Sinopse: Um novo imigrante cheio de esperança, Janos Szabo (Peter Lorre), no seu primeiro dia na cidade de Nova York acaba preso em um incêndio que deixa seu rosto horrivelmente marcado. Embora ele tenha uma tremenda habilidade como relojoeiro, acaba não conseguindo emprego devido a sua aparência, a única maneira que encontra para sobreviver é se voltando para o mundo do crime.
Curiosidades: O roteiro foi adaptado por Paul Jarrico, Arthur Levinson e Allen Vincent da peça Interim, escrita por Thomas Edward O'Connell.
Paul Jarrico, produtor e roteirista que, entre muitos em seu ofício, foi rotulado, no final da década de 1940 e início dos anos 1950, como "subversivo" pelo Comitê de Atividades Não-Americanas da Câmara dos EUA. Jarrico foi colocado na lista negra no auge de sua carreira. Seu nome foi deixado de fora dos créditos da maioria dos filmes americanos que ele escreveu durante os anos 50 e 60 e em outros substituídos por um pseudônimo. Ele desafiou a proibição, no entanto, na produção do então pouco conhecido filme O Sal da Terra (1954), que ganharia prêmios na Europa - e eventualmente seria listado pelos EUA Biblioteca do Congresso em seu catálogo de filmes a serem preservados para sempre! Ironicamente, a morte de Jarrico ocorreu quando ele estava voltando para casa de uma cerimônia que marcava o 50º aniversário das primeiras audiências do Comitê da Câmara.
Marlene Dietrich numa daquelas histórias digestivas sobre mulheres que "sacrificam" o corpo pelos motivos mais nobres (o marido doente Herbert Marshall, o filho Dickie Moore); o homem a quem a quem ela se vende é feito pelo jovem e ainda suficientemente estilizado Cary Grant. Uma vez degradada, ela afunda até uma pensão sórdida, antes de recompor-se e tornar a "favorita" do mundo das boates. O diretor Josef von Sternberg, arremata esta tolice pondo Dietrich numa fantasia de gorila para cantar "Hot voodoo" - um número que é a própria definição de camp. É a única sequência memorável do filme. (Pauline Kael (1994). 1001 noites no cinema. p. 489, Companhia das Letras)
James Stewart interpreta o engenheiro aeronáutico Theodore Mel, o professor por excelência distraído: excêntrico, esquecido, mas brilhante. Seus estudos mostram que os aviões fabricados pela sua entidade patronal tem uma falha de design sutil, mas mortal que só se manifesta depois que a aeronave voou um certo número de horas. A caminho de um local do acidente para provar sua teoria, mel descobre que está a bordo de um avião se aproximando rapidamente seu prazo previsto
Dr. Karl Rothe (Peter Lorre) é um cientista dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Ele é visitado pelo coronel Winkler (Helmuth Rudolph) que lhe diz que sua noiva Inge Hermann (Renate Mannhardt) vendeu seus segredos de pesquisa ao inimigo. Winkler foi notificado pelo assistente de Rothe, Dr. Hosch (Karl John), que também é da Gestapo. Hosch descobriu porque estava tendo um caso com Inge. Winkler diz a Rothe que ele precisa lidar com o problema.
Rothe está vivendo em uma pensão dirigida pela mãe de Inge, Frau Hermann (Johanna Hofer). Frau Hermann precisa sair para ficar na fila para pegar batatas. Depois que ela deixa Inge admite a Rothe sobre os segredos e o caso. Rothe a estrangula. Hosch aparece e vê a situação. Ele chama Winkler. Winkler assume o departamento da polícia. Os nazistas chamam de suicídio e encobram.
Rothe é enviado de volta ao trabalho, mas algo aconteceu com ele mentalmente. Ele agora tem vontade de matar jovens mulheres. Quando uma nova inquilina, Ursula Weber (Eva Ingeborg Scholz) toma o quarto de Inge Rothe recebe o impulso de matá-la. Ele consegue parar e sai da pensão. Em um bar ele conhece uma prostituta (Gisela Trowe) que o leva para casa. Na porta dela, ela olha para ele e vê assassinato nos olhos dele. Ela grita pelos vizinhos. Rothe consegue mais uma vez parar a si mesmo. .
Em um trem durante um ataque aéreo ele está sozinho com outra jovem (Lotte Rausch). Desta vez ele não para e a mata. Agora a culpa sobre o que ele se tornou Rothe vai encontrar Hosch. Em vez disso, ele tropeça em uma cabala. Quando Rothe tenta ir para casa, ele descobre que a pensão foi bombardeada. Todos pensam que ele está morto. Ele muda de nome e trabalha em um campo de refugiados. Agora aqui no acampamento ele acaba cara a cara com seu inimigo Hosch.
