quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Quilombolas

O Censo dos quilombolas
Brasil tem 1,3 milhão de habitantes em áreas remanescentes de quilombos; êxodo juvenil é desafio dos próximos anos nas comunidades
Vitória Pilar  piaui, 27 jul 2023

 
Idelzuíta Paixão, moradora da Comunidade Quilombola Mimbó, no Piauí: Censo tira localidades do apagão demográfico Foto: Vitória Pilar

Na beira da estrada que corta a Serra do Araras, a 18 km de Amarante, Centro-Norte do Piauí, um trio de mulheres negras vende hortaliças e chama a atenção com seus turbantes e roupas coloridas. A poucos metros das vendedoras, do outro lado da pista, uma grande placa indica o lugar: a Comunidade Quilombola Mimbó. Três quilômetros pela estreita estrada de pedra e se chega ao Mimbó, com suas casas, quadra de esportes, campo de futebol, uma escola para crianças e um posto de saúde. A comunidade foi fundada há 203 anos por dois casais negros escravizados, que vieram a pé, fugindo de maus-tratos nas fazendas de algodão de Pernambuco. “Chegaram aqui com os dedos dos pés atrofiados, de tanto correr e andar descalços pelas matas e estradas”, conta Idelzuíta Paixão, neta dos fundadores, cujo sobrenome batiza mais de 90% da comunidade. “Eles se esconderam em uma caverna por muitos anos, até pararem de ser perseguidos pelos brancos, montaram suas casinhas e começaram a povoar o lugar.” Reconhecida como a primeira comunidade quilombola do Piauí e registrada pela Fundação Palmares desde 2006, o Mimbó abriga hoje 177 pessoas. 

Mas só este ano foi possível saber com exatidão a população do Mimbó e de outras comunidades remanescentes de quilombos: o Censo 2022, o 12º realizado no país, foi o primeiro a identificar e contabilizar moradores dessas áreas. Os números oficiais divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira (27) revelam que a população quilombola chega a 1,3 milhão de pessoas no Brasil – 0,65% do total do país. A maior parte da população de quilombolas, 70%, se concentra no Nordeste, e um terço está na Amazônia Legal. Os estados da Bahia e do Maranhão abrigam, juntos, metade da população quilombola. Dos 5.569 municípios brasileiros, 1.696 registraram presença de pessoas autoidentificadas como quilombolas, mas somente 326 cidades têm territórios delimitados. 

Recensear os descendentes de quilombos só foi possível graças a um acordo firmado entre o IBGE e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que reúne representantes de mais de 23 estados da Federação, com exceção do Acre. Antes, essas localidades e territórios padeciam num longo apagão demográfico, sem dados exatos sobre população e condições de vida. Uma pergunta específica sobre a identidade quilombola foi incluída no questionário do Censo. Primeiro o entrevistado respondia sobre cor ou raça (branca, preta, parda, amarela e indígena); na sequência, vinha outra questão: “Você se considera quilombola?” Se a pessoa respondia sim, o recenseador indagava a qual comunidade pertencia. Segundo o IBGE, as perguntas não interferem uma na outra, pois, de acordo com o Decreto 4.887, há presunção de ancestralidade negra e não de que existe cor ou raça pré-definida para a população quilombola.

O Censo identificou 494 territórios quilombolas oficialmente delimitados, onde residem 167,2 mil pessoas, cerca de 12,6% da população quilombola. Entre os territórios delimitados, o de maior população é o de Alcântara, no Maranhão, com 9.344 habitantes, seguido por Alto Itacuruçá, Baixo Itacuruçá e Bom Remédio, no Pará, que somam 5.638 pessoas, e Lagoas, no Piauí, com 5.042 habitantes. Dos territórios delimitados, só são oficialmente tituladas 147 comunidades, onde vivem 62.859 pessoas – o que significa que menos de 5% dos quilombolas possuem a documentação de suas terras.

No Mimbó, a paisagem é tomada por gigantescas torres. Por conta delas, há mais de um ano, o lugar se tornou a primeira comunidade quilombola a receber internet banda larga do país. A tecnologia de fibra óptica, instalada pela parceria público-privada Piauí Conectado, garante também outros 66 pontos individuais nas casas onde há estudantes. Antes disso, os moradores recorriam ao instável sinal de telefonia da área. As recargas telefônicas, além de custosas para os orçamentos familiares, não eram velozes o suficiente para garantir navegabilidade para os usuários. “Tinha que ir pra Amarante, de carro ou de ônibus, pra ter um bom sinal de internet”, relembra Idelzuíta.

Na pandemia de Covid, quando as aulas precisaram ser transmitidas online, e ainda não havia internet banda larga na comunidade, uma parcela considerável de estudantes do nível médio e fundamental do Mimbó abandonou a escola. A da comunidade só vai até a quinta série, e quem quiser seguir nos estudos precisa ir para a sede do município. Tudo isso impacta a progressão escolar das crianças da comunidade, que agora tentam recuperar os anos perdidos. Com a chegada da internet, o acesso à educação e cursos de capacitação profissional se ampliou. 

A internet mudou, por exemplo, a vida de Teresinha Barreto. Quando o sinal de internet ficou disponível e gratuito na comunidade, ela aprendeu, em videoaulas, a cortar vidro, fazer bordado, crochê, reciclar plástico e artesanato com cordas de sisal – uma fibra vegetal comum na região, bastante usada para amarrar objetos em obras e na agricultura. Depois de produzir, também aprendeu a vender. O WhatsApp e o Instagram se transformaram em uma vitrine virtual para comercializar as peças sem sair de casa. Antes da internet, as poucas artesãs da cidade tinham que ir até Amarante vender as peças na feirinha. E o negócio tem dado certo: a renda gerada com as suas peças tem sido suficiente para pagar as despesas da casa em que mora com o companheiro e as três filhas. “Meu marido tem uma borracharia, mas aqui quase não tem carro e moto, então o serviço é pouco”, explica. “Depois que a internet chegou, a gente conseguiu um jeito de conquistar o pão de cada dia dentro da comunidade”, conta à piauí.

 
Teresinha Barreto, artesã do Mimbó: com internet banda larga, ela e outras mulheres da comunidade vendem nas redes sociais artesanato local – Foto: Vitória Pilar

O Mimbó também vive um dilema comum a muitas comunidades quilombolas: o êxodo juvenil. Ao longo dos seus 70 anos, Idelzuíta Paixão viu muitos de seus vizinhos saírem para trabalhar fora. Os rapazes iam para a construção civil, e as moças, para trabalhos domésticos em casa de família nas cidades próximas. Ela se preocupa com o futuro, porque, antes, “a pessoa envelhecia e, sem oportunidade, voltava pro quilombo”. “Os jovens merecem mais oportunidades, mas também não é justo que, depois de duzentos anos de luta, a gente veja no próximo Censo a população diminuindo por falta de oportunidades”, lamenta. O medo do esvaziamento populacional aumenta após o resultado do Censo. No Mimbó, a população oficial ficou bem abaixo das 600 pessoas estimadas pelas lideranças e pelo governo estadual.

Os números do Censo devem nortear União, estados e municípios em ações mais específicas para a população quilombola, ainda que respeitando a realidade cultural de cada comunidade. O líder do território quilombola Lagoas, Cláudio Teófilo, diz que os resultados são ainda mais fundamentais para as comunidades que ainda estão lutando pela regularização e titulação de terras. “Esperamos, no mínimo, algum tipo de visibilidade com esses números”, disse à piauí. “Vivíamos, e ainda vivemos, de forma apagada neste país. Quando chega algo para nós, chega atrasado. Não somos prioridade. O que a gente espera, com a contagem do Censo, é que não haja mais desculpas de que não sabem que existimos e onde existimos.”

A defensora pública Karla Andrade, coordenadora do projeto Vozes do Quilombo, responsável por agilizar processos que envolvem povos quilombolas no Piauí, diz que a falta de assistência às comunidades não ocorre por falta de informação ou de suporte legal. Tanto a Constituição Federal como o Decreto nº 4.887/2003, https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2003/decreto-4887-20-novembro-2003-497664-publicacaooriginal-1-pe.html  além de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, garantem o processo de identificação, reconhecimento e demarcação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O que existe, no entanto, é um vácuo entre o que já está previsto em atos normativos e os direitos realizados. “É preciso que sejamos transparentes para assumir que o abismo de desigualdades que os povos quilombolas sofrem hoje também passa pelo racismo institucional”, destaca a defensora. 

Por enquanto, é difícil saber se os dados do Censo irão trazer mudanças concretas para as comunidades quilombolas. Entre a esperança e o temor do êxodo juvenil, o Mimbó tem visto sua primeira geração chegando à universidade e espera algo inédito para 2024: seu primeiro graduado por uma instituição de ensino superior pública. Ramon Paixão, de 29 anos, deve concluir a graduação de educação do campo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Para terminar os estudos, ele vive em Teresina e volta ao Mimbó nos fins de semana e feriados. “Quando era mais novo, tive que trabalhar na cidade para fazer de tudo: pintura, vendas e entregas. Agora sei que as coisas vão mudar: quero ser cientista e produzir conhecimento. Sei que sou capaz de voltar para minha comunidade e devolver o que eu aprendi.”


Quilombo? Quem Somos Nós!

O que é Quilombo?
A palavra quilombo é originária do idioma africano quimbunco, que significa: sociedade formada por jovens guerreiros que pertenciam a grupo étnicos desenraizados de suas comunidades.
“Aos remanescentes das Comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos”

Art. 68/ADCT/CF1988

O Território Remanescente de Comunidade Quilombola é uma concretização das conquistas da comunidade afro descendente no Brasil, fruto das várias e heróicas resistências ao modelo escravagista e opressor instaurado no Brasil colônia e do reconhecimento dessa injustiça histórica. Embora continue presente perpassando as relações socioculturais da sociedade brasileira, enquanto sistema, o escravagista vigorou até 1888 e foi responsável pela entrada de mais de 3,5 milhões de homens e mulheres prisioneiros oriundos do continente africano – embora haja discrepância entre as estimativas apresentadas. Além de oriundos dos antigos quilombos de escravos refugiados é importante lembrar que muitas das comunidades foram estabelecidas em terras oriundas de heranças, doações, pagamento em troca de serviços prestados ou compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição .
Os remanescentes de quilombo são definidos como grupos étnico-raciais que tenham também uma trajetória histórica própria, dotado de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida, e sua caracterização deve ser dada segundo critérios de auto- atribuição atestada pelas próprias comunidades, como também adotado pela Convenção da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.

