sábado, 21 de agosto de 2021

Filmes parte 17

Contém

O Fantasma Invisível (1941), Invisible Ghost, Joseph H. Lewis

A 7ª Cavalaria, 7th Cavalry, 1956, Joseph H. Lewis

Viúva Negra, Black Widow, 2021, Cate Shortland

Pig, 2021, Michael Sarnoski

O Gosto da Vingança (Dalkomhan insaeng), 2005, Jee-woon Kim

Império da Desordem, The Desperadoes, 1943, Charles Vidor

Uma Vida Marcada (Cry of the City) - 1948

E Deus Disse a Caim, E Dio disse a Caino..., 1970, Antonio Margheriti (Anthony M. Dawson)

Sócrates, Socrate, 1971, Roberto Rossellini

O Mais Perigoso dos Homens (1961), Most Dangerous Man Alive, Allan Dwan

Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime, TV Mini Series, 2021, Eliza Capai

A volta de Frank James, The Return of Frank James, 1940, Fritz Lang

A Pistola do Mal (Day of the Evil Gun), 1968, Jerry Thorpe

Eyimofe, 2020, Arie Esiri, Chuko Esiri

Caros Camaradas - Trabalhadores em Luta (Dorogie tovarishchi), 2020, Andrey Konchalovskiy

O Esquadrão Suicida (The Suicide Squad), 2021, James Gunn

Os Espiões (Spione) 1928, Fritz Lang

O Beijo Diante do Espelho (1933), The Kiss Before the Mirror, James Whale

O Homem que Luta Só, Ride Lonesome, 1959, Budd Boetticher

Jogo do Poder (Adults in the Room), 2019, Costa-Gavras

O Irresistível Forasteiro, The Sheepman, 1958, George Marshall

Os Sinos de Santa Maria (The Bells of St. Mary's), 1945, Leo McCarey

Depois a Louca Sou Eu, 2019, Julia Rezende

Quem foi Jesse James (The True Story of Jesse James), 1957, Nicholas Ray

A Carta (The Letter), 1940, William Wyler

Casamento Proibido (You and Me), 1938, Fritz Lang

O Último Duelo (The Cimarron Kid), 1952, Budd Boetticher

O Homem Que Quis Matar Hitler (Man Hunt), 1941), Fritz Lang

Doutor Gama, 2021, Jeferson De

01/07/21

O Fantasma Invisível (1941), Invisible Ghost, Joseph H. Lewis

No iutubi 

Sinopse:

Mr. Kessler é um homem rico, conhecido por sua generosidade, mas vive atormentado pelo desaparecimento de sua esposa infiel, que teria fugido em companhia do melhor amigo de Kessler. Durante a noite, ele tem visões fantasmagóricas da mulher, que vive em estado de loucura e o induz a inexplicáveis transes homicidas dentro da própria mansão.

Curiosidades:

Assim que o filme foi concluído, foi anunciado que a dupla Lugosi e Katzman fariam mais dois filmes juntos, posteriormente esse número acabou subindo para nove.

Bela Lugosi inaugurou com O Fantasma Invisível (Invisible Ghost, 1941) sua parceria com a produtora Monogram, especializada em filmes de baixo orçamento. Com fotografia em preto e branco e duração curta.

03/07/21

A 7ª Cavalaria, 7th Cavalry, 1956, Joseph H. Lewis

No iutubi 

A 7ª Cavalaria se passa após a última batalha do famoso comandante General Custer. Randolph Scott estrela como oficial de cavalaria Tom Benson, que ao retornar para o seu Forte de origem depois de uma liberação, é tachado de covarde depois de supostamente desertar a batalha de Little Big Horn, um agrupamento armado entre forças combinadas dos Lakota, Cheyenne do norte e tribos Arapaho, contra o 7º Regimento de Cavalaria do Exército dos Estados Unidos, onde Custer acabou derrotado. Aprisionado por seu regimento, quando o presidente dos Estados Unidos ordena a recuperação dos oficiais mortos e o enterro dos cavaleiros que tombaram na batalha, Benson leva seus desajustados cavaleiros e seus prisioneiros militares em território indígena para realizar a tarefa e conseguir recuperar o corpo de seu comandante e limpar o seu nome. Um faroeste superior que foca não só no conflito entre homens brancos e índios, mas as traições e ressentimentos que acontecem entre os oficiais e seus líderes. https://www.classicline.com.br/a-7a-cavalaria

05/07/21

Viúva Negra (Black Widow), 2021, Cate Shortland

Por TOM LEÃO

Com pouco mais de um ano de atraso (era para ter estreado em maio de 2020), enfim, o filme solo da "Viúva Negra" chegou. O lançamento foi nos cinemas - simultaneamente com serviço de streaming Disney+, no chamado Premier Acess (paga-se um extra para ver). E foi o maior sucesso, até agora, na era da pandemia: fez US$80 milhões nos cinemas americanos e US$60mi no serviço de streaming Disney+

Ele abre a fase 4 do MCU (Marvel Cinematic Universe) nos cinemas (na TV, já começou). Já era hora de termos este filme solo de Natasha Romanoff (Scarlet Johansson), que apareceu no segundo filme do "Homem de Ferro", e voltou outras oito vezes em vários filmes do MCU. Pena que chega com a personagem extinta.

Então, o que temos, além de um filme de origem do personagem (de onde ela veio, quem ela é), na verdade, é um filme de introdução de sua irmã, Yelena Belova (a excelente Florence Pugh, de “Midsommar”), que também é uma 'viúva' (mercenária treinada pelos russos).

A ação básica se passa logo após os fatos mostrados em “Capitão América: Guerra Civil”, e antes de “Vingadores: Endgame”, mas nenhum dos vingadores aparece em cena. O que temos na tela são os 'pais' de Natasha e Yelena, respectivamente Melina (Rachel Weisz) e Alexei (David Barbour), este último, também conhecido como o Guardião Vermelho. Nos quadrinhos, Black Widow e Red Guardian são, na verdade, marido e mulher. Assim como na série de TV “The Americans” (FX), eles viviam como americanos num subúrbio dos EUA, até que...

É estranho vermos um filme sabendo que a principal personagem, Natasha, não existe mais (e sabendo que, aconteça o que acontecer, ela não morrerá neste). Mas, na média, “Viúva Negra” é um bom filme de ação (bem melhor do que as séries Marvel exibidas no Disney+), que sobrevive por si só, misturando dramas familiares (já com um toque que a Disney dará, doravante, aos filmes Marvel) com uma trama que envolve um cientista louco russo (o inglês Ray Winstone), que tem uma vibe meio Dr. Evil (da série “Austin Powers”). E, no fim, tudo explode e cai do céu, como sempre. A ceninha final pós-créditos já indica para onde tudo irá a seguir. Então, que venha Yelena!

07/07/21

Pig, 2021, Michael Sarnoski

Pig

Filme sobre busca por porca de estimação é o mais aclamado da carreira de Nicolas Cage

Ganhador do Oscar, o ator conquistou a crítica especializada com seu novo projeto

Duas vezes indicado ao Oscar, vencendo uma vez, em 1995, por Despedida em Las Vegas, Nicolas Cage tem recebido as melhores críticas de sua carreira pelo seu papel mais recente no cinema: Rob, um ermitão que parte em busca de uma porquinha de estimação roubada, no drama existencialista Pig. 

Com 97% de aprovação no agregador de notas Rotten Tomatoes, a produção é a mais bem avaliada pelos jornalistas especializados de todos os longas já estrelados pelo astro, que vem em uma montanha-russa de altos e baixos nos últimos anos. A média de notas do filme dirigido por Michael Sarnoski era de 8,2/10 até o fechamento deste texto.

Nas avaliações dos jornalistas, Pig possui adjetivos inusitados que fazem dele uma grande obra cinematográfica, sendo o maior deles o desempenho do protagonista. Richard Brody, da revista The New Yorker, afirmou que "o personagem interpretado por Cage é incoerente, ilustrativo e ridículo, e ainda assim é esse retrato que faz o filme funcionar". Já Richard Roeper, do Chicago Sun-Times, escreveu que "o imprevisível Cage entrega um de seus melhores trabalhos em anos".

Claudia Puig, do programa FilmWeek da rádio KPCC — NPR Los Angeles, classificou Pig como "um estranho, mas eficiente e evocativo estudo de personagem". Angie Han, do mesmo veículo de imprensa, enfatizou que o filme é "uma agridoce e por vezes surpreendentemente tenra exploração de comida, expressão criativa e conexão humana".

Dentro de outro famoso agregador de notas, o Metacritic, Pig também conta com uma altíssima classificação dentro dos filmes estrelados por Cage: 82, atrás apenas de Adaptação (2002) e Feitiço da Lua (1986), ambos com nota 83.

Em Pig, Cage interpreta Rob, um homem que vive isolado na floresta, colhendo cogumelos. Um dia, sua única companhia, uma porca especialista em encontrar trufas valiosíssimas e extremamente saborosas, desaparece. Este episódio faz com que o ermitão parta em busca do seu animal de estimação, retornando à vida que deixou para trás quando ainda era um chef de cozinha conceituado.

O elenco do filme ainda conta com Alex Wolff, Adam Arkin e Gretchen Corbett. Nos Estados Unidos, Pig estreou nos cinemas em 16 de julho. No Brasil, a produção ainda não tem data para chegar.

Video Critica

12/07/21

O Gosto da Vingança (Dalkomhan insaeng), 2005, Jee-woon Kim

Sunwoo é o homem de confiança de Kang, um poderoso chefão da máfia. Sua nova missão é vigiar a jovem namorada de Kang para descobrir se ela tem um amante e,se confirmado, assassinar o casal.Quando ele finalmente encontra a garota com outro homem, ao invés de matá-los, Sunwoo resolve ajudar os dois a fugir do mafioso, em uma atitude inesperada e incoerente com sua reputação de assassino frio.Kang,inconformado com a traição, manda matar Sunwoo, que reage com uma vingança sangrenta e brutal.

15/07/21

Império da Desordem, The Desperadoes, 1943, Charles Vidor

No iutubi 

Cheyenne Rogers (Ford), um caçador de recompensas, viaja até Red Valley, onde conhece e apaixona-se por Allison MacLeod (Evelyn Keyes). Tentará então levar uma vida afastada do seu passado, porém não será fa´cil. Western que se passa em 1860 e tem como protagonista o xerife Upton (Randolph Scott), que tenta manter a lei numa pequena cidade de Utah.

Seu principal problema é com seu amigo Cheyenne (Glenn Ford), que durante algum tempo foi um deliquente, mas se aposentou há muitos anos. Quando o banco é roubado, Cheyenne se converte, diante dos olhos da comunidade, no principal suspeito. Somente seu amigo parece estar convencido da sua inocência.

17/07/21

Uma Vida Marcada (Cry of the City), 1948, Robert Siodmak

No iutubi


Cry of the city

Realizado pelo cineasta Robert Siodmak, a partir de um roteiro escrito por Richard Murphy, “Uma Vida Marcada” é um filme policial ‘noir’ produzido pela Twentieth Century Fox Film Corporation em 1948. Sua trama, baseada no romance “The Chair for Martin Rome” de Henry Edward Helseth, é marcada por muita ação e tensão ao longo de toda a projeção.

Na direção, Siodmak, demonstrando mais uma vez seu completo domínio da câmera, nos brinda com mais um belo trabalho. A fotografia, a cargo de Lloyd Ahern, é outro quesito que merece ser citado, assim como a bela trilha sonora de Alfred Newman.

No elenco, o maior destaque é Richard Conte, que nos brinda com uma ótima atuação, seguida pela de Victor Mature. O filme marca, ainda, a estreia no cinema da atriz Debra Paget aos 15 anos de idade. 

SINOPSE

Martin Rome, que matou um policial durante um assalto, encontra-se num hospital de uma prisão prestes a ser operado enquanto seus pais, irmãos, irmãs e um padre oram por ele. Por outro lado, o tenente da polícia de Nova York, Vittorio Candella, que cresceu no mesmo bairro italiano, como Rome, e seu colega, tenente Jim Collins, esperam lá fora, para interrogá-lo.

W. A. Niles, um advogado, também deseja ver Rome para pedir-lhe que confesse seu envolvimento no assassinato da Sra. de Grazia e, assim, salvar um homem inocente que foi preso pelo crime. Rome se recusa a cooperar, mas depois, ao se recuperar da cirurgia, é interrogado por Candella sobre um anel encontrado em sua posse, que havia sido roubado da Sra. de Grazia, após ter sido torturada para revelar o paradeiro de suas joias, antes de ser estrangulada.