"Der Verlorene" também conhecido como "The Lost One" foi lançado em 1951 na Alemanha Ocidental e 1984 nos EUA. É o único trabalho de Direção de Peter Lorre. Feito no estilo noir é um drama e supostamente baseado em uma história verdadeira. Lorre escreveu, dirigiu e estrelou o filme.
Em 1931 Peter Lorre fez um filme de Fritz Lang chamado "M". Nele ele retrata um assassino de crianças em série. Comparações foram feitas entre "M" e "Der Verlorene" e é compreensível. Ambos lidam com a patologia do impulso incontrolável de cometer assassinato. Hans Beckert começou a matar ainda jovem e matou crianças. A patologia de Rothe não ocorreu até que a dele foi basicamente forçada a matar Inge. É só então que sua patologia latente emerge. O retrato de Lorre de Beckert e Rothe é arrepiante. As vítimas de Rothe são especialmente capazes de ver em seus olhos a morte. .
A história da vida de Rothe é contada em flashback quando ele está no campo de refugiados. Quando Hosch se encontra no mesmo campo, e eles estão cara a cara, tudo o que aconteceu com Rothe que o trouxe a este ponto volta para ele. Rothe é uma vítima do que os nazistas, e especificamente Hosch o transformou. Lorre tem uma maneira de fazer Rothe parecer simpático apesar de suas ações horríveis.
O filme não começa como uma obra-prima. É lento como melaço no início e pode ser bastante confuso até que o quebra-cabeça da história é principalmente montado, mas o desempenho de Lorre compensa muito dele. O filme não foi muito bem na Alemanha quando foi lançado. Em 1951, os alemães estavam cansados da Segunda Guerra Mundial. Histórias sobre como a Alemanha era podre durante a guerra não eram filmes divertidos de se ver. Só mais tarde a qualidade do filme começou a ser apreciada. Ainda "Der Verlorene" é um filme pelo qual se deve adquirir um gosto. Nem todo mundo vai gostar.
Além disso, a única maneira de vê-lo é com legendas a menos que você entenda alemão. Eu acho difícil manter o trato da ação se eu tiver que ler enquanto estou assistindo tantas vezes eu tenho que assistir um filme com legendas pelo menos duas vezes para obtê-lo. Em "Der Verlorene" parte da trama é sugerida e voltada para o público alemão, por isso é muito fácil perder nuances importantes e implicações sutis. Quando você entende, percebe que Lorre colocou muito de si mesmo no filme.
Embora haja elementos de comédia negra espalhados aqui e ali, o filme é um drama sério sobre um homem confrontando seu passado e todos os seus cantos escuros.
‘Galera, é o seguinte: estou pensando em fazer um filme todo gravado em um transatlântico. Vocês topam?’.
Se receber um convite destes seria tentador por si só, imagine vindo de Steven Soderbergh, diretor ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1989 por “Sexo, Mentiras e Videotape” e do Oscar da categoria em 2001 por “Traffic”. Para um cineasta que transita entre o mainstream (a trilogia “Onze Homens e um Segredo”) e o experimental (de obras de baixíssimo orçamento como “Full Frontal” a “Unsane” , gravado todo com iPhone), não chega a ser revolucionária uma ideia tão incomum para os padrões hollywoodianos como “Let Them All Talk”.
A proposta fica ainda mais interessante ao trazer Meryl Streep como Alice, uma famosa escritora buscando finalizar o manuscrito do próximo livro durante uma viagem rumo à Inglaterra onde será homenageada. Ao lado dela estão o inseguro sobrinho (Lucas Hedges) e duas amigas de longa data, Susan e Roberta (Dianne Wiest e Candice Bergen, respectivamente), mas, que não se encontram há 30 anos após a publicação do livro mais célebre da protagonista. Evidente que os desacertos do passado vão vir à tona a bordo do Queen Mary 2.
Evidente que uma produção ambientada em um transatlântico conhecido mundo afora não escaparia do ‘belo merchan’. Com isso, “Let Them All Talk” apresenta todas as dependências do navio, incluindo, o cassino, a boate, as diversas piscinas, os restaurantes, as luxuosas cabines (temos uma de dois andares!) e até um planetário – de fazer o “Titanic” corar. O oceano, aliás, vira detalhe e mal chegamos a vê-lo. O diretor de fotografia Peter Andrews (pseudônimo do próprio Soderbergh) deixa esse caráter de tom publicitário claro ao optar pelos planos abertos sempre que possível, dando a dimensão do tamanho e do luxo do Queen Mary 2, sempre com tudo bastante iluminado. (...)