A chamada comunidade remanescente de quilombo é uma categoria social relativamente recente, representa uma força social relevante no meio rural brasileiro, dando nova tradução àquilo que era conhecido como comunidades negras rurais (mais ao centro, sul e sudeste do país) e terras de preto (mais ao norte e nordeste), que também começa a penetrar ao meio urbano, dando nova tradução a um leque variado de situações que vão desde antigas comunidades negras rurais atingidas pela expansão dos perímetros urbanos até bairros no entorno dos terreiros de candomblé.
Embora desde 1988 a Constituição Federal do Brasil já conceituasse como patrimônio cultural brasileiro os bens materiais e imateriais dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, foi no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que foi reconhecido o direito dos remanescentes das comunidades dos quilombos que estivessem ocupando suas terras ter a propriedade definitiva da mesma, devendo o Estado emitirem-lhes títulos respectivos.
Entretanto, foi apenas em 2003, através do Decreto Federal Nº 4.8878 que foi regulamentado o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo o INCRA o órgão competente na esfera federal, havendo competência comum aos respectivos órgãos de terras estaduais e municipais. A identificação dos limites das terras das comunidades é feita a partir da avaliação conjunta das indicações da própria comunidade e de estudos técnicos e científicos, inclusive relatórios antropológicos, constituindo na caracterização espacial, econômica, ambiental e sociocultural da terra ocupada pela comunidade (Art. 9).

A partir do texto do artigo 68 da Constituição Federal de 1988 transcrito acima, o termo quilombo assumiu um novo significado, não mais atrelado ao conceito de grupos formados por escravos fugidos. Hoje, o termo é usado para designar a situação dos segmentos negros em diferentes regiões e contextos no Brasil, fazendo referência a terras que resultaram da compra por negros libertos; da posse pacífica por ex-escravizados; de terras abandonadas pelos proprietários em épocas de crise econômica; da ocupação e administração das terras doadas aos santos padroeiros ou de terras entregues ou adquiridas por antigos escravizados organizados em quilombos. Nesse contexto, os quilombos foram apenas um dos eventos que contribuíram para a constituição das “terras de uso comum”, categoria mais ampla e sociologicamente mais relevante para descrever as comunidades que fazem uso do artigo constitucional.
A partir do Decreto nº 4.887/2003, do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi concedido a essas populações o direito à auto-atribuição como único critério para identificação das comunidades quilombolas, tendo como fundamentação a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê o direito de autodeterminação dos povos indígenas e tribais.
Até o momento não há um consenso acerca do número preciso de comunidades quilombolas no país, mas dados oficiais vindos da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia responsável pelo processo administrativo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos Remanescentes de Comunidades dos Quilombos são Atualmente são 2847 comunidades Certificadas no Brasil, 1533 processos abertos no INCRA e 154 das terras quilombolas tituladas em todo o Brasil, 80% delas regularizadas pelos governos estaduais.

COMUNIDADES QUILOMBOLAS CERTIFICADAS NO BRASIL = 2847

Região Norte 442
PA 403
TO 16
AP 15
RO 05
AM 03
Região centro Oeste 131
MT 73
MS 25
GO 33
Região Sul 175
RS 148
SC 19
PR 08
Região Nordeste 1.724
MA 734
BA 469
PI 174
PE 102
CE 79
RN 68
AL 52
SE 29
PB 17
Região Sudeste 375
MG 204
ES 52
RJ 34
SP 85

A formação dos quilombos no Brasil

A formação territorial do Brasil dá-se sob a égide colonial. A Pindorama, terra das palmeiras, como era chamado este país por seus povos originários, foi conquistada pelo colonizador europeu que aqui desenvolveu sua prática de dominação marcada pela apropriação dos espaços e pela exploração intensa dos recursos naturais, bem como dos povos aqui encontrados e que foram considerados seres inferiores, portanto, passíveis de serem consumidos.
A colonização é, antes de tudo, uma relação sociedade-espaço. A relação de uma sociedade que se expande e os lugares onde se realiza tal expansão, num contexto no qual os naturais do lugar são concebidos como atributos do espaço, uma sorte de recurso natural local. E essa é a lógica que persistirá em nossa história, pois dos colonizadores europeus passamos as elites nacionais cujo projeto territorial e sócio-econômico para o país eram exatamente os mesmos, o de apropriação e consumo dos recursos naturais e das gentes. Assim, a independência é um ato formal que não altera a vida sócio-econômica do Brasil. O regime escravocrata, o latifúndio e a concentração de riquezas apenas fortaleceram-se.
Muitas das determinações coloniais permanecem vigentes mesmo após os processos de emancipação política de tais países, uma vez que a nova ordem política é construída sobre o arcabouço econômico e social gerado no período colonial.

O negro, tornado escravo, foi coisificado e desumanizado. O europeu se auto outorgou a missão civilizadora e subtraiu aos povos “colonizados” sua história, cultura e identidade.
Milhares morreram nas guerras de captura na própria África, outros milhares na insalubre travessia do Oceano Atlântico para que por fim milhões de outros negros africanos viessem a formar a fortuna dos conquistadores, mas, sobretudo a formar o que somos como povo brasileiro.
Segundo Ribeiro a empresa escravista atua como uma mó desumanizadora e deculturadora de eficácia incomparável. Submetido a essa compressão, qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém ao ver-se reduzido a uma condição de bem semovente, como um animal de carga.

A escravidão além de base econômica da colonização brasileira foi também o fundamento de todas as esferas da vida social e política. O escravismo imprime a desigualdade e a excludência como regras básicas do convívio social. A sociedade escravocrata estabelece o império da violência, o trabalho compulsório prescinde da hegemonia, pois se realiza diretamente pela força.
Ao negro foi-lhe negada uma cidadania real mesmo após a abolição da escravatura. Recusados e discriminados como mão de obra paga, muitos negros estabeleceram-se sob as bases da agricultura de subsistência, comercializando, quando possível, seus excedentes. Na maioria das vezes posseiros ou pequenos proprietários os grupos rurais negros constroem coletivamente a vida sob uma base material e social, formadora de uma territorialidade negra, na qual elaboram-se formas específicas de ser e existir como camponês e negro.

Um inventário parcial das informações existentes aponta para o fato de que os grupos negros vivem em bairros rurais, entendidos aqui na perspectiva desenvolvida por Cândido (1971) e por Queiroz (1976), ou então, em áreas esparsas reconhecidas como de negros. A especificidade do modo de vida demonstra existirem elementos que os diferenciam pela condição étnica e história particular de sua constituição.
De acordo com Gusmão a história oficial e a ideologia que lhe é própria não mostram a presença negra na terra, posto que foi assumida apenas enquanto força de trabalho escrava e, depois, livre. Disso resultam concepções enganosas e pré–noções tanto a respeito do modo de vida rural, quanto do negro, de modo geral, tornando invisível a existência de uma questão camponesa e negra.
A questão fundiária em nosso país está extremamente vinculada à sorte da população negra, pois ao instituir que as terras deveriam ser “compradas” naturalmente os negros foram excluídos desse processo de apropriação destas, primeiro porque eram escravizados (mercadorias), depois de 1888 por serem libertos, mas marginalizados na sociedade e, portanto, sem a possibilidade de adquirir terras. Embora a questão da obrigatoriedade da compra de terras afetasse também, imigrantes e brasileiros brancos e pobres, pois também para estes a terra tornou-se mais difícil, para os negros essa questão levou a uma maior marginalização, visto que se o negro não tinha terras para sua subsistência tampouco tinha outras possibilidades de garantir seu sustento. Contudo, a história do negro no Brasil não se constitui somente de submissão, houve também, é claro, diversas formas de resistência negra à escravidão como revoltas, fugas, assassinato de senhores, abortos e a constituição de quilombos.
Os quilombos são a materialização da resistência negra à escravização, foram uma das primeiras formas de defesa dos negros, contra não só a escravização, mas também à discriminação racial e ao preconceito.
E é exatamente neste ponto que o destino de negros e das florestas se encontram, pois o mesmo processo que tornou o negro mercadoria, força de trabalho escravizada em benefício de uma minoria branca também consumiu ferozmente os recursos naturais disponíveis no país, sendo as florestas atlânticas as primeiras a sofrerem drástica redução.

Há claramente o consumo da natureza e dos homens, ambos coisificados. Contudo, enquanto a conquista e conseqüente destruição das florestas avançava, transformando drasticamente as paisagens, os povos que resistiam a serem explorados ou literalmente escravizados no processo de desenvolvimento que se instalava buscavam refúgio em áreas afastadas desse processo, nas quais a floresta consistia abrigo e possibilidade de vida em liberdade. Os indígenas, como conhecedores e muitas vezes como parte da própria natureza, conforme suas cosmologias, buscavam quando possível esse distanciamento. A eles se juntaram mestiços marginalizados e também negros que fugiam da escravização.
Especialmente ao que concerne às populações negras a fuga tendo como destino as matas consistiu em importante forma de resistência à escravização e uma das primeiras formas de constituição dos quilombos.
No entanto a fronteira florestal, na qual primeiro os indígenas e depois os negros e mestiços vão buscar abrigo, é permanentemente alcançada pela expansão das atividades econômicas hegemônicas. De acordo com Moraes os atrativos evidentes – os imediatamente encontrados – comandavam a instalação inicial dos colonizadores, mas os espaços desconhecidos atuavam constantemente no imaginário, fazendo da expansão progressiva um elemento sempre presente.

