domingo, 31 de outubro de 2021

Velocidade de internet no Brasil está abaixo da média e expõe desigualdade

Índice da Ookla põe país na 76ª posição de ranking sobre redes móveis

Paula Soprana, Folha de São Paulo, 31/10/2021

A velocidade da internet móvel brasileira está abaixo da média global, de 63.15Mbps para download. Um índice recente mostra que o país ocupa o 76º lugar entre 138 nações. Embora a conexão avance ano a ano, a baixa performance é reflexo da desigualdade de acesso, segundo analistas.

A velocidade média deriva, principalmente, da distribuição de antenas por habitantes  - a alta demanda por dados tende a congestionar o tráfego.

O Brasil (com 33,92 Mbps) é o quarto da América Latina e Caribe, atrás de Suriname, Jamaica e Uruguai, segundo relatório trimestral da Speedest Global Index, da Ookla, empresa que faz medições de internet.

Os Emirados Árabes Unidos, com velocidade quase quatro vezes mais rápida que a média global, ficam em primeiro lugar, não apenas por investimento, mas porque as cidades mais povoadas estão concentradas em meio ao deserto. Dubai, com o maior número de habitantes, tem cerca de 3,4 milhões de pessoas.

Na internet fixa, o Brasil se sai melhor, com 113,09 Mbps, próximo à média global, de 113,25 Mbps. São Paulo tem um dos índices mais rápidos (25,08 Mbps) entre as capitais brasileiras, mas os contrastes na cidade e na região metropolitana evidenciam parte do problema enfrentado no país.

Enquanto o bairro Itaim Bibi, na zona oeste, tem quase 50 antenas para 10 mil habitantes, em locais mais pobres como Cidade Tiradentes, José Bonifácio e Jardim Helena, a proporção cai para uma antena a cada 10 mil pessoas, de acordo com o Mapa da Desigualdade, divulgado em setembro.

Antena de transmissão de sinal na região rural da cidade de Itu, Zanone Freissat/Folhapress

A média da cidade, que está entre as mais conectadas, é de 2.500 habitantes por antenas. Um número aceitável, segundo padrões da UIT (União Internacional de Telecomunicações), varia de 1.000 a 1.500 habitantes por antenas. Considerando as pessoas que trafegam pela cidade todos os dias, supera 3.500. No caso de Cidade Tiradentes, são quase 17 mil por antena.

Além da velocidade, outros aspectos influenciam a qualidade de acesso. O país tem 87% de usuários de internet, segundo o Cetic.br, mas muitos possuem conexão apenas às redes sociais incluídas como bônus em planos pré-pagos vendidos pelas operadoras. Para a UIT, é considerado usuário quem se conectou ao menos uma vez nos últimos três meses.

"Não podemos chamar isso de conectado. Quase 75% dos usuários móveis usam pré-pago, com aplicativos para acessar livremente, claro, pagando com seus dados pessoais. Se a pessoa acessar Facebook e WhatsApp já é considerada usuário, mas não está conectada de forma abrangente", diz Luca Belli, professor da FGV Direito Rio e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV.

Ele aponta, também, para o custo de conexão, que chega a 15% ou 20% do salário mínimo em muitos dos casos. Além de velocidade baixa nas regiões mais pobres, quem não possui capacidade de pagar um plano com acesso pleno à internet obtém o que Beli chama de "fake news subsidiada".

Para Flavia Lefèvre, advogada na área de telecomunicações, o desempenho do país em internet banda larga fixa é superior na comparação com internet móvel porque ele resultou de política pública. Muito do tráfego ainda está associado a contratos de concessão que estão no regime público, portanto atendem a metas de investimento. O setor móvel é exclusivamente atendido pelo setor privado, que prioriza investimento onde há retorno financeiro.

"É uma política pública de investimento em infraestrutura insuficiente, que não conseguiu estimular os investimentos necessários para atender a demanda de acesso, e isso ficou muito claro na pandemia", diz. Ela se refere aos acordos de operadoras com a Anatel para degradar um pouco o tráfego e permitir que todos tivessem acesso.

Na sua avaliação, os benefícios diretos da tecnologia 5G, cujo leilão está marcado para 4 de novembro, podem demorar em torno de oito anos para chegar à população mais pobre. "É preciso instalar muitas antenas e, também, implementar rede de fibra ótica, porque o 5G não funciona só com antena, é preciso fibra para ancorar o funcionamento das estações. As empresas vão fazer investimento em fibra nas periferias?"

O estudo da Ookla concluiu que a Claro tem, na média, a velocidade de internet móvel mais rápida, considerando o terceiro trimestre de 2021. Em segundo lugar vêm Vivo, Tim e Oi.

Já os smartphones considerados mais velozes foram o iPhone 12 5G, com o maior desempenho para fazer downloads. A Apple ocupou as três primeiras posições. Em quarto lugar, está o Galaxy Note20 Ultra 5G, com uma velocidade média de 37,73 Mbps.



Decreto reduz poderes de prefeitos na instalação de antenas de celular para acelerar ampliação de redes

Daniel Carvalho e Julio Wiziack, 01/09/2021

Com planos de realizar o leilão do 5G no próximo ano, maior certame da história, o presidente Jair Bolsonaro editou um decreto nesta terça-feira (1), que reduz poderes das prefeituras que hoje dificultam a instalação de antenas de celular no país. Para as teles, este é um dos maiores entraves para o avanço da cobertura de telefonia no país e uma das principais barreiras para a chegada da telefonia de quinta geração.

"Ano que vem teremos o leilão de 5G e, se não fosse o decreto das antenas, isso não seria possível", disse o ministro das Comunicações, Fabio Faria (PSD-RN) durante cerimônia ocorrida no Palácio do Planalto que contou com a presença dos presidentes dos três Poderes.

De acordo com as novas regras, a partir de agora, as operadoras só precisarão informar à Anatel onde pretendem instalar sua infraestrutura (cabos, centrais e antenas), entrar com pedido nas prefeituras,  que não poderão mais cobrar pelo cabeamento em postes ou instalação de fibras sob vias públicas.
O licenciamento ambiental, que antes fazia o processo levar mais de dois anos, também sofreu mudanças. O decreto estabelece que, vencido o prazo de dois meses pela secretaria municipal, a licença de instalação estará automaticamente aprovada, o que no jargão jurídico se conhece como “silêncio positivo”.

Em contrapartida, essa infraestrutura instalada já sob os efeitos das novas regras terá, obrigatoriamente, de ser compartilhada entre as teles mediante remuneração para quem for o detentor da rede. O compartilhamento, no entanto, só valerá para serviços públicos. Ou seja: para a prestação da telefonia fixa, que está em desuso.

Para os demais serviços, como internet e telefonia celular, o compartilhamento segue a diretriz atual da Anatel, que permite cobrança pelo acesso às redes em locais onde uma concorrente precisa prestar o serviço mas não quer investir na construção de sua própria rede. Essa medida resolve um dos imbróglios para a chegada do 5G. A nova tecnologia permite velocidades de navegação até cem vezes maior que a do 4G. Para isso, no entanto, as empresas precisarão instalar dez vezes mais antenas do que têm hoje em serviço.

Sem o decreto, havia dúvidas no setor se seria viável implantar a nova tecnologia, que permitirá aplicações como cirurgias à distância, carros autônomos, máquinas autossuficientes. O 5G abre a perspectiva do que o governo chama de “indústria 4.0”, que prevê, por exemplo a automação completa das linhas produtivas.

Apesar da pressa devido ao leilão do 5G, as empresas de telefonia aguardam esse decreto desde 2015, quando o Congresso aprovou a Lei Geral das Antenas (LGT).

A LGT estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações --algo previsto para servir de base à prestação de serviços públicos. Isso ocorrerá sempre que uma prestadora, sem rede instalada em determinada localidade, quiser alugar parte das estruturas físicas de sua concorrente naquele local, como postes, torres e dutos.

Segundo a Secretaria da Presidência da República, neste caso, o decreto buscou "regulamentar a implantação conjunta de redes de telecomunicações em obras de infraestrutura de interesse público e ordenar o relacionamento entre as prestadoras de serviços de telecomunicações e as gestoras das obras”.
Os detalhes dessa rede precisarão ser informadas à Anatel, que ficará incumbida de organizar o compartilhamento das redes.

O presidente do Sintelebrasil, associação que representa as operadoras de telefonia, Marcos Ferrari, disse que a dispensa de licenciamento para antenas de pequeno porte, como as mini-ERBs de 4G e 5G, o reforço da gratuidade do direito de passagem de infraestrutura de telecomunicações em bens de uso comum do povo, e o silêncio positivo foram um avanço para o setor.

"Caso nossas expectativas se confirmem, será um grande passo para se promover a conectividade, tão essencial para a população brasileira", disse Ferrari.
 
 
 
Estudo de entidade ligada às operadoras considera legislação para a instalação de antenas; leilão está previsto para amanhã
 
Anne Warth, O Estado de S.Paulo, 03 de novembro de 2021

Às vésperas do leilão do 5G, marcado para quinta-feira, 4, apenas sete das 27 capitais brasileiras estão totalmente preparadas para a nova tecnologia de comunicações, de acordo com o Conexis Brasil Digital, entidade que reúne as principais operadoras que atuam no País. A licitação prevê que as empresas comecem a oferecer o 5G até 31 de julho de 2022, mas o cumprimento desse compromisso e a qualidade do serviço dependem, também, dos próprios municípios, explicam as teles.