O rancheiro Duke (John Wayne) vai até São Francisco cobrar uma dívida. Acaba perdendo uma fortuna ao jogar com o trapaceiro Tito Morell (Joseph Schildkraut) e se apaixona pela noiva dele, a cantora Flaxen (Ann Dvorak). Duke vai para casa, treina e volta um profissional. Ganha muito dinheiro e abre seu próprio estabelecimento, que conta com Flaxen como principal atração. Até que um terremoto destrói a cidade...
O inspector O’Rourke (Alan Ladd), da Polícia Montada Canadense, recruta índios Cree para repelir um ataque dos índios Sioux. O’Rourke tenta salvar seus homens de uma guerra desnecessária e ajudar a bela Grace (Shirley Winters), foragida da justiça.
02/06/21
Tomando como mote o Decameron de Boccaccio, Pasolini mostra-nos vários episódios retirados do livro, como o conto de Andreuccio (Ninetto Davoli), enganado pela namorada e atirado numa latrina, para descobrir como roubar o anel de um bispo enterrado; a de Masetto (Vincenzo Amato), que se finge mudo para trabalhar num convento, acabando usado como objecto sexual das freiras, ou a de Ciappelletto (Franco Citti), o rico mercador, que na hora da morte, mente tanto na confissão que acaba declarado santo. São exemplos do vernáculo anedótico do povo florentino do século XIV, motivo para o discípulo de Giotto (Pasolini), que pinta os novos frescos da catedral.
Análise:
Com a sua carreira no auge, depois da bem sucedida experiência de “O Evangelho Segundo S. Mateus” (Il vangelo secondo Matteo, 1964), que lhe valeu, inclusivamente o elogio do Vaticano, Pier Paolo Pasolini dedicou-se à sua reinterpretação de temas clássicos, como o teatro grego (“Édipo Rei” e “Medeia”) antes de, já na década de 70, se lançar naquilo que ficou conhecido como “A Trilogia da Vida”, e que consistiu na adaptação muito livre de três obras fundamentais da literatura antiga, nomeadamente “O Decameron” (Boccaccio), “Os Contos de Cantuária” (Chaucer) e “As Mil e Uma Noites” (tradicional).
Em comum, estas obras têm ainda a temática e a estética. Se nos temas encontramos a sexualidade, a corrupção social e religiosa, as desigualdades sociais, numa perspectiva popular ou vernácula, e uma aura de apocalíptico ou fim dos tempos, que as histórias encerram, já quanto à estética destaca-se um colorido muito próprio de cenários e personagens, e uma tendência para o grotesco (como se os quadros de Brueghel ganhassem vida) e anedótico das situações. Os filmes são compostos por uma série de episódios ligados de modo muito solto, e o uso de actores sem experiência concede às histórias ainda um aspecto de improviso, que tende a tornar tudo mais brejeiro, da linguagem (com o frequente uso de dialectos e expressões escatológicas) aos comportamentos desajeitados e socialmente pouco aceitáveis.
Há um pouco de tudo isso em “Decameron”, filme que Pasolini escreveu, a partir da obra homónima do escritor e poeta italiano do século XIV, Giovanni Boccaccio, um dos nomes fortes do início do Renascimento. O livro compõe-se de cem contos narrados por um conjunto de pessoas pobres, abrigadas nos arredores de Florença para escaparem à Peste Negra (aqui está o lado apocalíptico). Elas falam de amor e erotismo, de moral, coragem e anedotas do quotidiano, sendo um olhar muito realista para a Florença do tempo de Boccaccio.
Filmando oito dos contos em outros tantos episódios, Pasolini usa-se ainda (como aprendiz de Giotto) como elo de ligação entre esses episódios, mesmo que a sua presença passe muito despercebida, servindo apenas como interlúdio.
No primeiro episódio vemos Andreuccio de Perugia (Ninetto Davoli), enganado quando a mulher que ele tenta cortejar lhe revela ser sua irmã, acabando roubado, e lançado no excremento da latrina. Fugindo, Andreuccio esconde-se numa igreja, onde dois assaltantes tentam usá-lo para roubar o anel de um bispo ali acabado de sepultar. Com engenho, Adreuccio ludibria os ladrões e fica ele com o anel.