O território foi visto como um espaço físico, mas também como um espaço de referência para a construção da identidade quilombola.
Estes territórios são alvos de diversos conflitos e disputas, pois via de regra, são sobrepostos aos remanescentes florestais atlânticos, cobiçados tanto para o avanço de monoculturas como a do eucalipto e da cana-de-açúcar, ou expansões urbanas, quanto para áreas restritas à preservação ambiental.
Desta forma, podemos classificar estes conflitos como sendo primordialmente territoriais, visto que o que está em disputa são visões diversas sobre o mesmo espaço e que vão resultar em concepções também diversas de território. Afinal, uma Unidade de Conservação é constituída por um território jurídico e delimitado politicamente, assim como o empresário do setor agrícola verá nestes remanescentes uma frente de expansão aos seus negócios. Contudo, em nossa história tem-se ignorado que estes espaços já foram territorializados material e simbolicamente por populações tradicionais.
Nesta pesquisa, na qual lidamos por vezes com as subjetividades, com os desejos e ânsias das comunidades quilombolas com as quais nos relacionamos, o território foi considerado antes de tudo, um espaço de referência para a construção da identidade quilombola, pois é físico material, é político, é econômico e é também simbólico.

A invenção de identidades político-cultural é recorrente, ela acontece sempre que determinado grupo põe-se em movimento para reivindicar o que lhe é essencial. No caso das comunidades quilombolas, a terra. Terra aqui entendida num sentido amplo, englobando a terra necessária para a reprodução material da vida, mas também a terra na qual o simbólico paira, na qual a memória encontra lugar privilegiado, morada de mitos e lendas, fonte de beleza, inspiração e do sentido sagrado da coletividade, tão essencial à vida quanto a terra de trabalho.
É necessário então entender a constituição da identidade quilombola face à necessidade de luta pela manutenção ou reconquista de um território material e simbólico. Por isso, talvez melhor do que discutir o conceito de território seja discutir o processo de territorialização dessas comunidades.
A territorialidade adquire um valor particular, pois reflete a multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros de uma coletividade. Os homens vivem, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações produtivistas e simbólicas. Há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. O homem transforma a natureza e a natureza transforma o homem.

O processo de territorialização pressupõe a tensão nas relações estabelecidas, pois se um grupo se organiza em prol de territorializar-se ele está negando o lugar que lhe havia sido destinado, numa dada circunstância espaço-temporal, por outros grupos sociais melhor situados no espaço social pelos capitais de que já dispõem. Ou seja, quando uma comunidade quilombola se organiza e reivindica seus direitos sobre um território ancestral, quando ela luta para se territorializar, ela está negando o lugar marginal que lhe havia sido designado pela sociedade abrangente, seja por grandes empresas privadas que plantam eucalipto ou cana em seus territórios, seja pelo próprio poder público que lhes impõe unidades de conservação ambientais estabelecendo uma nova territorialidade, esta de cima para baixo.
Todo movimento social se configura a partir daqueles que rompem a inércia e se movem, isto é, mudam de lugar, negam o lugar que historicamente estavam destinados em uma organização social, e buscam ampliar os espaços de expressão que, como já nos alertou Michel Foucault, têm fortes implicações de ordem política; As áreas escolhidas para a realização deste estudo são emblemáticas da sobreposição de territórios e dos conseqüentes conflitos de territorialidades. É em função das disputas territoriais que identidades, como a quilombola, são forjadas.
As territorialidades são instituídas por sujeitos sociais em situações historicamente determinadas. Se hoje existem territórios quilombolas é por que em um momento histórico dado um grupo se posicionou aproveitando uma correlação de forças políticas favoráveis e institui um direito que fez multiplicar os sujeitos sociais e as disputas territoriais.

Territorializar-se significa ter poder e autonomia para estabelecer determinado modo de vida em um espaço, para estabelecer as condições de continuidade da reprodução material e simbólica deste modo de vida. A sobreposição de territórios implica necessariamente em uma disputa de poder.
As comunidades quilombolas ao se organizarem pelo direito aos territórios ancestrais, elas não estão apenas lutando por demarcação de terras, as quais elas têm absoluto direito, mas, sobretudo elas estão fazendo valer seus direitos a um modo de vida.

Perspectiva Histórica

O movimento de luta pela garantia dos direitos quilombolas é histórico e política. Traz em seu íntimo uma dimensão secular de resistência, na qual homens e mulheres negros buscavam o quilombo como possibilidade de se manterem física, social e culturalmente, em contraponto à lógica colonial e pós-colonial.
No período pós-abolição, a população negra se manteve excluída do acesso a diversos direitos fundamentais e a luta pelos direitos quilombolas se somou às lutas da população negra de modo geral, sendo uma forte bandeira dos movimentos negros organizados durante os séculos XX e XXI. O processo de fortalecimento da luta pelos direitos quilombolas construiu, todavia, outra faceta importante do ponto de vista político-organizativo que é a constituição do movimento quilombola, com suas especificidades em relação ao movimento negro urbano.

A questão quilombola esteve presente, do ponto de vista legal, tanto no regime colonial como no imperial de forma significativa no Brasil. Esses marcos legais fundamentavam a criminalização e penalização das fugas e tentativas de rebelião de escravos. As referências primeiras aos quilombos foram pronunciadas pela Coroa Portuguesa e seus representantes que administravam o Brasil colônia. Essas referências situam-se no contexto de repressão da Coroa aos negros aquilombados.
O Regimento dos Capitães-do-mato, de Dom Lourenço de Almeida, em 1722, foi possivelmente a primeira materialização legal da repressão às comunidades quilombolas: “pelos negros que forem presos em quilombos formados distantes de povoação onde estejam acima de quatro negros, com ranchos, pilões e de modo de aí se conservarem, haverão para cada negro destes 20 oitavas de ouro” (Guimarães, 1988: 131).

Ivo Fonseca Silva destaca que a Constituição de 1988 trouxe um processo de reversão de um histórico de não reconhecimento da cidadania da população negra, e mais especificamente dos quilombolas:
“Se pegar as normas constitucionais e os decretos na história do Brasil, eles são muito cruéis conosco. Nós só passamos a ser cidadãos brasileiros a partir da constituição de 1988. Antes nós não éramos cidadãos brasileiros”. (Ivo Fonseca Silva – CONAQ)

Povo Quilombola: Identidade e Resistência

A noção de identidade quilombola está estreitamente ligada à idéia de pertença. Essa perspectiva de pertencimento, que baliza os laços identitários nas comunidades e entre elas, parte de princípios que transcendem a consangüinidade e o parentesco, e vinculam-se a idéias tecidas sobre valores, costumes e lutas comuns, além da identidade fundada nas experiências compartilhadas de discriminação.
Há uma trama social tecida a partir das ações coletivas e representações que são determinantes para o estabelecimento das noções que dão eco à idéia de que os quilombolas constituem uma comunidade, um povo, que, por sua vez, possui elementos estruturais que tornam este grupo distinto do que intitula-se sociedade nacional.

A idéia de irmandade, de união entre as comunidades quilombolas das mais distintas e longínquas localidades é ressaltada na teia de relações e compartilhamentos existentes entre as comunidades, e é uma questão presente em diversas narrativas de lideranças quilombolas. Esse ponto constituísse como fundamental para a construção da luta comum, que tem como principal ponto a luta pelo direito à terra.
A perspectiva identitária tem íntima relação com a noção de territorialidade. As Comunidades Quilombolas são circunscritas e estabelecem íntima relação territorial com seus territórios, denominados de diversas formas tais como terras de preto, mocambo. Essa perspectiva territorial é conceituada como o espaço territorial passado pelas várias gerações sem a adoção do procedimento formal de partilha, e sem que haja posse individualizada. Givânia Maria da Silva apresenta reflexão sobre a dimensão da territorialidade para a identidade quilombola:
“O pertencimento em relação ao território é algo mais profundo. A luta quilombola existe porque há um sentimento por parte dos quilombolas de que aquele território em que eles habitam é deles. Mas não é deles por conta de propriedade, é deles enquanto espaço de vida, de cultura, de identidade. Isso nós chamamos de pertencimento. Nem é porque nossas terras sejam as mais férteis que nós lutamos por elas. Elas muitas vezes não são as mais férteis, se nós concebermos o fértil no usual da economia. Mas ela tem uma fertilidade que para nós que estamos ali ela é a melhor. A nossa luta pela terra não é pautada por princípios econômicos e sim por fundamentos culturais, ancestrais. É o sentimento de continuidade da luta e resistência”.

A construção da identidade e a perspectiva que dá forma ao pertencimento são fundadas no território e, também, em critérios político-organizativos. Nesse sentido, identidade e território são indissociáveis. A organização das comunidades quilombolas como um grupo étnico tornou possível a resistência e defesa do território, além de singularizar sua ocupação. O processo de territorialização das comunidades quilombolas está estritamente relacionado com a organização social.
Os elementos que constituem os grupos enquanto próprios e distintos da sociedade nacional, como as comunidades quilombolas, deixam de ser colocados em termos dos conteúdos culturais que encerram e definem diferenças. Conceber as comunidades quilombolas a partir dessa perspectiva tem levantado algumas ponderações sobre as manipulações que podem ser empreendidas pelos próprios sujeitos sociais pertencentes à identidade étnica.

Essas questões norteiam, inclusive, uma ADIN de inconstitucionalidade impetrada pelo partido dos Democratas (antigo PFL) no Supremo Tribunal Federal – STF, ao decreto 4887/2003 que regulamenta a titulação de terras de quilombos e se constitui na perspectiva da auto-declaração da comunidade.
Os quilombos, todavia, fortalecem sua identidade contrastiva em contraponto à idéia de assimilação ou de extinção. A diferença cultural não traz uma valorização por si só. Porém, a contraposição consciente das identidades e culturas em relação à lógica imperialista dos Estados Nacionais se constitui como uma antítese ao projeto pós-colonialista de estabilização, uma vez que os povos lutam não apenas para marcar sua identidade, como também para retomar o controle do próprio destino e construir diretrizes de rumos comuns.

