for “The Convert” is perhaps one of the more ambitious titles in his filmography, one painstakingly researched for accurate details to recreate Māori homes, costumes, and dialect, stocked with numerous extras and supporting characters to bring the last of the country’s pre-colonial days to the big screen. In that sense, the movie takes on a bittersweet note, bringing history to life in all its messy complexity – and the everyday players who shape it.
20/01/25
Estrada para perdição, Road to Perdition, 2002, Sam Mendes
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Estrada para perdição por Fernando Albagli
AMBICIOSA VARIAÇÃO DO FILME-DE-GÂNGSTER
Um rapazinho na praia, de frente para o mar, de costas para a câmera. E uma voz em off: "Há muitas histórias sobre Michael Sullivan. Algumas o apresentam como um homem decente. Outras dizem que nele nada há de bom. Mas eu passei seis semanas com ele, no inverno de 1931. Esta é a nossa história."
É assim que começa Estrada para Perdição, segundo longa-metragem de Sam Mendes, o ganhador do Oscar de 1999, com Beleza Americana.
Provavelmente, quem conhece a história em quadrinhos – que Max Allan Collins começou a escrever, e Richard Piers Raynes a desenhar, em 1998 – na qual se baseia o roteiro de David Self, espera uma história cujo tema são os gângsteres da época da Depressão americana. Uma recorrente referência àquela origem é a revistinha que o jovem Michael lê avidamente com as aventuras do Lone Ranger (Zorro, no Brasil).
Mas não é bem assim. A Depressão, a gangue, o inverno de 1931 são apenas cenário e época de um filme sobre o relacionamento entre pais e filhos. Não faltam os clássicos elementos das histórias ambientadas no mundo do crime, as matanças, os tiroteios, o sangue derramado. Mas as seqüências onde eles acontecem são tratadas com uma estilização que produz, nas platéias, mais prazer visual que descarga de adrenalina.
Michael Sullivan (Hanks) é o braço direito do chefão John Rooney (Newman). É ele quem elimina os desafetos e os que perturbam os negócios do patrão. Rooney praticamente o adotou, o que provoca ressentimentos no verdadeiro filho biológico, Connor (Craig), amoral, ambicioso e impulsivo.
O triângulo formado por eles constitui uma parte do tema principal do filme. A outra parte – explorada mais profunda e delicadamente – revela os sentimentos de um menino de 12 anos, Michael Sullivan Jr. (Hoechlin), em relação ao pai e, para este, a descoberta do amor paterno com seus possíveis sacrifícios.
O gênero filme-de-gângster já serviu de pretexto para melodramas, críticas sociais, sátiras, estudos psicológicos, comédias de humor negro, dramas familiares. Mendes pretendeu uma nova e ambiciosa variação. Além de uma violenta história de vingança, reforça a inspiração nas tragédias gregas acentuando o papel do "inexorável destino" na vida dos personagens. Assim como Rooney, Sullivan não tem opção. Apenas segue o que está escrito e cumpre o seu papel da melhor maneira. Mas, apesar de batizar o filho com seu nome, deseja que ele não lhe siga os passos, que tenha oportunidade de fazer escolhas.
Imprudentemente, buscando descobrir afinal qual é o ofício do pai, o menino testemunha um assassinato cujo autor é Connor Rooney. É o pretexto que faltava para que os ressentimentos se manifestem com extrema crueldade.
Daí em diante, a ação se transforma numa voragem de fugas e perseguições entremeadas por um feroz desejo de vingança. Logo, o taciturno Sullivan está fugindo dos antigos companheiros, ao lado do filho, pela estrada que intitula o filme: Perdição é a cidade onde eles pretendem se abrigar e, ao mesmo tempo, uma quase explícita metáfora do destino final dos personagens principais.
Enquanto para Rooney há uma lei em seu mundo que não pode ser desobedecida – o sangue sempre prevalece, o filho biológico pode se revelar um traidor mas deve ser protegido pelo pai – para Sullivan há uma possibilidade de redenção, ao menos representada na salvação do filho, que poderá escapar da Perdição.
O diretor consegue transmitir, em poucas palavras e gestos econômicos, o fortalecimento da relação entre o lacônico Sullivan e o filho carente, enquanto fogem juntos do excêntrico e frio assassino-fotógrafo, interpretado ambiguamente por Jude Law, numa sutil subatuação.
A fotografia do premiado Conrad L. Hall, provavelmente candidata a muitos prêmios, pinta o clima de sombras presente em quase todo o filme. E, aliada à música de Thomas Newman e ao som (e até à falta dele), constrói momentos bastante originais, como o da seqüência na noite chuvosa, que vai se revelando aos poucos, onde os capangas de Rooney caem, um a um, derrubados por uma luz que bruxuleia ao longe, que se precebe depois ser de uma metralhadora portátil empunhada por Sullivan.
Paradoxalmente, porém, a contida interpretação do excelente elenco e todo o apuro formal para a realização dos ambiciosos objetivos dos autores talvez se constituam também na maior fraqueza do filme, criando algum obstáculo entre a história e uma emoção maior da platéia.
21/01/25
Veludo Azul, Blue Velvet, 1986, David Lynch
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Crítica | Veludo Azul por Luiz Santiago 18 de junho de 2017
Definido pelo diretor como “uma história de amor e mistério”, Veludo Azul (1986) é daqueles filmes que começam a polarizar opiniões já nos primeiros minutos de projeção, pois cada espectador irá receber de maneira diferente o contraponto da cidade com suas casas de cerca branca, jardins bem cuidados, carro de bombeiros desfilando pelas ruas e tradicionais valores sociais e familiares versus um mundo obscuro de marginais baratos, com manias sexuais, assassinatos e absurdos cotidianos baseados nas intricadas teias de eventos do cinema noir e de mistério — notadamente do quarteto A Sombra de uma Dúvida (1943), Um Retrato de Mulher (1944), Um Amor em Cada Vida (1945) e Janela Indiscreta (1954) — para tornar coisas aparentemente banais em pistas de uma investigação que é, em tudo, teatral.