O segundo episódio fala-nos de Masetto da Lamporecchio (Vincenzo Amato), um jovem que se finge mudo, para trabalhar num convento de freiras. Estas, aproveitando-se do facto de ele não falar, usam-no para satisfazer as suas necessidades sexuais. Por fim Masetto fala, por não conseguir mais aguentar a insaciabilidade das freiras. A Madre superiora declara o facto um milagre, para o manter no convento.
O terceiro episódio mostra-nos Peronella (Angela Luce), habituada a trair o marido, que um dia chega a casa mais cedo, o que faz com que o amante se esconda num grande pote. Só que o marido quer vender o pote, e Peronella tem de inventar que tem um comprador para o pote que o inspecciona por dentro. Este declara que o pote está sujo, e enquanto o marido vai limpá-lo por dentro, o casal adúltero volta às suas práticas sexuais do lado de fora.
O quarto episódio tem lugar em França, onde conhecemos Ciappelletto (Franco Citti), um mercador rico, que toda a vida se entregou ao pecado, sem respeito pela moral ou pelos seus concidadãos. Deus castiga-o com uma doença mortal, e Ciappelletto, no leito da morte, chama um monge a quem se confessar. Toda a confissão é um chorrilho de mentiras, onde Ciappelletto se auto-glorifica, o que, após a sua morte lhe vale ser considerado santo.
Após um interlúdio, onde vemos o discípulo de Giotto (Pasolini) chegar à catedral de Nápoles onde começará os seus frescos, no quinto episódio, a jovem Catarina (Elisabetta Genovese) engana os pais ao dizer que precisa de uma varada, quando de facto a quer para receber o o amante. Ao serem descobertos nus numa manhã pelos pais dela, estes acabam por achar o rapaz um bom partido, preparando logo o casamento da filha.
O sexto episódio passa-se na Sicília, e conta-nos a história de Elizabeth, mulher que se apaixona pelo criado Lorenzo. Quando os irmãos dela descobrem, ultrajados pela desonra, matam Lorenzo, e enterram-no longe da sua casa. Mas Elizabeth é guiada até ao corpo por um sonho, e corta a cabeça de Lorenzo que leva para ter sempre ao seu lado.
O sétimo episódio mostra-nos Gemmata, uma mulher pobre enganada pelo seu médico, Don Giovanni (Vittorio Vittori), que a leva a acreditar que ela se pode transformar em cavalo quando quiser para arar os campos. Tudo para que o médico possa convencê-la de um ritual em que possa ter sexo com ela.
No oitavo episódio vemos dois naturais de Nápoles que prometem contar um ao outro sobre o Céu e Inferno depois de morrerem. Quando um deles morre, o outro tem medo de morrer pois acredita ir para o Inferno por ter sexo demasiadas vezes. Numa noite sonha que o amigo está no limbo à espera dele, e que lhe assegura que o sexo não é um pecado mortal.
O epílogo leva-nos de volta ao discípulo de Giotto, que já terminou o seu fresco, o qual ostenta os episódios que acabámos de testemunhar.
Por entre o grotesco, o anedótico e a muito colorida vivência das gentes que descreve, Pasolini dá-nos um conjunto de vinhetas que têm pontos comuns na brejeirice, no sexo como um desejo e arma de decepção, e na podridão moral das instituições. Há sempre um fino sentido de humor por entre todas as histórias, que tornam comédia e tragédia como partes aceitáveis da vida. Pelo meio, nos momentos de contemplação em que vemos o personagem de Pasolini a pintar o seu fresco, é-nos sugerida a relação entre autor e obra, entre realidade e ficção. Tal como esse aprendiz vai pintar as histórias que estamos a ver, o próprio Boccaccio narrou histórias do seu tempo, e Pasolini reinterpreta-as à luz da sua própria estética. Como dito a dada altura «para quê executar uma obra quando se pode sonhá-la?». É por isso o sonho de Pasolini, mais que a fidelidade histórica ou literária que vemos em “Decameron”, onde excessos, anedotas, ridicularização, e grotesco, mais não são que caricaturas de um momento muito peculiar, e de sentimentos bem transversais à história humana
Apesar de criticado pela nudez explícita, linguagem rude e humor escatológico, o filme de Pasolini ganhou um Urso de Ouro Extraordinário no Festival Internacional de Berlim, onde teve a sua estreia mundial.