Embora Rome esteja indo para a cadeira elétrica por matar o policial, ele nega envolvimento no assassinato da Sra. de Grazia e diz que ganhou o anel em um jogo de dados. Depois que Candella vai embora, Rome pede à sua enfermeira de meia-idade, Srta. Francis Pruett, que envie uma nota para sua namorada, Teena Riconti, pedindo-lhe para que se esconda a fim de não ser presa como cúmplice. Quando Niles se oferece para defender Rome em troca de sua confissão em relação ao assassinato da Sra. de Grazia, ele novamente se recusa. Candella, então, visita os pais de Rome, à procura de informações sobre suas amigas...

20/07/21

E Deus disse a Caim, (E Dio disse a Caino...), 1970, Antonio Margheriti (Anthony M. Dawson)

No iutube 

Sobre  Klaus Kinski (1926–1991) 

E Deus Disse a Caim

Para quem gosta de western spaghettis, E Deus Disse a Caim não é um título desconhecido. Antes pelo contrário, é um dos filmes que os maluquinhos do género gostam de eleger normalmente como o mais violento de todos. Para todos os outros, E Deus Disse a Caim é um filme a descobrir como um dos mais singulares do género. Consta que este é um plágio de um outro, A Stranger In Passo Bravo, o que justifica o facto de Antonio Margheriti o ter sempre renegado. Mas como nunca vi o orignal, isso não interessa nada para aqui.

E Deus Disse a Caim é uma história de vingança de um pistoleiro condenado injustamente a perpétua. Conhecemo-lo no exacto momento em que um indulto presidencial o deixa novamente um homem livre e percebemos logo pelo seu olhar que agora é payback time. Ele é Gary Hamilton, ou seja, Klaus Kinski, com os seus olhos de boga. E é a ele que vamos seguir, deixando para trás um rasto de corpos mortos, antes de chegar ao homem que o incriminou e lhe roubou a mulher.

Além de ser o mais violento de todos os western spaghettis (com mortes gráficas e extremamente destruidoras), E Deus Disse a Caim tem uma aura fantasmática que lhe dá um toque especial. Aparentemente, o realizador Antonio Margheriti queria que esta fosse uma vingança épica de tons bíblicos (começando logo pelo título), mas, propositadamente ou não, acabou por lhe dar um ar sobrenatural, como se Dario Argento tivesse realizado um western gótico. Para isso, contribuem dois aspectos: o tornado que chega ao mesmo tempo à cidade, como os forasteiros sem nome de Clint Eastwood que chegam às cidades para as limpar do mal, e que o ajudam a aparecer e desaparecer com se fosse um fantasma; e toda uma série de artifícios que o realizador recorre com um dedinho mágico, como os sinos da igreja que tocam em momentos-chave, ou o final numa sala de espelhos, muito O Dragão Ataca.

Mas nem tudo são rosas em E Deus Disse a Caim. Margheriti atrapalha-se várias vezes com o tom minimalista do filme, a banda-sonora tenta sem sucesso emular os blaxploitation(!) e falta-lhe um subplot mais consistente, que dê mais força ao vilão da história. Isso não implica que E Deus Disse a Caim não seja justamente um dos mais subvalorizados western spaghetties e aquele que mais precisava dum remake. Ouviste Tarantino? Come lá o teu McBacon e depois diz-me qualquer coisa.

22/07/21

Sócrates (Socrate), 1971, Roberto Rossellini

No iutubi 

Por FERNANDO CAMPOS 

Quase tudo o que se sabe sobre Sócrates, um dos pais da filosofia ocidental, deriva da obra dos discípulos dele, como Platão e Xenofonte, ou de contemporâneos, como o artista Aristófanes. Por acreditar que nada sabia e por preferir o ensinamento via discurso, o ateniense abria mão de escrever seus pensamentos. De acordo com as referências da época, o que se sabe sobre Sócrates é que ele ensinava sobre ética, virtude e justiça, além de ser imensamente hábil no campo da lógica, resultando no método socrático.

Contudo, por ter sido eternizado pelas obras de seus alunos, especialmente Platão, alguns filósofos discutem que Sócrates foi representado por eles de forma excessivamente idealizada, como um santo ou um mestre exemplar. O fato é que, devido às referências limitadas, nunca saberemos exatamente como ele era. Resta que cada um o interprete com a própria consciência a partir dos relatos da época, exercício que o próprio Sócrates aprovaria, uma vez que era um grande provocador de reflexões.

Na visão do cineasta italiano Roberto Rossellini, exposta no filme Sócrates, o pensador ateniense segue a linha do bom mestre. O longa traz um recorte da vida do filósofo, funcionando como síntese da vida dele. A história acompanha o julgamento e condenação de Sócrates (Jean Sylvère), acusado de não acreditar nos deuses gregos e influenciar negativamente os jovens.

Diante das inúmeras possibilidades que um figura tão misteriosa poderia trazer, Rossellini escolhe seguir a linha platônica da história de Sócrates, mostrando-o como uma figura quase santificada. Dentro da proposta, funcionam os paralelos que o cineasta faz entre Sócrates e Jesus Cristo durante o filme, como, por exemplo, na cena que o ateniense visita um campo de pessoas crucificadas e torturadas, o mesmo destino que Jesus teve. Ambos, inclusive, foram condenados à morte por produzirem ensinamentos considerados proibidos pelos poderosos da época. Com essa comparação, o diretor não eleva Sócrates ao posto de santo, pelo contrário, ele vê no conhecimento e na inteligência o mais próximo que podemos chegar do divino, como na pintura de Michelangelo, A Criação de Adão.

Além de trazer passagens importantes de Sócrates, como o “só sei que nada sei”, o roteiro e a direção acertam na dramatização da história, permitindo um envolvimento maior entre público e protagonista. Aqui, não admiramos apenas os discursos, mas nos compadecemos com a humildade e vulnerabilidade do filósofo, que se sente incapaz de lucrar com o que ensina. Outra personagem importante para trazer humanidade ao filme é Xântipe (Anne Crapile), esposa dele, que proporciona não só momentos de afeto, mas também de questionamentos, dando substância à obra. Portanto, a melhor maneira de assimilar os conteúdos é mantendo-se conectado com a história, o que ocorre aqui

Outro ponto equilibrado do filme é a direção. Rossellini opta por uma decupagem tradicional na maioria das cenas, começando com planos de ambientação, partindo para planos médios e usando planos fechados nas falas de maior impacto, conduzindo o público com segurança pela narrativa e valorizando o texto, resultando em um filme discursivo. Por isso, a trilha sonora jamais chama a atenção para si, servindo mais como um som de ambientação. Já os constantes planos médios ajudam a mostrar a escala das locações e o grande número de figurantes, funcionando para dar vida aos cenários e, consequentemente, ao filme.

Aliás, em vários momentos da película, acompanhamos Sócrates caminhando por essas ruas cheias de Atenas enquanto ensina seus alunos. Não à toa, o gesto se repete no momento da morte dele, para o veneno fazer efeito, mas também representando que as ideias dele seguem vivas, como a esperança por uma sociedade que priorize o senso crítico. Ou seja, em meio às discussões de vida e morte que permearam os últimos dias do ateniense, Rossellini acredita que o que garante a imortalidade é o legado das palavras e, nesse aspecto, Sócrates é eterno. 

25/07/21

O Mais Perigoso dos Homens (1961), Most Dangerous Man Alive, Allan Dwan

No iutubi 

O mafioso Eddie Candell é traído por seus subordinados e condenado por assassinato. Candell consegue escapar, mas acaba indo parar em uma área de testes nucleares. Ele sobrevive, mas seu corpo passa por mutações que o fazem se tornar um homem de aço. Ele volta então à cidade para se vingar dos que o denunciaram.

27/07/21

Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime, TV Mini Series, 2021, Eliza Capai

'Elize Matsunaga: Era uma Vez um Crime' cutuca nosso machismo

Série documental denuncia olhar masculino da sociedade ao cruzar entrevista com depoimentos e reportagens

Jéssica Nakamura

Após ler a crítica do colega Rogério Pagnan, dei o play na série documental “Elize Matsunaga: Era uma Vez um Crime”, na Netflix, esperando adentrar um “deserto sem novidades” que “não consegue despertar comoção ou tirar o espectador do estado normal”.

Mas, para minha surpresa, o que encontrei foi uma construção narrativa sensível que fez fervilhar em mim um turbilhão de sentimentos. Desde o espanto em identificar semelhanças entre a forma como Marcos Matsunaga tratava Elize e a dinâmica tóxica de relacionamentos em que eu e tantas outras já nos vimos envolvidas, até a indignação por lembrar que vivo em uma sociedade em que ser mulher é uma desvantagem aparentemente intransponível.

Assim como na obra de Caravaggio Jesus coloca o dedo de um incrédulo são Tomé em sua ferida para provar que havia de fato ressuscitado, em “Era uma Vez um Crime” a diretora Eliza Capai bota o dedo na ferida do machismo da sociedade brasileira —mais aberta atualmente do que à época do crime— para provar, a quem ainda duvida, que ele não só é real, como está por toda parte.

Costurando com destreza uma entrevista exclusiva de Matsunaga a excertos da cobertura jornalística e depoimentos de repórteres, promotores, delegados, advogados de ambos os lados, especialistas, familiares, amigos e até líderes espirituais, a cineasta mostra que os parâmetros de julgamento em todos os setores são estruturados a partir do ponto de vista masculino.

O olhar dos amigos que responsabilizam Matsunaga pelo afastamento do marido de seu círculo social é o mesmo do reverendo que o aconselha a internar a mulher em uma clínica psiquiátrica quando, ao descobrir novas traições do marido, ela expressa o desejo de se divorciar.

O olhar da imprensa dedicado a julgar Matsunaga por já ter feito da prostituição seu sustento é o mesmo que naturaliza o fato de seu marido não só trair suas mulheres com prostitutas mas também atribuir notas a elas como quem classifica aplicativos.

O olhar da acusação que considera Matsunaga pequena e frágil demais para arrastar e esquartejar um corpo sozinha e defende o “golpe do baú” como única motivação possível para o crime é o mesmo da família de origem japonesa que descreve o marido como um tipo que toda mulher sonha ter e diz que, se seu pai soubesse do passado de Matsunaga, provavelmente nem sequer teria permitido o casamento.

O olhar que duvida da infelicidade de Matsunaga no casamento sob o argumento de que ela vivia uma “vida de princesa” regada a bolsas de grife é o mesmo do repórter especialista em polícia e segurança pública que reduz o início de sua história a uma versão de “Uma Linda Mulher” e não se propõe a ver que a função de um documentário não se reduz a apresentar novas evidências criminais.

Ao o apontar, Eliza Capai causa no público impacto semelhante ao provocado pelas obras de Caravaggio na assassina confessa, que citou o pintor barroco (que também tem suspeitas de homicídio na conta) como seu preferido, um misto de admiração e incredulidade.

Tudo isso em quatro episódios sagazmente conduzidos pela música-tema da série, uma versão da composição de Beethoven “Für Elise” —do alemão, para Elise, ou Elisa.

28/07/21

A volta de Frank James (The Return of Frank James), 1940, Fritz Lang

No iutubi 

Por LUIZ SANTIAGO

Depois do estrondoso sucesso de Jesse James – Lenda de Uma Era Sem Lei (1939), não é de espantar que Darryl F. Zanuck quisesse lucrar ainda mais em cima da obra, por isso, encomendou uma sequência da história, entregando a direção a um cineasta famoso e mantendo mais ou menos o mesmo elenco e equipe técnica, uma forma de tentar dar ao público um material o mais próximo possível da película anterior — além de ceder corda a um enigma: o que aconteceu com Frank James depois do assalto frustrado no First National Bank, em Northfield?

O azarado diretor a receber a cartilha pronta foi o mestre Fritz Lang, que, além do projeto pré-definido, tinha alguns “inconvenientes” do momento: Frank James era o seu primeiro western e o seu primeiro filme em cores.

Lang havia estreado em Hollywood em 1936, com Fúria, e a ele seguiram-se mais dois bons filmes, Vive-se Uma Só Vez (1937) e Casamento Proibido (1938). Frank James foi o seu primeiro trabalho na Fox e também o seu primeiro contato com uma produção pontuada por regras que ele não tinha poder nenhum para alterar, pelo menos de forma estrutural. Desse modo, o cineasta conseguiu inserir quase que clandestinamente elementos estéticos que lhes eram próprios – trabalho com sombras, estilosas tomadas noturnas e subjetividade em sequências de suspense –, mas tais elementos são suplantados pelo restante da fita, uma desengonçada tentativa de continuar a saga da família James.