A avaliação do Conexis usa como referência a lei municipal de antenas de cada capital e o grau de aderência aos dispositivos da legislação federal sobre o tema – a Lei Geral de Antenas (LGA), de 2015. Esse texto traz uma série de regras que facilitam a instalação de antenas, que hoje possuem o tamanho de caixas de sapato. Outro critério usado pela entidade é o processo de liberação de antenas em cada municípios e o tempo de análise e liberação após o pedido das companhias.

A necessidade de antenas para o 5G é bem maior do que para frequências como o 2G, 3G e 4G, e, embora a competência sobre a instalação de antenas seja da União, muitos municípios avançam sobre o tema ao impor restrições a esse tipo de equipamento por meio de leis sobre uso e ocupação do solo. O resultado disso é a queda na qualidade dos serviços e sinais intermitentes, já que as antenas são cruciais para uma internet de qualidade e estável.

“Quanto mais adaptada a lei municipal à LGA e quanto mais célere o processo de avaliação dos pedidos de licença, mais rápido o 5G estará disponível para o município e para o consumidor”, afirmou o presidente do Conexis, Marcos Ferrari.

Lista

Por esses indicadores, as capitais mais preparadas para o 5G são Boa Vista, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Palmas, Porto Alegre e Porto Velho. De acordo com Ferrari, a capital gaúcha se tornou referência para o 5G. “Além de ter uma legislação aderente à LGA, o processo de emissão de licenças para antenas é totalmente informatizado, sem intervenção humana, e é liberado uma hora após o pedido”, disse. Antes dessas mudanças, cada pedido levava até dois anos para ser processado.
Nessas cidades, a lei não impõe condicionamentos que afetem a topologia das redes e a qualidade ou impõe vedações para a prestação do serviço de telecomunicações. Esses municípios tampouco estabelecem limites de exposição humana à radiação não ionizante – uma competência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – ou licenciamento para miniantenas, nem cobram taxas por direito de passagem.

Quatro capitais estão em fase de adaptação para a nova legislação. São elas: Belo Horizonte, Florianópolis, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo Ferrari, esses municípios estão em diálogo com as operadoras e pretendem fazer mudanças em suas leis para que elas se tornem aderentes à legislação federal
 

Valter Hugo Mãe: o pensamento indígena é um poema pronto

Em novo livro, Valter Hugo Mãe diagnostica 'As doenças do Brasil'

Digo que fiz 50 anos, mas ainda não cicatrizou. Estou com a idade em ferida aberta. 

Autor português, que participa virtualmente da Flitabira neste domingo, escreve romance ‘perturbador’ passado no período colonial e fala sobre envelhecimento: ‘idade em ferida aberta’

Ruan de Sousa Gabriel, O Globo, 31/10/2021

O escritor português Valter Hugo Mãe Foto: Agência O Globo

Desde que começou seu caso de amor com o Brasil, há mais de uma década, o escritor português Valter Hugo Mãe vem prometendo escrever um romance que se passe no país. Ele, enfim, terminou o livro, lançado mês passado em Portugal, mas avisa: não é nenhuma “carta de amor inofensiva”. “As doenças do Brasil” será publicado pela Biblioteca Azul (selo da Globo Livros) no final de novembro. O romance bota o dedo da ferida da colonização. Meio da Noite, um negro fugido, é acolhido numa aldeia e faz amizade com Honra, filho de uma indígena e de um estuprador branco.

O colonialismo português está inscrito na própria biografia de Valter Hugo Mãe, que nasceu em Angola, em 1971, quando o país africano ainda era colônia lusa. Hoje, ele conversa com o pensador indígena Ailton Krenak no Festival Literário Internacional de Itabira (Flitabira). De Vila do Conde, em Portugal, falou por telefone ao GLOBO de seu encanto com o pensamento indígena e desejou que o país possa superar “tempos de ódio” e “regressar à alegria”.

Você completou 50 anos mês passado. Em 2011, veio à Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e disse que, à medida que os 40 anos se aproximavam, desejava mais em ter filhos. Que desejo os 50 anos lhe trouxeram?

Digo que fiz 50 anos, mas ainda não cicatrizou. Estou com a idade em ferida aberta. Em todos os lugares para onde vou, alguém aparece com um bolo para celebrar. Faço muito mal aniversário. Ser um senhor de 50 anos parece solicitar de mim demasiada responsabilidade. Senti que precisava conquistar algo que fosse muito importante para mim. Coloquei como objetivo fundamental terminar o livro sobre o Brasil antes de completar a década. Pensei: vou envelhecer, mas vou criar uma recompensa. Acho sinceramente que é meu romance mais robusto, no qual alcanço uma linguagem mais exuberante e minhas capacidades imaginativas e poéticas me satisfazem mais.

Está ansioso para saber o que os brasileiros vão achar do livro?

Estou. Não quero que os leitores fiquem incólumes ao que escrevo. “As doenças do Brasil” vai levantar questões perturbadoras. Já disse milhões de vezes que adoro o Brasil e está inscrito na minha identidade, mas não queria que este livro fosse uma carta de amor inofensiva, uma carícia.

O título faz referência a um sermão do Padre Antônio Vieira (1608-1697), que afirma que as doenças do Brasil são “tomar o alheio, cobiças, interesses, ganhos e conveniências particulares, por onde a justiça se não guarda, e o Estado se perde”. O país continua sofrendo dessas doenças?

Muito. Ao contrário do vasto corpo da Europa, que está ressequido, um pedregulho com construções museológicas, o Brasil ainda é fisicamente rico. Vocês vivem em cima de um tesouro, que é apetecível para todas as usurpações e espoliações. O Brasil parece chamado constantemente ao purgatório, mas conserva os traços de um país menino, que possibilita certo sonho. Sou casmurro e ainda espero muito do Brasil. Quero ver estes tempos de ódio passarem e o país regressar à alegria de anos recentes.

Por que escrever sobre o encontro de indígenas com negros que fugiam para quilombos na Amazônia?

Para ter uma visão mais perene do que podiam ser as essências brasileiras, foi-me impossível afastar do imaginário os povos indígenas. Comecei a entender a importância que eles dão à palavra como criadora. Para um escritor, isso é uma profunda maravilha. A literatura quer competir com Deus pelo direito de criar pela palavra. Pensei que fazia sentido escrever sobre a criação do Brasil do ponto de vista dos povos originários. Eles habitavam seus territórios sem imaginar que seriam confiscados a fazer parte desse nome, “Brasil”. Como terá sido entenderem-se parte desse nome criador do qual já não podem mais sair? Quis que meu livro fosse independente da “fera branca”, que fosse a história do encontro dos povos vermelhos com os povos negros, resistindo ao mesmo inimigo.

Como o pensamento indígena inspirou o livro?

O pensamento indígena é um poema pronto. Os poemas de que sou capaz são postiços, encenações de uma mente estudiosa. Já as convicções dos povos indígenas trazem uma poética que parece derramar das árvores com a naturalidade de uma macieira que produz uma maçã. A distância que existe entre as nossas filosofias e as deles só é comparável ao deslumbre da poesia. Leituras de Davi Kopenawa e Ailton Krenak me inspiraram muito. A dada altura, parei de ler e até de procurar Krenak, porque cada mensagem dele me deslumbrava. Precisava de margem para inventar.

O pensamento indígena pode nos ajudar a enfrentar as doenças do Brasil?

Sem dúvida. O pensamento indígena é profundamente equilibrado com o planeta, em paz com as urgências da sobrevivência da Humanidade. Não temos que debater a legitimidade de eles viverem como vivem, mas a legitimidade de nossas formas de vida tão ofensivas.

Por que quis debater os traumas do colonialismo?

Portugal desistiu de pensar o passado recente. Estamos nos tornando mais europeus, preocupados em trabalhar, pagar conta, assinar Netflix, comprar roupa na Zara. Mas colonizar é dispor do nativo, em seu próprio território, como se ele nos fosse uma coisa útil. É nojento. É claro que maravilhas, como o Brasil, também foram criadas nesse processo histórico, mas devemos nos lembrar de tudo começou com um ato de violência.

Bienal do Livro Rio, maior festival literário do país, confirma autores internacionais para vigésima edição


sábado, 30 de outubro de 2021

Karim Aïnouz

Fazer cinema no Brasil nesse momento terrível é um privilégio', diz Karim Aïnouz

Diretor premiado em Cannes lança filme rodado na Argélia sobre a mãe, que o criou sozinha, e diz que não pretende documentar distopia do governo Bolsonaro para não contribuir com discurso da desesperança

Mônica Bergamo. Por Lígia Mesquita, Folha de São Paulo, 23/10/2021 

O Brasil tem mais de 11,5 milhões de mães solo, segundo o levantamento mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A cearense Iracema Lima Aïnouz foi uma dessas mulheres que criam sozinhas seus filhos.

No início dos anos 60, grávida de seu primeiro e único filho, a bióloga retornava sozinha ao Brasil após uma temporada de estudos nos Estados Unidos. O marido, um engenheiro hidráulico argelino que conhecera em solo norte-americano, prometeu que logo a encontraria em Fortaleza (CE), mas nunca mais apareceu.

Fruto desse relacionamento, o cineasta Karim Aïnouz, 55, viria a conhecer seu progenitor só aos 18 anos, em Paris, já criado e educado pela mãe, a avó e quatro tias. Quase 40 anos depois, achou que era hora de conhecer outra parte dessa história: o país de origem do pai. Em 2019, desembarcou em Argel, na Argélia.