A teatralidade em Veludo Azul é a chave mestra para que entremos em todas as portas psicológicas e simbólicas da fita ao mesmo tempo que a aceitamos como um peça nostálgica, com detalhes de O Mágico de Oz entrelaçados com sexualidade, sonho, melodrama, choque e um tipo de linguagem que nos instiga a ponto de quase romper o andamento da obra, para então entregar outra linha teatral de mistérios e estranhezas diante da qual seguimos. E tudo começa com um acaso, quando o universitário Jeffrey (Kyle MacLachlan) volta para a pacata Lumberton após seu pai, Tom (Jack Harvey), sofrer um derrame. Nesta parte, que podemos chamar de “introdução”, temos não apenas a cortina azul tremulando levemente ou a cidadezinha em todo o seu esplendor (lembrem-se, a teatralidade é vital para a construção deste filme e terá presença tanto nas atuações quanto no roteiro e no modo como o diretor faz as tomadas) mas também a rápida quebra daquilo que parece ser a normalidade. A queda das máscaras.
Após visitar o pai no hospital, Jeffrey, o inicialmente inocente jovem que verá o pior de si vir à tona ao longo do filme, encontra uma orelha humana, ficando obcecado pela investigação do que estava por trás daquilo. Ajudado por Sandy (Laura Dern), a filha do detetive responsável pelo caso, Jeffrey chega a uma das suspeitas de ter algo a ver com a orelha decepada, a cantora Dorothy Vallens (Isabella Rossellini, cujas cenas de “exposição do corpo” geraram furor e acusações a Lynch, embora a atriz jamais tenha se referido negativamente a nenhuma dessas cenas, muito pelo contrário, ela fala que depois do ataque de risos do diretor, passou a gargalhar toda vez que revia a tomada em que era “ritualisticamente estuprada” por Frank. E sim, ela estava nua por baixo do robe, naquela cena). Daí em diante, a investigação é tomada de surpresa e, assim como uma doença do corpo foi capaz de trazer Jeffrey para a cidade, será uma doença da mente e/ou do espírito que mostrará para que que a cidade guarda muitos segredos. E para a surpresa do próprio Jeffrey, ele também.
David Lynch manipula as cartas para nos introduzir a camadas de voyeurismo e colocar toda a caraterística sensorial que é a base de seu cinema. Aparentemente o odioso e magnificamente interpretado personagem de Dennis Hopper (Frank) é a base dos males na obra, mas o roteiro vai mostrando que o mal pode se apresentar em diferentes formas e que está em todos os lugares e pessoas, sendo impedido de vir à tona por fatores externos e, talvez, “espirituais”. Os pequenos núcleos no interior da obra mostrar isso, assim como a cidade, que é um palco-personagem, vista de maneira tradicional e limpa por uns e de maneira suja e assustadora por outros. O presságio que temos no começo, quando vemos os besouros se devorando na grama, vai se tornando cada vez mais real, com os “besouros humanos” procurando matar uns aos outros. O curioso é que todos esses personagens, mesmo à margem da sociedade, estão cercados por contraste de comportamento. Na fotografia e nos figurinos isso pode ser notado mais precisamente na escolha do branco e rosa (além do angelical cabelo loiro) para o Universo de Sandy e no azul, preto, roxo e vermelho que marcam o mundo dos estereótipos subvertidos de Dorothy.
Lynch, após concordar em receber um salário menor e trabalhar com baixo orçamento, recebeu total liberdade do produtor executivo Dino De Laurentiis, que era quem poderia tolher boa parte de suas polêmicas escolhas, especialmente na representação deste mundo obscuro que parece odiar figuras paternas, mas foi deixado praticamente sem supervisão durante todo o período de filmagem e pós-produção, podendo trazer livremente o seu amontoado de coisas do dia a dia refiguradas como símbolos que afetam os personagens; primeiro o azul, marcando o território dos segredos; depois a eletricidade, marcando a ocorrência dos assassinatos e, por fim, o fogo, que como sempre em seus longas, representam uma força incontrolável, normalmente servindo como marco na vida dos indivíduos.
A repetição da canção Blue Velvet, de Bobby Vinton, assim como a presença de In Dreams, de Roy Orbison e as incursões de Angelo Badalamenti, que faz uma ponta no filme como um dos pianistas do lugar onde Dorothy canta, dão a atmosfera de ameaça suave, de perigo escondido que sentimos ao longo da fita. O mistério é resolvido, o pássaro robin e sua representação de amor e luminosidade aparece ao final, mas nada disso realmente importa. O espectador não se engana mais pela aparência. O bombeiro acenando, o dálmata no carro, a cerca e os jardins estão agora “contaminados” por esta visão de que tudo é uma farsa dentro de uma farsa, encerrada como um ciclo, tanto na repetição dos takes vistos no início, quanto no retorno da cortina azul que se fecha sobre a aparente beleza, agora mergulhada em falsidade e desespero. A realidade encoberta pelo veludo azul do mundo real.
22/01/25
Quatro Confissões, The Outrage, 1964, Matin Ritt
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Review by trolleyfreak ★★
'I could have had hundreds women, but for you I take big chance..' (Paul Newman as Juan Carasco)
Brief Synopsis: Rashomon in a Western stylee!
Verdict: I'll tell you what's an outrage. No, not the decision to remake Akira Kurosawa's perfect film in the first place. I can live with that, these things happen. What I can't forgive is the casting of Paul Newman, the mad idea to have his character be a Mexican bandit, and Newman's Own excruciating non-performance. If you're going to cast the all-American, blue-eyed Paulie, why not let him play an all-American, blue-eyed bandit instead of a fake-tanned, appallingly-accented bad guy from south of the border?! Madness! And much as I like Newman, Jesus Wept, he's piss poor here. I've seen him sleepwalk through Robert Altman's catatonic Quintet and mug hopelessly in Jack Smight's mirthless The Secret War Of Harry Friggin' Awful - or whatever it's called - but this has to be seen to be (dis)believed. What on earth was he thinking of?! Seriously, I needed subtitles every time he opened his mouth. The problem with Ritt's picture is that there's a great big void in the centre of it all: the aforementioned Newman is no substitute for the wiry Toshirō Mifune in the original film but then again Claire Bloomin' terrible and Laurence Harvey are also vastly inadequate replacements for Machiko Kyō and Masayuki Mori in the roles of the bandit's victims. Bloom's Southern accent is all over the place and Harvey is just a blank page with not a shred of substance to his character or the performance he delivers. So why am I awarding it two-and-a-half stars, I hear you holler? Well, Ritt is a very talented filmmaker. Anyone who has seen the likes of Hud, No Down Payment, Paris Blues and The Long, Hot Summer will testify to that and he gets a lot right here. The framing device - just as it is in Kurosawa's movie - is immaculately filmed, and legendary cinematographer James Wong Howe has to take a lot of credit here for his shooting of the gathering of Eddie Robinson, Howard Da Silva and The Shat at the local rundown train station to discuss the case: moody skies, torrential rain and the G-Man in full-flow is a good combination and when the action returns to these guys from the latest version of events just presented to the viewer, it cleanses the palate from the bad taste left in the mouth by The Three Stooges having their woodland misadventures. And lest we forget, the story IS Rashomon for crissakes so it's a very, very good story - originally devised by Kurosawa from Ryūnosuke Akutagawa's short story In A Grove and adapted here by Academy Award-winning screenwriter Michael Kanin - and one that is a perfect 'fit' for the Western milieu. Kurosawa's impeccable version is rich and strange and exotically stylized and though Ritt's 'take' is obviously not a patch on the 1950 masterpiece, it's not lacking in its own visual poetry. No, it's just lacking any kind of grounding by the three stars badly chosen and hopelessly incapable of doing their goddamn job properly...