O roteiro de Sam Hellman tenta seguir os passos de Nunnally Johnson no filme anterior, colocando em pauta uma situação social crítica, nesse caso, a instituição jurídica manipulada facilmente por quem tem dinheiro para comprar pessoas, testemunhos; plantar provas e corromper jurados e juízes. Este é o cenário inicial. Todavia, a abordagem é simplista e ganha um ralo respaldo nos acontecimentos. O espectador pouco se impressiona com a relação porque não há um desenvolvimento progressivo desta, que aparece apenas no início e, outra vez, no final do filme, talvez porque Hellman quisesse dar a ideia de ciclo, porém, não teve sucesso.

Por mais que Fritz Lang tenha se esforçado para aplicar algo de seu estilo no filme, a estrutura previamente concebida o impediu, fazendo de Frank James uma fita de discrepâncias estéticas e, em menor grau, formais, especialmente na montagem e fotografia. Em relação a esta última, as cenas noturnas são as que mais sofrem, tendo diferentes intensidades de luz azulada em planos sequenciais, como podemos ver quando o trem do Correio é parado ou na jornada de Frank e Clem para salvar Pinky do enforcamento, situação que, inclusive, é sumariamente ignorada pelo roteiro ao final do longa. À parte esse ponto, a fotografia consegue um bom resultado nas cenas diurnas. Como Lang gostava bastante do cenário que filmava – mesmo que não gostasse da história em si –, ele deu atenção especial às paisagens, com belíssimas tomadas em rochedos, planícies e ranchos, além de uma elegante forma de filmar os interiores, independente se ambientes ricos ou pobres, ampla ou parcamente decorados.

A criação do drama amoroso no filme é uma mistura estranha de independência e carência do casal protagonista e conta com uma progressiva diminuição do interesse do público em relação à personagem de Gene Tierney (Eleanor), que aparece como uma interessante jornalista mas termina como uma boba apaixonada pelo homem durão em constante provação de si mesmo. Sem sombra de dúvida a relação familiar entre Frank, Clem e Pinky é mais eficiente que a dele e Eleanor, tanto na demonstração de afeto quanto em seu desenvolvimento durante a projeção, mesmo com Henry Fonda assumindo uma postura lacônica em seu personagem, algo que funcionou melhor no filme anterior, até pelo contraste dele com o personagem de Tyrone Power.

Os desencontros de estilo, as regras a serem obedecidas e a tentativa de Fritz Lang em dar substância a Frank James não teve um resultado final positivo. A obra contém alguns bons momentos, é verdade, mas falha tanto como continuação quanto como filme visto de maneira isolada. Uma pequena mancha na carreira de um grande mestre.

29/07/21

A Pistola do Mal (Day of the Evil Gun), 1968, Jerry Thorpe

No iutubi 

Chumbo Quente – “A Pistola do Mal”, de Jerry Thorpe

Por Octavio Caruso

Lorn Warfield (Glenn Ford) regressa a casa após ter criado, durante três anos, a reputação de grande pistoleiro. Encontra o seu rancho em ruínas e descobre que a mulher e as filhas foram levadas pelos índios apache. Por intermédio de um velho e aparentemente louco comerciante, que em tempos negociou com os índios, consegue uma pista e uma esperança de encontrar a família com vida. Na companhia do experiente Owen Forbes (Arthur Kennedy), ele sai à procura dos sequestradores.

O faroeste norte-americano já estava em declínio no ano em que “A Pistola do Mal” foi lançado, os europeus revigoravam o gênero, enquanto em Hollywood o mito clássico do vaqueiro heroico dava lugar à questões psicologicamente mais desafiadoras e uma aura sombria e moralmente desoladora, apenas o cenário parecia o mesmo.

Com direção do veterano televisivo Jerry Thorpe, visivelmente desconfortável com as convenções do estilo, o roteiro/argumento de Charles Marquis Warren trabalha a dupla de protagonistas de forma tão humana e crível, que podemos relevar o fato de que se inspira sobremaneira na trama de “Rastros de Ódio”, com direito a um coadjuvante, vivido pelo competente Dean Jagger, que é uma cópia do personagem vivido na obra de John Ford por Hank Worden. Apesar do ritmo ser irregular, destaco pelo menos uma grande sequência, a perseguição dos índios a cavalo, com os dois pistoleiros suando para manter suas armas e acompanhar o raciocínio estratégico daqueles considerados por eles como inferiores, selvagens, situação que destaca um tímido viés revisionista, infelizmente abandonado no anticlimático desfecho.

O resultado é acima da média, eu coloco entre meus cinco faroestes favoritos protagonizados por Glenn Ford, abaixo apenas de “Galante e Sanguinário”, “Gatilho Relâmpago” e “Cimarron”.

31/07/21

Eyimofe, 2020, Arie Esiri, Chuko Esiri

BFI LFF 2020: Eyimofe – Film Review

by ANNA MAYERS, October 7, 2020

Eyimofe, meaning ‘This is My Desire’, is the perfect film to see during Black History month as we also celebrate Nigeria’s 60th anniversary of independence. The film is split into chapters, following the lives of two people on their individual journeys for better lives.

To start, I truly loved how this film painted a beautiful picture. Shot on 16mm film in an observational style, it felt like we were flies on the wall seeing people’s lives grow or crumble through the events they faced. The colours and shots were so beautiful, making each part of the film feel like an intricate oil painting, get giving us a fresh lens to discover the places where filming took place. I really did appreciate the overall look of the film, as well as the story, which is something I think will help people fall in love with the film, and not necessarily romanticise what happens, but rather how it looks.

Onto the story, we follow Mofe (played by Jude Akuwudike) and Rosa (Nigerian Newcomer Temi Ami-Williams) living lives that juxtapose each other through both their individual scenarios as well as their different genders. We firstly meet Mofe, who captures our hearts through his tear-jerking origin story. To see someone go from one thing to another quickly, can go wrong in writing, but I really like how this film showed the brokenness and fall of someone. To see a man fall apart, especially in a culture where men are seen as strong and not weak, really was difficult. Another major story point in money throughout the film, and to see money troubles on top of the already bad situation, I think this film could be translated to any culture, as I think anyone can begin to see their life in Mofe’s place, and worry how money may stop you from living for and loving the ones closest to you.

Money troubles were a big issue for the character Rosa too. I liked seeing the female perspective to this story, knowing that these girls wanted more from their lives, not just to marry and settle down. It inspired me seeing them want to chase something better, but also made me so sad to see how wanting more isn’t always appreciated in different cultures. Because of this, the film felt old, and I guess the 16mm film added to this. However, it is set in present day, showing how everyone of any age can relate to or begin to understand the circumstances that these people are going through.

I really liked each performance in this film. They felt real and truthful, really amplifying the story and the locations. I felt connected to the characters, wanting to help them or hold their hand through the difficult times.

Hailed as rising stars of the Nigerian film scene, and we can see why, the story is written by Chuko Esiri and co-directed by his twin brother Arie, who dive deeply into a moving and thought-provoking film, giving us an intimate glance into Mofe and Rosa’s lives and the richness of Nigerian cinema. It’s amazing to hear how the whole project was funded and made by Nigerian people, which really shows off how special this film is. Eyimofe is a film that will open your eyes to a new story, set in a beautiful place, that will leave you thinking about your own life and what you do with it.

OFFICIAL TRAILER 

02/08/21

Caros Camaradas - Trabalhadores em Luta (Dorogie tovarishchi), 2020, Andrey Konchalovskiy

Repressão aos trabalhadores na União Soviética é tema de 'Caros Camaradas'

Filme resgata revolta de 1962 em que 26 trabalhadores foram mortos em manifestação

Luiz Zanin Oricchio, O Estado de S.Paulo, 06 de agosto de 2021

A ordem é defender os trabalhadores – desde que eles se comportem direitinho, não protestem e, acima de tudo, não entrem em greve. A história de Caros Camaradas – Trabalhadores em Luta, de Andrei Konchalovsky, que está em cartaz no Belas Artes, retrata um episódio nada edificante da antiga União Soviética. E – atenção – não se trata de mais um crime a pesar sobre os ombros largos do camarada Stalin. Este havia morrido em 1953, seus delitos haviam sido denunciados no 20º Congresso do Partido Comunista, em 1956, e a história se passa em 1962, na cidade de Novocherkassk, plena era Nikita Kruchev. 

Os trabalhadores se revoltam contra o aumento de preços e do achatamento salarial. Saem às ruas em protestos e paralisam o funcionamento de uma fábrica. As manifestações são duramente reprimidas pelo exército. Muitos manifestantes morrem, impõe-se o silêncio à população e o toque de recolher é decretado. O sepultamento dos 26 corpos é feito em segredo. O terror espalha-se pela cidade. 

O filme é feito em preto e branco, como se o veterano Andrei Konchalovsky (84 anos, 22 longas no currículo) quisesse lhe dar o aspecto de um documentário, uma espécie de cinejornal relatando um fato histórico lamentável de um regime autoritário. 

No entanto, o cineasta se vale de um expediente ficcional para relatar esse caso verídico. Lyudmila (Yulia Vysotskaya), membro do comitê da seção municipal do Partido, é devotada seguidora da memória de Stalin. Considera-o o homem de aço, um herói de guerra injustiçado, líder de um regime onde tais coisas (preços altos e greves) não aconteciam. Ela briga até mesmo com o pai, um veterano com ideias próprias, e nada simpáticas em relação a Stalin e sua herança. 

Acontece que Lyudmila tem também uma filha adolescente, Svetka (Yulia Burova), envolvida com os protestos. Durante as manifestações, ela desaparece e a mãe, desesperada, passa a procurá-la por todos os lados. A certa altura, Svetka é dada como morta pelas autoridades. Mas Lyudmila não se conforma e vai à luta, ajudada – paradoxalmente – por um agente da KGB destacado para participar da repressão aos grevistas. 

Essa estratégia ficcional permite a Konchalovsky contemplar vários aspectos da questão – o que torna o filme complexo e nada maniqueísta. 

Permite, em primeiro lugar, acompanhar a trajetória de um quadro do Partido, Lyudmila, no caso, da fé cega e completa na sabedoria do Partido e das autoridades a uma consciência mais crítica em relação à história e ao presente do seu país. 

Depois, quando se tornar mais claro quem foram os responsáveis pelo massacre, o filme destaca a existência de um conflito entre o exército e as forças de segurança representadas pela famigerada KGB. Para adicionar nova camada de complexidade à trama, será um desses agentes o parceiro de Lyudmila na tentativa tanto de conhecer o paradeiro da filha quanto de encontrar os responsáveis pelo crime. 

Num primeiro momento se tem a certeza de que foram os soldados que dispararam contra a multidão. Teria então o Exército Vermelho identificado no povo soviético o seu “inimigo interno”, para usar o jargão de algumas republiquetas latino-americanas? Nada mais improvável. O Exército Vermelho, criado por Trotski, era visto pelos soviéticos como defensor do povo contra ameaças externas e não seu opressor. 

Há, pois, uma dissonância cognitiva a alimentar a tensão dessa trama. O excelente trabalho da atriz Yulia Vysotskaya dá peso e consistência a esse dilema histórico e político. 

Konchalovsky parece estar em ótima situação para fazer a revisão dos anos Kruchev, através desse episódio particular. É um cineasta internacional. Fez seis longas-metragens na antiga União Soviética, entre eles um festejado Tio Vânia, adaptação da peça clássica de Chekhov. Foi para o exterior, radicou-se nos Estados Unidos, continuou a filmar, e só voltou ao seu país com a dissolução da União Soviética em 1991. 

Trouxe o olhar crítico afiado pelos anos no exterior. Mas, a julgar por este Caros Camaradas, não trouxe na bagagem o olhar ressentido muitas vezes presente em artistas obrigados a seguir carreira fora de seus países de origem. 

Caros Camaradas mostra DNA russo em estado puro. Filmado no país e interpretado por elenco local, falado em russo e afinado com dilemas políticos de um povo de história grandiosa e muito tumultuada. É crítico, porém empático. Esse belo filme recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza do ano passado. Reconhecimento justo a uma história de amor entre mãe e filha no contexto de tragédia política produzida por um regime autoritário.


Caros Camaradas! Por Maria do Rosário Caetano, Revista de cinema

Por Maria do Rosário Caetano

“Caros Camaradas! – Trabalhadores em Luta”, vigésimo-segundo longa-metragem de Andrei Konchalovski, traz o veterano diretor russo de volta aos cinemas brasileiros. O filme entra em cartaz nessa quinta-feira, 29 de julho, em salas de algumas capitais brasileiras.

O mais internacional dos cineastas do país de Eisenstein faz sua rentrée em grande estilo, pois sua narrativa, um drama político ambientado nos anos Krushov, ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza, ano passado. Nada mal para um cineasta de quase 84 anos.

