quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Terra inacabada 4: a agonia do rio Madeira


Cayahuari Yacu, the jungle Indians call this country, the land where God did not finish creation. They believe only after man has disappeared will He return to finish His work. (do filme Fitzcarraldo)


A questão do complexo hidrelétrico do rio Madeira continua dando muito pano para manga. Com a cheia de março de 2014 veio à tona os problemas de um planejamento incompetente para não dizer irresponsável.

A modesta contribuição sobre o tema neste blog está em
http://librinas.blogspot.com.br/2011/11/terra-inacabada.html. (Terra inacabada 1)

http://librinas.blogspot.com.br/2012_03_01_archive.html (Terra inacabada 2)

http://librinas.blogspot.com.br/2014_03_01_archive.html (Terra inacabada 3)

Neste último texto, já pós-enchente de 2014, é apresentado uma análise de Telma Monteiro, ativista ambiental, pesquisadora independente, especializada em análises de processos de licenciamento ambiental de hidrelétricas na Amazônia. Nele a autora finaliza: "No Brasil, para conceber e construir projetos como os do Rio Madeira ou Belo Monte, não é preciso ter conhecimento técnico apenas, tem que saber enganar bem, fornecer dados inconsistentes. Saber manipular informações, números, valores, desconstruir laudos de especialistas internacionais, estatísticas, convencer autoridades e, principalmente, bancar muitas campanhas eleitorais. Se fosse possível conceder um prêmio de manipulação ele seria dividido entre os idealizadores do projeto Madeira e o governo Lula".

Recentemente foram apresentadas novas análises dos efeitos da cheia de 2014 no rio Madeira. Vejam o documentário: Entre a cheia e o vazio: A cheia histórica do Rio Madeira em 2014 e seus nexos com as UHEs Santo Antônio e Jirau

http://www.youtube.com/watch?v=IFEputOFFqQ&feature=youtu.be 13/11/2014

Direção: Lou-Ann Kleppa
Realização: Mapeamento Social como Instrumento de Gestão Territorial contra o Desmatamento e a Devastação – Núcleo Rondônia e Universidade Federal de Rondônia – UNIR.
Apoio: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – UEA. Roteiro: Luis Fernando Novoa Garzon.

Segundo Garzon "O documentário Entre a Cheia e o Vazio é um recorte de uma batalha de sentidos em torno dos efeitos de larga escala produzidos pelas Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, o afluente mais caudaloso do Amazonas. Batalha que se intensificou com a chamada "cheia histórica" de 2014, ampliada pela retenção de água nos dois reservatórios, e que prossegue nesse exato momento em que estudos preliminares indicam que os elevados níveis de assoreamento do rio podem resultar, em 2015, numa cheia de proporções similares, ainda que com menor volume de precipitações. As consequências do duplo barramento (e que pretende ser triplo com o aproveitamento da Cachoeira de Ribeirão - Guajará Mirim) de um rio com tamanha descarga sólida, em períodos muito concentrados de tempo, só estão sendo avaliadas a posteriori e muito limitadamente. Além de expropriarem o rio e seus usos sociais, procuram expropriar a capacidade de percepção e inteligibilidade do território recriado". [1]

O rio modificado pelas barragens é mostrado na figura abaixo [2].

 


 
A região do Médio e Alto Madeira e seus tributários vai se convertendo em um corredor de exportação (inter-regional a princípio) de energia enquanto commodity; a gerar lotes de energia pré-negociados, cotados no "mercado livre" de energia que norteia, ponta-cabeça, o "mercado regulado" que deveria servir à nação. Nesse quadro de privatização crescente de todos os setores de infraestrutura, as concessões elétricas trazem embutidas cessões territoriais, para as quais concorrem outros setores com uso intensivo de recursos naturais, como a mineração e o agronegócio. Nesse reembaralhamento das posses e das jurisdições, os desastres técnico-ambientais sempre serão apresentados como "naturais" e "inevitáveis".[1]

E a responsabilização dos estragos feitos pela cheia? O governo do estado de Rondônia e representantes das UHE falam em desastre natural. Claro que não dizem do desconhecimento da bacia e dos efeitos da cadeia de lagos em que se tornou o rio. E não se cogita na existência de falhas.

 
Pode-se notar, nas falas cruzadas dos gerentes das duas usinas, o desconcerto deles elidindo ou transferindo "erros" de uma para outra. A acoplagem dos depoimentos desses dirigentes que tiveram a vazão do rio sob seu controle durante a cheia foi equivalente a uma acareação recheada de atos falhos.[1]

E agora? Será que agora vão conhecer o rio e providenciar estudos de impactos ambientais depois do que já está feito?

E a quem serve a energia elétrica produzida no Brasil? Segundo Célio Bermann (USP) a grande demanda por energia elétrica no país são definidas por seis setores industriais: cimento, siderúrgia (aço), metais não ferrosos (alumínio), ferro-ligas, papel celulose e petroquímica. É para isto que a energia produzida pelo rio Madeira já está chegando ao sudeste do país.

E aos milhares de desabrigados? E a devastação ambiental? Uma banana para eles.

 

Referências

[1] http://www.altinomachado.com.br/2014/11/documentario-mostra-danos-causados-no.html  11/11 2014

[2] http://resistir.info/brasil/rebeliao_amazonia.html 13/11/2014

[3] http://cptrondonia.blogspot.com.br/2013/02/insistem-na-usina-de-ribeirao-em.html 10/11/2014



 

 

 

 

 
 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A ditadura não acabou

 Deu no Terra http://www.terra.com.br/ 05 de novembro de 2014

Débora Melo, direto de São Paulo
Mães de Maio:
negro e pobre já vivem sob intervenção militar

A ativista Débora Maria da Silva, coordenadora do movimento Mães de Maio durante evento na PUC-SP
Foto: Débora Melo / Terra
"Nós temos que mostrar que a ditadura não acabou. Ela só vai acabar quando a gente desmilitarizar a polícia. Esse nome ‘militar’ está presente 24 horas na nossa periferia", disse Débora Maria da Silva, 54 anos, coordenadora do movimento Mães de Maio, durante debate sobre a ditadura militar (1964-1985) no Brasil, nesta quarta-feira, em São Paulo.

Aos manifestantes que no último sábado pediram "intervenção militar" em um ato pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), Débora dirigiu poucas palavras. "Esse pessoal precisa reconhecer que os pobres e os negros são vítimas da ditadura continuada. A ditadura não acabou. Esse passado está muito presente para nós", afirmou à reportagem.

O Mães de Maio é um movimento formado por 17 mães de mortos e desaparecidos nos confrontos que ficaram conhecidos como "crimes de maio", ocorridos em 2006. De acordo com entidades de direitos humanos como o Tortura Nunca Mais, os crimes foram uma resposta de grupos de extermínio - com a participação de PMs - aos ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) que resultaram na morte de 43 agentes públicos. Em represália, ao menos 493 pessoas foram assassinadas, sendo que a grande maioria das vítimas era de jovens negros, moradores das periferias.

"Nós não aceitamos que tenhamos um País dividido, onde os negros e os nordestinos têm de ser separados da elite, de uma minoria da classe racista que temos em nosso País. Nós não temos um País igualitário", disse Débora. O depoimento da ativista foi dado em painel do Congresso Internacional Memória: Alicerce da Justiça de Transição e dos Direitos Humanos, realizado desde domingo no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tuca) para debater a importância da memória no processo de transição da ditadura para a democracia.

Falsa democracia
Para Débora, o que temos hoje no Brasil é uma "falsa democracia". "Precisamos exigir de nossos políticos verdadeiras políticas sociais. Não à redução da maioridade penal, não ao encarceramento em massa, que são respostas quando não podem tratar do problema. Eles jogam o problema para nós, mas o problema não somos nós: o problema é o sistema corrupto que existe no nosso País. A corrupção é a mazela que mata e que encarcera. Nós temos que lutar", afirmou a ativista.

Os "crimes de maio" foram arquivados sem que muitos casos fossem esclarecidos. Além disso, a primeira condenação de policial militar envolvido nos episódios ocorreu somente em julho de 2014: o PM Alexandre André Pereira Silva foi condenado a 36 anos de prisão em regime fechado pela morte de três homens em um lava-rápido na zona norte de São Paulo.