Trivia Note: Kanin was the elder brother of Garson Kanin and won his Oscar for co-writing the screenplay of the Spencer Tracy/Katharine Hepburn vehicle The Woman Of The Year. Younger brother Garson would himself go on to be Oscar-nominated for his co-writing of a Tracy/Hepburn picture - Adam's Rib - but he couldn't emulate his older bro by winning the statuette. Letterboxd
23/01/25
Rashomon, Rashômon, 1950, Akira Kurosawa
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Rashômon na era da pós-verdade
Como ouvir o outro lado no jornalismo depois de Trump? Uma investigação entre Otavio Frias Filho e Ruy Mesquita
Leão Serva, 01fev2021
Em aula inaugural no curso de pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), em 1985, o jornalista Claudio Abramo explicou sua concepção de bom jornalismo: retratar os debates na sociedade como um espelho, sem apresentar sua conclusão. Citou o filme Rashômon, de Akira Kurosawa (1910-98), como metáfora do efeito ideal para o jornalismo diante de temas controversos. Rashômon (1950) garantiu a consagração internacional ao diretor e deu ainda mais notoriedade a Ryunosuke Akutagawa (1892-1927), autor dos contos em que se baseou o roteiro.¹ Em 1951, foi premiado no Festival de Veneza e, em 1952, levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
No enredo, um casal de viajantes é atacado por um bandido, o marido é morto e a mulher e o bandido desaparecem, mas são localizados e levados a depor com outras testemunhas. Sete pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, descrevem o episódio em depoimentos sucessivos. As versões não permitem uma conclusão pacífica. O espectador chega ao fim da sessão com sete narrativas sobre um mesmo fato, todas elas divergentes. “Do que trata o filme?” “Quem matou o homem, afinal?” Não há consenso, nenhuma síntese é possível. Nem uma análise estatística poderia apontar a predominância de uma versão sobre outra. Não se pode atribuir mais credibilidade nem às testemunhas oculares nem às que se baseiam em relatos de segunda mão: seus depoimentos também divergem.
Desde então, a expressão “efeito Rashômon” vem sendo empregada para descrever a ineficiência dos relatos testemunhais para entender questões complexas em ciências humanas e, especificamente, no jornalismo. (...)
Crítica | Rashomon (1950) por Luiz Santiago 26 de abril de 2018
Rashomon (1950) é um daqueles filmes que conseguiram ser lançados por um golpe de sorte e que por maior sorte ainda, conseguiram alcançar, em seu tempo, o reconhecimento que mereciam. Realizado no mesmo ano que O Escândalo, Rashomon sobreviveu a três grandes incêndios antes de sua finalização e teve duas redublagens, além de duas gravações para a trilha sonora, a última delas, feita às pressas para a distribuição internacional da fita. O filme encantou a representante da Italiafilm, que resolveu inscrevê-lo no 12º Festival de Cinema de Veneza, mesmo sem consultar Kurosawa. Todavia, isso não foi um problema. Rashomon sairia do Festival com o Leão de Ouro e ainda receberia uma indicação ao Oscar de Direção de Arte em Preto e Branco e um Oscar Honorário em 1953. A obra foi o trampolim para Akira Kurosawa prosseguir com sua carreira e, sobre ela, o próprio mestre já se pronunciava: fui poupado de ser deixado de lado.
Todo esse afã, no entanto, não é gratuito. Rashomon é sem dúvida uma das grandes obras do cinema e um marco inquestionável na filmografia de Akira Kurosawa. O título é um dos mais lembrados do cinema japonês dos anos 1950, especialmente porque sua popularidade trouxe à produção nipônica uma lufada de ânimo e abertura garantida para o mercado Ocidental, espaço que Kurosawa saberia aproveitar muitíssimo bem.
O roteiro do longa é resultado da primeira parceria de Kurosawa com Shinobu Hashimoto, um colaborador que voltaria a trabalhar com o mestre em Viver, Os Sete Samurais, Anatomia do Medo e Trono Manchado de Sangue. O argumento, por sua vez, vem da literatura. Inicialmente, o texto era uma adaptação do conto No Matagal (1922), do escritor Rynosuke Akutagawa. O conto relata a morte de um samurai e o estupro de sua esposa por um bandido. Não há narrador no conto, apenas os depoimentos do lenhador, de um monge, da mulher, do bandido e do morto (através de uma médium) a um Inquiridor.
A história ainda precisava de algo que a sustentasse melhor, uma linha narrativa menos aberta, por isso o conto Rashomon (1915), do mesmo autor, foi adicionado ao roteiro, ligado de uma forma bastante interessante aos acontecimentos principais. O mix entre as duas produções ganhou uma forma narrativa complexa, sendo a história central vista no presente — enquanto três transeuntes esperam uma forte chuva passar, protegendo-se embaixo do portal de Rashomon, na entrada de Kyoto. A história apresentada nos leva para os depoimentos dados ao Inquiridor, ou seja, um flashback que, por sua vez, nos leva a um outro flashback, mostrando acontecimentos dentro do matagal, segundo a versão de cada um dos depoentes.