Ao definir Andrei Konchalovski como “o mais internacional dos cineastas russos”, constata-se que ele é um profissional dono de três nacionalidades (além da russa, a norte-americana e a francesa, sem falar na condição de ex-soviético). E que aclimatou-se muito bem no cinema de narrativa clássica dos EUA.

Descendente da aristocracia intelectual moscovita, ele e o irmão mais novo Nikita Mikhalkov, de 75 anos, iniciaram suas trajetórias no cinema, ainda na era soviética. Konchalovski, que preparou-se para ser músico, mas temendo “a mediocridade” acabou escolhendo o audiovisual. Isto depois de cursar a VGIK (Universidade Estatal de Cinema Sergei Guerasimov), a mais antiga escola cinematográfica do mundo.

Ele realizou, na URSS, seis filmes, entre os anos de 1965 e 1979, sendo que dois causaram sensação no Ocidente: “Tio Vanya”, com presença marcante nos cineclubes brasileiros da década de 1970, e o épico “Siberíade”, que rendeu a ele o Prêmio do Júri no Festival de Cannes.

A consagração na festa francesa chamou atenção para o realizador soviético, então com 42 anos. Resultado: ele radicou-se nos EUA, onde faria meia dúzia de filmes, três com sucesso no mercado internacional (“Os Amantes de Maria”, “Expresso para o Inferno” e “Tango & Cash – Os Vingadores”). Mas estes filmes não teriam espaço nos grandes festivais.

Com o desmantelamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em dezembro de 1991, Konchalovski regressou a seu país de origem. Mas já estava totalmente contaminado pelo “cinema internacional”. Tanto que seu filme de maior apelo no período foi “O Círculo do Poder”, sobre projecionista que exibia filmes, no Kremlin, para o ditador Josep Stálin (1878-1953). Falado em inglês, o longa (que mais prometeu que cumpriu) tinha Tom Hulce (o espalhatoso Mozart de Milos Forman) na pele do projecionista Ivan Sanchin e o britânico Bob Hoskins como Lavrentiy Béria, um dos auxiliares mais próximos do ditador (no filme, o ator Aleksandr Zbruyev interpreta Stálin).

Konchalovski voltaria à língua materna, o russo, no filme seguinte, “O Ouro dos Tolos”. Que ele, aliás, apresentou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 1993, na qual integrou o júri. Faria parte, ainda, de coletivo de diretores em dois projetos internacionais (“Lumière e Companhia” e “Cada um com seu Cinema”).

Em 2002, já reintegrado às hostes do cinema russo, ele ganharia o Prêmio do Júri em Veneza com “Casa de Loucos”. No momento presente, usufrui da ótima aceitação de “Caros Camaradas – Trabalhadores em Luta”, que além do prêmio em Veneza, passou por diversos festivais internacionais e conseguiu distribuição até no difícil mercado brasileiro.

“Dorogie Tovarishchi!” (“Dear Comrades!”, nome internacional do filme) é russo até a medula. Todo o elenco, o idioma, tramas e paisagens pertencem ao imenso país eurasiano. Yulia Vysotskaya interpreta a protagonista Lyudmila, uma devotada integrante do comitê local do Partido Comunista. Ela cultiva a memória de Stálin, morto nove anos antes. Para ela, o ditador foi o dirigente que venceu a Guerra Patriótica e manteve unido o povo soviético, levando-o a imensas conquistas. Lyudmila não é uma oportunista, mas sim uma mulher que participou do esforço de Guerra (a Patriótica, contra os nazistas) e acredita mesmo nas ideias que professa.

Num dia de 1962, durante o Governo Nikita Krushov (1954-1964), na cidadezinha de Novocherkassk, antiga capital cossaca, uma ordem do Estado revolta operários da fábrica local: o imediato aumento no preço dos alimentos (em tempo de achatamento salarial). Os trabalhadores se rebelam, entram em greve e 26 deles são assassinados durante manifestação. Escondida em determinado lugar, Lyudmila vê um sniper acertar, mortalmente, os trabalhadores.

O Exército Vermelho, criado por Leon Trotski, tinha como missão defender a URSS de invasões externas. Que foram muitas (a dos teutônicos na Idade Média, a do Exército de Napoleão, a dos Japoneses, a dos aliados aos Mencheviques na Guerra Civil que se seguiu à Revolução Russa, os nazistas, em 1941). Segundo crença generalizada entre os soviéticos, o Exército Vermelho não atirava, jamais, em seu povo. Para ele vigorava a máxima: não havia inimigos internos (só externos).

O filme de Konchalovski mostrará que não foram os fuzis do Exército Vermelho que mataram os 26 operários grevistas, mas sim snipers a serviço da KGB, braço político e policial do Estado. Mas o massacre é apenas o ponto de partida dos 121 minutos de “Caros Camaradas!”.

Na verdade, o que Konchalovski quer é contar uma história de amor maternal-filial. Para tanto, recorreu ao sensível olhar feminino de Elena Kiseleva, que assina com ele o roteiro. Lyudmila, a fiel seguidora de Stálin, tem que procurar uma filha adolescente, Svetka (Yulia Burova), envolvida com os protestos, por todos os lados, pois ela desapareceu.

A busca será uma jornada de angústias. Com o toque de recolher e exigência de sigilo por parte das testemunhas, a busca da mãe pela filha resultará em verdadeiro calvário. E, para mostrar que não fez um filme maniqueísta, a “mãe coragem” Lyudmila contará em sua busca com a inusitada ajuda de um oficial que presta serviços à repressão.

Ninguém pense, porém, que Andrei Konchalovski realizou uma odisseia trágica e de final infeliz. Assistam e, assim, constatarão que o filme, feito em preto-e-branco de rara beleza, encerra-se com final redentor.

‘Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta’: ideologia x laços familiares, Ana Carolina Garcia

Selecionado para o Festival do Rio 2021, que acontece em parceria com a Rede Telecine, responsável por exibir os longas tanto em sua grade quanto em sua plataforma de streaming até o próximo dia 31, “Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta” (Dorogie tovarishchi – 2020, Rússia) chega aos cinemas do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Brasília nesta quinta-feira, dia 29, para apresentar uma história real e pouco conhecida do grande público, a do massacre de Novocherkassk, na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em junho de 1962.

Com direção de Andrey Konchalovskiy, “Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta” apresenta ao público a revolta de trabalhadores numa fábrica local que originou o massacre por meio de Lyudmila Danilovna Semina (Yuliya Vysotskaya), executiva do Partido Comunista e defensora de Josef Stalin, que se opõe com veemência a quaisquer pessoas que critiquem o sistema, inclusive sua própria filha, desaparecida após a manifestação. Desesperada devido à falta de notícias, Lyudmila decide se arriscar para localizar a filha, mesmo sabendo do risco representado por sua busca, assombrada pelo remorso de ter apoiado o governo que executou seu próprio povo.

“Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta” chama a atenção não apenas pelo roteiro bem estruturado, mas pelo emprego da técnica, sobretudo na fotografia preto e branco que remete às produções cinematográficas soviéticas realizadas no período retratado neste longa repleto de tensão, que tem sua protagonista como grande alicerce. Esposa de Andrey Konchalovskiy na vida real, Yuliya Vysotskaya oferece ao público um trabalho impecável que passeia com propriedade entre a lealdade à sua ideologia política, principalmente à figura de Stalin, morto em 1953, e seu instinto materno, que a coloca na posição de protetora da filha opositora ao Partido Comunista.

Representante da Rússia na corrida por uma vaga entre os finalistas de melhor filme internacional do Oscar 2021, “Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta” é um filme sobre o choque de realidade imposto pela violência do Estado pelo qual a protagonista sempre lutou sem questionamentos. Neste contexto, a produção se torna angustiante à medida que contrapõe ideologia e laços familiares, expondo as fragilidades de uma mulher, que sempre aparentou ser uma fortaleza, ao destruir a imagem de mundo perfeito até então nutrida por sua devoção ao Partido Comunista devido aos conflitos internos guiados pelo medo da perda da filha.

03/08/21

O Esquadrão Suicida (The Suicide Squad), 2021, James Gunn

O Esquadrão Suicida (2021): James Gunn sem amarras

Por Thiago Siqueira

“O Esquadrão Suicida” caminha na fina linha entre o ridículo e o assombroso com uma segurança única, com James Gunn entregando seu filme mais absurdo até o momento, triunfando nesta continuação cuja realização parecia ser uma missão... bem, “suicida”.

E impossível negar que “O Esquadrão Suicida” é um filme de James Gunn, justamente por se tratar de uma obra anárquica, divertida e surpreendentemente tocante, conjunto de adjetivos que se tornou sinônimo do diretor, mesmo em suas obras mais abertas a todos os públicos, como os filmes da franquia “Guardiões da Galáxia”.

Após uma série de circunstâncias no mínimo improváveis o colocarem no comando dessa continuação/soft reboot de “Esquadrão Suicida” (David Ayer, 2016), filme destroçado pela crítica, mas abraçado pelas bilheterias, Gunn recebeu carta branca da Warner para fazer o que lhe desse na telha com o grupo de vilões e anti-heróis da DC Comics, como roteirista e diretor desta produção, o que lhe deu acesso a uma estranhíssima caixa de brinquedos que o cineasta tratou de deixar ainda mais bizarra.

A premissa do Esquadrão Suicida continua a mesma, sendo o longa bem didático ao apresentá-la para pessoas que não conhecem a equipe. A implacável Amanda Waller (Viola Davis) escolhe dentro da prisão de Belle Reve os mais “adequados” vilões do Universo DC para uma série de missões de altíssimo risco em nome do governo EUA em troca de redução de pena, com esses criminosos sendo supervisionados em campo pelo Coronel Rick Flagg (Joel Kinnaman). O objetivo agora é destruir um tal projeto Estrela-do-Mar, que caiu nas mãos de uma junta militar que deu um golpe de estado em uma ilhota na América Central chamada Cub… quer dizer, Corto Maltese.

Voltam à equipe “detentos” como a popular e alegre psicopata Arlequina (Margot Robbie) e o malandro Capitão Bumerangue (Jai Courtney), com o grupo ganhando ainda reforços bem ecléticos, tais quais o estoico mercenário Sanguinário (Idris Elba), a ingênua Caça-Ratos 2 (Daniella Melchior), o sociopata patriótico Pacificador (John Cena), o enigmático e pessimista Bolinha (David Dastmalchian) e Tubarão-Rei (voz de Sylvester Stallone), um tubarão antropomórfico cuja sede de sangue só é superada por sua pouca inteligência, além do sempre preciso Sábio (o ator-fetiche de Gunn, Michael Rooker), o estranho O.C.D. (Nathan Fillion), uma bizarra Doninha gigante, dentre outros menos cotados – o filme raspa o tacho dos catálogos mais obscuros da DC Comics.

Trazendo uma óbvia influência de longas como “Os Doze Condenados” (Robert Aldrich, 1967), “A Cruz de Ferro” (Sam Peckinpah, 1977) e “O Resgate do Soldado Ryan” (Steven Spielberg, 1998), Gunn compõe um verdadeiro desfile de violência e sangue, mas também aproveita o tempo para desenvolver esse excêntrico plantel e as relações entre eles, nos oferecendo até insights sobre seus traumas e como eles enxergam o mundo, e dando a eles diferentes tons de sombras – especialmente por quase todos eles serem, bem, vilões...

05/08/21

Os Espiões (Spione), 1928, Fritz Lang

No iutubi 

Art Department: Glenn Cravath, Edgar G. Ulmer

Writing Credits: Thea von Harbou (novel), Fritz Lang e Thea von Harbou

 OS ESPIÕES

Fritz Lang, Spione, Alemanha, 1928

 O Testamento do Dr. Mabuse

Por que Os Espiões permite a impressão de ser ao mesmo tempo a crítica impiedosa de Metropolis e um delineamento de muito do que Lang obteria com M – O Vampiro de Düsseldorf; de ser uma peça fundamental para a compreensão tanto dos Mabuse de 22 quanto das dificuldades que Lang encontrou em todos os seus filmes anteriores ao sonoro? Difícil sair com uma resposta de qualquer tipo, uma vez que o filme não parece respondê-las fácil ou simplesmente. De um lado Os Espiões de fato abraça a miríade de territórios e questões – do social ao geopolítico, do estético ao ensaístico – que fazem a fortuna de Lang nas suas maiores obras-primas, como M, Os Corruptos e o dístico O Tigre de Bengala/O Sepulcro Indiano; do outro é difícil notar o mesmo tipo de desenvolvimento intenso destes "parques" ou o tipo de inacreditável facilidade que Lang parece ter em envolver tudo aquilo que lhe é fecundo e produtivo numa única e enorme teia de relações. Mas por que ele deveria já ter essa facilidade aqui? Afinal de contas Os Espiões é um rascunho brilhante (ênfase aqui em "brilhante"), de imediato o adiantamento e a subseqüente lapidação de um olhar intransferível.