Essa contraposição cultural ao projeto hegemônico imperialista dialoga com a emergência da organização do movimento quilombola nos últimos anos no país. O movimento quilombola, organizado em nível nacional a partir de 1995, traz a retórica identitária como um elemento central de suas reivindicações e do estabelecimento da coesão de grupo. A partir dessa identidade étnica, os quilombolas construíram sua linha central de luta que é a defesa de seus territórios. São critérios político-organizativos que estruturam essa perspectiva de pertença étnica.

Fontes:
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
MOURA, G. 2006. Quilombos contemporâneos no Brasil in Brasil/África: como se o mar fosse mentira. CHAVES, R., SECCO, C., MACEDO, T.. São Paulo: Ed. Unesp. Luanda/Angola: Chá de Caninde.
Comissão Pró Índio de São Paulo (CPI SP). Acesso ao site em março de 2010.
VELÁSQUES, C.. “Quilombolas”. In: RICARDO, B. e CAMPANILI, M. (Ed.). Almanaque Brasil Socioambiental 2008. Instituto Socioambiental. 2007. P. 234-235.
BRASIL. 1988. “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: promulgada em 5 de outubro de 1988”. Coletânia de Legislaçao Ambiental e Constituição Federal. Organização: Odete Medauar. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2008. Coleção RT MiniCódigos. 1117p.
Dados da Fundação Cultural Palmares
http://www.incra.gov.br/quilombola
Simone Rezende da Silva Pós-Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da Universidade de São Paulo, retirado do texto: QUILOMBOS NO BRASIL: A MEMÓRIA COMO FORMA DE REINVENÇÃO DA IDENTIDADE E TERRITORIALIDADE NEGRA
Nota: 7 Ribeiro, 2004, p. 118
Nota: Gusmão, 1995, p. 12
Nota: Moraes, 2005, p. 68
SOUZA, Barbara Oliveira – UNB. Texto: Movimento Quilombola: Reflexões sobre seus aspectos político-organizativos e identitários.
SILVA, Ivo Fonseca – Liderança quilombola da comunidade de Frechal, Maranhão. Fundador da CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais.
SILVA, Givânia Maria – Liderança quilombola da comunidade de Conceição das Crioulas, Pernambuco, e fundadora da CONAQ.
Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada pelo PFL (hoje Partido Democratas) junto ao Supremo Tribunal Federal.

Pílulas 15

Equador revoluciona ao tratar a natureza como sujeito de direito

Milly Lacombe, UOL, 23/08/2023

O Equador aprovou em referendo, com quase 60% dos votos, a proibição para exploração petrolífera na fronteira com o Peru. O local é uma reserva dentro da Amazônia e a exploração de minérios e de petróleo acabaria com biomas e mudaria em definitivo a vida na região. É atitude inédita e revolucionária.

Opositores argumentam que a proibição custará bilhões aos cofres públicos e que, com essa perda, populações vulneráveis serão prejudicadas. É o caso de pararmos para questionar quando exatamente a exploração de minérios e petróleo foi revertida para acabar com a fome e a miséria. O que sabemos é que ela, além de afundar o pé no acelerador da emergência climática, rende bilhões a uma classe muito pequena de empresários internacionais.

O que também sabemos é que a derradeira batalha é contra o superaquecimento do planeta, e que, por isso, tratar a natureza como sujeito de direito pode até ser considerada atitude egoísta já que é justamente ela que vai salvar todos os viventes, o ser humano incluído.

Em 2008 o Equador foi o primeiro país a colocar a natureza em sua constituição.

O Capítulo 7 da nova constituição se chama "Direitos da Natureza", conhecida como Pacha Mama em uma das línguais oficiais. Entre os direitos, o direito a sua regeneração, seus ciclos vitais e restauração. Ao final desse texto, alguns trechos da constituição equatoriana no que diz respeito aos direitos da natureza.

É curioso pensar que um pequenino país como o Equador esteja tão à frente de potências como Estados Unidos, China e Inglaterra.

Curioso pensar que aquilo que entendemos por progresso é, na verdade, regresso. Que progresso é deixar as florestas de pé e permitir que o planeta respire livremente porque é, ao exalar, que ele nos deixa inspirar.

Curioso que, nos Estados Unidos sujeitos de direitos sejam as corporações e não a natureza. E que, mesmo diante dessa aberração, eles ainda sejam o país que queremos emular.

Um brinde ao Equador, a sua constituição e à aprovação do corajoso - e democrático - referendo.

Os artigos da constituição:

Artigo 71. La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos.

oda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los principios establecidos en la Constitución, en lo que proceda.

El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que protejan la naturaleza, y promoverá el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema.

Art. 72. La naturaleza tiene derecho a la restauración. Esta restauración será independiente de la obligación que tienen el Estado y las personas naturales o jurídicas de Indemnizar a los individuos y colectivos que dependan de los sistemas naturales afectados.

En los casos de impacto ambiental grave o permanente, incluidos los ocasionados por la explotación de los recursos naturales no renovables, el Estado establecerá los mecanismos más eficaces para alcanzar la restauración, y adoptará las medidas adecuadas para eliminar o mitigar las consecuencias ambientales nocivas.

Art. 73. EI Estado aplicará medidas de precaución y restricción para las actividades que puedan conducir a la extinción de especies, la destrucción de ecosistemas o la alteración permanente de los ciclos naturales.

Se prohíbe la introducción de organismos y material orgánico e inorgánico que puedan alterar de manera definitiva el patrimonio genético nacional.

Art. 74. Las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades tendrán derecho a beneficiarse del ambiente y de las riquezas naturales que les permitan el buen vivir. Los servicios ambientales no serán susceptibles de apropiación; su producción, prestación, uso y aprovechamiento serán regulados por el Estado.

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Megalodonte, tubarão pré-histórico, é estrela de filme; entenda a suavida há 20 milhões de anos

Animal tinha até 20 metros de comprimento, dentes pontiagudos do tamanho de uma mão humana e era capaz de engolir uma baleia inteira

O tubarão pré-histórico megalodonte (Otodus megalodon) aterrorizou os mares de todo o planeta durante 20 milhões de anos. Com até 20 metros de comprimento (quatro vezes maior que um tubarão branco atual) e dentes pontiagudos do tamanho de uma mão humana, ele era capaz de engolir uma baleia inteira em poucas bocadas se ela desse o azar de cruzar seu caminho. Um vilão e tanto.

Não por acaso, o megalodonte é a estrela do filme Megatubarão 2, de Ben Wheatley, que estreou no Brasil na semana passada. O longa conta a história de um grupo de pesquisadores que acaba encontrando um exemplar vivo da fera pré-histórica nas Fossas Marianas, o lugar mais profundo dos oceanos, com quase 11 mil metros de profundidade.

Cientistas alertam para as inconsistências científicas e para os riscos que o filme representa para os tubarões – praticamente um terço deles ameaçados de extinção. Cerca de 100 milhões de tubarões são mortos por ano em todo o mundo, em grande parte, dizem os especialistas, por conta da recorrente “representação negativa dos tubarões na mídia”.

”O filme surfa na onda do medo, do grande monstro que persegue os homens, não ajuda em nada, muito pelo contrário”, diz o biólogo marinho Marcelo Szpilman, presidente do AquaRio e autor do livro Tubarões por que atacam o homem? (Ed. Mauad), a ser lançado em 21 de outubro.

“Como o oceano é um ambiente misterioso, o filme reforça essa crença boba de que lá pode haver monstros, como se acreditava em 1500. O ruim é mostrar o tubarão, mais uma vez, como uma fera assassina; a falsa imputação feita aos tubarões há anos. E, nesse caso específico, um monstro que não existe, que está extinto há milhões de anos. Se o tubarão branco que é muito menor já causa pânico, imagina achar que aquele existe.”

Mas o que se sabe, de fato, sobre o monstro e o que é pura invenção do cinema?

O megalodonte é conhecido por cientistas desde 1840 graças aos seus enormes dentes triangulares que, com alguma frequência, foram fossilizados. O nome megalodonte significa, justamente, dente grande em grego antigo. E não é para menos. Alguns dos dentes já encontrados tinham até 17 centímetros. O dente de um tubarão branco, por exemplo, tem cerca de 7,5 centímetros.

No entanto, embora já tenham sido encontrados vários dentes fossilizados em todos os continentes, não se tem muitos detalhes sobre o restante do corpo do bicho. Além dos dentes, os cientistas só dispõem de algumas vértebras.

Comparando o tamanho do dente de tubarões atuais com o de seus corpos, paleontólogos estimam que o megalodonte podia chegar a inacreditáveis 20 metros – o que significa que ele era muito maior do que qualquer outro tubarão existente atualmente; muito provavelmente o maior que já existiu. E o formato triangular dos dentes não deixa dúvida: ele era um grande predador.

Outra forma de descobrir em que local da cadeia alimentar o megalodonte se encontrava é buscar por indícios de nitrogênio. Todo o nitrogênio presente no corpo de um animal vem da proteína ingerida. Com isso, animais que estão no topo da cadeia alimentar apresentam uma proporção muito maior de nitrogênio em seus corpos, inclusive nos dentes.

Em um estudo de 2022, Sora Kim e sua equipe da Universidade da Califórnia, nos EUA, constataram altos níveis de nitrogênio no dente de um megalodonte, indicando que ele seria, realmente, um grande predador, capaz de engolir até mesmo grandes baleias, como as atuais orcas.

Estudando as poucas vértebras de megalodonte já encontradas, pesquisadores conseguiram estimar que o tubarão nascia já com dois metros de comprimento. O tamanho sugere que ele não saia de um ovo deixado em algum lugar, como muitas criaturas marinhas, mas era gestado no útero da mãe. E mais: para alcançar tal tamanho, ele certamente comia outros ovos que eventualmente estivessem sendo gestados.