"Nós exigimos, e o País tem que dar uma resposta. Foi um massacre (...). Os crimes de maio foram arquivados. É falta de eficiência por parte da Segurança Pública, mas nós também temos a certeza de que é difícil polícia investigar polícia", afirmou Débora. "É difícil. Eu posso sair e ser executada. Mas eu não tenho medo da bala. As Mães de Maio não têm medo, porque se tivessem não estariam na luta. Nosso medo era perder nossos filhos, e nós perdemos", continuou a ativista.




 

domingo, 2 de novembro de 2014

Lobo Solitário

 
 
O mangá Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima apareceu no Japão na década de 1970. No Brasil é distribuído no final da década de 1980. A coleção completa da saga Ogami tem 28 volumes e ainda está disponível na Estante Virtual (http://www.estantevirtual.com.br/ em 02/11/2014) e outra livrarias virtuais.

Vítima de uma conspiração do clã Yagyu o samurai Itto Ogami, executor oficial do Xogum, tem a esposa assassinada e cai em desgraça, acusado de traição. A o lado do filho Daigoro Ogami sai em busca da vingança tornando o mercenário Lobo Solitário. Itto Ogami (com o seu conhecimento de esgrima suio), agora como ronin, segue a trilha do assassino na estrada do inferno.




Ogami: Daigoro, você deve escolher uma trilha para si mesmo. Se escolher o temari (bola) você irá se unir à sua mãe que nos aguarda em Yomi, a terra dos espíritos. Se escolher a espada juntos nós percorreremos a trilha do assassino.
Daigoro, ainda engatinhando, escolhe a espada.
Ogami: você seria mais feliz ao lado da sua mãe. Um assassino com um bebê. Pois que assim seja, Daigoro. Este é o nosso destino.



Ogami: A morte caminha no vento e eu sou apenas uma folha. Meu corpo deve trilhar os seis caminhos: o do paraíso, do humano, do assassinato, da besta-fera, do demônio e do inferno. Ou deve passar através das quatro vidas: a semente, o ovo, o útero e a reencarnação. Para unir os opostos de Mu (vazio)

 
Daigoro, nós vamos entrar pelas portas do inferno.



Lobo solitário, samurais e ronins no cinema
 
Itto Ogami e Daigoro [1]
 
A estória de Kazuo Koike e Goseki Kojima aparece em seis versões cinematográficas listadas a seguir.
Lobo solitário:
A espada da vingança, Kozure Ôkami - Ko Wo Kashi Ude, 1972, direção: Kenji Misumi 
O andarilho do rio Sanzu, Kozure Ôkami - Ko Wo Kashi Ude, 1972 direção: Kenji Misumi 
 
Contra os ventos da morte, Kozure Ôkami: Shinikazeni mukau ubaguruma, 1972, direção: Kenji Misumi
Coração de pai, coração de filho, Kozure Ôkami: Oya no kokoro ko no kokoro, 1972, direção: Takechi Saitô
Na terra dos demônios, Kozure Ôkami: Meifumadô, 1973, direção: Kenji Misumi 
Paraíso branco no inferno, Kozure ôkami: Jigoku e ikuzo! Daigorô, 1974, Direção: Yoshiyuki Huroda
Estes filmes estão disponíveis na Versátil Home Vídeo (2013) [2]. Em inglês são identificados como Lone wolf and cub de 1 a 6.


As personagens principais nestes filmes foram interpretados por Tomisaburô Wakayama (Itto Ogami) e Akihiro Tomikawa (Ogami Daigoro).

Tomisaburô Wakayama (1929 – 1992) nasceu e faleceu em Tokyo. De 1955 a 1992 participou de 158 filmes (e trabalhos em TV) (http://www.imdb.com/name/nm0423663/ ). Esteve no filme Chuva negra (Black rain), 1989, de Ridley Scott, disponível em DVD pela Paramount - AMZ. Neste filme interpreta Sugai, um chefão da Yakuza (máfia japonesa).



Tomisaburô Wakayama como Sugai em Chuva negra, 1989.

Akihiro Tomikawa nasceu em 1968 e sua participação no cinema ficou restrita ao papel de Daigoro.

O samurai no cinema tem como referências clássicas, dentre várias, os filmes sobre os 47 ronins. A Versátil Home Vídeo distribui três versões desta estória baseada em fatos históricos (nos idos de 1700) que se tornou lenda no Japão. São eles: A vingança dos 47 ronins (Genroku chushingura), 1941, com direção de Kenji Mizogushi; Os 47 ronins (Chushingura), 1958, de Kunio Watanabe e Os vingadores(Chushingura: hana no maki), 1962 de Hiroshi Inagaki.

Sinopse de 47 ronins: Lorde Asano resiste a uma tentativa de suborno por um membro da corte do Shogun (Lorde Kira). Sua honestidade, no entanto, é inútil contra a corrupção da administração, e ele é forçado a cometer haraquiri (seppuku). Sua comitiva de samurais é então dispersa, como ronins sem mestre. O líder dos samurais, Oichi, trama com um bando de ronin leais em busca de vingança pela desonra de seu mestre. A vingança é realizada, mas todos os 47 ronins são condenados a cometer o haraquiri. São as regras do Xogun e a honra samurai.
Samurai quer dizer ficar ao lado, servir, guardar. Designa um guarda profissional da casta militar dos Bushi vinculada ao serviço de um senhor Daimiô, dono do feudo. Um samurai que foi destituído por qualquer motivo é chamado ronin  que quer dizer "homem que flutua no vento" ou "homem da onda". Em outras palavras um guerreiro sem vínculo, um samurai errante (De L’histoire de 47 Ronins à Mizoguchi, Charles Tesson e Christophe Gans, DVD 2 da Versátil).


47 Ronins distribuído pela Versátil [2]



A estória de Itto Ogami (Lobo solitário) é diferente de 47 Ronnins. Ogami era samurai e depois, como ronin, se propôs à vingança solitariamente. Já em 47 ronnins a vingança foi de um grupo organizado de ronins que como samurais serviam a Asano.

O que é comum nestas duas estórias? A MORTE.
A ideia de morte que nos é passada geralmente está vinculada à escuridão, à tristeza e acabamos por associá-la sempre a imagens negativas, ruins e ao fim de tudo. Na visão budista a morte é considerada como um dos aspectos da vida. A vida é eterna e ela não acaba com a morte. É o conceito de impermanência (Hi eizoku-sei). Nada é permanente mesmo quando se retira o conceito de tempo [3] e [4].



 

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Asfixia

 
Ito: não entendi muito bem à tua pergunta, mas serei o mais claro contigo. Tenho uma libido avantajada desde adolescente. Sexo pra mim é um vício.

Teresinha: como sou na cama? Uma puta. Pergunte para meu marido. E não sou como a Joe do filme Nymphomaniac. Às vezes tenho orgasmos múltiplos.

Ito: Ela tem razão, mas penso que Teresinha tem sim um quê de Joe. Insatisfeita sempre. Mas eu gosto dela assim mesmo porque tenho por ela uma imensa paixão.

Teresinha: já sei o que você perguntou. Sou muito feliz, muito mesmo! Tenho um casamento ótimo. Tenho uma paixão desmedida pelo meu marido. Ele é um virtuose do sexo, bom no trabalho e pai amoroso. Temos dois filhos maravilhosos, uma casa e um carro do ano exclusivamente para meu uso.

Sérgio: você me pergunta se os conheço? De há muito tempo. São malucos adoráveis. A Teresinha é muito bonita. Sempre agitada e falante. Conversa sobre tudo. Ito é mais calmo. Adora vinho. Gostaria de ter um casamento como o deles. Um exemplo de casal feliz.

Myrtis: Teresinha? Conheço-a muito bem. Exemplar mãe de família, profissional bem-sucedida, culta e sadia. Frequentadora contumaz de academia de ginástica. E digo mais, foi a primeira mulher que me ensinou tudinho sobre f-e-l-a-ç-ã-o.