Uma vez que Lang não apenas é um monstro rigoroso mas também e igualmente um espírito astuto, lhe interessa muito em Os Espiões – precisamente para finalidades de avanço – aquilo que o material desenvolvido por ele e Thea Von Harbou apresenta de crítica aos seus trabalhos anteriores. Pois para a sua própria fortuna criativa Lang havia descoberto com Metropolis uma maneira de utilizar os movimentos de uma cidade para desenvolver e desempenhar diversas modalidades do metacinema, sempre comparando os percursos de sua arte com o estudo das ações (isto é, a cena) e a subseqüente circulação de informações (a representação desta cena, o 'pôr em cena') que preenchem tanto o funcionamento quanto a existência de uma "polis" (o filme em sua totalidade, não mais apenas o agrupamento de alguns vértices e alicerces mas uma estrutura tornada completa, essencial e inescapável). O que essencialmente falta em Metropolis – e o que ajuda a tornar problemáticas as glórias constantemente dedicadas ao filme – é curiosamente algum tipo de método que subvencione a criação deste sistema. Em outras palavras, se existe algo de encantador e interessante no filme é o fato de estarmos nos deparando menos com o ponto de vista firme de um indivíduo (não estamos ainda em 56 ou 57 para falarmos de No Silêncio de uma Cidade e Suplício de uma Alma) que com um olhar no seu estado embrionário, se formando pouco a pouco, cuidadosa e lentamente se cristalizando perante nossos olhos. O charme de Metropolis – e tendo em vista o restante da obra de Lang, trata-se mais de charme que de interesse – é esta crueza, este lado um tanto rude de um arsenal fantástico de formas à procura de um mestre-arquiteto.

Do essencialismo

Nada sequer remotamente semelhante aos problemas de Metropolis em Os Espiões: aquilo que em outros filmes dava vazão ao esotérico ou decorativo encontra aqui uma exposição muito mais acertada, coerente e justa. O início do filme é um grande exemplo deste mergulho em direção àquilo que apenas e tão-somente importa: em alguns poucos planos, na maioria closes ou planos médios (o que mostra como os tão festejados planos abertos d'Os Nibelungos e de Metropolis não são os que melhor servem à técnica do diretor), Lang dispõe todas as informações necessárias para compor o entrecho de seu filme e dar início aos procedimentos de narração (introdução dos personagens principais, dos ambientes ocupados por esses personagens e onde grandes partes do filme serão situadas etc.). Neste filme em que a informação é o mais valioso de todos os bens, o próprio Lang é quem mais tem cuidado em não desperdiçá-la. Este será o momento – independente deste momento ser Os Espiões, Trágica Obsessão, A Mulher de Todos ou Laura – de surgimento do grande cineasta.

Isso se chama a aurora, e é assim que em Os Espiões Lang se desfaz de tudo aquilo que facilmente o tiraria de seu percurso, precisamente para se concentrar no mais complexo e irresolúvel de todos os problemas já postos aos cineastas de todo o mundo e todos os tempos: os enviesamentos de um rosto, a incapacidade em se dar conta de um semblante, de uma figura, de uma máscara. Seu trabalho – o de manter uma máscara para desmontar outra, para demonstrar outra – só se torna plenamente possível uma vez que todo seu esforço vá direta e exclusivamente nas expressões, nos gestos, nos movimentos, nas hesitações, no fulgor... enfim, em toda a sorte de instrumentos que externam algo de seus envoltórios, de seus proprietários. É o que o cenário da cidade faz por Lang (cidade criada por ele mas que num momento posterior o envolve: seja pelo filme que tem que fazer nela, seja por todas as passagens que precisa realizar por ela) e o que as tramas rocambolescas fazem por Haghi, Tremaine e Sonja (mesma operação aqui: são eles que criam as tramas e são eles os mais consumidos por elas, Haghi ironicamente sendo o mais atingido por este fenômeno).

Morte do expressionismo

É aqui, em Lang, que vem ao mundo toda uma idéia de cinema: de Losey a De Palma, de Preminger a Godard, passando por Hellman e Bava, Argento e Chabrol, Rivette e Welles. O que está em jogo aqui é nada menos que um absurdo jogo de máscaras e bifurcações, uma enorme peça que ao final aniquilará justamente a si mesma. O trabalho de Lang é menos o daquele que acende o pavio que daquele que assiste ao percurso da chama: as falhas, os excessos, os pontos de nós, as fagulhas, nada nos é poupado. Nenhum adiantamento, nenhuma precipitação: aqui, a arte apenas espera, uma vez que as coisas já estão dispostas de forma a não se traírem, não se deformarem por uma fraqueza ou pela impaciência de um criador onisciente (coisa que Lang, aliás, jamais foi). Poucas vezes a idéia de arte enquanto processo encontrou uma expressão tão forte, tão impressionante quanto em tudo aquilo que Os Espiões tornou possível para Lang (o restante de sua obra, a saber). O pulo do gato e o sinal de um cinema do futuro (já passado), de um horizonte que não só o cineasta alemão poderá vislumbrar como toda uma (futura) geração de realizadores: há todo um cinema a se fazer depois de M e O Testamento do Dr. Mabuse, e demorará uns bons 30 anos para que esse cinema comece a ser feito. "Ele nos lembra que um cineasta é antes de tudo alguém que está adiante das coisas", disse Jean-Luc Godard a respeito de Renoir. Ironicamente, foi Lang quem refilmou dois filmes de Renoir e nunca o oposto. Estranhos os percursos desta arte...

É necessário acabar de uma vez por todas com Mabuse. Fantasma em O Testamento..., espectro televisual em Os Mil Olhos..., ele é a presença mais sorrateira, a mais enganadora de todas em Os Espiões. Mabuse não é Haghi, pois afinal de contas não temos o personagem de Mabuse em Os Espiões; mas Haghi é a máscara de Mabuse, a encarnação final de todas as encarnações, todas as nuances, cuidados, maneirismos, exageros e pequenos orgulhos do mestre-enganador. Nada mais verossímil que matar o signo Mabuse não através do personagem Mabuse mas sim através de sua máscara, de sua maior performance mabuseana. É a morte de Mabuse que catapultará o surgimento do Fritz Lang dos filmes norte-americanos, do artista maduro que ao final de sua carreira realizará Moonfleet, Suplício de uma Alma e O Tigre de Bengala, e de lambuja da obra que provocará e possibilitará cineastas a realizarem filmes como Encontro Com a Morte, La Bande des Quatre, O Signo do Caos, Missão: Impossível, Agente Triplo, Modesty Blaise, Grilhões do Passado. O coup de théâtre final não deixa nenhuma dúvida quanto a isso: é aqui que, através do assassinato do signo Mabuse, Lang finalmente se resolve com a questão (esgotada e ilegítima) do expressionismo.

Morte do expressionismo = Essencialismo

A verdade de uma máscara jamais é o seu excesso; uma máscara nada mais é que uma máscara. Quanto à ausência da máscara, esta não é jamais a verdade nem a mentira de um corpo mas sim sua contradição, seu tormento – um corpo sem máscara é aquele que à busca de uma acaba invariavelmente passando por todas. Nada mais cinematograficamente verdadeiro portanto que o final de Os Espiões, a resposta sensata de Lang aos que insistem em rótulos (como "expressionista", "cruel") e facilidades (como "alemão" ou "norte-americano"): a máscara do palhaço como a verdade do arqui-criminoso de mil faces. Na pequena performance que realiza no placo, diante de uma enorme platéia, aquele que antes era um mastermind criminal apenas repete as ações mais básicas de um show grosseiro. Tendo em vista a completa debilidade de seus gestos e suas ações, o performer aqui nada faz senão chamar atenção para si próprio (ele está no palco de um teatro, e alguma coisa precisa ser feita para o agrado da platéia – mas ele se encontra na boa e velha situação Langiana de não poder escapar, uma vez que a polícia empreende por causa de seus atos criminosos uma caçada pelo teatro). No completo impasse em que Haghi se encontra – entre se ocultar por trás da máscara de palhaço para despistar alguns e fazer de si mesmo um grande show para agradar outros – está talvez a maior auto-crítica já feita por Lang de seu próprio cinema (e conseqüentemente da própria arte). Haghi acaba tendo nenhuma escolha senão o suicídio, algo que ele incorpora ao processo de sua performance de palhaço. Essa morte – a de Haghi, que talvez também seja a do expressionismo – não deixa também de ser uma possível verdade sobre Lang, Os Espiões e tudo aquilo que se seguirá na obra do diretor.

Bruno Andrade

Crítica | Os Espiões (1928)

Por Fernando Campos

Um elegante espião tentando realizar seu dever patriótico, um vilão com pretensões globais e uma bela garota apaixonada que muda de lado para ajudar o herói. Poderia ser a sinopse de qualquer filme de James Bond, mas trata-se de Os Espiões, filme do lendário diretor alemão Fritz Lang. Apesar de não ter inaugurado o gênero, que só se tornaria realmente popular na década de 60 com o 007 protagonizado por Sean Connery, a obra foi uma das primeiras a apresentar o arquétipo do espião no cinema. Baseado no livro Spies de Thea Von Harbou, que também escreveu Metropolis, aqui o protagonista também é chamado por número, sendo o agente 326.

No filme, o agente 326 (Willy Fritsch), cujo o nome jamais é revelado, passa a investigar os responsáveis pelo desaparecimento de um importante documento. As pistas levam até Haghi (Rudolf Klein-Rogge), que usa um disfarce de banqueiro para comandar uma ampla rede criminosa. Para nautralizar o agente, o vilão convoca a espiã Sonya (Gerda Maurus), que começa a se apaixonar por seu alvo em meio a missão. (...)


07/08/21

O Beijo Diante do Espelho (1933), The Kiss Before the Mirror, James Whale

No iutubi 

Sobre Gloria Stuart (1910–2010) 

Quando um advogado que defende seu melhor amigo pelo assassinato de sua esposa infiel descobre como o acusado descobriu que sua esposa estava apaixonada por outro homem, o advogado começa a ver os mesmos padrões no comportamento de sua própria esposa e suspeita que ela também esteja sendo infiel. Prometendo ao amigo que uma defesa de insanidade momentânea o absolverá, ele também promete matar sua própria esposa se a defesa realmente funcionar.


06/08/21

O Homem que Luta Só (Ride Lonesome), 1959, Budd Boetticher

No iutubi 

Ben Brigade (Randolph Scott), caçador de recompensas, captura o valioso pistoleiro Billy John (James Best) e segue para Santa Cruz, onde o entregará às autoridades e receberá o prêmio. No caminho Brigade agrega uma mulher (Karen Steele) e mais dois traiçoeiros bandidos ao grupo, tenta defender-se dos constantes ataques indígenas e é perseguido pelo irmão de Billy, Frank (Lee Van Cleef).

07/08/21

Jogo do Poder (Adults in the Room), 2019, Costa-Gavras

Costa-Gavras recria crise econômica da Grécia no filme 'Jogo do poder': 'O sistema é seguido cegamente'

Aos 88 anos, diretor consagrado por sua obra de alto teor político retrata, na ficção, os bastidores do drama grego em uma Europa ‘obcecada por números’

Carlos Helí de Almeida, especial para O GLOBO, 11/08/2021

Quase uma década depois de “O capital” (2012), drama sobre o impacto da especulação econômica na vida doméstica de um executivo, Konstantinos Gavras, mais conhecido como Costa-Gavras, cineasta grego naturalizado francês, retorna ao terreno do cinema político com “Jogo do poder”. O filme, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, recria os bastidores das negociações do pagamento da bilionária dívida externa da Grécia, em 2015, que acabou atirando o país numa crise econômica sem precedentes. A trama é inspirada no livro “Adultos na sala: Minha batalha contra o establishment”, do então ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, interpretado por Christos Loulis.

Costa-Gavras durante as filmagens

Varoufakis havia sido conduzido ao cargo no início daquele ano pelo governo de esquerda do recém-eleito primeiro-ministro Aléxis Tsípras (Alexandros Bourdoumis) e pediu demissão meses depois, vencido pela pressão do Eurogrupo, entidade que reúne autoridades europeias da mesma pasta. Varoufakis acreditava que a Grécia viveria um ciclo de destruição do poder aquisitivo da população caso as políticas de austeridade fiscal não fossem revistas, o que acabou acontecendo.