Embora chocante, esse “canibalismo intrauterino” ocorre também entre os tubarões modernos. As fêmeas produzem relativamente poucos filhotes, mas cada um dos sobreviventes é alimentado da melhor forma possível.

Um estudo do ano passado, publicado na Science Advances pelo grupo de Catalina Pimiento, da Universidade de Swansea, no Reino Unido, classificou o megalodonte como um “superpredador transoceânico”. Ou seja, ele seria capaz de se deslocar entre os diferentes oceanos. Segundo o trabalho, o bicho era capaz de nadar 1,4 metro por segundo – bem mais rápido do que qualquer tubarão atual.

“A boca era tão grande que cabia ali praticamente qualquer presa”, afirmou a pesquisadora, no trabalho, lembrando que um indivíduo adulto poderia comer um animal do tamanho de uma baleia em poucas mordidas.

Outra característica importante é que ele era um animal de sangue quente, ou seja, ele conseguia controlar sua temperatura interna, gerando calor. Com isso, ele podia nadar mais rápido e por distâncias mais longas, além de poder se aventurar em águas geladas. Os dentes fossilizados já foram encontrados em todos os continentes, indicando sua ocupação.

Sua extinção está provavelmente relacionada ao seu tamanho gigantesco. Para manter o corpanzil e o mecanismo de geração de calor, ele precisava comer muito. Uma queda no nível do mar e a consequente extinção de muitos outros animais marinhos que eram alimento do megalodonte selaram o seu destino há pelo menos 2,5 milhões de anos.

“Tem sido cansativo explicar para as pessoas que o megalodonte é uma espécie extinta, representada apenas pelo registro fóssil”, afirmou o paleobiólogo Kenshu Shimada, da Universidade DePaul, em Chicago, em entrevista à BBC, por conta do lançamento do filme.

Os cientistas garantem que, ao contrário do que sugere o filme, um tubarão tão grande, capaz de comer animais do tamanho de baleias, não passaria despercebido no mundo atual hiperconectado. Também diferentemente do que sugere o filme, os megalodontes não conviveram com os dinossauros. Quando os tubarões gigantes surgiram, os dinos já haviam sido extintos há milhões de anos

”O filme é cheio de imprecisões científicas”, admitiu o paleontólogo Jack Cooper, da Universidade de Swansea, no Reino Unido, em artigo escrito para a revista The Conversation sobre o novo filme. “Mas eu não consigo não gostar de Megatubarão. Um filme ridículo? Sim. Mas todos os envolvidos parecem estar muito cientes disso, tornando-o um entretenimento divertido.”

Para Cooper, se um jovem se inspirar no filme para, no futuro, vir a se tornar um especialista em megalodontes, o longa já justificou a sua existência. ”Digo isso porque foi o que aconteceu comigo”, escreveu.

“A razão de eu ter descoberto um megalodonte foi porque eu assisti a uma série da BBC chamada Monstros Marinhos, quando eu tinha seis anos. Agora, 20 anos depois, sou um paleobiólogo especializado em fósseis de tubarão e meu trabalho mais conhecido é sobre um megalodonte.”

Szpilman discorda. E lembra que resolveu se tornar biólogo marinho depois de assistir a 007, o Espião que me Amava. ”Tudo sempre pode ter algum lado bom; mas, nesse caso, é 99% ruim”, disse. “Se o intuito é fazer divulgação científica, melhor levar a criança num museu, num zoológico, num aquário.”

A péssima fama dos tubarões junto ao público data dos anos 1970, quando Steven Spielberg lançou Tubarão, um grande sucesso de crítica e público que aterrorizou uma geração inteira de jovens. O próprio Spielberg já disse que “lamenta verdadeiramente” ter feito o filme, que é acusado de ter deturpado o comportamento do animal, desencadeando uma onda de caça ao tubarão branco.

”Sabemos que os ataques de tubarões a homens são relativamente raros quando comparados a outros animais selvagens com os quais interagimos e que cerca de 80% dos ataques são causados por erro de identificação visual”, explica Szpilman, que se dedica a desmitificar a imagem sensacionalista imputada ao bicho.

“Em situações de pouca visibilidade, como água turva ou visāo contra o sol, o tubarão pode confundir sua presa habitual com um banhista ou surfista e dar uma mordida investigatória. Se nós, seres humanos, realmente representássemos uma presa apetitosa aos olhos de um tubarão, haveria muito poucas praias seguras ao redor do mundo e os ataques seriam diários e contados aos milhares.”

Por Roberta Jansen, 08/08/2023

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O Censo dos quilombolas

Brasil tem 1,3 milhão de habitantes em áreas remanescentes de quilombos; êxodo juvenil é desafio dos próximos anos nas comunidades

Vitória Pilar | 27 jul 2023

Idelzuíta Paixão, moradora da Comunidade Quilombola Mimbó, no Piauí: Censo tira localidades do apagão demográfico Foto: Vitória Pilar

Na beira da estrada que corta a Serra do Araras, a 18 km de Amarante, Centro-Norte do Piauí, um trio de mulheres negras vende hortaliças e chama a atenção com seus turbantes e roupas coloridas. A poucos metros das vendedoras, do outro lado da pista, uma grande placa indica o lugar: a Comunidade Quilombola Mimbó. Três quilômetros pela estreita estrada de pedra e se chega ao Mimbó, com suas casas, quadra de esportes, campo de futebol, uma escola para crianças e um posto de saúde. A comunidade foi fundada há 203 anos por dois casais negros escravizados, que vieram a pé, fugindo de maus-tratos nas fazendas de algodão de Pernambuco. “Chegaram aqui com os dedos dos pés atrofiados, de tanto correr e andar descalços pelas matas e estradas”, conta Idelzuíta Paixão, neta dos fundadores, cujo sobrenome batiza mais de 90% da comunidade. “Eles se esconderam em uma caverna por muitos anos, até pararem de ser perseguidos pelos brancos, montaram suas casinhas e começaram a povoar o lugar.” Reconhecida como a primeira comunidade quilombola do Piauí e registrada pela Fundação Palmares desde 2006, o Mimbó abriga hoje 177 pessoas.

Mas só este ano foi possível saber com exatidão a população do Mimbó e de outras comunidades remanescentes de quilombos: o Censo 2022, o 12º realizado no país, foi o primeiro a identificar e contabilizar moradores dessas áreas. Os números oficiais divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira (27) revelam que a população quilombola chega a 1,3 milhão de pessoas no Brasil – 0,65% do total do país. A maior parte da população de quilombolas, 70%, se concentra no Nordeste, e um terço está na Amazônia Legal. Os estados da Bahia e do Maranhão abrigam, juntos, metade da população quilombola. Dos 5.569 municípios brasileiros, 1.696 registraram presença de pessoas autoidentificadas como quilombolas, mas somente 326 cidades têm territórios delimitados.

Recensear os descendentes de quilombos só foi possível graças a um acordo firmado entre o IBGE e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que reúne representantes de mais de 23 estados da Federação, com exceção do Acre. Antes, essas localidades e territórios padeciam num longo apagão demográfico, sem dados exatos sobre população e condições de vida. Uma pergunta específica sobre a identidade quilombola foi incluída no questionário do Censo. Primeiro o entrevistado respondia sobre cor ou raça (branca, preta, parda, amarela e indígena); na sequência, vinha outra questão: “Você se considera quilombola?” Se a pessoa respondia sim, o recenseador indagava a qual comunidade pertencia. Segundo o IBGE, as perguntas não interferem uma na outra, pois, de acordo com o Decreto 4.887, há presunção de ancestralidade negra e não de que existe cor ou raça pré-definida para a população quilombola.

O Censo identificou 494 territórios quilombolas oficialmente delimitados, onde residem 167,2 mil pessoas, cerca de 12,6% da população quilombola. Entre os territórios delimitados, o de maior população é o de Alcântara, no Maranhão, com 9.344 habitantes, seguido por Alto Itacuruçá, Baixo Itacuruçá e Bom Remédio, no Pará, que somam 5.638 pessoas, e Lagoas, no Piauí, com 5.042 habitantes. Dos territórios delimitados, só são oficialmente tituladas 147 comunidades, onde vivem 62.859 pessoas – o que significa que menos de 5% dos quilombolas possuem a documentação de suas terras.

No Mimbó, a paisagem é tomada por gigantescas torres. Por conta delas, há mais de um ano, o lugar se tornou a primeira comunidade quilombola a receber internet banda larga do país. A tecnologia de fibra óptica, instalada pela parceria público-privada Piauí Conectado, garante também outros 66 pontos individuais nas casas onde há estudantes. Antes disso, os moradores recorriam ao instável sinal de telefonia da área. As recargas telefônicas, além de custosas para os orçamentos familiares, não eram velozes o suficiente para garantir navegabilidade para os usuários. “Tinha que ir pra Amarante, de carro ou de ônibus, pra ter um bom sinal de internet”, relembra Idelzuíta.

Na pandemia de Covid, quando as aulas precisaram ser transmitidas online, e ainda não havia internet banda larga na comunidade, uma parcela considerável de estudantes do nível médio e fundamental do Mimbó abandonou a escola. A da comunidade só vai até a quinta série, e quem quiser seguir nos estudos precisa ir para a sede do município. Tudo isso impacta a progressão escolar das crianças da comunidade, que agora tentam recuperar os anos perdidos. Com a chegada da internet, o acesso à educação e cursos de capacitação profissional se ampliou.

A internet mudou, por exemplo, a vida de Teresinha Barreto. Quando o sinal de internet ficou disponível e gratuito na comunidade, ela aprendeu, em videoaulas, a cortar vidro, fazer bordado, crochê, reciclar plástico e artesanato com cordas de sisal – uma fibra vegetal comum na região, bastante usada para amarrar objetos em obras e na agricultura. Depois de produzir, também aprendeu a vender. O WhatsApp e o Instagram se transformaram em uma vitrine virtual para comercializar as peças sem sair de casa. Antes da internet, as poucas artesãs da cidade tinham que ir até Amarante vender as peças na feirinha. E o negócio tem dado certo: a renda gerada com as suas peças tem sido suficiente para pagar as despesas da casa em que mora com o companheiro e as três filhas. “Meu marido tem uma borracharia, mas aqui quase não tem carro e moto, então o serviço é pouco”, explica. “Depois que a internet chegou, a gente conseguiu um jeito de conquistar o pão de cada dia dentro da comunidade”, conta à piauí.