Estes depoimentos foram dados quando Teresinha e Ito tinham quatro anos de casados. Estavam nas mil flores do paraíso. Nesta época ela tinha devorado avidamente a trilogia Cinquenta tons: de cinza, mais escuro, de liberdade. E ele se tornou um especialista em sexo pela internet. O que esperar de um viciado?

Os três anos seguintes foram de mais calmaria. A reafirmação da felicidade e do amor por amor estiveram presentes até sentirem-se uma certa asfixia.

Vivemos uma mistura de romantismo agudo e consumismo sexual exacerbado, uma era em que amamos a ideia do amor acima de tudo. Cobra-se que a mulher seja uma amante ensandecida e exemplar mãe de família e o homem deve ser igualmente um vulcão na cama e pai exemplar. É óbvio que isso conduz a um esgotamento, porque o amor é submetido ao regime da performance. (Pascal Brukner)

Mas posso caminhar outra trilha? Seven year itch.

Pode ser como a coceira dos sete anos. Depois de sete anos de relacionamento alguns parceiros ou parceiras, devido à asfixia (ou tédio) passam a ter saudades da solteirice.

Seven year itch é o título de um filme dirigido por Billy Wilder (1955). No Brasil como título O pecado mora ao lado. Neste filme o pecado que mora ao lado chama-se Marilyn Monroe.

O pecado pertinho do Ito chama-se Myrtis. Sem muito pensar os dois passaram da amizade para uma paixão insurgente.

Teresinha soube, mas não se descabelou. Ela já pensava na infidelidade estimulante e naquele momento considerava sua relação com Ito semelhante a dois peixes dourados presos num aquário. Resolveu também capturar alguns pecados próximos. Sérgio que o diga.

E a família Teresinha – Ito? Continua. Os filhos, o carro do ano e o sexo na internet.

Evitaram a tumba matrimonial.


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Sobre Pascal Brukner:

O primado da angústia: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/190212-o-primado-da-angustia.shtml  13/10/2014

Lua de fel (Bitter Moon), 1992, filme dirigido por Roman Polanski



 




 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

YUKI





Kazuo Koike (hoje com 78 anos) escritor japonês é uma referência no mundo do mangá. Junto com o desenhista Kazuo Kamimura (1940 – 1986) escreveu YUKI – a vingança na neve em 1972. É uma estória de vingança. Yuki nasceu na prisão e a mãe designou a filha recém-nascida a matar os assassinos do marido e um filho ainda criança. Yuki jovem torna-se uma matadora com o fim de cumprir o desejo da mãe.
 


Pobre criança terá que carregar o peso da vingança em suas costas, por toda a sua vida. Uma criança nascida no inferno.
 
 


Ainda criança Yuki foi treinada pelo mestre Oshô.
Preste atenção, o que você deve fazer é prever os movimentos do adversário pelos olhos dele. Use também as sensações para perceber a presença do adversário! Sinta a respiração e o movimento do ar em volta dele! Não pense em fugir! Fugir é um movimento consciente! É sinal de que está pensando com a cabeça! A espada não pode ser manejada com a mente! Manejar a espada é sentir os movimentos do adversário e reagir inconscientemente. Não é consciência, é sensação.
 
 


Numa manhã de morte, vejo a neve caindo em condolência. O uivo de um cão bandido, o ranger de um tamanco pelo ar. Com licença eu digo: sou apenas uma mulher seguindo pelos caminhos da vida... Deixei as lágrimas há tempos para trás.
 
 
 


Numa manhã de morte, ouço o uivo do mar. Sou apenas uma mulher seguindo pelos caminhos da vingança. Deixei o coração há tempos para trás.

Lady Snowblood (Shurayukihime) de 1973 é o título do filme baseado na estória de Kazuo Koike e Kazuo Kamimura. Foi dirigido por Toshiya Fujita. Meiko Kaji (hoje com 67 anos) interpretou Yuki.

Sobre Kazuo Koike
O mangaka japonês nasceu em maio de 1936 em Ankita, Japão. É mais lembrado pela série Lobo Solitário (1970 – 1976) além de Crying Freeman (1986 – 1988). No cinema participou como roteirista dos filmes: Lobo solitário - A espada da vingança, (1972), Lobo solitário - Contra os ventos da morte (1972), Lobo solitário - O andarilho do rio Sanzu (1972) e Ninja assassino (1980).

Sobre Meiko Kaji
Atriz e cantora Meiko Kaji, nascida em março de 1947 em Tóquio, Japão, tem uma vasta filmografia como atriz de cinema. Além de Lady Snowblood (1973) participou como protagonista da série Scorpion: Female prisoner nº 701, (Joshuu 701-gô: Sasori), 1972, Scorpion Female Prisoner Scorpion - Beast Stable (Joshuu sasori: Kemono-beya), 1973, Female Prisoner Scorpion Grudge Song (Joshû sasori: 701-gô urami-bushi), 1972, Female convict Scorpion Jailhouse 41 (Joshuu sasori: Dai-41 zakkyo-bô), 1972. Em 1970 participou da série (quatro filmes) Stray cat rock.

Para quem assistiu Kill Bill (2003 e 2004) de Quentin Tarantino verá várias referências localizadas em Lady Snowblood e os filmes da série Scorpion.

Sobre Yuki, a vingança na neve
 
 



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terça-feira, 16 de setembro de 2014

Clash by night


Só a mulher peca é a tradução imbecil do título para o belo filme chamado Clash by night de Fritz Lang realizado em 1952.

Conta a estória de Mae Doyle (Barbara Stanwyck) que retorna para viver com o irmão, Joe (Keith Andes), na casa da família numa pequena aldeia de pescadores. Amargurada e cínica com dor de romances falidos, Mae lentamente se recupera e começa a namorar Jerry (Paul Douglas), um pescador sincero. Logo, Mae e Jerry se envolvem, e então aparece Earl Pfeiffer (Robert Ryan), que a ama apesar de ser casado. Mae o rejeita e casa-se com Jerry. Nasce uma filha de Mae e Jerry. Mae não está apaixonada por Jerry, e logo procura os braços de Earl. Jerry descobre a traição. Jerry briga com Earl, e quase o estrangula, até a chegada de Mae. Jerry parte, mas quando Mae vai pegar sua filha, descobre que Jerry levou a criança. Desesperada, ela e Earl tentam achar uma solução para o problema. E qual a solução?

Contradizendo a tradução idiota, pecado não condiz com nada no contexto da estória baseada numa peça de Clifford Odets. Em vários filmes de Lang as personagens são pessoas normais do mundo freudiano: contraditórias, neuróticas, cínicas, angustiadas, insatisfeitas, indecisas e às vezes violentas.

Antes do casamento Mae confessa: A história da minha vida? Eu conto em quatro palavras. Grandes ideias e pequenos resultados. De Mae para Jerry: Eu sei você faria tudo que fosse possível, mas não daria certo. Encontre alguém que goste de empurrar carrinho de bebê, fazer compras no mercado, trocar cortinas de banheiro e das janelas. Eu seria péssima pra você. Acredite, eu o magoaria. De Mae para Earl: Você me dá impressão de ser um homem que precisa de um terno novo ou de uma nova paixão, mas não sabe qual é o mais importante.

Depois de um tempo Mae casa com Jerry. Mas os conflitos continuam.

Depois de um ano de casamento e o nascimento da filha, Mae, apaixonada por Earl, diz a Jerry: Sou eu! Sou eu, é comigo! Um ano é muito tempo. Não adianta, nada muda. Os dias passam. Do mercadinho da esquina pra casa, lavando roupa, tirando e botando pratos no armário ou indo pra cama, acordando, esperando, esperando! Calando a boca, fechando os olhos. E cada dia mais velha, mais burra, mais estúpida! Amor? Uma superstição, uma esperança perdida. Esqueci de sorrir, de chorar. Todo mundo sobrevive. Por que comigo seria diferente? Sem nenhum tipo de amor, sem nada. Lágrimas. De que adiantam as lágrimas?

Dura pouco o caso com Earl. O motivo? A filha Glória.