O cineasta cearense Karim Aïnouz, em registro de Bob Wolfenson; Karim dirigiu 'A Vida Invisível', filme ganhador da mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, em 2019 - Bob Wolfenson

A viagem de dois meses em busca de suas origens no início de 2019 resultou no longa autobiográfico "O Marinheiro das Montanhas". https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/07/karim-ainouz-em-cannes-reflete-sobre-sua-origem-com-marinheiro-das-montanhas.shtml Após estrear no Festival de Cannes deste ano, a produção da VideoFilmes com Globo Filmes e GloboNews e distribuição da Gullane será exibida na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em sessões neste domingo (24) e no dia 2 de novembro, e no dia 3 de dezembro, no CineCeará, em Fortaleza.

"Achava que seria um filme sobre o meu pai, mas descobri que era sobre minha mãe. Queria entender de onde era aquele homem por quem ela se apaixonou", diz Aïnouz, por videochamada de Berlim, onde vive desde 2009. "É um retrato dela, de como foi reconstruir a vida desse lugar de abandono, de mãe solo. E também um retrato da Argélia pós-revolução [pela independência da França]."

Iracema Lima Aïnouz, mãe de Karim, em cena do filme autobiográfico do diretor, 'O Marinheiros das Montanhas' - Divulgação

O diretor conta que tomou a decisão de transformar sua história pessoal em cinema por querer que sirva de inspiração. "Ela era uma cientista na época em que as mulheres não podiam estudar, depois foi mãe solo. A história dela não é exceção, muito pelo contrário", diz. Iracema morreu aos 85 anos, em 2015.

A familiaridade com o feminino e sua dor e seu senso de humor, segundo Aïnouz, o ajuda de alguma maneira a criar narrativas visuais com mulheres fortes. Foi assim em "O Céu de Suely", "Abismo Prateado" e "A Vida Invisível", que rendeu ao Brasil, pela primeira vez, o prêmio de melhor filme da da mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, em 2019. 

Quando estava na Argélia rodando "O Marinheiro das Montanhas", outra mulher cruzou seu caminho quando decidiu participar de uma manifestação contra o governo local no Dia da Mulher: Nardjes A. Ele registrou com o celular a atriz e ativista e saiu do país com um segundo filme, o documentário "Nardjes A.", exibido no Festival de Berlim em 2020.

"Tentei fugir dessas personagens femininas em ‘Praia do Futuro’ [estrelado por Wagner Moura] e ‘Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo’ [com Irandhir Santos], mas elas vêm até mim. Acho que é um acerto de contas", diz. "O patriarcado é muito tóxico e a violência que ele engendra parece ‘normal’. Nós que trabalhamos contando histórias devemos jogar luz sobre essas injustiças."

Essa conta com o universo feminino ainda não está zerada. Após levar o prêmio em Cannes, Aïnouz recebeu propostas para projetos internacionais. E diz ter aceitado aquela que lhe apresentou outra mulher com uma história fascinante: Catarina Parr (1512-1548), a última das seis esposas do rei Henrique 8º (1491-1547), da Inglaterra.

Parr ficou viúva duas vezes antes de se casar com o monarca e chegou a ser rainha regente pelo tempo em que ele ficou afastado. Foi uma das principais incentivadoras da Reforma Protestante e a primeira mulher a publicar um livro em língua inglesa assinando o próprio nome.

A produção será estrelada pela atriz norte-americana Michelle Williams, indicada quatro vezes ao Oscar. "É uma personagem fascinante. Ela defendia a educação, tinha ideias revolucionárias, mas fazia isso estando dentro da corte. Tinha um quê de softpower ali", diz.

Para entender a personagem, Aïnouz conta ter se debruçado sobre a história do período colonial da Inglaterra. Fez algumas aulas sobre o tema com um professor do Quênia. A ideia era ter um olhar sobre o período do ponto de vista dos colonizados.

Em novembro, ele se muda temporariamente para Londres, onde começará a produzir o filme de época, sua primeira ficção em inglês. Quando terminar esse trabalho, diz que pretende voltar a contar suas histórias no Brasil. Tem a ideia de falar sobre a juventude de Fortaleza que vive em reformatórios.

Conta que chegou a pensar se deveria filmar de alguma maneira o "terror" do momento atual do país sob o governo Bolsonaro, mas desistiu. "Sei que é um momento importante de abrir câmera, mas tenho mais vontade de tomar as ruas do que filmar. Eu não queria registrar esse momento, queria mudar esse momento", afirma.

"Me parece um ato de privilégio fazer cinema no Brasil hoje tendo tantas urgências", diz. "E sei que falo de um lugar privilegiado, porque não estou acordando num país com gente passando fome e mais de 600 mil óbitos na pandemia, que está sendo destruído e sistematicamente desestabilizado por esse governo."

O cineasta cearense Karim Aïnouz em viagem pela Argélia, onde filmou o longa 'O Marinheiro das Montanhas' - Juan Sarmiento

Aïnouz diz que contribuirá de toda maneira para ajudar a "salvar" o país e eleger Lula, seu candidato em 2022. "É a única opção com capacidade de derrotar esse governo horroroso apoiado totalmente pela elite brasileira. Ajudo a fazer vídeos para a campanha, vou para a rua, faço o que for", fala. "Mas não quero construir discursos que acirrem a desesperança, me interessa mais o porvir. Não quero registrar a distopia do Brasil com esse governo de terror, quero filmar a utopia."

Isso não significa, afirma, que a partir de agora filmará "apenas como ‘Singin’ In The Rain’ [Cantando na Chuva]. "Sei que tá tudo uma merda, que o momento é desesperador, mas acho que vai melhorar. Tenho muito mais esperança do que desesperança."

Seu otimismo com o futuro, diz, continuará mesmo tendo um governo que trabalha pelo contrário. "O mais louco desse regime atual é que não tem alegrias, só tristeza, pose com armas. É também um projeto político tentar destruir nosso brilho, a nossa alegria."

Esse é um dos motivos, segundo o cineasta, para o governo Bolsonaro acabar com políticas culturais, promover censura e atacar a classe artística. "Eles temem a cultura porque falamos de esperança, sensualidade, afeto, amor, alegria. E isso eles não conseguirão nos tirar."







sexta-feira, 29 de outubro de 2021

O atraso nacional e a ascensão do sistema jagunço

Nas ideias de Pochmann, chaves para entender as novas faces do retrocesso. Com desmonte do Estado, ganha força o poder paralelo de milícias, igrejas e crime organizado. Violência e precarização tornam-se cotidiano das massas desesperançadas

Por Nathan Caixeta OUTRASPALAVRAS, 28/10/2021

Em homenagem ao esforço docente de Marcio Pochmann

Introdução: um quadro geral sobre a estrutura social Brasileira e suas mudanças recentes

Durante aula proferida no curso de pós-graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp, o professor doutor Marcio Pochmann denuncia a existência do “sistema jagunço”, a união entre o fanatismo religioso e o banditismo social, soldados pela precarização das relações de trabalho, a descartabilidade social marcadamente racista, machista, transfóbica e xenofóbica, e o retrocesso do papel do Estado enquanto agente operador da “soldagem social” pelas vias da normatividade, da assistência social básica e do aporte gerador de crescimento econômico e do emprego.

Ao assistir à aula, percebi-me atônito, pois o conceito anunciado me obrigou a rever todo arquétipo histórico-teórico que até então acumulei para denominar o processo chamado “modernização conservadora”, pelo qual se modernizou a estrutura econômica, aprofundando relativamente as desigualdades sociais. Esse ensaio não propõe abranger a totalidade das transformações ocorridas na relação Estado-mercado-sociedade, recortadas pelos meios de reprodução do atraso social. O que se pretende é explorar de maneira desapaixonada dos contornos da tese do sistema jagunço descrito por Pochmann, há quem me desculpo antecipadamente por possíveis equívocos interpretativos.

Revisitando a literatura clássica sobre a cisão entre o sonho na aurora do Brasil moderno, digamos, a partir de 1950, e o país que marchou forçosamente para a desilusão pós-anos 1980, verifica-se um fenômeno que se esgueirou pela mutação da estrutura social brasileira nos últimos 40 anos: a consolidação de um poder paralelo, semelhante e distinto ao poder do Estado democrático que reproduz sob nova roupagem a antiga figura do Jagunço, protetor fiel dos mandonismos locais desde os tempos do Brasil-Colônia.

Em O Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna, Fernando Novais e Cardoso de Mello demarcam o ponto de mutação entre o Brasil que ascendia econômica, social e culturalmente, para aquele cuja ruptura política do golpe de 1964 subverteu o sentido da modernização, reproduzindo os elementos que diluíram os valores da liberdade e da igualdade em favor dos valores mercantis do individualismo e da concorrência, fabricando uma nova forma de açoitamento pelo jagunço: se antes as chibatadas de couro de boi doíam nos lombos de quem desafiasse o “coroné”, sob o rito ditatorial a chibata foi substituída pela caneta, versão oculta dos instrumentos de repressão política, policial e econômica contra os refugiados, dos quilombos, dos recantos pobres dos sertões para as favelas, formação geográfico-social tão antiga quanto a Velha República.

As demarcações entre os morros cariocas e Copacabana, entre Paraisópolis e os Jardins paulistanos, acompanharam o ritmo da concentração da riqueza financeira e fundiária, assim como, a aceleração da precarização do trabalho e a sedimentação da “viração”, como saída para aqueles cujo descarte dos meios formais de trabalho é dado desde a “largada”, visto que as condições de escolarização, especialização profissional e a fluidez com que as reformas liberalizantes destruíram o dinamismo do mercado de trabalho brasileiro, formaram o conjunto de barreira historicamente intransponíveis entre a periferia e o centro das relações sociais demarcadas pela detenção da propriedade e do dinheiro, onde realizam-se efetivamente os nexos da cidadania.