— É um filme sobre uma Europa desconectada dos aspectos humanos, políticos e culturais da economia, obcecada por números — diz o diretor, autor do clássico “Z” (1968), que se mantém combativo aos 88 anos.

O senhor conhecia Varoufakis pessoalmente?

Não. Fiz contato com ele logo após sua saída do governo, em 2015. Disse que havia encontrado no caso uma história que precisava ser contada em filme. Só no primeiro encontro com Varoufakis é que soube que ele estava escrevendo um livro sobre os bastidores da negociação com o Eurogroup, que resultou no seu pedido de demissão. Tive acesso a cada capítulo que escrevia e, a partir daí, comecei a escrever o roteiro de “Jogo do poder”. Foi um longo processo. Mas eu estava decidido a fazer um filme sobre a indiferença dos políticos e banqueiros europeus diante do drama do povo grego.

Qual foi sua reação ao ouvir as gravações das reuniões a portas fechadas?

Achei bizarro. Eram pessoas falando horas a fio apenas sobre dinheiro e bancos. Eram discussões sobre gráficos, cifras, números e não sobre pessoas. Atrás daquela situação toda estava o destino de um país inteiro, e eu sabia o quanto o povo grego estava sofrendo com a crise porque acompanhava tudo nos noticiários, e também estive na Grécia em algumas ocasiões nesse meio tempo. O país acumulava uma dívida que todos sabiam ser impossível de ser paga, mas toda a Europa, por intermédio de seus executivos da área econômica, fazia pressão para que ela fosse paga. O resultado foi perda de renda da população e um enorme êxodo.

Os diálogos do filme se apoiam em números e gráficos. Chegou a temer que pudesse aborrecer o espectador?

Tentei não falar muito em números e cifras, mas a dívida da Grécia era tão grande e insuportável que seria importante dimensionar esse tamanho de alguma forma, sem ser muito técnico. Há uma cena em que os políticos e executivos se encontram no Banco Central Europeu e, depois de algum tempo, fazem piadas sobre números. “Bilhão? Ninguém sabe quanto é um bilhão!” Fiz um esforço para mostrar como aqueles números com os quais eles lidam friamente afetam nossas vidas. Como dizem os franceses, “o diabo está nos detalhes”.

Varoufakis fazia parte do governo de esquerda que se elegera com a promessa de fazer uma revisão da austeridade fiscal. O senhor acha que jogam muita esperança na esquerda?

O que é esquerda? (sorrindo). Esquerda não é o nome de uma pessoa, ou um herói. É uma ideia, uma filosofia. Assim como a direita também o é. Ambos prometem muitas coisas que não conseguem cumprir. Às vezes, prometem coisas impossíveis, ou dão tantas voltas para justificar seus atos que acabam fazendo exatamente o oposto. Mas acredito que temos responsabilidade nessa situação. Votamos nas pessoas erradas porque elas nos cantam canções que queremos ouvir. É a bizarra relação entre nós e a democracia.

Em tempo

Costa-Gavras e os bastidores da crise na Grécia

Jogo do Poder por Yanis Varoufakis 

08/08/21

O Irresistível Forasteiro (The Sheepman), 1958, George Marshall

No iutubi 

O Irresistível Forasteiro é um faroeste que transcorre na época da conquista dos territórios do oeste dos Estados Unidos. Dirigido por George Marshall, o filme mostra como os donos do gado perseguiam e matavam os pastores que se atrevessem a invadir seus amplos territórios. Glenn Ford interpreta Jason Sweet, um fazendeiro duro de roer, e Shirley MacLaine é Dell Payton, uma jovem de fronteira, astuta e eficiente que se transformará na pedra da discórdia entre Jason Sweet e Bedford, o “rei do gado” interpretado por Leslie Nielsen. A confusão só é resolvida quando ambos finalmente resolvem se enfrentar cara a cara.

10/08/21

Os sinos de Santa Maria (The Bells of St. Mary's), 1945, Leo McCarey

No iutubi 

Os Sinos de Santa Maria / The Bell’s of St. Mary’s

Os Sinos de Santa Maria, que Leo McCarey lançou em 1945, é provavelmente o mais capriano dos filmes que Frank Capra não dirigiu. Foi feito em glorioso preto-e-branco, mas é totalmente cor-de-rosa. Nele as pessoas são boas e o bem prevalece. É como o mundo deveria ser. É uma utopia, um conto de fadas, uma cantiga natalina.

É uma delícia.

Os guias, os livros se referem a Os Sinos de Santa Maria como a continuação de O Bom Pastor/Going My Way, lançado um ano antes. Não é exatamente uma continuação: é uma segunda história com o personagem central, o padre O’Malley, interpretado – com graça, com imensa simpatia –  por Bing Crosby.

Não há referências ao primeiro filme, e o espectador não precisa ter visto O Bom Pastor para ver Os Sinos de Santa Maria. São histórias absolutamente independentes uma da outra.

Em O Bom Pastor, o jovem padre O’Malley chega a uma nova paróquia, a St. Dominic’s para auxiliar o veterano padre Fitzgibbon (interpretado pelo ótimo Barry Fitzgerald, o inesquecível Michaleen Flynn de Depois do Vendaval/The Quiet Man). A princípio, é claro, os dois não se dão bem. A igreja também não anda nada bem: nos últimos tempos, perdeu muitos fiéis, e acumulou dívidas altíssimas.

Antes de se decidir pelo sacerdócio, O’Malley tinha tido uma vida cheia de aventuras, de boas experiências. Esse seu conhecimento do comportamento humano o ajuda a lidar com as situações; ele atrai para a igreja um bando de garotos prestes a se tornarem marginais, e cria com eles um coral...

11/08/21

Depois a Louca Sou Eu, 2019, Julia Rezende

Crítica | Depois a Louca Sou Eu (2019), Crystal Ribeiro

Para a maioria das pessoas, jantar com os amigos, viajar para a praia ou pegar um transporte público são atividades que demandam pouco ou quase nenhum esforço. Porém, para quem sofre de ansiedade e síndrome do pânico, fazer qualquer uma dessas coisas pode ser uma luta descomunal entre a vontade e o medo, quando só a perspectiva de que algo possa dar errado já é suficiente para paralisar totalmente. Mas, pior do que as múltiplas tentativas de viver sem todas essas paranoias, talvez só a frustração de tentar explicar para o mundo que não “é só relaxar que passa” nem que “é fácil ter autocontrole”. O buraco dos transtornos mentais é bem mais embaixo.

É por isso que Depois a Louca Sou Eu faz o público enxergar situações simples através do olhar de uma pessoa que sofre diariamente com crises de ansiedade: para buscar nele empatia para uma doença que não tem nada de frescura. Ainda que, em certos momentos, o exagero consiga produzir situações cômicas e bem divertidas de assistir, ele também deixa claro como essa condição pode ser angustiante, limitante e até incapacitante. Na vida real, não existe nada de engraçado em deixar de fazer algo por conta de ansiedade e é importante que a gente entenda e saiba acolher pessoas como Dani, a protagonista do filme.

Baseado no romance autobiográfico e homônimo de Tati Bernardi, Depois a Louca Sou Eu conta a história de uma mulher tentando lidar com a falta de autonomia que sua doença lhe causa. Desde criança, Dani (Débora Falabella) sofre com sintomas cada vez mais intensos de uma ansiedade que a paralisa ao ponto de impedi-la de ser “uma adulta séria”. Ao mesmo tempo em que tenta encarar seus problemas de frente, sua mãe (Yara de Novaes), de quem não consegue se desapegar, oscila entre a vontade de ver a filha feliz e o medo de que ela sofra ainda mais, construindo entre as duas uma relação um tanto negativa...


12/08/21

Quem foi Jesse James (The True Story of Jesse James), 1957, Nicholas Ray

No iutubi 

QUEM FOI JESSE JAMES (1957), The true story of Jesse James

Em 7 de setembro de 1876, quando Jesse James e sua gangue tentam roubar um Banco em Northfield, Minnesota, eles se dão mal e são perseguidos por policiais em todo o território, resultando em muitos mortos, feridos e capturados. Os irmãos Jesse e Frank James, no entanto, conseguem escapar e cavalgar de volta ao lar, no Missouri.

Ao chegarem lá, sua mãe doente, a Sra. Samuel, culpa os Yankees de transformarem seus filhos em renegados. Ela relembra quando, anos antes, durante a Guerra Civil, o Missouri se juntou ao Norte: Frank, em lealdade à Confederação, alistou-se na guerrilha conhecida como Quantrill’s Raiders. Certo dia, os Jayhawkers, uma milícia de simpatizantes do Norte, chegou à fazenda em busca de Frank e, ao tentarem chicotear Jesse para saber seu paradeiro, ele decidiu se juntar ao irmão. No final da guerra, Jesse propôs casamento à Zee, a bela sobrinha do Major Cobb, com quem eles serviram, prevendo ter uma vida pacífica como fazendeiro.

Na noite em que Jesse e Zee foram batizados pelo Reverendo Jethro Bailey, os sonhos de paz foram destruídos quando os simpatizantes do Norte atacaram a fazenda da família e enforcaram Hughie, um grande amigo, advertindo que os irmãos James seriam os próximos. Indignados, Frank e James juntaram-se aos irmãos Younger e a outros companheiros confederados, propondo roubar um Banco Yankee. Essa vida ligada ao crime fez com que Zee decidisse voltar para casa a fim de morar com sua irmã Rowena Cobb.

Algum tempo depois, Jesse reapareceu para reivindicar a mão de Zee em casamento. Assumindo a identidade de Tom Howard, um respeitável empresário, ele alugou uma casa para ele e Zee. A felicidade da jovem, no entanto, acabou quando ele decidiu sair para realizar mais um trabalho sujo.

Jesse, Frank e Tucker, um dos últimos membros da gangue, se refugiam nas colinas. Jesse, que culpa Tucker por não ter cortado os fios do telégrafo a tempo, permitindo que a notícia do roubo fosse transmitida para todo o território, determina que ele seja morto. Quando Frank se opõe à ideia, Jesse o acusa de traição, e Frank responde que sua sorte ficou ruim quando seu ambicioso irmão insistiu em atacar estradas de ferro.

Voltando ao passado, Frank relembra o que ocorreu depois de um assalto: Bill Ryan tornou-se o primeiro membro da gangue a ser preso. Após seu julgamento, Jesse, Zee, Frank e sua esposa Anne embarcaram em um trem para visitar a mãe dos meninos. Na estação, o advogado Walker, que conhecia Jesse apenas como Howard, os apresentou a Barney Remington. Quando Frank defendeu as ações dos irmãos James, Walker explicou que os irmãos deram voz ao desespero silencioso da população oprimida de Missouri.

Quando o trem parou ao longo do caminho, os irmãos viram Remington e Walker partirem em direção à casa de sua mãe, percebendo que eles pretendiam atacar a fazenda. Tal fato fez com que eles, ao se dirigirem para a fazenda, observassem com horror quando as forças da lei, encorajadas por um fazendeiro vizinho, lançaram uma bomba contra a casa, ferindo sua mãe e matando o pequeno Archie, seu meio-irmão.

Os dois decidiram, então, roubar um Banco em Northfield, a quatrocentos quilômetros de casa, em território desconhecido. À medida que se aproximaram de Northfield, Frank sentiu que algo estava errado e pediu a Jesse para cancelar seus planos, mas Jesse se recusou a fazê-lo. Fora da cidade, Jesse entregou seu relógio a Tucker e o instruiu a cortar os fios do telégrafo exatamente às 2:30 horas. Uma vez dentro do Banco, Jesse ordenou que o Caixa abrisse o cofre, enquanto na rua um tenso Cole Younger disparava contra um espectador incontrolável, soando o alarme. No tiroteio que se seguiu, grande parte da gangue foi abatida, mas Tucker, Frank e Jesse conseguiram escapar.

De volta ao presente, Frank declara que Northfield é o fim da estrada, enquanto Jesse culpa Tucker pela situação. Depois que os irmãos discutem, Frank anuncia que vai seguir seu caminho sozinho. Quando Tucker aponta seu rifle para Jesse, este dispara e foge. Alertado pelo barulho do tiro, um grupo de homens chega ao local e, encontrando o relógio de Jesse no corpo de Tucker, espalha a notícia da morte do famoso fora da lei. Em sua casa alugada, Zee se prepara para reivindicar o corpo de seu marido quando Jesse tropeça na porta e cai.

Depois que Frank e Jesse se reconciliam, Jesse finalmente admite que Northfield foi um erro. Zee ainda se apega ao sonho de ser uma simples esposa de fazendeiro, e Frank se oferece para lhes emprestar o dinheiro para comprarem uma pequena fazenda. Depois que Frank sai para se encontrar com sua mãe, Zee e Jesse embalam seus pertences, ansiosos por uma vida nova.