Uma criança não pode ser educada sem uma família, não é assim? A Glória tem direito a uma infância feliz, não tem? Diz Mae a Earl. Ao que ele responde: o que é isso? Está se sentindo culpada? É assim que eles querem que você se sinta. O mundo quer assim. Todas as pessoas que não tiveram coragem de fazer o que queriam. Mae: Eu passei a minha vida inteira abandonando as coisas. Earl: E o que está impedindo você? Responsabilidade? Eu vou soletrar M-E-D-O.
E o filme termina assim: vá pegar a Glória. Ela está lá dentro. Um barco não é lugar para uma criança. Vá, e leva-a pra casa, diz Jerry para Mae. Ela volta para marido por causa da filha. A razão venceu o delírio.

Tem gente que diz que esta estória de paixão, casamento feliz, filhos e família unida até a morte foi disseminada por Roliude. É verdade que nas décadas de 1930 e 40 tem filmes USA que retratam estes conceitos, o ianque way of life. O irônico no filme é que Earl trabalha na sala de projeção de filmes num cinema da cidade.

Nós aqui no Brasil reproduzimos até hoje estas ideias. Vem do cinema e das novelas da Globo? Sim, mas não da literatura que às vezes trata das relações conflituosas e trágicas homem/mulher. Vide os clássicos Os sofrimentos de Werther de Goethe, Adolpho de Benjamin Constant, Amor de perdição de Camilo Castelo Branco e a obra prima Dom Casmurro de Machado de Assis.



NB: Fritz Lang (1890 – 1976) tem uma cinematografia respeitável. Ver em http://www.imdb.com/name/nm0000485/.  
Cito alguns filmes: Metrópolis (1927), M, o vampiro de Dusseldorf (1931), Fúria (Fury, 1936), O retrato de uma mulher (The Woman in the Window, 1944) O diabo feito mulher (Rancho Notorious, 1952), Os corruptos (The Big Heat, 1953), Desejo humano (Human Desire, 1954).
Sobre Clash by night, Lang disse numa entrevista a Peter Bogdanovich (Afinal, quem faz os filmes, Companhia da Letra, 2000): “Pesquisei bastante – o quanto pude – sobre a fidelidade das esposas. E descobri, numa das principais revistas masculinas, que 75% das mulheres traem os maridos em relações extraconjugais. Este foi o tema que, no filme, se transformou no problema.”


 

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Acredite, caso queira

Deu no Jornal de Barretos de 7 de agosto de 2014.

Vaso com planta semelhante à maconha é apreendida pela PM (sic)

Os policiais militares Vares e Enderson compareceu (sic) em uma residência na avenida Mato Grosso nº 491, no bairro Bom Jesus, para cumprir um mandado de prisão, mas o acusado não foi localizado. Contudo, encontraram no local, na residência do averiguado L.S.S., 20 anos, auxiliar de Serviços Gerais, um vaso de planta assemelhada com a maconha. Diante dos questionamentos, o averiguado afirmou que é usuário de maconha e que a planta nasceu de algumas bitucas que plantou no vaso. Diante da incerteza sobre a natureza da planta, a autoridade deliberou pela apreensão do objeto e encaminhamentos de praxe para o IC (Instituto de Criminalística).
 

Depois dessa só o Bezerra da Silva resolve.

A semente

Meu vizinho jogou/Uma semente no seu quintal
De repente brotou/Um tremendo matagal

Quando alguém lhe perguntava/Que mato é esse que eu nunca vi?
Ele só respondia/Não sei, não conheço isso nasceu ai

Mas foi pintando sujeira/O patamo estava sempre na jogada
Porque o cheiro era bom/E ali sempre estava uma rapaziada

Os homens desconfiaram/Ao ver todo dia uma aglomeração
E deram o bote perfeito/E levaram todos eles para averiguação e daí...

Na hora do sapeca-ia-ia o safado gritou:/Não precisa me bater, que eu dou de bandeja tudo pro senhor/Olha aí eu conheço aquele mato, chefia
E também sei quem plantou

Quando os federais grampearam/E levaram o vizinho inocente
Na delegacia ele disse/Doutor não sou agricultor, desconheço a semente

https://www.youtube.com/watch?v=HB7UTk0QaZ8

terça-feira, 29 de julho de 2014

Tortura

 
Encolerizados porque o sangue do guerrilheiro respingara em suas roupas, os carrascos espancaram-no com mais ódio. Ao fim do corredor polonês em que lhe entorpeceram com sopapos, atiraram-no a um canto da sala do pau de arara. Com os joelhos dobrados sobre a barra e o tronco despencado, Celso (Celso Horta) viu um corte na testa do companheiro. Virgílio (Virgílio Gomes da Silva) estava "exausto, ofegante como um carcará ferido", o camarada nunca mais esqueceria. Sem murmurarem uma sílaba, seus olhares se cruzaram para nunca mais. Antes de ser retirado, Celso ouviu o grito de quem manteria a altivez até o suspiro derradeiro: "Filhos da puta! Vocês estão matando um patriota!"...

O parágrafo acima é do livro Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo de Mário Magalhães, Companhia das Letras, 2012, p. 522. Na biografia de Carlos Marighella são narradas passagens de horror nas antessalas do inferno durante a ditadura de 1964. Virgílio Gomes da Silva, da ALN (Ação Libertadora Nacional) foi um dos lideres do sequestro do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick em 04 de setembro de 1969. Foi brutalmente assassinado na sede da famigerada Operação Bandeirante, em 29 de setembro de 1969.

O que Sade tem a ver com as antessalas do inferno existentes, ainda hoje, nas polícias e nas penitenciárias brasileiras? A tortura é um ato sádico?

Anarquia do poder

"Não há nada tão glorificante como o mal" disse o Magistrado no filme Salò, ou Os 120 dias de Sodoma (Itália, 1975) de Pier Paolo Pasolini (1). O filme é baseado no livro Os 120 dias de Sodoma, ou a Escola da Libertinagem, do Marquês de Sade e mostra a brutalidade desconcertante capaz de abalar a fé que qualquer um possa ter no ser humano. Pasolini adaptou a trama, originalmente situada na França pré-revolução de 1792, para a Itália fascista, onde ele próprio viveu. Assim, ao invés de apenas narrar os horrores causados pelos quatro libertinos, devassos e cruéis conhecidos como "os amigos", deu um passo além, encaixando a narrativa num dos momentos mais críticos da história humana, a Segunda Guerra Mundial e o nazi-fascismo na Itália (2).

No filme há estupro, tortura, crueldade, abuso, depravação, assassinato, orgias, escatologia e sodomia. Há muito sexo, mas todo ele é vazio, e mesmo os libertinos parecem não tirar prazer algum de tudo isso. Os corpos não valem nada, e mesmo as vítimas assistem a tudo como se nada estivesse acontecendo, sem reagir.

"Suas criaturas fracas! Ralé, destinada ao nosso prazer. Não esperem aqui a liberdade garantida lá fora. Vocês aqui estão além de qualquer lei. Ninguém sabe que estão aqui. Pelo que importa ao mundo, já estão mortos." Foi a recepção do Duque aos garotos e garotas obrigadas a participarem dos 120 dias infernais em Salò.

De Pier Paolo, sobre o filme: Todo o sexo de Sade, o sadomasoquismo, tem uma função específica, clara: o efeito do que o poder faz ao corpo humano. A redução do corpo humano a uma mercadoria. O cancelamento da personalidade do outro. Não é apenas um filme sobre o poder, mas o que eu chamo de anarquia do poder. Porque nada é mais anárquico que o poder. O poder faz o que quer. E o que o poder pode querer é completamente arbitrário ou imposto por necessidades econômicas que escapam à lógica comum. Mas além de ser sobre a anarquia do poder o filme é também sobre a inexistência da história. Quer dizer, da história vista por uma cultura eurocêntrica. Racionalismo e empirismo ocidentais de um lado e marxismo na outra, que o filme quer mostrar como inexistente (3).

Pasolini, comunista e gay, foi brutalmente assassinado em 2 de novembro de 1975, logo após realizar o filme Salò.