O trabalho dos roteiristas em cima da obra literária é bastante eficaz. A essência dos contos é mantida e as modificações são estruturalmente necessárias, principalmente porque agregam muito à visão de Kurosawa sobre a índole humana e o aflorar dos sentimentos nas mais diversas situações. Talvez, no desfecho da película, o roteiro tenha posto um ponto final em algo que ainda não cabia um ponto. Não digo que o término seja insatisfatório, mas a passagem de um assunto para outro, o aparecimento do bebê e o resgate da fé na humanidade não deveriam ter vindo na mesma sequência de acontecimentos. A sensação de que algo faltou para melhor ligar essas partes está presente em todas as vezes que revejo o filme, embora goste muitíssimo dele e do modo como termina — mesmo que, como já disse, sinta a falta de ‘alguma coisa’.
Como diretor, Kurosawa não deixou de ousar. A dublagem da médium com a voz do morto, a orientação para a equipe de montagem e para a épica música de Fumio Hayasaka cercam o filme com um poder e uma leveza tremendos. Essa sensação fica mais forte com a direção de atores, que mostra personagens psicologicamente diferentes e uma postura bufona que tende à perturbação, no caso do bandido Tajômaru, muitíssimo bem interpretado por Toshiro Mifune. Em cada um dos lugares e tempos em que vemos ações acontecerem, percebemos uma nuance dramática distinta, o que comprova a eficiente direção de Kurosawa e como o diretor tinha o cuidado de fazer esses espaços se ligarem em um movimento contínuo, dando-nos a impressão de que tudo é um fluxo incessante de ideias e eventos, seja em uma visão real (a linha do tempo dos personagens) ou em uma visão simbólica/natural (a alternância pontualíssima entre sol, vento e chuva).
Rashomon é um filme sobre verdade e mentira, sobre a memória e a veracidade de acontecimentos recentes; sobre várias versões para uma mesma história. Particularmente tenho ressalvas para algumas coreografias de luta e mesmo para o que acontece após o último enfrentamento vindo na segunda versão da história do lenhador, mas isso não é nada comparado à grandeza da fita, portanto, não diminuem a importância que vejo na obra e muito menos a sua qualidade. Rashomon é um dos filmes essenciais para qualquer cinéfilo e foi uma belíssima catapulta de mercado para Akira Kurosawa.
24/01/24
Anora, 2024, Sean Baker
ANORA e a destruição da ilusão (de novo) | Crítica do filme PH Santos
Anora | 2024 por Natália Bocanera , 07/10/2024
No esquema de submissão de classes, a felicidade é magia e sonho aos marginalizados
Quando Anora, filme de Sean Baker, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2024, já está encaminhando a dançarina erótica do título a um pacto de exclusividade com Ivan (Mark Eidelstein), um homem branco de 21 anos privilegiado por sua riqueza e status social, e por isso mesmo infantilizado, sentimos o sabor muito amargo de toda magia que vai ocorrer dali em diante. Anora, ou Ani (Mikey Madison), uma mulher que sobrevive exercendo a mais marginalizada das profissões, é inserida no mundo vibrante e sem limites das pessoas ricas, onde tudo é possível e alcançável. Se esse universo é a realidade de Ivan, é sonho para Ani – sonho esse que a ela jamais será permitido. É com esse amargor que o diretor vai novamente abordar relações de classe e o consumo de corpos pelo capital, num conto de princesas desolador, que vai elevar sua protagonista ao alto do precipício para, logo em seguida, lançá-la em queda livre, ato por ato.
Anora é, de fato, filme dono de magnetismo. A humanidade que Sean Baker consegue extrair mesmo de seus mais repreensíveis personagens é passível de nos recordar que o maior dos capangas de um oligarca russo é um trabalhador que teme perder seu emprego. Um trabalhador tal como Ani, imã e energia inconteste do filme, uma jovem que ousou desapegar da realidade, da qual ela se mostrava tão consciente, para sonhar que seria amada, rica e feliz. Esse fascínio, que muito advém do trabalho fenomenal de Madison, que abraça essa humanização tão característica do diretor com ferocidade, decorre de uma das vertentes do estudo de Baker aqui: a juventude e todas as suas possibilidades.
Ani e Ivan, quando isolados do abismo social que os separa, são apenas dois jovens em pulsação de desejos e impulsos, com energia suficiente para atendê-los. Há uma despreocupação, uma imprudência natural nos personagens que é fascinante. Baker vai colori-la e iluminá-la nos termos desta vida que pulsa neles. A diferença de classes e as posições de poder, porém, são onipresentes na medida em que essas possibilidades de viver a vida despretensiosamente que eles usufruem só são proporcionadas pelo capital – e Anora está a trabalho, tem um papel a desempenhar em prol dos desejos daquele que a contratou.
Há inúmeras personagens femininas em Anora, mas o diretor vai colocar sua protagonista, só, em afronta a homens que obedecem a uma lógica de masculinidade que é ridicularizada. Nenhum daqueles homens, entre Ivan e capangas, vai saber lidar com a intensidade de Ani. A figura de Ivan, principalmente, que busca se divertir usufruindo maravilhosamente de seus privilégios, é o grande representante da evidente proteção social que pesa sobre essa masculinidade exploradora, que contrata uma dançarina erótica para ser sua como um objeto a ser exibido e que atenda aos seus anseios sexuais (diga-se, que serão educados por Anora).
Mesmo Ivan é humanizado em sua imaturidade. É, porém, colocado no mesmo patamar de seus pais como um incontestável poderoso, sendo esse seu comportamento de vida, seu lugar social. A classe trabalhadora, composta por Anora e os capangas, é colocada no pólo oposto dessa luta de classes. Entretanto, Baker pratica uma equiparação de status entre a protagonista e as figuras masculinas que integram o operariado que nos parece desproporcional, e que retira dela o brilho que lhe justifica o nome e o título. Sendo Anora uma mulher, dançarina erótica e eventualmente prostituta, é evidente que na pirâmide social, ela ocupa a base das bases. No contexto fílmico, ainda, ela é vítima de todos esses homens, sejam eles operários ou privilegiados. Esse nivelamento é o primeiro dos elementos que esvazia o combate da personagem.
O filme usa do humor que advém do escárnio, colocando brutamontes aparentemente perigosos para serem subjugados por uma garota, para exacerbar essa exposição. É no humor, porém, que nos parece que limites são ultrapassados. Existe uma linha tênue entre a provocação do riso ácido vindo do absurdo das situações atrapalhadas desses homens ao redor de Anora e do riso vindo quando esses acontecimentos se tornam violência. O filme mantém um tom espirituoso quando Ani, em que pese toda sua luta, é, ela, rendida pelo uso da força física. Suas ferramentas de enfrentamento vão se esgotando. Do uso de sua força, ela é amarrada. Amarrada, ela grita. Por gritar, é amordaçada. Dessa forma, não pode se opor. Não há mais, ali, qualquer elemento humorístico restante, apenas violência e submissão. Ainda assim, a provocação do riso persiste. Vemos, novamente, toda a energia de luta de Anora se esvair.