A Constituição de 1988, como demonstra Paulo Arantes em O Novo Tempo do Mundo, imprimiu o timbre no papel em branco que a democracia, teoricamente, deveria rechear com os termos da alforria do indivíduo miserável e anônimo, elevando-o para o status de cidadão. Contudo, a democracia ganhou, mas não levou, pois, a cidadania oferecida aos habitantes da periferia permanece demarcada pela clivagem da concorrência, esfera protetora do verniz democrático que esconde os tons plutocráticos do poder no Brasil.

Nem mesmo a adaptação da tese de Wolfgang Streeck em Tempo Comprado para a vasta terra do Pindorama é suficiente para aportar as raízes da distância do Estado em relação à população periférica. No Brasil, as demandas sociais indenitárias são pressões coadjuvantes sobre a estrutura democrática: o que, verdadeiramente, pressiona as barrigas, sem cutucar os poros do poder, é o fenômeno da fome, contemplado com marginalidade nos períodos em que a política social sobra como migalhas do banquete oferecido aos proprietários da riqueza. Mas, se para toda regra existe exceção, nos idos da marginalização das populações “faveladas”, a exceção fixou-se como regra, pois cada passo adiante na direção da integração social dos pobres, as canetas tripartites dos poderes republicanos expurgavam o feixe de luz pelo qual os oprimidos enxergavam a esperança, pois os pingos de sangue que sobram da execução, criação e observância das leis no Brasil escolhe seu tinteiro, como o Farialimer seleciona a folha do próprio tabaco: a fome do pobre alimenta o banquete do rico.

Completa o quadro, a interpretação de Raimundo Faoro sobre a estruturação do poder no Brasil em que aparecem contrapostos o estamento endinheirado ornado pela burocracia do Estado contra o povo sobressalente. Por um lado, o Estado funciona como regulador dos conflitos sociais, por outro, transfere renda dos mais pobres para os mais ricos, utilizando-se da violência como método de “triagem” que separam a população periférica segundo as clivagens: do “bom cidadão” trabalhador, do “parasita” que suga o Estado, do “peixe pequeno”, hora, ou outra, eliminado pelo sorteio das balas perdidas, e do “bom bandido”, preso ou morto.

A tese central que amarra o quadro geral ensaiado nos parágrafos seguintes encaminhará a seguinte lógica argumentativa: a decadência crescente dos meios de integração e mobilidade sociais transmutou a forma de operação do velho “sistema jagunço”, pela articulação e mobilização do poder paraestatal a partir das formas evoluídas e contemporâneas de reprodução do atraso social que conjuga a miséria, a violência seletiva e a precarização das condições de inserção no mercado de trabalho, parcialmente cobertas pela presença social do Estado. Desde logo, não se trata de contrapor o Estado constituído democraticamente sob o gerenciamento tripartite da ordem cívica e legal, e aquele nascido das múltiplas formas de poder paraestatais, como a milícia, a “grande-empresa do crime” e os laços comunais cristalizados na religiosidade centrada na teologia da prosperidade, como vazão moral da ética da concorrência, eliminando qualquer meio de transcendência. O sistema estatal constituído sob as obstes da lei e da ordem atua manejando as tensões materiais e sociais que decorrem da desintegração dos meios de mobilidade social, enquanto o sistema paraestatal ocupa as lacunas deixadas pelo papel social do Estado, formando, como aponta Gabriel Feltran em O Valor dos Pobres, um espaço de sociabilidade distinta, consolidando uma intersecção entre os conjuntos de ação normativas e sociais do Estado democrático e societais do poder paraestatal.

O “sistema jagunço”: comentários ao desenvolvimento teórico e didático de Marcio Pochmann

Marcio Pochmann é autor de uma interpretação fundamental sobre as transformações da estrutura social a partir da desintegração dos mecanismos igualitários promovido pela franca ascensão dos pobres à chamada “nova classe-média”. Não menos relevantes são as contribuições de Antunes, Gimenez e Quadros que se encarregaram de jogar água no chopp da miragem estatística observada entre 2003 e 2011. Contudo, o eixo norteador do sistema jagunço, penso ser a transmutação da modernização-conservadora, reprisando as formas historicamente verticais de poder sob a roupagem da concorrência, mar divisor entre duas realidades: aquela governada pelo Estado Democrático promotor da concorrência como forma de individualização do mérito, e aquela nascida dos espaços cujo acesso do Estado Social se faz de forma nula, ou diminuta, exigindo a emulação das estruturas de poder sob mecanismos paraestatais de reprodução da esfera moral, punitiva, monetária e comunitária, completando as lacunas deixadas pela ausência, ou interferência do Estado violento na realização da clivagem social.

O sistema jagunço une, portanto, quatro esferas reprodutivas: 1) a sobreposição da moral protestante como forma de soldagem social entre a fé e as relações sociais comunais; 2) a viração como expressão da fluidez ocupacional dos mais vulneráveis; 3) a grande-empresa do crime como articulação paralela entre a reprodução do capital e o poder paraestatal de estabelecimento da lei e da ordem pela via da violência social; 4) O interstício entre o Estado, o sistema carcerário e a assistência social, entes de estabelecimento do sistema métrico que define a escala social dos desvalidos. A junção desses elementos transforma o conceito tradicional de modernização conservadora, centrado no mecanismo reciproco entre a expansão do poder estatal e do domínio do capital denunciado pela elevação das distância entre as oportunidades de integração social entre os super-ricos a flutuante posição da classe média e aqueles em situação de pobreza.

Tal transformação não torna mais conversadores os instrumentos do subdesenvolvimento periférico, mas realiza-se ao transformar a modernização conservadora em retrocesso do papel social do Estado que conjuntamente ao poder expansivo do capital acabam por racionalizar as interações com as populações periféricas, abrandando-as pelos programas focalizados de transferência de renda e enervando-as pela violência expressa nos índices de encarceramento em massa e de mortes das populações periféricas, pela bala perdida, ou direcionada para aqueles não enquadrados na triagem social do “bom sujeito”. Desse modo, o Estado opera como jagunço, enquanto agente direto de representação dos interesses pessoais e financeiros das elites. Conforme observado na figura 1, verificam-se movimentos que quando reunidos descrevem sinteticamente a operação do sistema jagunço (página 5):

Figura 1: Esquema Síntese das interações entre os polos de conflito do “Sistema Jagunço”

Em resumo:

– Cada área representa a atuação social, geográfica e econômica dos grupos representados pelo Estado (em amarelo), pelo Capital (em vermelho), pela Periferia (em Azul) e pela população submetida ao descarte social (em preto);

– O tamanho das setas que representam o grau a conexão entre os grupos simboliza a sobre determinação ou interação sistêmica entre eles;

– A forma das retas tracejadas significa, do menor ao maior, grau de interdependência das relações entre os grupos, evidenciados pela interação entre a mediação das cores ao longo das retas tracejadas.

A partir do esquema-síntese apresentado na figura 1, é possível tecer o conjunto de argumentos que dialogam e desenvolvem o conceito do sistema jagunço:

O conjunto de ações normativas coercitivas e econômicas do Estado aprofundadas pelo regime neoliberal e cujo clímax é atingido no cenário atual ocupa-se, em primeira instância, em garantir a solidez dos estoques de riqueza privados, despendendo quase metade do resultado fiscal para as cambalhotas do endividamento público no país dos rentistas;

Quando sobradas as migalhas do orçamento público, as políticas de assistência básica servem para amenizar os conflitos trazidos pelo desemprego e pela insuficiência material, prova disso, segundo Pochmann é que em 1980, apenas 3% da população recebia recursos na forma de transferência de renda, saltando para 40% em 2020. Para além disso, os movimentos de “pacificação” das regiões periféricas reforçaram a relação entre a grande-empresa do crime e as milícias, transferindo no âmbito da periferia a divisão do monopólio da violência pelo Estado com o poder paralelo na mistura entre as três cores: a normatividade seletiva da violência do Estado, a rígida moral estabelecida pela presença paraestatal nas periferias e a demarquia hayekiana que entremeia a ditadura do código do crime e a normatividade democrática das leis e direitos constitucionais;

Aqueles não absorvidos na triagem entre o poder constituído são encarcerados aos montes como forma de confinamento da desigualdade aos ditames nada prudentes da magistratura, capaz de afiançar um ricaço assassino e condenar uma mãe que surrupiou um pote de manteiga para alimentar seu filho, dando-lhe o mesmo destino dos mais de 700 mil presos sem acesso ao devido processo legal e a um julgamento formal;

A reprodução da miséria, da viração e dos exíguos, senão inexistentes caminhos de ascensão social engordam as fileiras da população carcerária, enquanto formam a multidão de indivíduos reservados à convocação do capital para sua reprodução como mercadoria-trabalho, sob condições legais e estruturalmente cada vez mais precárias;

Por fim, os descartados sociais, habitantes do cotidiano periférico e carcerário guardam tão somente relações sociais precarizadas com a reprodução da riqueza, timbradas pela insuficiência material e referendadas pela autonomização do capital em relação ao trabalho.