No inferno

... Daí em diante, do martírio de Jonas (Virgílio) restaram vestígios no laudo do exame necroscópico que a ditadura ocultou. Hematomas, escoriações e equimoses escureceram rosto, braços, mãos, joelhos, tórax, abdome, o corpo inteiro. As depressões nos pulsos, típicas de dependurados no pau de arara, mediram um centímetro. O "hematoma intenso" na "polpa escrotal" era compatível com eletrochoques no órgão. Com bicos de calçados, tora de madeira ou pedaço de ferro, fraturaram-lhe três costelas. Na parte superior do crânio, produziram um "hematoma irregularmente distribuído". Fraturam e afundaram o osso frontal do crânio. A autópsia concluiu que Virgílio "veio a falecer em consequência de traumatismo cranioencefálico (fratura de crânio)", provocado por "instrumento contundente". Uma fotografia mostrou o lado esquerdo da cabeça mais afundado que o direito. O tormento e a agonia do brasileiro que mataram na Oban se arrastaram até a noite, por quase doze horas. No dia seguinte, Paulo de Tarso Venceslau deu entrada no recinto. Os torturadores se gabaram de que os resíduos grudados na parede constituíam massa encefálica de Jonas. Maria Aparecida dos Santos padecia ali, onde havia "sangue nas paredes, e eles faziam questão de falar que era de Virgílio". Um capitão ameaçava: "Você está vendo este sangue? É de um ‘patriota’. Você quer ser ‘patriota’?". Um delegado revelou assombrado que "os olhos de Virgílio tinham saltado como dois ovos de galinha" e seu pênis "estava no joelho, de tanto pisarem em cima dele". Os presos políticos acusaram doze algozes de Jonas, entre eles o major Waldyr Coelho, os capitães Benome de Arruda Albernaz e Maurício Lopes Lima e o delegado Octávio Gonçalves Moreira Junior.

Considerazioni finali

Não conheço os perfis dos algozes da ditadura. Aos torturadores de Virgílio acrescente-se a figura nefasta de Sérgio Fernando Paranhos Fleury que comandava as antessalas do inferno no DOPS de São Paulo. Recentemente conhecemos a personagem da época chamado Paulo Malhães, tenente-coronel, militante anticomunista e torturador confesso que admitiu publicamente ter perdido a conta do número de dissidentes políticos que assassinou a serviço da ditadura. E sem o menor arrependimento. Foi assassinado no dia 24 de abril de 2014 com a suspeita de queima de arquivos (Carta Capital, maio de 2014).

Mas a crueldade (como nos torturadores) e devassidão estão nas figuras sadianas do Duque, o Presidente Curval, o Bispo e Durcet (4). Aristocratas, muito ricos, do período pré-revolução francesa têm perfis esclarecedores. Sobre Duque escreveu Sade: "Duque nascera falso, implacável, imperioso, bárbaro, egoísta tão pródigo para seus prazeres quanto avarento quando havia de ser útil, mentiroso, guloso, beberrão, covarde, sodomita, incestuoso, assassino, incendiário, ladrão, sem que virtude alguma compensasse tantos vícios. E digo mais: não apenas não venerava nenhuma delas, como abominava todas; era comum ouvi-lo dizer que, para ser verdadeiramente feliz nesse mundo, um homem somente havia de se entregar a todos os vícios, sem nunca permitir virtude alguma, pois não se tratava apenas de fazer o mal, como também de nunca fazer o bem". Curval, o Bispo e Durcet têm perfis semelhantes ao do Duque. São da mesma laia.

A tortura é universal e atemporal. No Brasil, impune. Fodam-se torturadores!

Referências

(1) Salò ou 120 dias de Sodoma, 1975, DVD vídeo, CinemaX.

O cineasta e escritor Pasolini teve a criatividade de apresentar nos créditos iniciais do filme, a "bibliografia essencial" sobre o tema.
 

(2) http://bocadoinferno.com.br/criticas/2013/06/salo-ou-120-dias-de-sodoma-1975/ em 25/07/2014.

(3) Pier Paolo Pasolini, O evangelho segundo São Mateus, 1964, edição definitiva, DVD vídeo, Versátil. No disco 2 deste DVD consta o documentário Pier Paolo Pasolini dirigido por Ivo Barnabo Micheli, essencial para entender o pensamento de Pier Paolo.

(4) Marques de Sade, Os 120 dias de Sodoma ou a Escola da Libertinagem, Iluminuras, 2013.
 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O cinema versus IA


Prólogo


Antes de qualquer coisa uma explicação. O que é IA (Inteligência Artificial)?

Algumas definições na literatura sobre:

"IA é a parte da ciência da computação que se preocupa em desenvolver sistemas computacionais inteligentes, isto é, sistemas que exibem características, as quais nós associamos com a inteligência no comportamento humano - por exemplo, compreensão da linguagem, aprendizado, raciocínio, resolução de problemas, etc." Barr & Feigenbaum (1981)

"Inteligência Artificial é o estudo das computações que tornam possível perceber, raciocinar e agir." Winston (1992)

"IA é a arte de criar máquinas que executam funções que requerem inteligência quando executadas por pessoas." Kurzweil (1990)

Estas definições estão em "Fundamentos da inteligência artificial", Paulo Santos, 2006 (fei.edu. br/~psantos/slidesIA/CAP1_intro.ppt) 10/07/2014


IA no cinema


Vamos restringir a conversa a dois filmes: 2001 uma odisseia no espaço de 1968 e Transcendence – a revolução de 2014.

Stanley Kubrick e Arthur C. Clark são os responsáveis pelo filme 2001 uma odisseia no espaço de 1968. Estão lá temas como exploração do espaço, inteligência artificial, naves e estações interplanetárias e a existência ou não de outros seres na via láctea. E, importante, a interferência das tecnologias na evolução dos seres humanos.
Kubrick tem uma obra cinematográfica com marcas no antibélico e no pessimismo em relação à humanidade e seu futuro. Os 20 minutos iniciais do filme mostram a evolução de uma comunidade de macacos desde seu início como herbívoros até os hábitos carnívoros e a descoberta das armas (ossos de animais abatidos) que utilizam em defesa de seus territórios. A cena clássica do filme consiste num macaco lançando no espaço um osso que se transforma numa nave interplanetária.

A nave é controlada por um computador de nome Hal (Heuristically programmed ALgorithmic computer). Os astronautas dialogam em viva voz com Hal o tempo todo. Num certo momento da estória tem início os conflitos da tripulação com a máquina. Hal é desligado após a morte de um astronauta devido a sua influência. A máquina nasce, vive e morre como os seres vivos.
HAL é o computador consciente, eficiente, brilhante, dedicado, solidário, paranoico e assassino. Para Kubrick, é a culminação e o emblema de toda a época da tecnologia humana e suas falhas são as de seus criadores (James Berger, Helen Keller: a história da minha vida, Jose Olympio, 2008).

O vilão do filme é Hal, se é que se pode falar em vilão nos filmes de Kubrick. Será profecia? Pelo sim pelo não o belo e clássico filme de Kubrick deixa a interrogação: o que será, no futuro, a relação homem - máquina?

Transcendence, a revolução de Wally Pfister, 2014 é um filme com um bom argumento, mas tem um desenvolvimento (roteiro) a desejar.

A estória: Will Caster (Johnny Depp) é um pesquisador de IA que trabalha na construção de uma máquina consciente onde informações sobre conteúdo e emoção humana se correlacionam. Will com a palavra numa conferência:
O intelecto combinado dos neurocientistas, engenheiros, matemáticos e hackers desse auditório estão muito longe da mais básica IA. Quando funcionar, a máquina em questão irá rapidamente superar os limites da biologia. E em pouco tempo, seu poder analítico será maior que a inteligência coletiva de cada pessoa nascida na história do mundo. Agora imaginem tal entidade com toda gama da emoção humana, até com a autoconsciência. A jornada para a construção de tal superinteligência requer que desvendemos os segredos mais fundamentais do universo. Qual é a natureza da consciência? A alma existe? Se sim, onde reside?
Alguém da plateia pergunta:

Professor? Então você quer criar um Deus? O seu próprio Deus?
A resposta de Will: É uma ótima pergunta. Não é isso o que o homem sempre tem feito?