Em um gesto de paz, Jesse entrega suas armas aos membros da gangue, Charley e Robby Ford. Quando Jesse vira as costas, Robby dispara contra ele, com sua própria arma, e corre para a rua, vangloriando-se de ter acabado de matar Jesse James. À medida que as pessoas da cidade se dirigem para a casa de James, Frank e sua mãe também chegam lá. Enquanto ele consola Zee, um menestrel canta em homenagem ao morto.

Comentários

Realizado pelo cineasta Nicholas Ray, a partir de um roteiro escrito por Walter Newman, “Quem foi Jesse James” é um faroeste norte-americano produzido pela Twentieth Century-Fox Film Corporation em 1957. Sua trama, baseada em sua biografia, é uma nova versão do filme “Jesse James – Lenda de uma era sem lei”, de 1939, com Tyrone Power, Henry Fonda e Nancy Kelly.

A direção de Nicholas Ray se mostra apenas razoável, pecando principalmente pelo ritmo por ele imposto à narrativa. Ao contrário da versão anterior, com uma narrativa linear, esta é contada através de vários flashbacks.

No elenco, com boas atuações, destacam-se Jeffrey Hunter, Agnes Moorehead e Alan Hale Jr.

13/08/21

A Carta (The Letter), 1940, William Wyler

No iutubi 

Quadragésimo terceiro filme de Bette Davis; assinalou seus dez anos da cinema, e é um dos seus poucos bons veículos. O melodrama de Somerset Maugham (geralmente tido como baseado num incidente real) foi um sucesso na Broadway para Katharine Cornell e filmado - memoravelmente - em 1929 com Jeanne Eagels. https://www.imdb.com/title/tt0020092/?ref_=nmawd_awd_1 (Os abençoados cujos pais gostavam de cinema talvez ainda retenham imagens da corrupta beleza de Eagels, e de sua frenética grande cena quando a heroina se confessa ao marido.) A figura central é a esposa de um dono de seringal - uma mulher tão inatacável respeitalidade que pode descarregar um revolver no amante e ficar por isso mesmo (nos tribunais, pelo menos, porque em Cingapura a classe branca dominante devia manter-se unida). Davis interpreta o que é talvez o melhor estudo sobre a hipocrisiansexual feminina da história do cinema. Fria e correta, ela ainda assim consegue passar a paixão de uma mulher que mataria um homem por tentar abandona-la. Tem a ajuda de um excelente roteiro (de Howard Koch) e de duas atuações extraordináriamente forte - James Stephenson como seu advogado e Herbert Marshall como seu marido. O elenco também inclui duas mulheres formidáveis - Frieda Inescort, que parece inefavelmente absurda com a esposa do advogado, e Gale Sondergaard, cuja atuação como eurasiana foi levada a sério por muita gente, que pensou que ela fosse eurasiana mesmo. (Pauline Kael. 1994. 1001 noites no cinema, p. 91, Companhia das Letras)

The Letter - The Film 1929 no iutubi


Sobre Jeanne Eagels (1890 - 1929), "I'm the greatest actress in the world and the greatest failure. And nobody gives a damn." Sou a melhor atriz do mundo e o maior fracasso. E ninguém dá a mínima.

Herbert Marshall (1890–1966) no filme de 1929 faz Geoffrey Hammond, o amante. No filme de 1940 faz Robert Crosbie, o marido traído.


Cena com Jeanne Eagels citada por Pauline Kael

Em tempo: o moralismo de roliudi na década de 1940. No filme de 1940 a esposa de Geoffrey Hammond vinga o amante assassinado. Na versão de 1929, não. 


14/08/21

Casamento Proibido (You and Me), 1938, Fritz Lang

No iutubi 

 Sylvia Sidney (1910–1999) 

CASAMENTO PROIBIDO (You and Me)

Ao que parece, há quase uma unanimidade entre a crítica ao dizer que CASAMENTO PROIBIDO (1938) é um dos filmes menos importantes de Fritz Lang. O crítico Lewis Jacob disse que era o menos importante, mesmo vendo-o como relevante no sentido de ajudar a quebrar certas fórmulas hollywoodianas. E acho isso muito curioso, pois eu achei o filme uma delícia, por mais que pareça desequilibrado na utilização do humor.

O filme é a terceira e última parceria de Lang com a atriz Sylvia Sidney, que esteve com ele em FÚRIA (1936) e em VIVE-SE UMA SÓ VEZ (1937), dois trabalhos muito mais próximos da tensão e da tragédia, enquanto que CASAMENTO PROIBIDO é uma comédia romântica leve, ainda que também trate com seriedade o assunto que já havia sido tratado no título anterior, que é o posicionamento da sociedade diante de ex-presidiários.

Sylvia Sidney

A trama pode ser até um pouco inverossímil, mas não me importo: um dono de uma loja de departamentos contrata um grande número de ex-presidiários, pessoas que ainda estão em liberdade condicional. Ele acredita que, mais do que doar dinheiro, o melhor meio de ajudar essas pessoas é oferecê-las um emprego, algo muito difícil numa sociedade que costuma maltratar e estigmatizar essas pessoas. É um tipo de empregador que, se existir, não deve ser nos Estados Unidos.

Um homem e uma mulher que trabalham na mesma loja de departamentos se apaixonam. O contato entre eles na loja já passa um tipo de carinho e sentimento muito bonito na cena em que eles se cruzam em um escada rolante e tocam a mão do outro. Logo ficamos sabendo que ele, Joe (George Raft), está mudando de cidade. Ela, Helen (Sylvia Sidney), sabe que ele já cumpriu pena, mas mesmo assim gosta dele. Não demora muito para que aquela tensão de um amor não contado exploda e os dois acabem se casando. Mas a confusão vem do fato de que ela esconde algo dele...

Sylvia Sidney está sensacional em uma cena em que dá uma aula de lucro/prejuízo a um grupo de gângsteres que desejava assaltar a loja. A cena é talvez o ponto alto da atriz dentro dessa trilogia de Lang, fugindo da figura de mulher carinhosa e um tanto chorona que permeava os trabalhos anteriores. Aqui vemos a jovem mulher dando uma lição nos marmanjos, depois de eles serem pegos em flagrante. Em muitas partes da cena é fácil nos pegarmos com um sorriso no rosto. E isso é muito bom, por mais que Lang pareça falhar ou ao menos deixar passar uma certa estranheza em uma cena que deveria mesmo ser hilária. É o caso da cena dos gângsteres falando do quanto sentem saudades dos tempos da prisão. Essa estranheza tem o seu charme. Até parece Lang tirando de seus filmes anteriores...


15/08/21

O Último Duelo (The Cimarron Kid), 1952, Budd Boetticher

No iutubi 

Crítica | O Último Duelo

Por Luiz Santiago 

O Último Duelo foi o terceiro western que Budd Boetticher dirigiu, sendo os dois primeiros O Chicote Fatal e Caçadores de Lobos, ambos de 1949. O cineasta estreara na direção em meados dos anos 40, e, por ocasião de O Último Duelo, não só tinha uma boa experiência atrás das câmeras como também um estilo próprio de narrar histórias, abordando, no caso do presente gênero, a vingança e o lado pessoal um pouco atormentado (mas dissimulado) dos personagens masculinos, elementos que seriam base para a sua heptalogia de faroestes com Randolph Scott, iniciada em 1957 no longa O Resgate do Bandoleiro.

Audie Murphy vive o protagonista de O Último Duelo (Bill Doolin / Cimarron Kid) e inicia o filme recebendo sua liberdade condicional e conselhos para que se comporte. Em pouco minutos de projeção, fica claro que sua prisão não fora necessariamente um ato de justiça e essa sensação fica cada vez mais forte à medida que outros personagens aparecem em cena.

Kid é uma espécie de azarado que sempre aparece no lugar e hora erradas, uma recorrência que definirá o seu caminho de fora-da-lei ao lado de alguns amigos, bandoleiros procurados pela polícia de várias cidades. O roteiro do filme segue a trilha do bando, acompanha alguns de seus assaltos – os frustrados e os bem sucedidos – e desenvolve o lado familiar/emotivo de alguns deles bem como sua relação de amizade.

A narrativa é bem estruturada e não falha antes do término da obra, quando se entrega à remissão vinda com o romance e pisoteia a maior parte do que fora construído no enredo até aquele momento. Mesmo que consideremos os vários exemplos e citações sobre a honestidade de um homem, o preço a ser pago por levar uma vida de criminoso e os sonhos inalcançáveis de uma vida de paz para qualquer homem do oeste que se via obrigado a ter uma “última missão” – linha comum dos westerns mais maduros da década de 1950 –, não é possível ver a finalização de O Último Duelo com bons olhos.

O filme, no entanto, alcança um resultado final definitivamente positivo porque seu desenvolvimento é livre de tons amenos e narrado quase como uma crônica sobre o desespero à qual temos acesso limitado. Os assaltos, as fugas e a caçada dos homens da lei ao bando recebem destaque episódico, cada um deles bem dirigido e, no caso das tomadas externas, com excelente uso do espaço geográfico a favor da história. No caso das internas, o destaque vai para a direção de arte e para a delicada fotografia.

Budd Boetticher faz um relato sobre homens marcados pelas ações criminosas que cometeram, um tom moral que pode incomodar o espectador se não for lido de forma crítica. A abordagem, no entanto, pode ganhar um tom de “busca” de algo externo e interno aos personagens, contendo aí as implicações existencialistas possíveis, todas elas mascaradas por uma rudeza típica do machismo imperante.

O diretor joga com o destino de seus personagens, priorizando o trágico e terminando na segunda chance, um ponto que não necessariamente foi a melhor escolha mas que pelo menos nos deixa o benefício da dúvida sobre a aceitação ou não do protagonista para aquela nova situação que se apresentava a ele. No final das contas, Kid tinha sim último duelo. Exatamente qual (contra os outros ou contra si mesmo?) é o que não sabemos.

16/08/21

Keoma, 1976, Enzo G. Castellari

No iutubi

Crítica | Keoma

Por Handerson Ornelas

“He can’t die. And you know why? Because he is free. A man who is free never dies.”

Filho de um grande fã de western, lembro de um dia em que meu pai assistia um filme de faroeste que chamou minha atenção. Lembro de estar ocupado com alguma coisa, mas algo me ligou de primeira no filme: a distinta trilha. A música tema parecia ser perfeita pra narrar aquele estranho personagem barbudo que sofria horrores, mas que parecia ser imortal. Perguntei meu pai que filme seria aquele e comentamos como a trilha sonora era incrível. Aquele seria Keoma, filme que um tempo depois resolvi tirar pra assistir com atenção.

O filme conta a história de um pistoleiro mestiço, Keoma (Franco Nero), que resolve voltar para a cidade onde cresceu. Lá ele encontra uma cidade bem diferente da que deixou anos atrás: devastada pela peste e sob o comando de um homem chamado Capitão Caldwell. Este forma a imagem do “grande chefe”, mas os reais nêmesis da trama são seus três empregados e meio-irmãos de Keoma, os quais nunca aceitaram o mestiço como irmão. A partir dalí, Keoma começa uma saga confrontando o passado e tentando tirar a cidade das mãos dos criminosos.

Keoma é um clássico do western, mas isso não significa que possui grandes inovações. Segue na linha de vários clichês do estilo sem fazer que isso se torne um problema para o ele. O personagem título é uma espécie de guia para o roteiro, Keoma vai conhecendo e lembrando a cidade e os personagens na mesma medida que nós vamos os conhecendo. Tudo acontece com seu tempo, sem se tornar repetitivo ou monótono. É por essa simplicidade de enredo que somos imersos na história, nos diálogos funcionais e no drama por trás de cada personagem. Quando o clímax e o famoso “bang “bang” chegam, já estamos dentro do filme e a atenção já foi tomada por completo. Enzo Castellari merece aplausos por sua direção que nos conduz com bastante cuidado por essa saga. Interessante como, dessa maneira, o filme entra naturalmente até mesmo em temas polêmicos – como o racismo – e os aborda de maneira excelente, sem parecer apelativo.

Importante ressaltar as referências bíblicas nítidas no filme. Keoma e seus irmãos se assemelham bastante com a história de José do Egito. Ambos os personagens possuem o favoritismo do pai, o que provoca então a inveja e o ódio por parte de seus irmãos. Maior que essa referência apenas a do próprio Jesus Cristo, já que Keoma é como um salvador para a cidade. Assim como Jesus, era invejado e odiado pelos mais poderosos da região (que temiam perder o poder), além de ser mal interpretado por vários que ele tentava ajudar. Note como a aparência do personagem faz questão de lembrar Cristo, além do final, onde é quase “crucificado” e a câmera dá um foco especial na cena.