Conclui-se encadeando o argumento aqui exposto que o sistema jagunço, ao transformar a modernização conservadora, estimulou o surgimento de novos nexos de conexão social que demarcam a existência de um outro tipo de sociabilidade, emulando os caminhos de encontro entre o indivíduo descartável, o jagunço que ocupa-se do descarte e a superestrutura político-econômica que fazem do Brasil de hoje mera litografia opaca e distorcida do Brasil de 130 anos atrás, conforme argumenta Pochmann.

A figura do jagunço era protetora dos interesses político-econômicos das elites, munidos por ferramentas de opressão que formavam um sistema de leis e repressão próprias ao regionalismo do velho Brasil, a reprodução sistêmica da figura do jagunço moderno como mecanismo de transmutação social, estabelece a ligação entre a democracia progressivamente enfraquecida, a comunhão entre a grande-empresa do crise e a força moral da teologia da prosperidade, segundo a qual o eterno é uma premiação para quem chega ao fim do túnel, depois de despender seu sacrifício monetário, abandonando quanto mais as ligações espirituais e transformando-as em cifrões de cura, prosperidade, fama e influência política na reunião de interesses que solidificam o conservadorismo moral, político e econômico: a bala, a bíblia e o boi.

O Brasil não andou para frente, sucedendo o retrocesso, mas retrocedeu ao passo em que modernizaram-se as formas de opressão social, sobrando do avanço econômico as marcas da pintura fresca da democracia, fazendo valer o concreto e real espaço do “poder”: a lei do dinheiro e o dinheiro da lei, o primeiro reflexo do jagunço moderno, o segundo reflexo do jagunço do século XIX.


quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Angelim-vermelho: 85,44 metros, 500 anos, um monumento vegetal

Segunda maior árvore da Amazônia está ameaçada por garimpos ilegais, dizem pesquisadores

Angelim-vermelho tem 85,44 metros de altura e idade estimada em cerca de 500 anos

Pâmela Dias*, O Globo, 28/10/2021 

A terceira expedição de um projeto que mapeia as árvores gigantes na Amazônia chegou no fim de setembro à segunda maior delas já registrada. O angelim-vermelho tem 85,44 metros de altura e idade estimada em cerca de 500 anos. Pesquisadores acreditam que a gigante está ameaçada por dois garimpos ilegais, a cerca de três quilômetros de distância.

Expedição do INPE descobre a segunda maior árvore da floresta amazônica Foto: Divulgação/INPE

A árvore está nos limites da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, no Amapá. Apesar disso, e de ainda não estar em risco de extinção, os angelins são conhecidos pelo seu potencial madeireiro, o que também atrai a cobiça de garimpeiros.

— Para chegarmos à gigante, passamos por garimpos, inclusive dentro da reserva. Se a exploração ilegal avançar, vai ameaçar essa árvore e toda a biodiversidade do entorno — avisa o coordenador do projeto Árvores Gigantes e professor do Instituto Federal do Amapá Diego Armando.

Depois de 5 dias de caminhada pelas matas expedição de cientistas alcançou no Amapá o angelim - vermelho de 85 metros e cinco séculos estimados que é apontado como a segunda maior árvore da Amazônia. Pesquisadores constataram a presença de garimpo ilegal a 3 km desse monumento vegetal

Cinco dias na floresta

A expedição começou em 24 de setembro, na região do Rio Cupixi, e durou cinco dias. O projeto mapeou o angelim-vermelho a partir de uma projeção de pesquisadores da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Antes dele, as maiores árvores registradas no Amapá tinham entre 66 e 79 metros, uma delas outro angelim-vermelho. A média de altura das árvores da Amazônia fica entre 40 e 50 metros.

O grupo já identificou três árvores com alturas acima de 80 metros no Amapá e outras quatro no Pará.

Pesquisadores medem o perímetro da angelim - vermelho; árvores teria grande capacidade de absorver gás carbônico

A maior árvore da Amazônia tem 88 metros e foi identificada em 2019, na divisa entre o Amapá e o Pará. Mas nenhum pesquisador conseguiu chegar até essa gigante, pela dificuldade de locomoção em terra.

Novos estudos serão feitos para descobrir por que o angelim-vermelho prevalece na região e como se desenvolve. Segundo Diego, os angelins crescem entre os vales, o que impede a ação do vento e favorece o crescimento em busca da luz do sol para a fotossíntese. Além disso, é provável que a espécie tenha maior capacidade de absorção de gás carbônico, pois 50% de sua massa é composta de CO2.

— Temos uma próxima expedição em novembro e estamos tentando captar recursos do CNPq e órgãos estaduais — explica Diego.

* Estagiária sob a supervisão de Carla Rocha


Maior que o cristo redentor: conheça o Angelim Vermelho, a árvore mais alta da Amazônia

O angelim vermelho é dono do recorde de árvore mais alta da Amazônia. O mundial é uma sequoia-vermelha dos Estados Unidos, de 115,7 metros (38 andares). O tropical é uma shorea faguetiana de 100,8 metros, na Malásia.

REDAÇÃO - JORNALISMO@PORTALAMAZONIA.COM, 21/09/2021 

Pesquisadores de diferentes países, identificaram a árvore mais alta da Amazônia: o angelim vermelho (Dinizia excelsa). A árvore tem 88 metros de altura – algo equivalente a um prédio de 24 andares. Sua altura é um recorde para a Amazônia brasileira, que ainda não tinha registrado nenhuma árvore com mais de 70 metros de altura. Na mesma área do gigante, pesquisadores encontraram outros exemplares de angelim com mais de 80 metros.

Foto: Reprodução/Museu da Amazônia

Durante 2016 e 2018, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) capturou imagens de vastas extensões da floresta amazônica com tecnologia radar laser" que faz sensoriamento remoto. Foram rastreadas 850 áreas, cada uma com 12 quilômetros de comprimento e 300 metros de largura. Em sete, os cientistas identificaram árvores que superavam os 80 metros. Seis dessas coleções, estavam localizada na região do rio Jari, afluente do rio Amazonas, entre os estados do Amapá e Pará, numa zona remota de difícil acesso.

Em termos de comparação, a Estátua da Liberdade, em Nova York, tem 93 metros de altura, incluindo a base. O Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, mede 38 metros da base até o topo da cabeça. Isto é, a árvore encontrada na Amazônia é um pouco menor que o principal símbolo de NY e bem maior que a estátua mais famosa do Brasil. (...)


domingo, 24 de outubro de 2021

CPI da pandemia: o choro de Giovanna e a emoção do intérprete de libras

O choro de Giovanna e a gargalhada de Flávio

Por Ruth de Aquino, O Globo, 21/10/2021 

Nós, brasileiros, não somos debochados com a morte e a dor. Somos solidários, sentimentais, abraçamos até desconhecidos. Não sei quem vamos eleger em 2022. Mas somos como o intérprete de libras que se emocionou na CPI com a fala trêmula de Giovanna, de 19 anos, órfã de mãe e pai, vítimas da Covid. O intérprete foi substituído porque não conseguiu continuar. Levou a mão à boca, prestes a chorar. 

O intérprete de libras se emociona e não consegue continuar diante do relato de Giovanna, órfã da Covid | Reprodução

Mal sabia ele que esse gesto seria o mais compreensível no país inteiro. Nos identificamos com ele. O intérprete nos traduziu. É impossível continuar a viver normalmente, amar, trabalhar, dormir, enquanto tivermos no poder uma família que debocha do sofrimento alheio, do luto. Uma família que dá gargalhadas com viés de escárnio, nos acusando de maricas e mimimi. 

“Você conhece aquela gargalhada dele? Hahahaha”, imitou Flávio Bolsonaro, num riso tosco. “Porque não tem o que fazer diferente disso”, disse o 01. Respondia à pergunta de como o pai recebeu o relatório da CPI da Covid que o acusa de nove crimes graves. Riem como hienas. Imitam falta de ar. São deficientes de compaixão. Fazem pouco de centenas de milhares de famílias que perderam parentes próximos. 

Giovanna Gomes Mendes da Silva perdeu a mãe e o pai por complicações da Covid em um intervalo de 14 dias. Conseguiu a guarda da irmã de 11 anos. A mãe passou uma noite, durante a internação, com máscara furada de oxigênio. “A gente não teve nem tempo de sofrer pela minha mãe, pois não podia ficar chorando na frente do meu pai”, disse a jovem, tentando não cair no choro. “Perdemos as pessoas que mais amávamos”. Na CPI, os parentes de vítimas lamentaram “cada deboche, cada sorriso, cada ironia” do presidente. 

Jair está sem partido. Vamos ajudar Jair. Temos várias novas siglas possíveis. PCCH, o partido dos Crimes Contra a Humanidade (meu favorito). PNB, o partido Negacionista Brasileiro. PSVC, o partido dos Sem-Vergonha na Cara. PMRH, o partido dos Misóginos, Racistas e Homofóbicos. PVA, o partido da Violência Armada. PTP, o partido da Terra Plana. Aceitamos sugestões. Cartas para a redação.

Pode ser também o KKK, o partido da risada atroz ou da Ku Klux Klan. Só não pode chamar de genocida, não é mesmo? Afinal, genocida é um homicida visando exterminar uma etnia. E o Jair foi além, visou todas as etnias, sem distinção, levando à morte boa parte dos 600 mil. Se fosse parar em Nuremberg, faria como os nazistas. Em vez de pedido de desculpas, a galhofa, o cinismo: “Fizemos a coisa certa desde o primeiro momento, não temos culpa de absolutamente nada”.