Pier Paolo Pasolini em "Decameron" (Il Decameron, 1971), de Pier Paolo Pasolini
Realização: Pier Paolo Pasolini; Produção: Franco Rossellini; Argumento: Pier Paolo Pasolini [a partir do livro homónimo de Boccaccio]; Música: Ennio Morricone; Fotografia: Tonino Delli Colli [cor por Technicolor]; Montagem: Nino Baragli, Tatiana Casini Morigi; Direcção Artística: Dante Ferretti; Cenários: Andrea Fantacci; Figurinos: Danilo Donati; Caracterização: Alessandro Jacoponi; Efeitos Especiais: ; Efeitos Visuais: ; Direcção de Produção: Mario Di Biase.
03/06/21
'Mare of Easttown': sucesso da HBO chega ao fim consagrando Kate Winslet (mais uma vez)
Elogiada por sua performance como a detetive Mare Sheehan, atriz já desponta como provável indicada ao Emmy, em setembro
A premissa não é lá muito original. A sisuda detetive de uma pacata comunidade cinzenta precisa desvendar os mistérios por trás de um crime brutal enquanto junta os cacos de sua vida pessoal para lá de problemática. Os fãs de séries já se depararam com inúmeras outras tramas similares como “Top of the lake”, “The killing”, “Happy valley”, “Broadchurch”, ou “The bridge”. Então, o que explica o sucesso de “Mare of Easttown”, cujo sétimo e último episódio vai ao ar hoje, na HBO?
Feita a pergunta, muito provavelmente a resposta precisa passar pelo nome de Kate Winslet. A atriz britânica vem arrancando elogios por sua interpretação de Mare Sheehan, investigadora que vive na cidadezinha de Easttown, na Pensilvânia (EUA). O sexto episódio da série ostenta 9,5 como média nas notas do IMDb, enquanto Winslet já é apontada como nome garantido entre os indicados ao Emmy deste ano, em setembro.
Ao lembrarmos da atriz britânica, talvez não seja automática a associação de sua figura a uma personagem descabelada, embrutecida e que raramente toma banho antes de partir para mais um dia de trabalho. “Mare só se olha no espelho duas vezes ao dia. Uma vez pela manhã, quando escova os dentes, e a outra à noite, quando escova os dentes novamente”, repetiu Winslet em entrevistas à época do lançamento da minissérie.
Após apresentar as primeiras cenas de “Mare of Easttown” aos executivos da HBO, os criadores da série foram questionados se a atriz precisava aparecer tão “acabada” na TV. A melhor réplica, definitivamente, partiu da frontrunner do projeto. “Tenho 45 anos, pareço acabada de vez em quando. É assim que é a vida da maioria das mães da minha idade”, disse a atriz.
Ganhadora de um Oscar por “O leitor” e estrela de filmes como “Titanic” e “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, Winslet passou por um feito inédito com “Mare of Easttown”: segurar uma arma pela primeira vez na vida.
Ela passou meses acompanhando o cotidiano da polícia da Pensilvânia, especialmente o de em um sargento da corporação. Talvez esteja aí a explicação para a intimidade com o gatilho que a atriz demonstra na tela. “Mais chocante do que o fato de eu nunca ter segurado uma arma, foi como todos ficaram chocados por eu nunca ter segurado uma arma”, declarou Winslet em conversa com o site “Entertainment Weekly”.
Mas Mare Sheehan está longe de ser uma super-heroína. Ela tem sua capacitação profissional contestada pelos vizinhos, por conta do desaparecimento de uma jovem há um ano, ainda sem solução. A desconfiança é tanta que Colin Zabel (Evan Peters), um detetive forasteiro, é convocado para salvar o caso — e também Mare.
Em casa, entre goles de cerveja no gargalo e mãos sujas de salgadinhos, a policial divorciada precisa lidar com um relacionamento conturbado com a filha Siobhan (Angourie Rice) e a mãe, Helen (Jean Smart). Mare claramente tem dificuldades para vivenciar o luto pela perda do filho, Kevin (Cody Kostro), que se matou. E ainda precisa cuidar do neto, filho de Kevin, enquanto luta pela guarda dele com Carrie (Sosie Bacon), mãe da criança.
“Mare é uma mãe e uma avó que chega em casa depois de um dia de trabalho, põe os pés em cima da mesa e acrescenta mais queijo a uma bolinha de queijo para comê-la. É uma mulher que não tem tempo para bobagens, uma rabugenta de quem você não consegue deixar de gostar”, disse Craig Sobel, criador e diretor da série, em entrevista ao “EW”.
Como se não fosse o bastante, no caminho da detetive ainda surgem Richard (Guy Pearce), um charmoso escritor com quem ela se envolve, e o assassinato de uma jovem, cujo corpo foi encontrado em um rio da cidade. O fio condutor do episódio final de “Mare of Easttown” passa justamente pela revelação da identidade do autor do crime.