A trilha sonora é uma grande cartada do filme e segue de muleta básica para o roteiro. É impossível comentar sobre Keoma e não falar de sua sensacional trilha e música tema cantada por Sybil e Guy. Esta entra muito bem no sofrimento do personagem através do arranjo sombrio, o lamento assustador na voz da cantora, a rouquidão sinistra na voz do cantor, além de sua letra totalmente ligada ao enredo. Seu melhor adjetivo é “única”, pois você jamais vai encontrar uma igual.

Keoma é um clássico indispensável para quem é fã de western. Seja devido aos temas e referências que aborda, seja pelo carisma de seu personagem principal – um excelente trabalho de Franco Nero – ou pela sua trilha sonora única. Pode não ser o western mais cult de todos, mas assistí-lo com certeza é uma experiência gratificante até para o menor dos cinéfilos.

17/08/21

O Homem Que Quis Matar Hitler (Man Hunt), 1941), Fritz Lang

No iutubi 

Sobre Joan Bennett 

Crítica | O Homem Que Quis Matar Hitler

Por Filipe Pereira, em 17 de setembro de 2019 

Clássico de 1941, como parte do esforço hollywoodiano contra a Segunda Guerra Mundial, O Homem Que Quis Matar Hitler é um longa de Fritz Lang, que começa silencioso, com  um homem, que é chamado de  Thorndike (Walter Pidgeon) no meio da floresta, aprontando sua arma escondido, mirando na cabeça do Fuhrer, isso tudo ocorrendo sem que haja qualquer barulho, música ou som que não seja o que é produzido pela arma ou pelo ato de carrega-la com munição. Ele é impedido, por um guarda nazista, que  tenta espancar ele, e o que se vê  nos 105 minutos de filme é uma investigação sobre o caso.

O roteiro de Dudley Nichols, baseado no livro Man Hunt de Geoffrey Household explora a partir dali toda uma discussão e estudo para descobrir quem poderia ter sido o mandante da tentativa de assassinato, e o capitão Thorndike vira obviamente testemunha chave do caso. Ao ser indagado sobre seus motivos, ele é bastante evasivo, diz que só pratica tiro a distância. O objetivo da policia nazista é associar a tentativa de alvejar o austríaco com um ato do governo britânico, mas eles não conseguem.

Um pouco diferente do visto em Os Carrascos Também Morrem, aqui ainda há um julgamento mais tímida da figura de Adolf Hitler, embora, pela boca de Thorndike saiam impropérios mais pesados, igualando ele a um megalomaníaco com complexo de Cesar. Há um cuidado especial em sempre apresentar opiniões controversas  pela boca dos personagens que não tem qualquer desejo de parecer isentos, dessa forma, caso Lang ou qualquer membro da produção fosse enquadrado em terras germânicas, poderiam afirmar que aquelas posturas eram individualizadas por personagens ficcionais, e estariam certos, embora pensassem da mesma forma.

Joan Bennett

Há espaço é claro para um romance bobo e água com açúcar, que toma boa parte da duração do longa. A tentativa de humanizar os personagens é válida, mas são nas conversas sobre as intenções políticas de Torndike que moram as maiores provas de que ele é destrutível e falível. Toda a conversa que ele tenta passar, afirmando que não tentou matar o líder nazista e que só estava mirando por uma curiosidade esportiva de caça não faz qualquer sentido, mesmo em uma época onde a malícia não era tão escancarada quanto no século XXI. A paranoia da Guerra não permite isso, ainda mais em um país onde impera o reacionarismo e o autoritarismo da extrema direita. O povo está o tempo todo tenso, assim como as autoridades e os militares, não há como driblar isso, nem ludibriar o senso comum neste sentido.

A tensão é guardada para os momentos finais, onde o herói da jornada é enquadrado por um vigilante defensor do partido nacional socialista, que não crê na inocência do mesmo, e finalmente tem coragem o suficiente para encarar ele. Após um combate que apesar de comedido em violência, é carregado de significado, mostrando um homem acuado contra outro que tem toda a chance de matá-lo, e ainda assim tendo algum tipo de soberania.

O final de O Homem que quis matar Hitler é pontuado com chamadas de propagandas de chamadas de guerra de cunho anti nazista e contra o Eixo, mostrando o personagem principal despertando e se preparando para a guerra, cumprindo as suspeitas de que seu ato foi sim um manifesto bélico. As sutilezas que Lang impõe em seu filme tem um cuidado e um acuro enorme, as precauções em não parecer explícitos são justas e servem bem ao espectador atual que quer  entender como funciona a cultura em tempos de extremismo, como o cinema pode e deve comunicar com o povo, com os que formam as nações e com a aldeia global, uma vez que a sétima arte tem um caráter universal muito forte.

Em tempo

Os carrascos também morrem no iutubi 

19/08/21

Doutor Gama, 2021, Jeferson De

Em 'Doutor Gama', de Jeferson De, a luta contra a escravidão se sobrepõe à dor

Filme traz a história de personagem fundamental na luta contra o racismo no Brasil

 Luiz Zanin Oricchio, O Estado de S.Paulo, 10 de agosto de 2021

Neste momento de luta antirracista, o lançamento de Doutor Gama, de Jeferson De, tem especial importância. Afinal, o filme associa-se ao resgate da figura ímpar de Luiz Gama, que nasceu livre, foi vendido como escravo, conseguiu libertar-se, estudou Direito por conta própria, defendeu centenas de negros nos tribunais e tornou-se figura de proa do abolicionismo.

Jeferson De retrata a história do personagem em traços curtos e bem definidos. Na infância, filho de uma mulher negra e um português. Nascido livre, foi vendido como escravo, aos dez anos, pelo próprio pai, para pagar dívidas de jogo. Depois vemos o jovem, que consegue se alfabetizar apenas aos 17 anos, conseguindo a alforria, tornando-se um autodidata, escritor e depois jurista.

Por fim, numa passagem crucial, síntese de toda a ação de Gama, ao defender no tribunal um homem negro acusado de haver matado o patrão. Três atores interpretam o personagem nessas fases: Pedro Guilherme (infância), Angelo Fernandes (juventude) e César Mello (maturidade). Gama nasceu em 1830, em Salvador, e morreu em São Paulo, em 1882, provavelmente por complicações de diabetes. Não viveu, portanto, para assistir ao ato final da escravidão, em 1888. Mas contribuiu decisivamente para que ele acontecesse. 

Esse talvez seja o cerne do recorte proposto por Jeferson De – a Abolição não seria fruto de um ato isolado de generosidade vindo de uma princesa branca, mas resultado da luta prolongada de muita gente, Luiz Gama entre elas. 

Desse modo, Doutor Gama não ignora os sofrimentos e a ignomínia da escravidão, mas não dá a esses aspectos o mesmo relevo que outros filmes. A luta se sobrepõe à dor. Não a nega, mas desloca o ponto de vista e coloca a ação em primeiro plano. É uma obra propositiva, exemplar nesse sentido. Ajuda a divulgar um personagem fundamental para pessoas que talvez o conheçam de maneira apenas aproximativa. E que talvez se inspirem em seu exemplo. 

Aliás, o momento atual tornou-se ideal para o resgate de uma figura como Luiz Gama. Com a onda antirracista do Black Lives Matter (Vidas negras importam), o legado de Gama começa a vir à tona. Ele, que em sua época foi impedido de formar-se, agora é Doutor Honoris Causa pela Universidade de São Paulo. Suas obras completas, em dez volumes, serão publicadas pela Editora Hedra. Não se trata apenas de escritos jurídicos, mas artigos em jornais, poemas, sátiras, correspondência, num total de mais de cinco mil páginas, que testemunham um intelectual ativo e influente em sua época. É de se supor que essa publicação seja acompanhada de muito debate e repercussão pública, o bastante para fazer de Luiz Gama um personagem mais complexo, abrangente e com posição de destaque na história brasileira. 

Nesse sentido, o trabalho de Jeferson De cumpre importante missão ao optar por um registro simples, que torna a figura do abolicionista bastante fácil de ser assimilada, inclusive por públicos desacostumados a malabarismos cinematográficos. É um filme “papo reto”, que vai direto ao ponto, sem enrolações. 

Por outro lado, em sua simplicidade, é bastante consistente como obra de época. Não cedendo à facilidade da mitologia em torno de Gama, trabalhou com consultoria histórica e procura fazer dele uma pessoa humana, com dúvidas e dificuldades a vencer pela frente. Enfrenta, também, os desafios de ser uma obra de época, ambientada em parte numa São Paulo do século 19, da qual restam poucos vestígios. A solução foi filmar essas partes em Paraty, a cidade colonial do litoral fluminense, bastante preservada, ao contrário da capital paulista. 

Jeferson De retrata a história do personagem em traços curtos e bem definidos. Na infância, filho de uma mulher negra e um português. Nascido livre, foi vendido como escravo, aos dez anos, pelo próprio pai, para pagar dívidas de jogo. Depois vemos o jovem, que consegue se alfabetizar apenas aos 17 anos, conseguindo a alforria, tornando-se um autodidata, escritor e depois jurista.

Por fim, numa passagem crucial, síntese de toda a ação de Gama, ao defender no tribunal um homem negro acusado de haver matado o patrão. Três atores interpretam o personagem nessas fases: Pedro Guilherme (infância), Angelo Fernandes (juventude) e César Mello (maturidade). Gama nasceu em 1830, em Salvador, e morreu em São Paulo, em 1882, provavelmente por complicações de diabetes. Não viveu, portanto, para assistir ao ato final da escravidão, em 1888. Mas contribuiu decisivamente para que ele acontecesse. 

Esse talvez seja o cerne do recorte proposto por Jeferson De – a Abolição não seria fruto de um ato isolado de generosidade vindo de uma princesa branca, mas resultado da luta prolongada de muita gente, Luiz Gama entre elas. 

Desse modo, Doutor Gama não ignora os sofrimentos e a ignomínia da escravidão, mas não dá a esses aspectos o mesmo relevo que outros filmes. A luta se sobrepõe à dor. Não a nega, mas desloca o ponto de vista e coloca a ação em primeiro plano. É uma obra propositiva, exemplar nesse sentido. Ajuda a divulgar um personagem fundamental para pessoas que talvez o conheçam de maneira apenas aproximativa. E que talvez se inspirem em seu exemplo. 

Aliás, o momento atual tornou-se ideal para o resgate de uma figura como Luiz Gama. Com a onda antirracista do Black Lives Matter (Vidas negras importam), o legado de Gama começa a vir à tona. Ele, que em sua época foi impedido de formar-se, agora é Doutor Honoris Causa pela Universidade de São Paulo. Suas obras completas, em dez volumes, serão publicadas pela Editora Hedra. Não se trata apenas de escritos jurídicos, mas artigos em jornais, poemas, sátiras, correspondência, num total de mais de cinco mil páginas, que testemunham um intelectual ativo e influente em sua época. É de se supor que essa publicação seja acompanhada de muito debate e repercussão pública, o bastante para fazer de Luiz Gama um personagem mais complexo, abrangente e com posição de destaque na história brasileira. 

Nesse sentido, o trabalho de Jeferson De cumpre importante missão ao optar por um registro simples, que torna a figura do abolicionista bastante fácil de ser assimilada, inclusive por públicos desacostumados a malabarismos cinematográficos. É um filme “papo reto”, que vai direto ao ponto, sem enrolações. 

Por outro lado, em sua simplicidade, é bastante consistente como obra de época. Não cedendo à facilidade da mitologia em torno de Gama, trabalhou com consultoria histórica e procura fazer dele uma pessoa humana, com dúvidas e dificuldades a vencer pela frente. Enfrenta, também, os desafios de ser uma obra de época, ambientada em parte numa São Paulo do século 19, da qual restam poucos vestígios. A solução foi filmar essas partes em Paraty, a cidade colonial do litoral fluminense, bastante preservada, ao contrário da capital paulista. 

Por fim, a direção segura e sem afetação mostra um cineasta em plena maturidade, sabendo o que deseja, como dar seu recado e a quem se dirige. É um filme voltado ao público, sem manobras para encantar a críticos ou a curadores de festivais de cinema. Jeferson De é autor de ótimos títulos, como Bróder (2010) e M8: Quando a Morte Socorre a Vida (2019). 

Ao retratar a figura grandiosa de Luiz Gama, nos relembra que a luta antirracista pertence a todos os que ainda sonham, apesar de tudo, em fazer do Brasil um país decente. 


AUTOBIOGRAFIA DE LUIZ GAMA



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