No dia da conferência acontecem vários atentados e alguns centros de pesquisa em IA são destruídos. A autoria destes atentados é de responsabilidade de um grupo neo-ludita liderados por Bree Nevins (Kate Mara) ex-aluna de ciência da computação, em 2010, do instituto de pesquisa onde trabalha Will.

Em tempo: o ludismo foi um movimento (anarquista) contra a mecanização do trabalho proporcionada pelo advento da revolução industrial no inicio dos 1800. Não à substituição da mão de obra humana pelas máquinas. Os luditas são lembrados como "quebradores de máquinas". Para o historiador Eric J. Hobsbawn o ludismo "era uma mera técnica de sindicalismo de operários no período que precedeu a revolução industrial e a organização operária". O neo-ludita (neo-Luddite), hoje, seria um combatente contra a disseminação exacerbada das novas tecnologias, principalmente a telemática. Militância anti-tecnologia.

De volta ao filme. Will Caster sofre um atentado mortal. E quem é o autor dos tiros a queima-roupa? O perguntador na conferência (Professor? Então você quer criar um Deus?). Antes de morrer Will pede à dedicada esposa Evelyn Carter (Rebeca Hall), também pesquisadora em IA, que transfira o que ele tem no cérebro para um computador. Ela faz o transplante com sucesso. Ai o bicho pega. O Will Carter virtual torna-se o Deus e o Diabo na terra ianque. A partir daí o filme fica roliúde como o Diabo gosta. Para acabar com o Will virtual até a união dos neo-luditas com o FBI e exército estadunidenses acontece.


Resumo da ópera


O cinema e IA não se bicam. E o primeiro tem posições conservadoras em relação à segunda? Si, pero no mucho. A questão é: a quem serve as pesquisas em IA? A quem serve as novas tecnologias? Para fabricar os drones do Obama e lançar bombas que assassinam civis (inclusive crianças) no Afeganistão? Para fabricar mísseis inteligentes israelenses que assassinam civis (inclusive crianças) na faixa de Gaza? Se for só para isto, pontos para os neo-luditas.

Mas não é assim. A visão maniqueísta não serve neste caso. Roliúde procura sempre o vilão e o mocinho. Evelyn Carter antes de ser abduzida pelo marido virtual disse na conferência acima citada: A efetividade de desenvolver uma inteligência artificial levou a um avanço significativo no campo da neuroengenharia, assim como no estudo do cérebro humano. Embora alguns foquem no ainda distante sonho de um computador pensante, eu acredito que a jornada é mais importante que o destino final. Minha prioridade é usar as percepções acidentais de meus colegas para criar novos métodos de descoberta precoce do câncer, e desenvolvermos uma cura para Alzheimer. Resumindo, para salvar vidas. Um novo modo de pensamento é essencial, se humanidade quer sobreviver e avançar a níveis superiores. Albert Einstein disse isso há mais de 50 anos. E não poderia ser mais relevante do que é hoje. Máquinas inteligentes nos permitirão em breve conquistar os nossos desafios mais difíceis.

Tudo bem IA pode servir a que a mocinha Evelyn se propunha na época. Ela citou Einstein. Ele participou do projeto Manhattan da bomba atômica que dizimou mais de 200 mil japoneses.

Estou mais com o pessimismo de Kubrick.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O nazi horror

 
Uma dúvida provisória: o porquê do ódio exacerbado aos judeus durante nazismo na Alemanha nos 1930 e 1940?


Ontem

O filme Arquitetura da destruição (Undergångens arkitektur) de Peter Cohen, DVD Versátil, 1989, ajuda a pensar sobre.

Além da estética nazista nas artes e arquitetura o filme descreve e analisa as bases de uma ideologia absurda que ajudou a transformar a sociedade alemã em uma realidade infernal. Em 1941 cerca de 70 mil doentes mentais foram assassinados. A eutanásia tornou-se a menina dos olhos da medicina nazista. O embelezamento do mundo é um dos princípios do nazismo. Dizia Hitler: muito tempo atrás o mundo era lindo, mas a miscigenação e degeneração poluíram o mundo.

Outra pérola do pensamento nazista. Ele via os judeus como um câncer que se alastrava. Como os judeus preservaram sua pureza racial eram eles os maiores rivais dos arianos na dominação do mundo. Na imaginação de Hitler, estava em um combate feroz contra seu mais forte e perigoso inimigo. Continuar na guerra sem lutar contra esse inimigo era incogitável para Hitler. Mais importante se tornava o extermínio. Para Hitler, perder a guerra não significava o fim do nazismo. A queda da Alemanha iria inspirar as futuras gerações. O extermínio dos judeus enfraqueceria a Alemanha, mas ela se ergueria, mais uma vez, das ruínas.

Outro filme importante sobre o nazi horror é o documentário dirigido por Alain Resnais "Noite e neblina" (Nuit et brouillard), DVD vídeo, 1955.


Hoje



Deu no portal Terra (http://www.terra.com.br/) em 03/07/2014: Bebê 'ariano ideal' em capa de revista nazista era judeu.

O bebê "ariano ideal" que aparece na capa de uma revista da propaganda nazista, em 1935, era, na verdade, judeu. A revelação foi feita pela própria pessoa na foto, Hessy Taft, hoje com 80 anos.

 

 

A mulher doou uma cópia da revista ao Museu do Holocausto, em Jerusalém, como parte da campanha Recolhendo Fragmentos, lançada em 2011 para estimular pessoas a doarem materiais ligados ao holocausto para que sejam protegidos pela posteridade. Hessy Taft, cujo sobrenome de solteira é Levinson, nasceu em Berlim em 1934, filha de pais judeus originários da Letônia. Ambos músicos, eles haviam chegado à Alemanha em 1928 para trabalhar como cantores de ópera.

A fotografia havia sido escolhida em um concurso promovido pelo Departamento de Propaganda Nazista, chefiado por Joseph Goebbels. A melhor entre cem imagens clicadas pelos melhores fotógrafos alemães representaria o "bebê alemão ariano ideal" e seria capa da revista.
 
 

Hessy Taft, hoje com 80 anos

Quando perguntada o que diria para o fotógrafo hoje, Hessy respondeu: "Eu diria: 'Que bom você teve coragem'".
 

A dúvida provisória continua?

 

 




 


quarta-feira, 25 de junho de 2014

Eleonora


Não me ame tanto. Não posso suportar um amor que é mais do que eu sinto por dentro.

Este foi o torpedo recebido pelo smartphone do Adolfo, em março de 2013. Eleonora, sua namorada na época, ouvia muito as músicas de Karina Buhr.

Depois do acontecido Eleonora considera o amor um vício acrescido de ciúme, um absurdo total.

O acontecido

“Amor, porque você não faz aquilo outra vez. Vem cá meu cabritinho!”. Era Eleonora clamando por Adolfo beijar seus seios e massagear freneticamente seu clitóris. Ela por sua vez com pinto dele enrijecido na mão. A seguir ruidosos orgasmos.  Estavam num motel lá pelos idos de 2011.

Um vulcão no sexo. “Na cama sou uma puta” dizia ela para as amigas. Personalidade forte, determinada, independente, segura, dedicada no trabalho, líder de grupo e uma incontrolável libido. Assim é Eleonora.

Adolfo conheceu Eleonora na balada. Não deu outra, ele se apaixonou por aquela mulher vulcão. No começo um mar de rosas. Viam-se dia sim dia não. Ele entrou de cabeça na relação e ela, apesar de apaixonada, com a cabeça no lugar.

“Você é sagrada para mim. Todo meu desejo incendeia com a tua presença. Não sei jamais o que se passa comigo quando estou contigo; parece que a minha alma se revolve em todos os meus nervos”. Foi o torpedo recebido de Adolfo. Um delírio digno do jovem Werther de Goethe. “Lindo! Um beijo flamejante” respondeu Eleonora.

Numa manhã chuvosa no apartamento do Adolfo. Ainda com uma ressaca da noite anterior ele diz: “Eleonora, porque não nos casamos?” Eleonora: “calma cabritinho, porque mudar? Está tão bom assim.” Ele, de uma família tradicional de Vitória, pensava no casamento como o coroamento de um amor eterno. Ela não. Onde começa o casamento acaba a relação homem mulher (Rose Marie Muraro).