Jair não será derrotado pela política de extrema-direita, o desprezo por mulheres, negros, gays e índios, a idolatria do fuzil e da tortura. Não perderá a reeleição para a inflação, a miséria, a fome, o desemprego, o preço dos alimentos, da luz, do combustível, o desmatamento da Amazônia, ou até a gestão criminosa na pandemia e a demora em vacinar ou garantir oxigênio para salvar vidas.

Jair não perderá para Lula, para Ciro, Mandetta, Moro ou qualquer candidato que se invente na última hora. Diz-se que o mundo vota com o bolso, é a economia, estúpido. Mas acho que o Brasil vai votar com o coração. Jair perderá para ele mesmo, para a sua persona desagradável. Eleitores pensarão: é certo eleger quem debocha da morte? Deus castiga, viu, Pacheco e Lira? Aras nem digo. 

Meu Brasil é o do intérprete de libras que não conseguiu segurar a emoção em público. Ele tem coração, é gente como a gente. O partido dele não é KKK. E o seu?

sábado, 23 de outubro de 2021

Gloria Steinem

“O autoritarismo começa com o controle sobre o corpo das mulheres”

A legendária feminista, de 87 anos, fala ao EL PAÍS em sua casa de Nova York, a poucos dias de receber o Prêmio Princesa de Astúrias na Espanha. As meninas e as idosas, diz, são as mulheres liberadas dos papéis de gênero

AMANDA MARS, EL Pais, 17/10/2021

Gloria Steinem (Toledo, Ohio, EUA, 87 anos) abre a porta de seu apartamento em Manhattan com um enorme sorriso de porcelana e uma vitalidade que desarma. Continua usando, agora grisalha e um pouco mais curta, a inconfundível cabeleira com risca no meio —a qual, junto com seus óculos escuros de estilo aviador, a tornou tão identificável e tão simbólica nas imagens de comícios e manifestações. Lenda viva da revolução feminista dos anos setenta, Steinem gosta de falar, sobretudo, a respeito do presente. Na próxima semana receberá o Prêmio Princesa de Astúrias de Comunicação e Humanidades na Espanha, país que, apesar de ser uma viajante contumaz, visitará pela primeira vez. Com seu trabalho como jornalista, escritora e ativista, carrega nas costas mais de meio século de luta pelos direitos das mulheres

Magra, vestida de preto, delicada, bela e bem arrumada, ilumina-se com o aqui e o agora, mas ri animada recordando velhas histórias. É fácil imaginar a jovem repórter infiltrando-se como coelhinha da Playboy para denunciar as condições daquelas moças; a incansável arrecadadora de recursos que se apresentava nos anos oitenta no escritório de Donald Trump e lhe arrancava um cheque de 500 dólares; a mulher que, compartilhando um táxi com os escritores Saul Bellow e Gay Talese, ouviu este último se referir a ela da seguinte forma: “Você sabe que todo ano uma garota bonita chega a Nova York mostrando que é escritora? Bom, a Gloria é a garota bonita deste ano”.

Gloria Steinem, em um retrato cedido pelo fotógrafo Beowulf Sheehan

Pergunta. É mais improvável que os Gay Talese de hoje em dia digam essas coisas na cara de uma mulher. Mas você acha que continuam pensando?

Resposta. Sobre o que os críticos literários levam a sério, provavelmente essa diferença de gênero ainda ocorra. Um escritor horrível, segundo minha opinião, como Philip Roth é levado mais a sério e é mais recordado que, por exemplo, Mary McCarthy, que é da mesma época. Acho que obtivemos avanços em questões de raça. Se James Baldwin fosse vivo, provavelmente teria mais reconhecimento [que na sua época]. Estamos melhores do que antes, de todo modo. A internet foi uma força democratizante, em certo sentido, porque cada um pode ser seu próprio editor e alcançar um público que no passado teria sido mais restringido pelos editores homens. Mesmo assim, se você olha para as instituições — o The New York Times, por exemplo, ou os jornais em outros países —, as pessoas que estabelecem os juízos de valor profissionais são, de forma muito desproporcional, homens brancos.

P. Em 1970, a revista Time publicou seu famoso ensaio Como seria se as mulheres vencessem [no qual dizia que a biologia não é destino, que os homens também seriam liberados das responsabilidades atribuídas a eles, que as mulheres ocupariam metade de cargos eletivos…]. Acha que as mulheres venceram?

R. Acredito que ganhamos muito. Naqueles tempos, por exemplo, se uma mulher fosse estuprada, a pergunta dos juízes e inclusive jornalistas era frequentemente o que ela estava fazendo naquele bairro, por que usava tal roupa… Isso já não é mais assim. Há uma maior suposição de que nossos corpos, sejamos homens ou mulheres, nos pertencem.

P. O que a levou a ser feminista, a olhar como estavam as coisas e dizer: “Não aceito”?

R. Acho que vivi circunstâncias muito especiais, que podem ser consideradas afortunadas ou não, e uma é que eu não fui à escola de forma habitual até os 12 anos, porque meus pais viajavam continuamente. Então perdi muita da normalização [das ideias de gênero] que havia na sala de aula. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/29/internacional/1553875053_920901.html Isso foi uma sorte, porque as crianças têm uma concepção genuína da justiça. Olhe por todo mundo, em qualquer idioma, e é uma frase das crianças: não é justo!

P. Em suas memórias (Minha vida na estrada) você destaca como foi fundamental a figura do seu pai nessa falta de consciência de gênero.

R. Sim, porque eu era parceira dele. Tínhamos uma brincadeira habitual quando estávamos no elevador. Eu era muito pequena, uns cinco anos, e quando todo mundo estava em silêncio eu devia lhe perguntar: “Papai, e o que você disse para eles?” E ele me respondia, para que todos ouvissem: “Eu disse: ‘Fiquem com seus 50.000 dólares!’”. E as pessoas ficavam em choque. A vida estava cheia de brincadeiras assim. Quando eu estava no ensino médio e na universidade, sempre sentia que havia outra maneira de viver a vida, diferente da convencional, que não havia por que se ajustar à norma.

Gloria Steinem, no início da marcha do Dia da Mulher em 7 de março de 1975 em Nova York (Bettmann Archive)

Gloria Steinem irradia uma ternura algo melancólica quando fala do seu pai, sobre quem conta algumas passagens mais. Sua casa, simples, embora localizada no seleto Upper East Side de Nova York, é colorida e abriga dezenas de fotos de várias épocas da sua vida, que parecem várias vidas. Dela já disseram que colaborou com a CIA quando era muito jovem, por ter participado de festivais juvenis durante a Guerra Fria. Na revista Ms, que fundou em 1972, travou boa parte das suas batalhas. Rebelou-se contra o casamento, https://brasil.elpais.com/smoda/2020-02-10/marido-sempre-em-primeiro-lugar-renasce-na-internet-a-dona-de-casa-submissa-e-abnegada.html mas em 2000 se uniu ao ativista ambiental David Bale, que era pai do ator Christian Bale e morreu em 2003. Aquele matrimônio causou estupefação, mas ela explicou que o casamento mudou para as mulheres.

P. Há agora uma onda de populismo de direita, tanto nos Estados Unidos como na Europa, que tomou o feminismo como alvo, como um inimigo a bater. Você teme um retrocesso geral, acredita que seja um risco para o feminismo como movimento?

R. Sim. Não conheço a situação na Europa como você, mas houve uma reação. Quando falamos de populismo, ele tem uma base ditatorial. As feministas interferem na base da sua hierarquia, que é o lar. A partir do momento em que sugerimos que os meninos devem trabalhar na casa igual às meninas, ou que as mulheres devem poder trabalhar [fora de casa] se quiserem, estamos propondo medidas de democratização do núcleo familiar, e isso se torna uma ameaça [a esse populismo].

P. As novas restrições ao aborto no Texas mostram que os direitos adquiridos são reversíveis.

R. Nunca poderão reverter tudo. Mesmo quando o aborto era ilegal, as mulheres abortavam nos Estados Unidos. A diferença crucial é que, por ser ilegal, tinha quem pagar mais, era mais inseguro, mas o impulso das mulheres de tomar decisões sobre seu corpo sempre esteve aí. A diferença mais básica do patriarcado é o controle sobre os corpos das mulheres, sobretudo a concepção. Quando Hitler foi eleito, e muita gente esquece que foi eleito, as primeiras coisas que fez foi fechar as clínicas de planejamento familiar e declarar o aborto um crime contra o Estado. Mussolini fez o mesmo. O autoritarismo começa frequentemente pelo corpo das mulheres.

P. Por que, depois de tantas ondas feministas, os estereótipos de gênero continuam sendo tão dominantes?

R. Tanto o gênero quanto a raça são completas construções culturais, e o patriarcado é um sistema muito forte e muito normalizador [dessa construção]. Mesmo assim, acredito que as mulheres se sentem mais livres do que antes. Também tem a ver com a idade. Em algumas mulheres, os anos centrais da sua vida estão muito marcados pelo gênero, mas a infância e a velhice, não. Primeiro, porque o gênero está na cultura, e essa cultura ainda não chegou a uma menina de oito ou nove anos, já que não está na idade reprodutiva. É nessa idade que sobem em árvores e dizem que sabem o que querem. Na adolescência isso muda. E, depois, as mulheres mais velhas se tornam incrivelmente livres, voltam a essa menina pequena que faz o que quer.

P. Acredita que se esses papéis de gênero desaparecessem de verdade haveria menos problemas de identidade de gênero?

R. Provavelmente, porque se você for livre para ser como quer ser, como indivíduo único, não tem por que mudar para se encaixar [em convenções].