Teresinha Barreto, artesã do Mimbó: com internet banda larga, ela e outras mulheres da comunidade vendem nas redes sociais artesanato local – Foto: Vitória Pilar

O Mimbó também vive um dilema comum a muitas comunidades quilombolas: o êxodo juvenil. Ao longo dos seus 70 anos, Idelzuíta Paixão viu muitos de seus vizinhos saírem para trabalhar fora. Os rapazes iam para a construção civil, e as moças, para trabalhos domésticos em casa de família nas cidades próximas. Ela se preocupa com o futuro, porque, antes, “a pessoa envelhecia e, sem oportunidade, voltava pro quilombo”. “Os jovens merecem mais oportunidades, mas também não é justo que, depois de duzentos anos de luta, a gente veja no próximo Censo a população diminuindo por falta de oportunidades”, lamenta. O medo do esvaziamento populacional aumenta após o resultado do Censo. No Mimbó, a população oficial ficou bem abaixo das 600 pessoas estimadas pelas lideranças e pelo governo estadual.

Os números do Censo devem nortear União, estados e municípios em ações mais específicas para a população quilombola, ainda que respeitando a realidade cultural de cada comunidade. O líder do território quilombola Lagoas, Cláudio Teófilo, diz que os resultados são ainda mais fundamentais para as comunidades que ainda estão lutando pela regularização e titulação de terras. “Esperamos, no mínimo, algum tipo de visibilidade com esses números”, disse à piauí. “Vivíamos, e ainda vivemos, de forma apagada neste país. Quando chega algo para nós, chega atrasado. Não somos prioridade. O que a gente espera, com a contagem do Censo, é que não haja mais desculpas de que não sabem que existimos e onde existimos.”

A defensora pública Karla Andrade, coordenadora do projeto Vozes do Quilombo, responsável por agilizar processos que envolvem povos quilombolas no Piauí, diz que a falta de assistência às comunidades não ocorre por falta de informação ou de suporte legal. Tanto a Constituição Federal como o Decreto nº 4.887/2003, https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2003/decreto-4887-20-novembro-2003-497664-publicacaooriginal-1-pe.html  além de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, garantem o processo de identificação, reconhecimento e demarcação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O que existe, no entanto, é um vácuo entre o que já está previsto em atos normativos e os direitos realizados. “É preciso que sejamos transparentes para assumir que o abismo de desigualdades que os povos quilombolas sofrem hoje também passa pelo racismo institucional”, destaca a defensora.

Por enquanto, é difícil saber se os dados do Censo irão trazer mudanças concretas para as comunidades quilombolas. Entre a esperança e o temor do êxodo juvenil, o Mimbó tem visto sua primeira geração chegando à universidade e espera algo inédito para 2024: seu primeiro graduado por uma instituição de ensino superior pública. Ramon Paixão, de 29 anos, deve concluir a graduação de educação do campo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Para terminar os estudos, ele vive em Teresina e volta ao Mimbó nos fins de semana e feriados. “Quando era mais novo, tive que trabalhar na cidade para fazer de tudo: pintura, vendas e entregas. Agora sei que as coisas vão mudar: quero ser cientista e produzir conhecimento. Sei que sou capaz de voltar para minha comunidade e devolver o que eu aprendi.”

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Por que vale a pena ter uma biblioteca em casa

Rodrigo Casarin, UOL, 19/07/2023

Sábado a morte do chileno Roberto Bolaño completou 20 anos. Faz algum tempo que venho dando atenção para a obra do escritor. Nos últimos anos passei por "2666", "Os Detetives Selvagens", "A Literatura Nazista na América", "A Universidade Desconhecida". Numa feira escolar, enfim arrumei meu exemplar de "Noturno do Chile". A melancolia da efeméride me deixou com vontade de voltar a Bolaño.

Perambulei pelas lombadas da biblioteca. Reencontrei meus dois primeiros Bolaños. Lembro como os adquiri (um na feira da USP, outro numa banca), só não me recordava do que havia dentro deles, da trama, da construção da narrativa. Aproveitei o final de semana para reler "Estrela Distante", edição publicada numa coleção de jornal. Deixei o exemplar cheio de marcas dessa nova leitura. Ficou a ideia: escrever sobre a presença do futebol na obra de Bolaño.

Ter ao alcance das mão livros que nos marcaram e outros tantos que gostaríamos de ler é um bom argumento para manter uma biblioteca em casa, ainda que esteja longe de ser o único. Daí que me surpreendeu ver uma porrada de leitores se descabelando pela internet em pleno domingo depois que alguém fez um post se colocando contra acervos privados.

A pessoa tinha seus argumentos. Defendia as bibliotecas públicas e a circulação dos exemplares. Mencionava como livros se desgastam com o transcorrer do tempo quando não são armazenados em condições ideiais. Alertava que herdeiros pouco afeitos aos calhamaços costumam simplesmente se livrar de todo aquele monte de papel tão logo o primeiro verme roa as frias carnes do antigo leitor.

Ora, a coleção pessoal não é inimiga do acervo público e ter uma biblioteca não significa simplesmente acumular livros; sempre há novidades chegando e antiguidades saindo - o espaço, afinal, é limitado. Sim, livros oxidam, desbotam, desgastam, envelhecem, acumulam poeira, dão trabalho para limpar - mas nem a própria vida nós tocamos em condições ideais. E se herdeiros não estão nem aí para a biblioteca do parente que se foi, isso é bem mais problema deles do que do morto.

E há o outro lado. Entre leitores, é bastante comum encontrar relatos sobre livros que funcionam como elo entre o atual detentor e antepassados, vivos ou mortos, que já cuidaram e deixaram marcas no volume. Há pouco, em sua coluna na Folha de São Paulo, a colega Juliana de Albuquerque escreveu a respeito da própria biblioteca e contou como um dicionário de filosofia e um manual de conjugação de verbos franceses a conecta aos pais e às avós.

Talvez seja comum leitores orgulharem-se de suas bibliotecas. Me parece ser menos uma forma de ostentar conhecimento e mais um caminho para mostrar o orgulho dos recursos que possuem por perto justamente para auxiliar na construção de algum conhecimento. Por aqui, devo minha carreira aos livros que me cercam. E graças ao que encontrei neles e escrevi a partir deles que estou lançando meu próprio livro: "A Biblioteca no Fim do Túnel: Um Leitor em Seu Tempo" (sairá pela Arquipélago e já está em pré-venda).

No simpático "O Vício dos Livros", o português Afonso Cruz, também autor de "Vamos Comprar um Poeta" e dono de uma das bibliotecas mais bonitas do Alentejo, escreve sobre a relação do leitor com seu acervo. Para Afonso, a organização de uma biblioteca pode representar o próprio ser humano.

"Os livros que lemos construíram-nos, constroem-nos, construir-nos-ão. O modo como os juntamos denuncia-nos: os preferidos todos juntos, ou a dialogarem com os inacabados, com os por abrir, tentando fazê-los melhores; poetas ao lado de cientistas ou, pelo contrário, na prateleira mais afastada. Há também que contar com a desordem e a surpresa que ela permite".

Ter a própria biblioteca, independente das dimensões, é uma forma de expressar interesses, cercar-se de inspirações e de construir um lugar seguro, profundamente íntimo, no mundo.

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Mahler, 5ª Sinfonia e o filme Tár  

TÁR | ¿Por qué la Quinta Sinfonía de Mahler? 

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Prof. Wilson Barbosa do Nascimento 

"... no Brasil quanto mais alto a pessoa está menos qualificada ela é, ela está só porque é canalha"  

"- Já viu negro revolucionário!?"

"Eles só acreditavam na informação que era dada na tortura" 

“Gravata de Couro”: o golpe de 1964, os militares e a prisão 

“O programa [de alfabetização] fechou no dia do golpe...” 

Episódio 3 - Entrevista com o prof. Wilson do Nascimento Barbosa (parte2)

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Recifense usa fotografia para imaginar mundo 'que não tivesse vivido a escravidão'

Ronald Santos Cruz retrata sorrisos de pessoas negras em resposta ao preconceito

Catarina Ferreira, FSP, 07/07/2023

O recifense Ronald Santos Cruz, 25, começou a fotografar em 2016 após uma experiência negativa. O então estudante de comunicação havia deixado o cabelo crespo crescer e estava com a "autoestima lá em cima". Ele reuniu material fotográfico e levou a algumas agências à procura de trabalho como modelo.

 Foto 'O Menino no Céu Azul' - Ronald Santos Cruz

"A resposta sempre era ‘você não se encaixa no nosso padrão’", diz ele. A partir daí, Ronald diz ter começado a questionar: "Mas que padrão é esse?" Ele, um homem de pele retinta, reuniu outros jovens negros da região metropolitana de Recife para registrar a "tal beleza fora do padrão".

Durante dois anos, o projeto fotográfico "Crespografia" registrou a beleza dos fios crespos e cacheados de dezenas de jovens em toda a capital pernambucana. "Até minha mãe, que pelo preconceito não via beleza no cabelo crespo, depois de ver fotos de tantos jovens felizes com a própria imagem começou a ver mais beleza ali."

Hoje, Ronald soma mais de 100 mil seguidores em sua conta no Instagram e já retratou personalidades como os atores Lázaro Ramos e Érico Brás. Em seu trabalho, ele diz trazer felicidade e doçura, que estão presentes nas fotos de crianças negras sorrindo, principalmente meninos, em situações cotidianas. "O que quero é retratar o nosso povo feliz, da maneira que seríamos em uma possibilidade de mundo em que não tivéssemos vivido a escravidão."