Foi na balada que Eleonora conheceu o lado sombrio do namorado. Estavam numa boate em Vila Velha. Ela já com umas doses de vodca na cabeça começou a dançar com um amigo. Dançavam pra lá do trivial. Adolfo não gostou e partiu para o ataque. Agrediu o amigo e rolou um sapeca-iaiá no salão. Sobrou para a Eleonora que levou uns tabefes em pleno salão.

De todos os tormentos que afligem a alma o ciúme é o mais intolerável. Eleonora conheceu, naquela noite, o que significa conviver com a estupidez chamada ciúme.

O estopim.  Adolfo soube que Eleonora estava num motel. Como descobriu? Sem ela saber os celulares de ambos tinham o Foursquare, rede social que permite ao utilizador indicar onde se encontra. Eleonora estava no Status, motel tradicional situado na região de Vitória. A explosão veio a seguir. Discutiram dentro do carro e ela confessou que estava no Status.  Com uma amiga. Não deu outra. Adolfo deu um tapa na cara de Eleonora. Na hora ela parou o carro. Estava na direção e no meio da 3ª Ponte que liga Vila Velha e Vitória. Atracaram-se, mas ela tinha vantagem. Recuperou os golpes de judô que aprendera quando adolescente. Com uma chave de braço esganou Adolfo. Pensou em mata-lo. Mas desistiu. Ele saiu do carro cambaleando, tonto e com aquela coragem irresponsável se jogou no mar. Depois de 70 metros em queda livre se espatifou na água. Morreu. Em março de 2013.

Na polícia Eleonora declarou terem discutido e depois do tapa na cara se defendeu da agressão. A iniciativa de sair do automóvel foi do namorado.

Epílogo

Atualmente Eleonora mora em Salvador. Está grávida de 5 meses e será mãe solteira. Já tem o nome para a filha: Beatrix.

Ela continua com os cabritinhos e continua tendo problemas com amor demais.

 

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Formação profissional em engenharia

                    Introdução

    A atribuição profissional em engenharia é vinculada a conteúdos programáticos desenvolvidos no decorrer do curso de graduação. Objetivamos discutir estas atribuições noutro nível. No nível das competências e habilidades que estão nas Diretrizes Curriculares nacionais dos cursos de graduação no Brasil, que deveriam estar nos Projetos Pedagógicos destes cursos e constam da caracterização do perfil de formação padrão dos egressos na Resolução 1010 do CONFEA.
    Para isto faremos uma reflexão sobre a formação em engenharia no contexto da teoria – prática e o conhecimento estrutura. A seguir trataremos das competências e habilidades no âmbito das Diretrizes Curriculares e nas formulações dadas pelos cursos.
    Será que estas competências estão visíveis nos Projetos Pedagógicos? Como estão impregnadas no dia a dia da vida escolar do estudante e da estudante de engenharia? Quais as responsabilidades do CONFEA na averiguação destas atribuições?
    No popular, a ideia é pegar no pé da escola e do CONFEA sobre esta questão, pois será uma oportunidade de discutirmos a melhoria da qualificação profissional de engenharia no Brasil.
     
     
    Um resumo do texto em forma de mapa (IHMC Cmap tools)
    
     
                Teoria - prática e o conhecimento estrutura

    "Experiência não é o que se fez, mas o que se faz com aquilo que se fez". Esta frase de Aldous Huxley nos dá o caminho para entender a relação teoria-prática. Agimos sobre os objetos e interagimos com eles e com as pessoas. A ação que leva ao êxito não é suficiente para produzir conhecimento. A ação que constrói conhecimento é aquela que se apropria dessa primeira ação que levou ao êxito (Becker, 2005). Esta segunda ação é a compreensão (teoria) da primeira ação (prática). Teoria não antecede a prática ou vice-versa. Teoria e prática têm uma relação dialética operando entre o todo e o específico, entre tese e a antítese, a interpenetração dos contrários e a negação da negação.
    Um exemplo: como aprendemos sobre o objeto transformador? Em aula desenhamos o transformador e explicamos os princípios físicos de funcionamento. O desenho é uma representação e portando conversamos baseados num símbolo. Em laboratório nos deparamos com o objeto concreto transformador. A experiência mostra o dispositivo operando e comprovando o analisado em aula. Houve aprendizagem? Não. Até aqui as ações não foram suficientes para a compreensão do objeto apesar do êxito nos passos anteriores. O estudante aprende quando passa para o segundo estágio da reflexão (ou abstração) sobre os acontecimentos. A relação de espiras versus relação de tensão entre primário e secundário, a corrente de magnetização e as perdas no núcleo serão compreendidas e apreendidas neste estágio. O todo e o específico serão parcialmente aprendidos. Porque parcialmente? Porque o conhecimento sobre o transformador será completado com o projeto, a construção e os testes de laboratório. Observe que há uma interdependência entre estes três estágios da aprendizagem: a aula, o experimento e o projeto. Como vimos a teoria e a prática estão inseparavelmente correlacionadas.
    Os currículos atuais de engenharia têm a predominância excessiva dos conteúdos. Não fazem referência ao processo de assimilação destes conteúdos. É a face conteudista do ensino tradicional presente na maioria dos projetos pedagógicos em engenharia. "O ideal da educação não é aprender ao máximo, maximizar os resultados, mas é antes de tudo aprender a aprender, é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola" . Deveríamos nos preocupar mais com o conhecimento-estrutura, isto é, o conhecimento construído que funciona como condição de assimilação de qualquer conteúdo. O objetivo não é estocar conteúdos que estão nos livros, mas a construção de estruturas cognitivas que visem o aumento da capacidade de aprendizagem. Neste contexto os conteúdos terão função instrumental e deixarão de ser um fim em si mesmo.
    Um colega professor visitou uma empresa de telecomunicações e procurou saber dos gerentes a atuação dos egressos de graduação de sua escola. Responderam que eram bons profissionais. Tinham boa formação nos conhecimentos específicos de telecomunicações e sabiam de computação, mas eram deficientes num quesito. Quando frente a um problema novo, inédito, mostravam-se inseguros e tinham dificuldades em enfrentá-lo. Os profissionais tinham bom conhecimento - conteúdo e deficientes quanto ao conhecimento - estrutura. Bons operadores, mas deficientes criadores de coisas.
     
    Diretrizes curriculares e estado atual do ensino em engenharia no Brasil
     
    A resolução CNE 11, de 11 de março de 2002 institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em engenharia no Brasil (CNE, 2002)). A formulação destas diretrizes teve a participação das escolas de engenharia e do CONFEA. Esta resolução diz nos Artigos 3º, 4º e 5º o seguinte:
    Art. 3º O Curso de Graduação em Engenharia tem como perfil do formando egresso/profissional o engenheiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a absorver e desenvolver novas tecnologias, estimulando a sua atuação crítica e criativa na identificação e resolução de problemas, considerando seus aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais, com visão ética e humanística, em atendimento às demandas da sociedade.
     
    Art. 4º A formação do engenheiro tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais:
    I - aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, tecnológicos e instrumentais à engenharia; II - projetar e conduzir experimentos e interpretar resultados; III - conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos; IV - planejar, supervisionar, elaborar e coordenar projetos e serviços de engenharia; V - identificar, formular e resolver problemas de engenharia; VI - desenvolver e/ou utilizar novas ferramentas e técnicas; VI - supervisionar a operação e a manutenção de sistemas; VII - avaliar criticamente a operação e a manutenção de sistemas; VIII - comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica; IX - atuar em equipes multidisciplinares; X - compreender e aplicar a ética e responsabilidade profissionais; XI - avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental; XII - avaliar a viabilidade econômica de projetos de engenharia; XIII - assumir a postura de permanente busca de atualização profissional.
     
    Art. 5º Cada curso de Engenharia deve possuir um projeto pedagógico que demonstre claramente como o conjunto das atividades previstas garantirá o perfil desejado de seu egresso e o desenvolvimento das competências e habilidades esperadas. Ênfase deve ser dada à necessidade de se reduzir o tempo em sala de aula, favorecendo o trabalho individual e em grupo dos estudantes.
     