Parece existir uma provocação de Sean Baker quanto à existência de uma submissão inevitável de pessoas ocupantes de classes inferiores aos detentores do poder. Pessoas marginalizadas, dançarinas eróticas, prostitutas, mulheres que ganham suas vidas em prol, em geral, do prazer masculino, não saem ganhando – é como se esse fosse o único caminho possível. Quando há um esforço para que a pirâmide social se mantenha como está, infeliz será aquele que tentar sair do espaço que lhe foi designado, como o fez Anora. Entretanto, o esvaziamento da luta da protagonista, que apenas deixa de se opor e começa a aceitar os acontecimentos, além de doloroso, ofende aquilo que ela guardava de mais precioso: sua insubmissão.
De mais a mais, o diretor impõe às suas personagens femininas sobressalentes um clima de rivalidade vazio e que soa despropositado. É quase como se fosse obrigatório que Anora, uma trabalhadora de casa noturna, devesse ter uma inimiga invejosa que vai desejar seu cliente – veja-se, o homem como causador de conflitos entre mulheres. É incômodo, ainda, que o temor de Ivan com relação a seus pais vai se resumir à figura vilanesca da mãe, ao passo que cabe ao pai rir da situação. Claro, é empoderador que essa família oligarca seja uma espécie de matriarcado, mas não quando a posição dessa líder familiar representa a própria opressão.
Anora faz um comentário de classes a partir de uma das mais marginalizadas das profissões, um romance jovem que já nasce comprado pelo poder. Acreditar que ele persistiria isento de julgamentos e choques de realidade é o sonho que Ani pagou caro por sonhar. Caiu, de fato, em queda livre – ou melhor, foi lançada pelo sistema de volta ao seu lugar. O choro desconsolado de Anora não a restaura, não devolve tudo aquilo que a vemos perder. Pelo contrário, faz questionar ainda mais a (im)pertinência do humor quando ele deixa de ser bem-vindo, bem como a humanização de homens violentos e opressores.
NB: Anora tem algo da screwball comedy, ou comédia “louca” de Preston Sturges (1898-1959). Na primeira parte do filme. Na segunda tem a temática classista: os de cima sobe, os de baixo desce. Sobre o filme do Sturges ler aqui.
25/01/25
A Madona de Cedro, 1968, Carlos Coimbra
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Review by Gabriel Machado ★★★
Carlos Coimbra fez a montagem de O Pagador de Promessas, e depois da festinha em Cannes também filmou O Santo Milagroso como diretor, que é uma comédia bem simpática e pouco vista com grande parte do elenco original e que repete muitos dos mesmos elementos embora levando mais pro lado da farsa, e se você for ler A Madona de Cedro do Antônio Callado, faz sentido que tenha sido adaptado em seguida ainda nesse contexto de ressaca pós-Palma de Ouro, onde se vê uma intenção clara de prolongar o sucesso do primeiro filme, e principalmente levando-se em conta que a parte final do livro é incrivelmente similar à premissa geral de O Pagador de Promessas e provavelmente influenciou no processo de feitura do filme (fora o fato de que bater Antonioni, Buñuel, Bresson, et. al em competição não seja algo que acontece todo dia e deva fazer um bem danado pro ego, diga-se). Mas o negócio saiu meio estranho aqui, como adaptação é bastante afoito e truncado, com diversas alterações pouco produtivas e um personagem central bem menos atormentado e moralmente ambíguo. O final é uma reinvenção total, mais estapafúrdio do que propriamente bem-sucedido. A graça ao final do livro é justamente a penitência sendo cumprida de má vontade, de forma humilhante e debaixo de reclamação constante, isso depois de o personagem passar a história inteira se martirizando, e mesmo assim encontrar o livramento no final. Vale ver esses três filmes em sequência quase como uma trilogia extraoficial, seja pelas semelhanças e diferenças entre eles ou pelo modo como parecem se complementar, embora esse aqui deva agradar mais a quem não leu o livro antes. https://letterboxd.com/film/a-madona-de-cedro/releases/
26/01/24
A Garota da agulha, Pigen med nålen, 2024, Magnus von Horn
Crítica | A Garota da Agulha por Ritter Fan 18 de outubro de 2024
Um filme para incomodar.
É consideravelmente rara a produção de filmes que lidam com a miséria das pessoas comuns na Europa durante a Primeira Guerra Mundial, ou seja, que tenha a guerra apenas como pano de fundo, mas mantendo o foco naqueles que não lutaram nela. A Garota da Agulha, portanto, vem para preencher essa “lacuna”, lidando com o triste cotidiano de Karoline (Vic Carmen Sonne), em Copenhague, na Dinamarca, país que sequer oficialmente entrou no conflito. Mas o longa de Magnus von Horn é, igualmente, uma espécie de “dois em um” audiovisual, já que a história da protagonista inteiramente fictícia funde-se, em determinado ponto, com à de Dagmar Overbye (Trine Dyrholm), infame assassina em série da época cuja história é bem conhecida por lá.
Mas comecemos por Karoline. Trabalhando em uma fábrica de roupas, a protagonista não tem notícias do marido, que se alistara para lutar na guerra, há mais de um ano e, em um misto de desespero por ter sido despejada e oportunidade, por perceber que o dono da fábrica se interessara por ela, passa a ter um relacionamento com ele, o que a leva a engravidar. O que segue, daí, é uma espiral ainda mais intensa de pura dor e miséria que a leva à esfera de influência de Dagmar, que promete encontrar um bom lar para o bebê, o que só amplifica os horrores que são descortinados em uma excelente, mas angustiante cadência de queima lenta que não poupa o espectador de absolutamente nada. Mas é importante compreender, para aqueles que esperarem um filme sobre a referida serial killer, que A Garota da Agulha não tem esse feitio e o foco permanece constantemente em Karoline.