P. Qual é sua postura perante o conflito aberto entre a luta pelos direitos dos transexuais e a autodeterminação de gênero com uma parte do feminismo? Algumas feministas alertam para o apagamento das mulheres, por exemplo.

R. Não, acho que todo mundo tem o direito de se identificar como se sente de forma autêntica.

P. Se o sexismo continua sendo poderoso, não acha que é porque também muitas mulheres se convenceram dele, ou seja, que elas mesmas se levam menos em consideração?

R. Se olharmos um grupo de pessoas jantando em um restaurante, aposto que ainda acontece que os homens falem mais sobre si e sobre seu trabalho, e as mulheres lhes façam mais perguntas, mas... quem sabe? Depende do grupo. Acho que tudo isso melhorou, o movimento de justiça social o expôs, e é menos provável que essas coisas aconteçam. Eu vejo a mudança, talvez porque sou velha e sei como era antes. Você, como jornalista, como vê?

P. Bom, a misoginia é deliberada, despreza a mulher de forma intencional. O machismo pode ser inconsciente, um viés que não se percebe como tal. Não é justamente por isso mais difícil de combater?

R. Para isso existem os movimentos de justiça social. Há 30 ou 50 anos talvez não tivéssemos notado que todo um grupo é branco, e hoje dizemos: o que acontece neste grupo? Não se parece com o nosso país. Há uma conscientização.

A figura de Steinem ganhou atualidade nos últimos anos. Ao calor da onda feminista, veteranos ícones receberam um novo impulso e reconhecimento, mais ou menos como a febre que Ruth Bader Ginsburg, juíza da Suprema Corte, despertou no final da sua vida. A ativista inspirou uma peça teatral recente (Gloria: a life), um filme (The Gloria) e uma série de televisão (Mrs. America), que ela não quer ver e repudia, porque, conta, parte de uma premissa equivocada: “Conta que a emenda da igualdade feminina foi barrada por Phyllis Schlafly, e isso não é verdade, foram as seguradoras, porque iam perder muito dinheiro”. Quer viver pelo menos 100 anos, diz, e não perder nenhuma das próximas batalhas.

P. Quatro anos depois, qual é o balanço do movimento Me Too, da onda feminista que se acendeu em 2017?

R. Quando ocorreu, pensei: finalmente! Fiquei muito feliz. O assédio é algo que na revista Ms tínhamos denunciado já nos anos setenta. Agradeci especialmente que o grupo que assumiu a dianteira com esta causa tenha sido de pessoas dos meios de comunicação, primeiro na Califórnia; e que, ao mesmo tempo, as mulheres agricultoras escrevessem uma carta contando que sentiam o mesmo. Isso me comoveu muito. Acho que hoje há um consenso geral de que os corpos das mulheres lhes pertencem, acredito que hoje em dia as mulheres se sentem com mais poder para chamar o assédio por seu nome, queixar-se disso, contê-lo.

Gloria Steinem durante um ato público em Washington, em 1979. (Harvey Georges - AP)

P. Essa nova conscientização sobre o feminismo, e a que veio depois sobre o racismo, despertou também algumas queixas de intelectuais que veem excessos. Você, por exemplo, é uma das 150 pessoas que em julho de 2020, em plena explosão popular contra o racismo, assinou a carta na Harper’s advertindo sobre a “intolerância” a ideias discrepantes por parte do ativismo progressista norte-americano. Acha que a cultura do cancelamento é um problema real?

R. Acredito que diminuiu, e essa carta já tem um tempo. Não tenho visto exemplos relevantes, embora seja difícil julgar, porque as coisas me chegam de forma aleatória e não sei o que é representativo, mas não vejo grandes exemplos. Inclusive o conceito de cultura de cancelamento diminuiu.

P. Mudou de opinião, então?

R. Não, acho que a situação mudou. Acredito que aquela carta teve um impacto.

P. Que conselho daria às jovens ativistas feministas?

R. Não lhes daria conselhos, eu perguntaria a elas o que querem fazer e lhes pediria que me deixassem ajudar.

Gloria Steinem saúda manifestantes durante a Marcha das Mulheres em Washington, em 21 de janeiro de 2017 (John Minchillo - AP)


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Relatório da CPI da Pandemia

Relatório final da CPI da Covid pede indiciamento de Bolsonaro e outras 65 pessoas

Parecer foi alterado após acordo entre membros do G7 na véspera da apresentação para retirar crimes de homicídio e genocídio contra o presidente

Julia Lindner, O Globo, 20/10/2021

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou nesta quarta-feira à CPI da Covid a versão final do relatório com recomendação de indiciamento do presidente Jair Bolsonaro e outras 65 pessoas. Renan também sugeriu que duas empresas sejam processadas por improbidade administrativa. Pelo texto acordado entre parlamentares do grupo majoritário 'G7', Bolsonaro pode ser indiciado por dez crimes, entre eles epidemia com resultado de morte e crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos. É a primeira vez na história que uma comissão parlamentar aponta uma lista de crimes tão extensa atribuídos a um presidente da República.

Por acordo, Renan aceitou retirar a acusação de genocídio contra a população indígena, e manteve crimes contra a humanidade no lugar. Ele alega que "a população inteira foi submetida aos efeitos da pandemia, com intenção de atingir a imunidade de rebanho por contágio e poupar a economia, o que configura um ataque generalizado e sistemático no qual o governo tentou, conscientemente, espalhar a doença".

O relator também manteve na lista três filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), todos por suspeita de incitação ao crime através da propagação de notícias falsas. Atendendo a um pedido de seus aliados, Renan retirou a previsão de crime por advocacia administrativa contra Flávio por reconhecer que não havia provas suficientes sobre isso.

A votação do relatório final está marcado para a próxima terça-feira.

Veja a lista completa dos pedidos de indiciamento (ÍNTEGRA DO RELATÓRIO FINAL DA CPI DA COVID):

Em face de todo o exposto, esta CPI, dados os limites da investigação parlamentar e os elementos probatórios colhidos, sugere os seguintes indiciamentos, que incluem tanto crimes quanto ilícitos civis e administrativos, todos baseados na existência de indícios suficientes de autoria e materialidade, conforme se pode verificar pelas provas documentais, testemunhais e periciais exaustivamente apresentadas ao logo do presente relatório. Neste momento será apresentado o resumo dos crimes praticados pelos indiciados, esclarecendo que a descrição das condutas típicas individualizadas e a respectiva subsunção aos tipos penais já foi feita nos itens 13.3 a 13.25:

1) JAIR MESSIAS BOLSONARO – Presidente da República - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte); art. 268, caput (infração de medida sanitária preventiva); art. 283 (charlatanismo); art. 286 (incitação ao crime); art. 298 (falsificação de documento particular); art. 315 (emprego irregular de verbas públicas); art. 319 (prevaricação), todos do Código Penal; art. 7º, parágrafo 1, b, h e k, e parágrafo 2, b e g (crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos), do Tratado de Roma (Decreto nº 4.388, de 2002); e arts. 7º, item 9 (violação de direito social) e 9º, item 7 (incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo), crimes de responsabilidade previstos na Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950;

2) EDUARDO PAZUELLO – Ex-Ministro da Saúde –art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte); art. 315 (emprego irregular de verbas públicas); art. 319 (prevaricação) e art. 340 (comunicação falsa de crime), todos do Código Penal; art. 7º, parágrafo 1, b, h e k, e parágrafo 2, b e g (crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos), do Tratado de Roma (Decreto 4.388, de 2002);

3) MARCELO ANTÔNIO C. QUEIROGA LOPES – Ministro da Saúde - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte) e art. 319 (prevaricação), ambos do Código Penal;

4) ONYX DORNELLES LORENZONI – Ex-ministro da Cidadania e ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal e art. 7º, parágrafo 1, b, h e k, e parágrafo 2, b e g (crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos), do Tratado de Roma;

5) ERNESTO HENRIQUE FRAGA ARAÚJO – Ex-ministro das Relações Exteriores - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte) e art. 286 (incitação ao crime), combinado com art. 29; todos do Código Penal;

6) WAGNER DE CAMPOS ROSÁRIO – Ministro-chefe da Controladoria Geral da União - art. 319 (prevaricação) do Código Penal;

7) ANTÔNIO ELCIO FRANCO FILHO – Ex-secretário executivo do Ministério da Saúde - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte), do Código Penal; art. 10, VI e XII, e art. 11, I (improbidade administrativa), todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

8) MAYRA ISABEL CORREIA PINHEIRO – Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde - SGTES - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte), e art. 319 (prevaricação), ambos do Código Penal; e art. 7º, k (crime contra a humanidade) do Tratado de Roma (Decreto 4.388, de 2002);

9) ROBERTO FERREIRA DIAS – Ex-diretor de logística do Ministério da Saúde - art. 317, caput, do Código Penal (corrupção passiva); art. 2º, caput (formação de organização criminosa) da Lei nº 12.850, de 2013; art. 10, XII e art. 11, I (improbidade administrativa), todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

10) CRISTIANO ALBERTO HOSSRI CARVALHO – Representante da Davati no Brasil - art. 333, caput, do Código Penal (corrupção ativa);

11) LUIZ PAULO DOMINGUETTI PEREIRA – Representante da Davati no Brasil - art. 333, caput, do Código Penal (corrupção ativa);

12) RAFAEL FRANCISCO CARMO ALVES – Intermediador nas tratativas da Davati - art. 333, caput, do Código Penal (corrupção ativa);