Enquanto tenta cuidar do que sobrou de sua família, e também de si mesma, Mare precisa resolver o caso e, assim, também cuidar da cidade que tanto lhe cobra. Mas que, até hoje, foi quem lhe deu tudo que tem. “Você não pode simplesmente reduzir a trama ao ‘quem matou?’. Não se trata disso. É sobre comunidade, misericórdia, perda, tristeza, amizade, coragem e luta”, define Winslet.
04/06/21
"LADRÕES DE BICICLETA"
"Ladrões de Bicicletas", clássico neo-realista de Vittorio De Sica, é um dos filmes mais belos e influentes da história do cinema. Nas últimas cinco décadas, comoveu várias gerações de espectadores e influenciou cineastas de todos os cantos do mundo. A começar pela própria Itália, claro. Não por acaso, dois filmes realizados nos últimos anos o homenageiam já a partir do título: "Ladrões de Sabonete", de Maurizio Nichetti, e "Ladrão de Crianças", de Gianni Amelio.
Mas o que é "Ladrões de Bicicletas"? É várias coisas ao mesmo tempo: um melodrama psicológico, um documento social, uma tragédia moral. Tudo isso a partir de um fiapo de história: um homem cujo emprego é colar cartazes pelas ruas de Roma tem a bicicleta (seu instrumento de trabalho) roubada, e sai pela cidade tentando recuperá-la.
Mas não há nada mais enganoso que essa simplicidade, construída aliás dentro dos moldes do mais estrito neo-realismo: filmagem nas ruas, atores desconhecidos (ou antes, não-atores), naturalismo da encenação. Tudo, nessa perambulação do operário e seu filho pela cidade, contribui ao mesmo tempo para a construção de um pungente drama pessoal e de um verdadeiro ensaio sobre a sociedade italiana do pós-guerra.
Como notou o crítico francês André Bazin, o prodígio de "Ladrões de Bicicleta" consiste em apresentar como acidentais e contingentes as situações "necessárias" para compor esse quadro preciso. As coisas vão acontecendo como que por acaso -o protagonista entra numa igreja, vai a uma reunião sindical, cai num bairro de ladrões etc.-, e, quando reparamos, temos diante dos olhos todo um país e seu destino, sem nunca perder de vista (e isso é que é admirável) a dimensão trágica e ética da relação entre aquele homem específico e seu filho.
Numa cena admirável, o operário busca sua bicicleta numa oficina mecânica. Logo percebe que é inútil: a câmera perscruta as milhares de peças -selins, pedais, rodas, campainhas- em que foram decompostas dezenas de bicicletas, todas iguais.
Poucas cenas da história do cinema foram capazes de retratar com tanta precisão e contundência a alienação da sociedade contemporânea, em que o indivíduo, como aqueles pedaços de bicicletas, é uma peça anônima, intercambiável e sem sentido.
05/06/21
'Andrei Rublev', filme em que Tarkovski abraça a arte pela fé, é relançado no Brasil
Filme que chega em DVD e Blu-Ray é um caleidoscópio metafísico da Rússia medieval
Em seu livro Esculpir o Tempo, o cineasta russo Andrei Tarkovski (1932-1986) escreve: “A partir do exemplo de Rublev eu pretendia explorar a questão da psicologia da criação artística, e analisar a mentalidade e a consciência cívica de um artista que criou tesouros espirituais de importância eterna”.
O cineasta refere-se a uma de suas obras-primas, Andrei Rublev (1966) lançado agora em DVD e Blu-Ray em cópias impecáveis pelo CPC da UMEs. Vale dizer que o selo vem se especializando em filmes da antiga União Soviética e da Rússia, trazendo ao público cinéfilo títulos raros dessas cinematografias.
Antes de mais nada, deve-se registrar que assistir a Andrei Rublev vale por uma rara experiência estética.
Tarkovski não conta simplesmente uma história. À maneira do personagem retratado, busca meios expressivos e pictóricos para registrar na tela suas impressões e sensações de uma época fugidia, o século 15 na Rússia. Faz um cinema que busca a iluminação espiritual, por isso é bom deixar-se levar pela beleza das imagens, captando aqui e ali a rica simbologia que Tarkovski distribui pela superfície da obra. No entanto, alguma contextualização serve para nos manter ligados a esse caleidoscópio metafísico da Rússia medieval formado por sete fragmentos.