A primeira coisa que chama atenção é a transformação de Vic Carmen Sonne, uma bela atriz, em sua versão completamente sem glamour, com dentes tortos, cabelos desgrenhados, uma leve corcunda e uma linguagem corporal que transmite fragilidade, em um resultado que não só é realista, especialmente para a época, como parece perfeitamente natural. Esse é o primeiro sinal de que a produção não tem intenção alguma em lidar com beleza, algo que o design de produção de Jagna Dobesz, a direção de arte de Ristergren Albistur Lisette e Ewa Mroczkowska e a direção de fotografia em preto e branco de Michal Dymek elevam ao patamar de arte, mas uma arte suja, feia, deprimente, que tem o poder de subsumir toda uma era no continente europeu. Até mesmo o pouco que vemos da aristocracia local, quando Karoline é convidada à mansão onde mora seu amante rico, é de uma qualidade inquietante, com o pouco de real beleza sendo manchada pelas ações que lá acontecem.
Pode-se dizer que o longa de Magnus von Horn refestela-se na miséria, pois essa não seria uma descrição injusta, mas o que o cineasta tenta fazer é ser honesto, é olhar para uma era em uma capital europeia hoje considerada por muitos como uma das melhores cidades do continente sem filtros, sem embelezamentos e, mais do que tudo isso, sem enganar ninguém. O que vemos é um bem trabalhado recorte de uma época pouco mais de 100 anos atrás que revela muito mais do que abordagens de cima para baixo, a partir da aristocracia, algo que continua sendo verdadeiro – em maiores e menores graus, claro – tanto lá como também em grande parte das grandes cidades do mundo. Tenho para mim, porém, que a inclusão do “filme dentro do filme”, ou seja, da história de Dagmar, mesmo que consideravelmente inserido na lógica estabelecida e, ainda bem, de maneira subserviente à narrativa centrada em Karoline, não era essencial. Havia material suficiente para que a história se sustentasse sem o uso de uma personagem histórica local conhecida que, inegavelmente, serve de atrativo mais comercial, mesmo que a pegada do roteiro e da direção continue genuína.
No entanto, A Garota da Agulha é um filme poderoso, ainda que difícil e desagradável de se ver, pois ele não é mesmo feito para ser simpático. Mesmo não exatamente querendo, não há nada como ver verdades que incomodam, que nos fazem contorcer na cadeira do cinema e torcer para que o filme acabe logo, o que, aqui, é uma característica positiva e mais do que desejada pela produção.
26/01/24
Memória, Memoria, 2021, Apichatpong Weerasethakul
‘Memória’ propõe ao espectador uma experiência estética única
Em 'Memória', sob a direção do tailandês Apichatpong Weerasethakul, Tilda Swinton vive uma escocesa numa Colômbia onde as fronteiras entre consciente e inconsciente, este e outros mundos, se borra.
Por Paulo Camargo, 27 de julho de 2022
O cinema do tailandês Apichatpong Weerasethakul desafia os sentidos. E a razão. Memória, vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2021, propõe ao espectador resistir à tentação de buscar uma explicação lógica, e apressada, para o que vê e ouve. Se conseguir, o filme, em cartaz nos cinemas, pode ser uma experiência estética única.
Weerasethakul se desloca da Ásia para a América do Sul, mais precisamente para a Colômbia, onde está Jessica, fazendeira escocesa, que acompanha o tratamento da irmã em um hospital de Bogotá, capital do país. A personagem é vivida por Tilda Swinton.
Ficamos sabendo muito pouco sobre a relação de Jessica com a irmã, talvez porque esse vínculo não é tão relevante. Central mesmo à trama é um enigma, que se desenha desde o início de Memória: a protagonista, nos mais diversos momentos, ouve um estrondo grave, metálico, inaudível pelas demais pessoas. Se quiser saber o que é, ela terá de aprender a ouvir.
Por quase toda a duração do filme, nós, como espectadores, embora também escutemos o que Jessica ouve, não sabemos se esse som de fato existe no mundo material, ou se apenas no inconsciente da personagem. Como a ela, ele também nos perturba, por ser inesperado e impossível de definir. Tanto que a fazendeira chega a pensar que está enlouquecendo.
Nessa investigação da origem do estrondo, Jessica consulta um engenheiro de som (também músico) que, por tentativa e erro, acaba sintetizando em estúdio o que ela diz ouvir. Só que, quando ela retorna para procurá-lo no mesmo lugar, ninguém parece saber quem ele é torna-se inevitável questionar se ele realmente existe.
Na busca pelo produtor musical, Jessica acaba entrando, meio ao acaso, em uma sala da Universidade de Bogotá, onde ensaia uma pequena banda de jazz. Ao ouvi-la, é como se a personagem atravessasse um portal, o que a faz se deslocar do meio urbano para o natural, em um movimento narrativo recorrente na obra do cineasta, diretor de Tio Bonoome, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010), vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes.
A partir dessa passagem, o filme passa a ter outro ritmo, como se, à medida em que submerge na natureza, seus movimentos se tornassem mais lentos e aleatórios. Na cidade, além do estrondo, ouvimos buzinas, um escapamento de ônibus que explode como um tiro, música, a chuva – uma supremacia sonora, enfim.
Já no meio natural, o visual se impõe, com paisagens mais amplas, menos ruidosas, porém o som metálico acompanha Jessica em uma incursão ainda mais subjetiva. É como se ela o carregasse dentro de si, o que, descobrimos no desfecho do longa, não é toda a verdade do filme. Há um mistério que, de certa forma, se desvela nos momentos finais.
Tilda Swinton está hipnótica no papel dessa mulher europeia na América do Sul, dividida entre o consciente e o inconsciente, a arte e a ciência, este e outros mundo. Sua dor de não saber, mas sentir, e ouvir, o invisível, se torna nossa, ao escutarmos o que ela ouve. Weerasethakul, assim, também nos desloca, e desestabiliza.