O menino do céu azul

Ronald lembra as referências que ele os colegas tiveram ao longo da vida. Na escola, as imagens dos livros de história mostravam corpos negros apenas como escravizados, no noticiário, como pessoas marginalizadas, e no entretenimento, com representações hipersexualizadas.

Em seu universo fotográfico, de um mundo hipotético sem os prejuízos deixados pela escravidão, os sorrisos e a beleza negra são a regra. "A minha luta antirracista não precisa partir da dor."

Além disso, representações de força e sabedoria aparecem na figura de orixás, sempre em cenários naturais. Candomblecista, ele vê na religiosidade parte importante da sua identidade e, por consequência, do processo de criação das fotografias. "Não gosto de fotografar em estúdio, preciso estar sempre em contato com a natureza", afirma. O que, segundo ele, se conecta com a sua fé, já que as próprias divindades do Candomblé são ligadas às forças da natureza.

Sua primeira exposição virtual chama-se "Sorriso Negro", em referência à música de mesmo nome composta por Adilson Barbado e Jorge Portela e interpretada por Dona Ivone Lara.

Dona Ivone Lara canta: Sorriso Negro (DVDCanto de Rainha)

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Governo discute fim da contribuição previdenciária na aposentadoria

Se aprovada, medida pode beneficiar aposentados do INSS, que também são tarifados na hipótese de estarem trabalhando

Rômulo Saraiva, FSP, 11/07/2023

Criada em 2003, este ano completa vinte anos que foi instituída a taxação dos inativos. Os aposentados e pensionistas egressos do funcionalismo público não têm sossego em deixar de pagar a contribuição previdenciária, mesmo já tendo feito por no mínimo 30 anos, se mulher, e 35 anos, se homem.

Com a última Reforma da Previdência em 2019, a situação piorou, com a mudança de alíquota que pode chegar até 22% ao mês. A troca de governo deu esperança sobre o fim da contribuição previdenciária incidente sobre aposentadorias de servidores públicos e seus pensionistas. Se aprovada, a medida pode beneficiar os aposentados do INSS, que também são tarifados na hipótese de estarem trabalhando.

O governo federal criou enquete disponível na página Brasil Participativo, responsável por reunir propostas de políticas públicas que poderão fazer parte do PPA (Plano Plurianual), além de criar diretrizes e programas de governo para os próximos anos. Para participar, basta acessar o site e deixar seu voto.

A proposta em votação no Brasil Participativo trata da contribuição previdenciária em decorrência da emenda constitucional 103/2019, a Reforma da Previdência, que instituiu alíquotas muito superiores ao Regime Geral da Previdência Social para que os servidores públicos possam ter direito à aposentadoria integral, mantendo-se obrigatória mesmo após a aposentadoria.

Importante esclarecer que também tramita no Congresso Nacional a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 555/2006, do ex-deputado federal Carlos Mota (PSB-MG), que busca extinguir a cobrança da contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores públicos aposentados (contribuição de inativos).

Mesmo pagando alíquotas menores, os aposentados do INSS também gastam com a contribuição previdenciária, desde que estejam trabalhando. Tanto servidores inativos como aposentados do INSS, em ambos os casos a medida causa muita polêmica, sobretudo se for analisar o destino dessa arrecadação, que normalmente não é o aposentado contribuinte. A principal justificativa dessa taxação dos inativos é melhorar o caixa previdenciário do governo, em prol do regime e da solidariedade alheia.

De cada um real recolhido pós-aposentadoria, normalmente não há contrapartida ou vantagem revertida em favor do aposentado contribuinte. Ele tem essa despesa mensal e vitalícia para ser investido no benefício de outra pessoa.

Além desse aspecto, o grande problema da taxação dos inativos é o ônus gerado dentro de uma realidade que o salário costuma encolher com o passar dos anos. O primeiro baque ou decréscimo salarial se dá no primeiro ano de aposentado. Existem casos que a renda cai em um terço do valor inicial. O outro baque não é tão ligeiro. Infelizmente, o aposentado costuma –a cada ano que se passa– ver sua renda perder o poder de compra. Estamos falando do fenômeno bem tupiniquim da perda salarial que é corroído por reajustes anuais pífios e pela própria inflação.

Diante desse cenário, é revoltante o aposentado, depois de ter pago por toda sua vida profissional, ainda ter que financiar o sistema. Não faz sentido, principalmente se considerar que o propósito dele recolher por décadas era para preparar a fonte de custeio e o lastro financeiro do seu próprio benefício e não dos outros. Caso essa iniciativa amadureça, representará um alívio muito grande para os aposentados que já são maltratados pela política salarial em todo o país.

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Os livros que você nunca leu

Ou leu, mas com títulos diferentes daqueles que seus autores originalmente lhes deram

Ruy Castro, FSP, 15/07/2023

Conhece o romance "O Mundo Coberto de Penas", de 1938? Trata da seca no Nordeste. Seus personagens são uma família de retirantes famintos seguindo por uma estrada com sua cachorra Baleia, que eles acabam comendo. O autor é Graciliano Ramos. E, antes que você diga que esse livro é plágio de "Vidas Secas", vou logo dizendo que ele é o próprio "Vidas Secas", com o infeliz título original que lhe foi dado por Graciliano e que a Editora José Olympio fez muito bem em corrigir.

Quantos outros romances não estarão nesse caso? "A Maçã no Escuro" (1961), de Clarice Lispector, nasceu como "A Veia no Pulso". Mas Fernando Sabino, ao lê-lo ainda no manuscrito, argumentou que poderiam entender "Aveia no Pulso", o que não era bem a ideia. Não que o livro tenha a ver com maçãs no escuro —é só uma imagem para designar algo difícil de pegar, de apreender.

Muitos escritores já quase se estreparam no título. "A Ilha do Tesouro" (1883), de Robert Louis Stevenson, ia se chamar "O Cozinheiro do Navio"; "O Grande Gatsby" (1925), de Scott Fitzgerald, "Incidente em West Egg"; e "1984" (1949), de George Orwell, "O Último Homem na Europa".

E há os casos de livros que tiveram seus títulos simplificados pelos leitores. "Robinson Crusoé" (1719), de Daniel Defoe, chama-se, na verdade, "A Vida e as Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Crusoé"; "Frankenstein" (1818), de Mary Shelley, "Frankenstein, o Moderno Prometeu"; e "Alice Através do Espelho" (1871), de Lewis Carroll, "Através do Espelho... e o que Alice Encontrou Lá".

A peça "Bonitinha, mas Ordinária" (1962), de Nelson Rodrigues, é "Otto Lara Resende, ou Bonitinha, mas Ordinária". Ao ver aquilo, Otto implorou para que Nelson o mudasse: "Vão achar que a bonitinha mas ordinária sou eu!". Mas Nelson não mudou e, segundo ele, Otto estava só fingindo protestar —gostou tanto que até se ofereceu para pagar o neon na fachada do teatro.

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Nem todas as cartas de amor são ridículas

Como aprender a escrever com razão e sensibilidade

Mirian Goldenberg, FSP, 05/07/2023

Comecei a dar aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1994, alguns meses depois de defender minha tese de doutorado "Toda Mulher é Meio Leila Diniz". Logo que ingressei na UFRJ, uma aluna brilhante do mestrado me escolheu como sua orientadora.

Após dois anos, quando só faltava escrever o capítulo de conclusão, marquei a data da defesa da sua dissertação. Assim que confirmamos a banca, ela comprou uma passagem para Berlim, pois iria morar com o namorado na Alemanha.

Só que ela não sabia que estava grávida. E, para piorar a situação, a gravidez foi muito complicada e ela foi parar no hospital várias vezes.

Quando ela se sentia um pouco melhor, vinha trabalhar na minha sala na universidade, pois não tinha computador no quarto onde morava. Trabalhava todas as tardes e, quando não conseguia escrever mais nada, conversávamos sobre o que ainda faltava para a defesa.

Mas a conclusão não andava. Todos os capítulos estavam praticamente prontos, mas ela não conseguia terminar a dissertação.

Sentia uma saudade desesperadora do pai do seu filho, que trabalhava na Alemanha e não podia largar tudo naquele momento para ficar com ela. Começou a pensar em desistir de defender a dissertação na data marcada.

Foi então que tive uma pequena epifania.

Como ela não tinha dinheiro, raramente falava por telefone com o namorado. Mas, todos os dias, escrevia longas cartas para ele. Naquela época, não existia WhatsApp e as ligações para o exterior custavam uma verdadeira fortuna, lembram?

Pensei: "Ela não consegue escrever a conclusão da dissertação, mas escreve, todos os dias, cartas para o namorado. Por que não transformar a conclusão da dissertação em uma carta para ele?".

Conversei com ela e perguntei se o namorado sabia o que ela estava escrevendo. Disse que sim e que ele gostava muito de conversar sobre a sua pesquisa.

Falei: "Hoje você não vai trabalhar na dissertação. Você vai escrever uma carta para o seu namorado. Você vai contar a ele, detalhadamente, tudo o que você fez na sua pesquisa. Comece contando por que você se apaixonou e escolheu esse tema, em que momento decidiu dedicar dois anos da sua vida à sua dissertação.

Depois, conte tudo o que você já sabia sobre o tema antes de começar a pesquisa e o que você descobriu durante esses dois anos.

Em seguida, conte todos os descaminhos e frustrações que teve, o que você precisou deixar de lado e o que desistiu de fazer. Conte o que de melhor e o que de pior aconteceu no período da pesquisa.

Conte todos os detalhes que pareciam insignificantes no início, mas que acabaram se tornando essenciais na sua pesquisa.

Conte o momento em que você decidiu terminar a dissertação e tudo o que você acha que ficou faltando, o que você gostaria de ter escrito e não conseguiu. Conte o impacto que a sua pesquisa teve na sua vida e na sua visão do mundo, quem você era e quem você se tornou depois de escrever a sua dissertação. Por fim, conte quais são os caminhos que você pretende seguir agora".