O pintor Rublev viveu na época conturbada das invasões tártaras na Rússia – e elas são retratadas de maneira implacável. O espectador segue o personagem em suas peregrinações por uma terra desolada. Guerra, violência, fome, frio estão por toda parte e afligem uma população isolada em pequenos vilarejos em meio a imensos espaços vazios. Rublev percorre esses espaços, participa de conflitos, vê-se às voltas com heréticos e experimenta o desejo. Faz voto de silêncio, testemunha a construção de um gigantesco sino e, por fim, se convence a abraçar sua arte e colocá-la a serviço da fé – e do país.
O trabalho imagético típico de Tarkovski se apresenta desde as primeiras cenas. Na abertura, um grupo de camponeses constrói um balão. Um deles experimenta a sensação do voo e seu ponto de vista é o que vemos na tela. A Terra vista de cima, o homem se alçando a um ponto de observação que não é o seu, mas das aves e dos deuses. E há o preço a pagar por essa ousadia, preço pago por Prometeu por haver roubado o fogo aos deuses.
Em sua trajetória, Rublev (Anatoli Solonitsyn) e seus companheiros cruzam com um grupo de hereges que buscam a ascensão através do sexo. Capturado, ele é amarrado a uma cruz (a simbologia é ostensiva). Mas uma bacante, nua e bela, virá livrá-lo. Em outra sequência, durante o ataque tártaro à cidade de Vladimir, Rublev mata um invasor para proteger uma jovem prestes a ser estuprada. O ato provoca grande conflito no monge artista, que se reduz ao silêncio.
Dentre as sequências, talvez a mais impressionante seja a construção de um novo sino para a igreja saqueada de Vladimir. Um menino orienta a fabricação, dizendo que herdou o segredo do pai, artesão famoso já falecido. O espectador verá o que essas cenas contêm de aposta na fé e na transcendência. Essa sequência, afinal, sela o destino de Rublev e faz com que se encaminhe à realização de sua arte. A pintura de ícones religiosos fez, dele próprio, um ícone do seu país.
Em sua imagética suntuosa e muito pessoal, Tarkovski tenta captar a experiência da fé em meio ao absurdo do mundo. A transcendência é a desesperada busca de sentido num mundo que o nega de maneira sistemática, seja pelo caráter aleatório e confuso dos acontecimentos, seja pela crueldade das pessoas umas com as outras. No entanto, é lá, nesse caos, que o artista busca sua ordem interior. Daí a identificação do cineasta do século 20 com o monge pintor do século 14. “O filme pretende mostrar como o anseio popular de fraternidade, numa época de ferozes lutas intestinas e de domínio tártaro, deu origem à inspirada Trindade de Rublev – sintetizando o ideal de fraternidade, amor e serena santidade. Esta era a base artística e filosófica do roteiro”, escreve Tarkovski em Esculpir o Tempo (Martin Fontes, 2010).
O filme é quase todo fotografado em preto e branco contrastado. A cor aparece num momento preciso e único – e equivale a uma iluminação, uma epifania ao som da música sacra de Vyacheslav Aleksandrovich Ovchinnikov.
Andrei Rublev é uma experiência religiosa – mesmo para quem não tem religião.
09/06/2021
Em 1939, Alfred Hitchcock tinha já as malas feitas para partir para os Estados Unidos, quando realizou um último filme em solo inglês. Este foi “A Pousada da Jamaica”, a partir de um romance de Daphne Du Maurier, de quem Hitchcock adaptaria posteriormente “Rebecca” (Rebecca, 1940) e “Os Pássaros” (The Birds, 1963). A produção foi de Charles Laughton e do alemão Erich Pommer, o fundador da célebre UFA, responsável pelo apogeu do cinema expressionista, e que trabalhara com Hitchcock no seu primeiro filme “The Pleasure Garden” (1925). Nos principais papéis, ao lado do já citado Charles Laughton, estariam o repetente Leslie Banks, a quase estreante Maureen O’Hara e Robert Newton.
Sinopse:
Mary (Maureen O’Hara) viaja para a Cornualha, para viver com a sua tia, depois de ficar órfã. Só que à chegada o cocheiro recusa-se a deixá-la na pousada dos tios, por medo do que ali se passa. Mary é então entregue ao respeitável magistrado local, Sir Humphrey Pengallan (Charles Laughton), que a leva à temida Pousada da Jamaica. Nela Mary descobre que o tio Joss Merlyn (Leslie Banks) lidera um bando de rufias, que se especializa a atrair navios para a costa, para que naufraguem, e sejam pilhados. Cedo Mary decide salvar um dos homens do tio, Jem Trehearne (Robert Newton), acusado de traição, atraindo a fúria do bando. Para escapar, o par procura refúgio na casa de Sir Humphrey, que talvez não seja tão inocente quanto eles pensam.