13) JOSÉ ODILON TORRES DA SILVEIRA JÚNIOR – Intermediador nas tratativas da Davati - art. 333, caput, do Código Penal (corrupção ativa);

14) MARCELO BLANCO DA COSTA – Ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde e intermediador nas tratativas da Davati - art. 333, caput, do Código Penal (corrupção ativa);

15) EMANUELA BATISTA DE SOUZA MEDRADES – Diretora-Executiva e responsável técnica farmacêutica da empresa Precisa - arts. 299, caput (falsidade ideológica), 304 (uso de documento falso) e 347 (fraude processual), todos do Código Penal; art. 2º, caput (formação de organização criminosa) da Lei nº 12.850, de 2013; e art. 10, VI e XII, e art. 11, I (improbidade administrativa), combinados com art. 3º, todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

16) TÚLIO SILVEIRA – Consultor jurídico da empresa Precisa - arts. 299, caput (falsidade ideológica), 304 (uso de documento falso), ambos do Código Penal; art. 10, VI e XII, e art. 11, I (improbidade administrativa), combinados com art. 3º, todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

17) AIRTON ANTONIO SOLIGO - Ex-assessor especial do Ministério da Saúde - art. 328, caput (usurpação de função pública);

18) FRANCISCO EMERSON MAXIMIANO – Sócio da empresa 347 (fraude processual) e 337-L, inciso V (fraude em contrato), todos do Código Penal; art. 2º, caput (formação de organização criminosa) da Lei nº 12.850, de 2013; art. 10, VI e XII, e art. 11, I (improbidade administrativa), combinados com art. 3º, todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

19) DANILO BERNDT TRENTO - Sócio da empresa Primarcial Holding e Participações Ltda e diretor de relações institucionais da Precisa - 337- L, inciso V (fraude em contrato) do Código Penal; art. 2º, caput (formação de organização criminosa) da Lei nº 12.850, de 2013; art. 10, XII, e art. 11, I (improbidade administrativa), combinados com art. 3º, todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

20) MARCOS TOLENTINO DA SILVA – Advogado e sócio oculto da empresa FIB Bank - art. 337-L, inciso V (fraude em contrato), combinado com art. 29, ambos do Código Penal; art. 2º, caput (formação de organização criminosa) da Lei nº 12.850, de 2013; e art. 10, XII, e art. 11, I (improbidade administrativa), combinados com art. 3º, todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

21) RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS – Deputado Federal - art. 286 (incitação ao crime) e art. 321 (advocacia administrativa), ambos do Código Penal; art. 2º, caput (formação de organização criminosa) da Lei nº 12.850, de 2013; e art. 10, XII (improbidade administrativa) da Lei 8.429 de 2 de junho de 1992;

22) FLÁVIO BOLSONARO – Senador da República - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

23) EDUARDO BOLSONARO – Deputado Federal - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

24) BIA KICIS – Deputada Federal - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

25) CARLA ZAMBELLI – Deputada Federal - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

26) CARLOS BOLSONARO – Vereador da cidade do Rio de Janeiro - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

27) OSMAR GASPARINI TERRA – Deputado Federal - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte), e art. 286 (incitação ao crime), ambos do Código Penal;

28) FÁBIO WAJNGARTEN – ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal - art. 319 (prevaricação) e art. 321 (advocacia administrativa), ambos do Código Penal;

29) NISE HITOMI YAMAGUCHI – Médica participante do gabinete paralelo - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte), do Código Penal;

30) ARTHUR WEINTRAUB - ex-assessor da Presidência da República e participante do gabinete paralelo - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte), do Código Penal;

31) CARLOS WIZARD MARTINS – Empresário e e participante do gabinete paralelo - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte); e art. 286 (incitação ao crime), ambos do Código Penal;

32) PAOLO MARINHO DE ANDRADE ZANOTTO – biólogo e e participante do gabinete paralelo - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte), do Código Penal;

33) LUCIANO DIAS AZEVEDO – Médico e e participante do gabinete paralelo - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte) do Código Penal;

34) MAURO LUIZ DE BRITO RIBEIRO – Presidente do Conselho Federal de Medicina - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte) do Código Penal;

35) WALTER SOUZA BRAGA NETTO – Ministro da Defesa e Ex-Ministro Chefe da Casa Civil - art. 267, § 1º (epidemia com resultado morte) do Código Penal;

36) ALLAN LOPES DOS SANTOS – Blogueiro suspeito de disseminar fake news - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

37) PAULO DE OLIVEIRA ENEAS – Editor do site bolsonarista Crítica Nacional suspeito de disseminar fake news - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

38) LUCIANO HANG – Empresário suspeito de disseminar fake news - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

39) OTÁVIO OSCAR FAKHOURY – Empresário suspeito de disseminar fake news - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

40) BERNARDO KUSTER – Diretor do Jornal Brasil Sem medo, suspeito de disseminar fake news - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

41) OSWALDO EUSTÁQUIO – Blogueiro suspeito de disseminar fake news - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

42) RICHARDS POZZER – Artista gráfico supeito de disseminar fake news - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

43) LEANDRO RUSCHEL – Jornalista suspeito de disseminar fake news - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

44) CARLOS JORDY– Deputado Federal - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

45) FILIPE G. MARTINS – Assessor Especial para Assuntos Internacionais do Presidente da República - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

46) TÉCIO ARNAUD TOMAZ – Assessor especial da Presidência da República - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

47) ROBERTO GOIDANICH - Ex-presidente da FUNAG - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

48) ROBERTO JEFFERSON – Político suspeito de disseminar fake News - art. 286 (incitação ao crime) do Código Penal;

49) RAIMUNDO NONATO BRASIL – Sócio da empresa VTCLog - art. 333, caput (corrupção ativa) do Código Penal; e art. art. 11, I (improbidade administrativa), combinado com art. 3º, todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

50) ANDREIA DA SILVA LIMA – Diretora-executiva da empresa VTCLog - art. 333, caput (corrupção ativa) do Código Penal; e art. 11, I (improbidade administrativa), combinado com art. 3º, todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

51) CARLOS ALBERTO DE SÁ - Sócio da empresa VTCLog - art. 333, caput (corrupção ativa) do Código Penal; e art. 11, I (improbidade administrativa), combinado com art. 3º, todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

52) TERESA CRISTINA REIS DE SÁ - Sócio da empresa VTCLog - art. 333, caput (corrupção ativa) do Código Penal; e art. 11, I (improbidade administrativa), combinado com art. 3º, todos da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992;

53) JOSÉ RICARDO SANTANA – Ex-secretário da Anvisa - art. 2º, caput (formação de organização criminosa) da Lei nº 12.850, de 2013;

54) MARCONNY NUNES RIBEIRO ALBERNAZ DE FARIA – Lobista - art. 2º, caput (formação de organização criminosa) da Lei nº 12.850, de 2013;

55) DANIELLA DE AGUIAR MOREIRA DA SILVA – Médica da Prevent Senior - art. 121, caput, combinado com os arts. 13, § 2º, alínea b, e 14, todos do Código Penal;

56) PEDRO BENEDITO BATISTA JÚNIOR – Diretor-executivo da Prevent Senior - arts. 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem), 269 (omissão de notificação de doença) e 299, caput (falsidade ideológica), todos do Código Penal; e art. 7º, k (crime contra a humanidade) do Tratado de Roma (Decreto 4.388, de 2002);

57) PAOLA WERNECK – Médica da Prevent Senior - art. 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem) do Código Penal;

58) CARLA GUERRA - Médica da Prevent Senior - art. 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem) do Código Penal; e art. 7º, k (crime contra a humanidade) do Tratado de Roma (Decreto 4.388, de 2002);

59) RODRIGO ESPER - Médico da Prevent Senior - art. 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem) do Código Penal; e art. 7º, k (crime contra a humanidade) do Tratado de Roma (Decreto 4.388, de 2002);

60) FERNANDO OIKAWA - Médico da Prevent Senior - art. 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem) do Código Penal; e art. 7º, k (crime contra a humanidade) do Tratado de Roma (Decreto 4.388, de 2002);

61) DANIEL GARRIDO BAENA – Médico da Prevent Senior -art. 299, caput (falsidade ideológica) do Código Penal;

62) JOÃO PAULO F. BARROS – Médico da Prevent Senior -art. 299, caput (falsidade ideológica) do Código Penal;

63) FERNANDA DE OLIVEIRA IGARASHI – Médica da Prevent Senior - art. 299, caput (falsidade ideológica) do Código Penal;

64) FERNANDO PARRILLO - Dono da Prevent Senior - arts. 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem), 269 (omissão de notificação de doença) e 299, caput (falsidade ideológica), todos do Código Penal; e art. 7º, k (crime contra a humanidade) do Tratado de Roma (Decreto 4.388, de 2002);

65) EDUARDO PARRILLO - Dono da Prevent Senior - arts. 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem), 269 (omissão de notificação de doença) e 299, caput (falsidade ideológica), todos do Código Penal; e art. 7º, k (crime contra a humanidade) do Tratado de Roma (Decreto 4.388, de 2002);

66) FLÁVIO ADSUARA CADEGIANI – Médico que fez estudo com proxalutamida - art. 7º, k (crime contra a humanidade) do Tratado de Roma (Decreto 4.388, de 2002);

67) PRECISA COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS LTDA. – art. 5º, IV, d (ato lesivo à administração pública) da Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013;

68) VTC OPERADORA LOGÍSTICA LTDA - VTCLog - art. 5º, IV, d (ato lesivo à administração pública) da Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013.