27/01/25
A Substância, The Substance, 2024, Coralie Fargeat
“A Substância”: Hollywood está pronta para seu close-up, e o que vemos é monstruoso
Lucas Oliveira, 25 de setembro de 2024
Reúna a turba assassina de “Frankenstein” (1931). Pegue a trama trágica de “Crepúsculo dos Deuses” (1950). A construção da mulher idealizada em “Um Corpo que Cai” (1958). Pitadas do hagsploitation de “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?” (1962). A viagem experimental e a revelação grandiloquente de “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968). Dê espaço à raiva feminina irrefreada em um final apoteótico à maneira de “Carrie, a Estranha” (1976). Volte reiteradas vezes a um corredor tão longo, colorido e amedrontador quanto os de “O Iluminado” (1980). Inclua criaturas rastejantes vindas diretamente de “O Enigma de Outro Mundo” (1982). Tire itens do corpo do protagonista, a exemplo de “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” (1983). Tome emprestado o líquido verde fluorescente de “Re-Animator” (1985). Arranque partes do personagem principal, inspirando-se em “A Mosca” (1986). Promova uma orgia de body horror e gore digna de “A Sociedade dos Amigos do Diabo” (1989). Destaque Los Angeles e suas palmeiras seguindo as deixas de “Cidade dos Sonhos” (2001). Seja tão cinéfila nas referências, precisa na direção e implacável no discurso quanto a diretora de “Bela Vingança” (2020). Construa um monstro tão histriônico quanto o de “A Morte do Demônio: A Ascensão” (2023).
Some tudo isto a um clássico pacto faustiano e a uma premissa de conto de fadas e, voilà: temos “A Substância” (2024), novo longa-metragem da diretora francesa Coralie Fargeat (“Vingança”). Nele, a estrela midiática Elisabeth Sparkle (Demi Moore), que acaba de chegar à meia idade e é descartada de seu programa na televisão pelo diretor sexista da emissora (sugestivamente chamado de Harvey, papel de Dennis Quaid), decide recorrer a uma droga de origem desconhecida para tentar voltar aos holofotes. Trata-se da “substância” do título, que replica células e cria temporariamente uma versão (Margaret Qualley) mais jovem e supostamente melhor da protagonista. Entretanto, com o passar do tempo, Elisabeth é levada a nutrir sentimentos cada vez mais autodestrutivos contra seu próprio corpo, abrindo caminho para que Sue, seu “eu” jovem, domine de forma perigosa a utilização do elixir.
Embora esta crítica tenha começado com uma enumeração das várias possíveis inspirações e citações diretas que Fargeat faz a outros filmes em seu segundo longa-metragem, seria tolo pensar que “A Substância” é um trabalho puramente referencial. Pelo contrário, a roteirista e diretora se vale destas tantas ideias para construir um filme totalmente seu, repleto de originalidade e de ousadia. Originalidade na proposta de ficção científica, que fantasia um composto capaz de criar cópias humanas mais jovens com as quais as pessoas têm que alternar a existência semana a semana. E ousadia em uma condução que não tem medo de soar exagerada, grotesca e ultrajante. Temos, a título de exemplo, na reta final do longa uma citação direta a “Um Corpo que Cai”, um dos filmes mais cultuados pela cinefilia, em uma cena tão ridícula pelo contraste quanto brilhante pela referência.
Poderíamos dizer que “A Substância” prega uma divertida peça no espectador. O filme, que competiu pela Palma de Ouro e venceu o Prêmio de Melhor Roteiro no 77º Festival de Cannes, é distribuído pela MUBI e realizado por uma cineasta francesa em ascensão. À primeira vista, seria um típico “filme de arte”, metafórico em sua trama, estilizado em sua linguagem, e fadado a ser divisivo junto à crítica especializada nos principais festivais de cinema do mundo. Porém, embora atenda a essas expectativas, o longa de Fargeat subverte todas as apostas ao mergulhar fundo no cinema de gênero, mais especificamente no horror, no body horror e, por que não, no mais absoluto cinema trash, se afastando cada vez mais do dito “cinema de prestígio” em direção a uma abordagem formal que explicita a sátira mordaz a Hollywood, à televisão e aos padrões estéticos que esgarçam vidas e carreiras de mulheres há séculos.
Os dois primeiros planos, com o ovo se duplicando e a estrela na calçada da fama sofrendo as intempéries do ostracismo, são mostras da inventividade visual de Fargeat e resumem o filme de maneira precisa. A partir daí, ao lado de seu diretor de fotografia, Benjamin Kracun (coincidentemente, fotógrafo também do já referido “Bela Vingança”), a cineasta opta por criar ambientes ostensivamente artificiais, com cores saturadas e alto contraste, espelhando imageticamente a cópia antinatural de Elisabeth. É notável a comparação que a diretora induz nos dois momentos em que vemos a protagonista finalizando a gravação de seu programa televisivo de ginástica: quando é Elisabeth, uma mulher de meia idade, as luzes do estúdio se apagam e a personagem é envolvida em uma atmosfera soturna que pressagia seu declínio profissional forçado; já quando é a vez de Sue, mesmo sem lâmpadas acesas e refletores o ambiente ainda parece solar, quente e, tal qual a personagem, plastificado. Toda esta visualidade algo fantástica é capturada ora a partir de planos muito fechados que chegam a ser intrusivos – no rosto tenso de Harvey, para evidenciar seu sadismo, ou no corpo de Sue, para explicitar o fetichismo muito comum do olhar masculino –, ora por meio de enquadramentos amplos que colocam a protagonista de meia-idade em meio ao vazio do esquecimento, seja em seu apartamento, seja no corredor da empresa que paulatinamente vai deixando de exibir seus retratos.
Conduzindo esta espiral que fatalmente resultará em destruição estão Demi Moore e Margaret Qualley. Ambas não se destacam no início, mas, à medida que suas personagens e a relação entre elas ficam mais intensas e complexas, as atrizes começam a brilhar nos papéis, que exigem muito por serem calcados mais na expressividade do que em diálogos. Tanto a intérprete experiente quanto a estrela em ascensão demonstram uma entrega absoluta tanto à melancolia quanto à megalomania do ousado roteiro de Coralie Fargeat. Isso passa, claro, pela disposição de se mostrarem vulneráveis fisicamente, a partir da nudez e das profanações de seus corpos perantes às câmeras, mas também à coragem de exibirem fragilidades emocionais muito profundas que conversam com a realidade que cada atriz já viveu ou vai vivenciar. Moore, em especial, assim como Norma Desmond em “Crepúsculo dos Deuses”, certamente já experienciou na pele o etarismo de Hollywood, e prova ter muita altivez nas cenas em que precisa mergulhar na auto-depreciação dilacerante da personagem – há uma cena particularmente triste antes de um encontro amoroso, quando a atriz, sem fala alguma, usa dos gestos e dos olhos para expor a debilidade infligida à protagonista por seu entorno.