Três horas depois ela me entregou a carta que escreveu à mão: 12 páginas que me fizeram chorar de emoção. Ela só precisou cortar o primeiro parágrafo que escreveu:

"Meu amor, estou morrendo de saudade. Como não estou conseguindo fazer nada além de pensar na nossa filha e em você, quero te contar sobre a minha pesquisa".

E também cortou o último parágrafo: "Meu amor, espero que você tenha conseguido sentir toda a minha paixão por essa pesquisa. Eu te amo e não suporto mais ficar um só minuto longe de você".

Depois de cortar o primeiro e o último parágrafos, minha orientanda digitou a carta e incluiu na sua dissertação como conclusão. Ela defendeu a dissertação na data marcada e foi muito elogiada pelos professores que participaram da banca, especialmente pela beleza, profundidade e sensibilidade da conclusão. Um dos professores, parafraseando Fernando Pessoa, disse que ela provou que nem todas as cartas de amor são ridículas.

Lembrei-me desse fato quando estava buscando o tema da minha coluna de hoje para a Folha. E se eu escrevesse para a minha primeira orientanda e contasse que aprendi com ela a transformar os medos, obstáculos e dificuldades para escrever em cartas de amor?

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O Emmy 2023, principal premiação da televisão americana, anunciou os indicados nesta quarta-feira (12). "Succession" lidera a lista em 27 categorias, entre as técnicas, que são anunciadas em um evento separado, e as principais.

Os vencedores serão anunciados em 18 de setembro, em Los Angeles — caso a cerimônia não seja adiada por causa da greve dos roteiristas, que tem paralisado gravações e até premiações.

"The Last of Us" é a segunda mais indicada, com 24. Elas são seguidas por "The White Lotus", com 23, e "Ted Lasso", com 21. A HBO é a plataforma mais indicada, com 74 indicações no total.

Confira abaixo os indicados nas principais categorias:

Melhor série de comédia

'Abbott Elementary'

'Barry'

'The Bear'

'Jury Duty'

'The Marvelous Mrs. Maisel'

'Only murders in the building'

'Ted Lasso'

'Wandinha'

 

Melhor ator em série de comédia

Bill Hader - 'Barry'

Jason Segel - 'Shrinking'

Martin Short - 'Only Murders in the Building'

Jason Sudeikis - 'Ted Lasso'

Jeremy Allen White - 'The Bear'

 

Melhor atriz em série de comédia

Christina Applegate - 'Dead to me'

Rachel Brosnahan - 'The Marvelous Mrs. Maisel'

Quinta Brunson - 'Abbot Elementary'

Natasha Lyonne - 'Poker Face'

Jenna Ortega - 'Wandinha'

Diego Luna em cena de 'Andor' — Foto: Divulgação

Diego Luna em cena de 'Andor' — Foto: Divulgação

 

Melhor série de drama

'Andor'

'Better Call Saul'

'The Crown'

'House of the Dragon'

'The Last of Us'

'Succession'

'The White Lotus'

'Yellowjackets'

 

Melhor atriz em série de drama

Sharon Horgan - 'Bad Sisters'

Melanie Lynskey - 'Yellowjackets'

Elisabeth Moss - 'The Handmaid’s Tale'

Bella Ramsey - 'The Last of Us'

Keri Russell - 'The Diplomat'

Sarah Snook - 'Succession'

 

Melhor ator em série de drama

Jeff Bridges - 'The Old Man'

Brian Cox - 'Succession'

Kieran Culkin - 'Succession'

Bob Odenkirk - 'Better Call Saul'

Pedro Pascal - 'The Last of Us'

Jeremy Strong - 'Succession'

 

Melhor minissérie ou antologia

'Treta'

'Dahmner - Monster: The Jeffrey Dahmer Story'

'Daisy Jones & The Six'

'Fleishman is in trouble'

'Obi-Wan Kenobi'

 

Melhor ator em minissérie ou filme para a TV

Taron Edgerton - 'Black Bird'

Kumail Nanjiani - 'Welcome to Chippendales'

Evan Peters - 'Dahmner - Monster: The Jeffrey Dahmer Story'

Daniel Radcliffe - 'Weird: The Al Yankovic Story'

Michael Shannon - 'George & Tammy'

Steven Yeun - 'Treta'

 

Melhor atriz em minissérie ou filme para a TV

Lizzy Caplan - 'Fleishman is in trouble'

Jessica Chastain - 'George and Tammy'

Dominique Fishback - 'Swarm'

Kathryn Hahn - 'The beautiful things'

Riley Keough - 'Daisy Jones & The Six'

Ali Wong - 'Treta'

 

Melhor programa de competição

'The amazing Race'

'RuPaul's Drag Race'

'Survivor'

'Top Chef'

'The Voice'

 

Melhor talk show

'Daily show with Trevorr Noah'

'Jimmy Kimmel Live!'

'Late night with Seth Meyers'

'The Late Show with Stephen Colbert'

'The Problem with Jon Stewart'

 

Melhor ator coadjuvante em série de drama

F. Murray Abraham - 'The White Lotus'

Nicholas Braun - 'Succession'

Michael Imperioli - 'The White Lotus'

Theo James - 'The White Lotus'

Matthew Macfadyen - 'Succession'

Alan Ruck - 'Succession'

Will Sharpe - 'The White Lotus'

Alexander Skarsgård - 'Succession'

 

Melhor atriz coadjuvante em série de drama

Jennifer Coolidge - 'The White Lotus'

Elizabeth Debicki - 'The Crown'

Meghann Fahy - 'The White Lotus'

Sabrina Impacciatore - 'The White Lotus'

Aubrey Plaza - 'The White Lotus'

Rhea Seehorn - 'Better Call Saul'

J. Smith-Cameron - 'Succession'

Simona Tabasco - 'The White Lotus'

 

Melhor ator coadjuvante em série de comédia

Anthony Carrigan - 'Barry'

Phil Dunster - 'Ted Lasso'

Brett Goldstein - 'Ted Lasso

Anazib Freevee - 'Jury Duty'

Ebon Moss-Bachrach - 'The Bear'

Tyler James Williams - 'Abbott Elementary'

Henry Winkler - 'Barry'

 

Melhor atriz coadjuvante em série de comédia

Alex Borstein - 'The Marvelous Mrs. Maisel'

Ayo Edebiri - 'The Bear'

Janelle James - 'Abbott Elementary'

Sheryl Lee Ralph - 'Abbott Elementary'

Juno Temple - 'Ted Lasso'

Hannah Waddingham - 'Ted Lasso'

Jessica Williams - 'Shrinking'

 

Melhor ator coadjuvante em minissérie ou filme para a TV

Murray Bartlett - 'Welcome to Chippendales'

Paul Walter Hauser - 'Black Bird'

Richard Jenkins - 'Dahmer - Monster: The Jeffrey Dahmer Story'

Young Mazino - 'Treta'

Jesse Plemons - 'Love & Death'

 

Melhor atriz coadjuvante em minissérie ou filme para a TV

Annaleigh Ashford - 'Welcome To Chippendales'

Maria Bello - 'Treta'

Claire Danes - 'Fleishman Is In Trouble'

Juliette Lewis - 'Welcome To Chippendales'

Camila Morrone - 'Daisy Jones & The Six'

Niecy Nash-Betts - 'Dahmer - Monster: The Jeffrey Dahmer Story'

Merritt Wever - 'Tiny Beautiful Things'

 

Melhor programa de variedades

'A Black Lady Sketch Show'

'Last Week Tonight With John Oliver'

'Saturday Night Live'

 

Melhor direção em série de comédia

Bill Hader - 'Barry'

Christopher Storer - 'The Bear'

Amy Sherman-Palladino - 'The Marvelous Mrs. Maisel'

Mary Lou Belli - 'The Ms. Pat Show'

Declan Lowney - 'Ted Lasso'

Tim Burton - 'Wandinha'

 

Melhor direção em série de drama

Benjamin Caron - 'Andor'

Dearbhla Walsh - 'Bad Sisters'

Peter Hoar - 'The Last of Us'

Andrij Parekh - 'Succession'

Mark Mylod - 'Succession'

Lorene Scafaria - 'Succession'

Mike White - 'The White Lotus'

 

Melhor direção em minissérie, antologia ou filme para a TV

Lee Sung Jin - 'Treta'

Jake Schreier - 'Treta'

Carl Franklin - 'Dahmer - Monster: The Jeffrey Dahmer Story'

Paris Barclay - 'Dahmer - Monster: The Jeffrey Dahmer Story'

Valerie Faris e Jonathan Dayton - 'Fleishman Is In Trouble'

Dan Trachtenberg - 'Prey'

 

Melhor roteiro em série de comédia

Bill Hader - 'Barry'

Christopher Storer - 'The Bear'

Mekki Leeper - 'Jury Duty'

John Hoffman, Matteo Borghese e Rob Turbovsky - 'Only Murder in the Building'

Chris Kelly e Sarah Schneider - 'The Other Two'

Brendan Hunt, Joe Kelly e Jason Sudeikis - 'Ted Lasso'

 

Melhor roteiro em série de drama

Beau Willimon - 'Andor'

Sharon Horgan, Dave Finkel e Brett Baer - 'Bad Sisters'

Gordon Smith - 'Better Call Saul'

Peter Gould - 'Better Call Saul'

Craig Mazin - 'The Last of Us'

Jesse Armstrong - 'Succession'

Mike White - 'The White Lotus'

 

Melhor roteiro em minissérie, antologia ou filme para a TV

Lee Sung Jin - 'Treta'

Joel Kim Booster - 'Fire Island'

Taffy Brodesser-Akner - 'Fleishman is in trouble'

Patrick Aison e Dan Trachtenberg - 'Prey'

Janine Naber e Donald Glover - 'Swarm'

Al Yankivic e Eric Appel - 'Weird: The Al Yankovic Story'

 

Melhor roteiro em especial de variedades

'The Daily Show with Trevor Noah'

'Last Week Tonight with John Oliver'

'Late Night with Seth Meyers'

'The Late Show with Stephen Colbert'

'Saturday Night Live'