    Competência é um conjunto de conhecimentos. Implica na mobilização dos conhecimentos e esquemas cognitivos necessários para desenvolver respostas inéditas, criativas, eficazes para problemas novos. Habilidades correspondem ao saber fazer relacionado à prática do trabalho mental. Exemplos de habilidades: identificar variáveis, compreender fenômenos, relacionar informações, sintetizar, correlacionar. As habilidades devem ser desenvolvidas na busca das competências que correspondem ao conjunto de habilidades harmonicamente desenvolvidas e que caracterizam uma função/profissão: ser arquiteto, ser professor de história, ser advogado, ser engenheiro.
     
    As competências e habilidades discriminadas no Artigo 4º das Diretrizes Curriculares sinalizam uma formação em engenharia para além dos conteúdos e dão margem à aquisição do que denominamos conhecimento estrutura.
     
    O nó górdio está na execução deste Artigo.
     
    Uma pergunta pertinente: como um curso de engenharia deve conceber um projeto pedagógico que demonstre claramente como o conjunto das atividades previstas garantirá o perfil desejado de seu egresso e o desenvolvimento das competências e habilidades esperadas?
     
    Uma resposta possível: na abordagem pedagógica adotada pelo curso. Vejo com dificuldades a implementação das competências e habilidades requeridas pelas Diretrizes Curriculares no interior de uma abordagem tradicional e/ou comportamentalista. Considero estas as duas abordagens predominantes no ensino de engenharia no Brasil.
     
    A abordagem tradicional privilegia a transmissão de conhecimento sendo o professor o polo transmissor e o estudante o polo receptor. Parte da premissa de que a inteligência ou qualquer outro nome dado à atividade mental seja uma faculdade de acumular e armazenar informações. A ênfase é dada às situações de sala de aula, onde os alunos são "instruídos" e "ensinados" pelo professor (Mizukami, 1986).
    Na abordagem comportamental ensinar consiste num arranjo e planejamento de contingências de reforço (realimentação) sob as quais o estudante aprende e é de responsabilidade do professor assegurar a aquisição do comportamento. Os comportamentos desejados para os alunos serão instalados e mantidos por condicionantes e reforçadores tais como: elogios, notas, prêmios, reconhecimentos do mestre e dos colegas, prestígios etc.
    Passei boa parte de minha vida profissional como educador no ambiente de ensino tradicional. E nele inserido. Nos últimos dez anos tenho feito uma crítica desta abordagem pedagógica e procurado alternativas metodológicas em que a postura do professor dê maior autonomia ao estudante no processo de aprendizagem. Alternativas em que o professor tenha mais o papel de orientador (e não irradiador de conhecimento) e o aluno o de pesquisador.
     
    De um modo geral nossos alunos pensam a aprendizagem como o estudar a teoria e fazer aplicações ou exercícios. Por outro lado tem-se uma intensa convivência cooperativa com os colegas. O ensino tradicional, em que o professor é o centro do processo, desconsidera formas de pensar baseadas na interação e na autonomia. Por que não utilizar de estratégias pedagógicas que aproveitem o modo natural de aprender centrado numa visão sistêmica e não fragmentada do conhecimento e façam dos estudantes os autores da produção deste conhecimento? Por que não utilizar estratégias em que a aprendizagem passaria a ser vista como um processo onde teoria e prática não se dissociam? (Cardoso, 2007)
    Algumas experiências pedagógicas inovadoras têm sido realizadas em alguns cursos de engenharia. Cito duas: a aprendizagem baseada em problemas e a metodologia de projetos. No departamento de Engenharia Elétrica da UFES, na área de telecomunicações, temos algumas experiências com a metodologia de projetos. Notadamente em eletromagnetismo.
    O projeto como metodologia, vista a partir de uma visão construtivista é centrada na cooperação, no interesse e na autonomia e se constitui num processo de integração e construção do conhecimento. Questões como projeto, planejamento, resolução de problemas reais de engenharia, comunicação, atuação em grupo, a síntese e a integração de conhecimentos formam um esboço de competências e habilidades fundamentais na discussão do novo perfil que desejamos para o profissional em engenharia. O projeto para aprender opera como uma iniciação ao projeto de engenharia visto nos períodos finais do curso.

    Na Tabela 1 abaixo apresentamos as visões diferenciadas de como as competências e habilidades são vistas na abordagem tradicional e na visão da metodologia de projetos.
     
     
     
    Tabela 1: As competências e habilidades das Diretrizes Curriculares
    nas abordagens por projetos e na abordagem tradicional
     
    As experiências pedagógicas citadas ainda são iniciativas isoladas de algumas disciplinas ou grupos de docentes. Não são ações do curso explicitadas no projeto pedagógico e implementadas no decorrer dos semestres letivos.
    Vale, finalmente, destacar o papel do estágio curricular e a formação humanista na formação em engenharia.
    O estágio é visto pela escola brasileira de engenharia como uma disciplina e não como uma complementação fundamental na formação. Deveria estar a serviço de aquisições importantes no âmbito do gerenciamento de projetos, das relações sociais no trabalho, da atuação em equipe, da viabilidade econômica dos projetos e os impactos das atividades de engenharia no contexto social e ambiental. Tenho consciência que isto será viável através de uma coordenação eficiente gerenciada pela escola e pela empresa.
    Quanto à formação humanística convém ressaltar que a inteligência, no sentido amplo, além das competências compreende o entendimento do meio em que estamos inseridos. E a partir daí ter uma visão crítica deste meio. De forma geral nossos alunos não leem jornal, não leem livros que não os livros técnicos e não participam de atividades sociais que não as baladas e festas. É muito pouco para a capacitação profissional em engenharia. Em conversas com estudantes e colegas da área de humanidades é comum se referirem aos engenheiros como pessoas que sabem fazer contas e que pensam nos limites das questões objetivas. Será que é esta a imagem que desejamos para a inteligência em engenharia?
     
    Colegas de trabalho na universidade se espantam com o fato de que nossos alunos e alunas não sabem escrever. A gramática está distante. Aprende-se a escrever lendo e escrevendo. A pergunta é: quando são solicitados a escrever durante 5 anos de curso? Nas provas escritas e nos relatórios de laboratório. Serão suficientes?
     
              A resolução 1010/2005 CONFEA
     
      A resolução 1010 do CONFEA diz que cada curso oferecido pela escola deve possuir um perfil profissional de conclusão próprio, com diferentes competências e habilidades determinadas em função das especificidades de cada região ou escola. E explicita nos anexos da resolução, sobre o cadastramento institucional:
      Informações dos cursos: Caracterização do perfil de formação padrão dos egressos de cada um dos cursos relacionados, com indicação das competências, habilidades e atitudes pretendidas.
      Projeto político pedagógico do curso: Caracterizando a estrutura curricular, mediante módulos, disciplinas e atividades, cargas horárias, bem como ementário, conteúdo programático e bibliografia básica, que devem levar ao perfil de formação desejado.
      Uma constatação relevante, no momento, é que nem a escola e nem o CONFEA explicitam o como identificar e implementar as competências e habilidades requeridas. E o mais delicado: como medir estes requisitos.
      Uma proposta de ação relevante atualmente: continuar a parceria escola / CONFEA criando espaços de discussão e formulando propostas que viabilizem estratégias de implantação das competências e habilidades nos cursos de engenharia. O CONFEA tem a experiência da prática profissional. A escola tem a experiência de formação profissional.

      Referências

      Becker, Fernando, "Um divisor de águas" Revista Viver: mente&cérebro, Coleção Mémória da Pedagogia, Segundo Duetto, 2005

      CNE, Resolução CNE/CES 11/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 09/04/2002. Seção 1, p. 32.

      Mizukami, Maria da Graça, "Ensino: abordagens do processo", EPU, 1986

      Cardoso, P. Edson, "Projetos de aprendizagem mediados por ambientes virtuais no ensino de engenharia elétrica", Tese de doutoramento, PPGEE, UFES, 2007