A construção do drama feita por Fargeat é exemplar nesse sentido. Vemos, de forma literal, e por isso mesmo, puramente cinematográfica, como o sexismo e o etarismo operam na diminuição da auto-estima das mulheres e promovem a constante competitividade entre elas. Talvez por isso, não há um homem sequer que tente parar, ou pior, não colabore ativamente para o ciclo destrutivo da protagonista. Certamente uma extrapolação da realidade, mas uma ótima maneira de mostrar quem, no fim das contas, lucra de forma imediata com a (auto)degradação das mulheres. À medida que Sue vai se tornando famosa, ela passa a odiar Elisabeth e a querer, em um impulso imaturo, ficar mais do que uma semana desfrutando da juventude, não importa a que custos para sua contraparte. Elisabeth, por sua vez, não consegue pôr um fim ao uso da substância, mesmo percebendo a progressiva deterioração de seu corpo pelo uso incorreto da droga; os dias dela se arrastam solitários e enclausurados no apartamento, onde ela cozinha, come e inveja a beleza de Sue no outdoor em frente à janela.
Para além do etarismo e da busca obsessiva pela beleza utópica, o filme aborda também, de maneira bastante profunda, os conflitos psíquicos que podem levar uma pessoa a lutar consigo mesma e se autodestruir. O final explicita, de forma inequívoca e satírica, ao nível da caricatura, o quanto as pressões sociais podem gerar monstros e, literalmente, eviscerar vidas. É certamente o filme mais ácido contra a indústria desde “Não! Não Olhe!” (2022), que também trazia a ideia de que Hollywood consome e depois rejeita os responsáveis por seu sucesso, tal qual a plateia do final do filme de Fargeat repudiando a criatura que sua insaciável sede por perfeição havia alimentado.
Finalmente, “A Substância” se prova o melhor filme de 2024 até agora, e um dos melhores longas-metragens de terror dos últimos anos. Trata-se de uma mistura irretocável de body horror e gore com as melhores metáforas que o gênero pode oferecer. Crédito também para a enervante e incômoda trilha sonora do britânico Raffertie, que combina sons dissonantes, batidas eletrônicas e influências da disco music, e para a maquiagem e efeitos visuais, que vão do realismo ao absurdo sempre em cores vivas e texturas repulsivas.
A habilidade da roteirista/diretora Coralie Fargeat de misturar imagens grotescas de corpos se contorcendo e se mutando a reflexões profundas sobre padrões de beleza e patriarcado, tudo isso de maneira absolutamente camp e cada vez mais tresloucada, é o que torna este um filme que ainda será muito discutido e revisitado por sua perspicácia, coragem de mergulhar no ridículo e coerência temática e estética. Se fosse para fazer uma aposta futurística, diria que ao longo dos próximos anos este filme vai ganhar um status tão perene quanto o de obras aclamadas como “Corra!” (2017) e “Hereditário” (2018). “A Substância” é chocante, triste e irônico, às vezes ao mesmo tempo. Hollywood sempre esteve e ainda está pronta para seu close-up, mas o que vemos nunca foi tão monstruoso.
29/01/25
Desaparecidas, The Missing, 2003, Ron Howard
Crítica | Desaparecidas (2003) por Rafael W. Oliveira 20 de abril de 2018
Por mais que seja um diretor de resultados irregulares, não há como acusar Ron Howard de ser um cineasta de visão acomodada, por mais que o próprio nunca tenha apresentado sua própria marca como autor. Mas há muita versatilidade em Howard, e desta forma, poucos teriam ido de Splash – Uma Sereia em Minha Vida para Cocoon com este mesmo gosto, ou pensando em outros casos, sair de Willow – Na Terra da Magia e seguir com a comédia O Tiro Que Não Saiu Pela Culatra. Versatilidade e experimentações é algo que não falta no currículo de Howard.
O que talvez falte ao cineasta (que numa rápida curiosidade, é pai de Bryce Dallas Howard) seja a habilidade de imprimir uma carga dramática que empurrem seus filmes para fora da caixinha de segurança onde estes geralmente costumam vir embalados. Há exceções, como o empolgante filme de ação espacial Apollo 13 – Do Desastre ao Triunfo ou o intenso O Preço de um Resgate, mas em grande parte do tempo, falta pulso firme às narrativas de Ron Howard, e especialmente em seus projetos mais acadêmicos como os fracos Uma Mente Brilhante e A Luta Pela Esperança, estas fragilidades se fazem ainda mais evidentes.
E por falar em Uma Mente Brilhante, Desaparecidas foi encomendado justamente para aproveitar o embalo do nome de Howard nas premiações (de onde saiu do Oscar com os prêmios de filme e diretor debaixo dos braços) retomando a ambientação tão clássica do gênero faroeste para narrar uma história de resgate e vingança onde a curandeira Maggie (Cate Blanchett), após ter seu marido Brake (Aaron Eckhart, numa ponta decepcionante) assassinado e uma de suas filhas sequestradas, parte em busca de seu paradeiro ao lado do pai, Samuel (Tommy Lee Jones), com quem possui uma relação conturbada.
Tendo fracassado comercialmente nos EUA e lançado diretamente em home vídeo aqui no Brasil, grande parte da fragilidade de Desaparecidas se deve tanto a ineficiência de Howard quanto ao roteiro excessivamente linear de Ken Kaufman (de Cowboys do Espaço), que baseando-se no romance de Thomas Edison, pouco aprofunda as relações entre os personagens através de seus diálogos que visam ser expositivos, mas pouco criam empatia por seus dilemas. A amargura de Maggie por seu pai não é tão responsável por grandes mudanças na trama, e suas tentativas de conferir algum peso durante a busca dos personagens pouco ajuda para que nos importemos com aquela distância emocional entre pai e filha. Quanto a direção de Howard, este jamais se decide entre a veia do suspense, da ação física e do drama familiar, o que condena Desaparecidas a um deslocamento quase imediato.
E ao se fazer longo demais para as pretensões rasas que apresenta, o que resta em Desaparecidas é a bela contemplação das terras secas e pedregosas do velho oeste americano no século XIX, em especial quando o diretor de fotografia Salvatore Totino oscila tão organicamente entre as paletas de cores áridas misturadas ao vermelho durante o dia e ao azul durante a noite. Mas a beleza plástica não faz de Desaparecidas uma experiência mais revigorante, e mesmo nomes competentes como Cate Blanchett e um caricato Tommy Lee Jones possuem pouco o que fazer com seus papéis limitados. E não é à toa que, por isso, Desaparecidas seja um dos filmes mais obscuros na filmografia irregular de Ron Howard.
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