Análise:
Ainda antes de rumar aos Estados Unidos, e já com contrato assinado com David O. Selznick, Alfred Hitchcock viu-se com tempo para realizar um último filme em Inglaterra. O resultado foi “A Pousada da Jamaica”, o primeiro de três filmes seus adaptados de romances de Daphne Du Maurier. A oportunidade deu-se pelas mãos de Charles Laughton, o célebre actor e realizador inglês, em parceria com o lendário produtor alemão Erich Pommer, seu parceiro na Mayflower Pictures, e figura máxima do cinema expressionista.
Primeiro decidiu mudar de personagem (inicialmente deveria interpretar o personagem Joss Merlyn, posteriormente atribuído a Leslie Banks), e de seguida, percebendo que o seu novo personagem, o magistrado Sir Humphrey Pengallan, tinha pouco tempo de ecrã, decidiu forçar uma maior presença. Por tal o argumento que fora começado por Sidney Gilliat foi de seguida modificado por Joan Harrison, a que se acrescentaram diálogos de J. B. Priestley.
Alfred Hitchcock não gostou do processo, e ficou particularmente irritado com as idiossincrasias de Laughton, que tinha modos peculiares de filmar os seus grandes planos, e insistia em caminhar pelo set ao som de uma valsa na sua cabeça, para dar carácter ao seu personagem. Mas foi essencialmente a preponderância do papel de Laughton e a sua presença em cena quase desde o início, que para Hitchcock descaracterizou o filme.
Este é a história de um covil de piratas da Cornualha, que ganha a vida a provocar naufrágios para pilhar os navios, e matar desapiedadamente as tripulações para que não haja testemunhas. É um bando brutal e cruel que se reúne na Pousada da Jamaica, sob as ordens de Joss Merlyn (Leslie Banks), e cujo segredo é posto em causa pela chegada de Mary (a lindíssima Maureen O’Hara aqui no início da carreira), sobrinha da esposa de Joss (Marie Ney). Mary testemunhará uma luta entre os homens de Joss que resulta na tentativa de enforcamento de um deles, Jem Trehearne (Robert Newton), que ela salva, tendo ambos que escapar à fúria dos piratas. Procuram então auxílio na casa do magistrado local, Sir Humphrey Pengallan (Charles Laughton), sem saberem que é ele o verdadeiro chefe do bando (no original é um padre, no filme mudado para se evitar a censura).
Hitchcock queria revelar a figura do magistrado só perto do final, mas perante a insistência de Laughton em surgir desde o início, Hitchcock preferiu mudar as regras, revelando logo no início ser ele o cabecilha dos piratas. Tal retira o interesse da história do whodunnit (Quem é que foi?), que Hitchcock tanto desprezava, e traz-nos o suspense de sabemos antes dos personagens principais (interpretados por Maureen O’Hara e Robert Newton) onde reside o verdadeiro perigo.
Ainda assim, “A Pousada da Jamaica” é um filme onde poucos dos temas de Hitchcock estão presentes, discutindo-se se é mais um filme de Laughton que de Hitchcock. O universo de Laughton não é alheio ao romantismo gótico, ao grotesco e à descrição do lado mais puramente cruel da alma humana, temas neste filme em destaque. Sob a direcção de Hitchcock, o conto gótico de Daphne Du Maurier torna-se um filme rápido, cheio de ação e momentos de clivagem, onde o negrume próprio da história está presente, mas sem a riqueza própria da escrita da autora. Por esse motivo o filme seria mal recebido pela crítica, que ainda hoje o considera um filme menor na obra de Hitchcock. Não obstante, seria mais um sucesso comercial.
Charles Laughton brilha num elenco onde os vilões têm os papéis mais destacados, e os heróis são relegados para papéis quase secundários. Tanto ele como Maureen O’Hara, que o próprio lançara, e com quem continuaria a filmar, seguiriam também para os Estados Unidos. Quanto a Alfred Hitchcock, usaria também um romance de Daphne Du Maurier como fonte do seu filme seguinte, já no continente americano: “Rebecca”.
10/06/21
A Terra dos Homens Perdidos ou
O proscrito (The Outlaw), 1943, Howard Hughes
O Proscrito, de Howard Hughes e Howard Hawks
Poucas vezes no cinema homens tão desinteressantes deixaram de lado uma mulher tão atraente. Aos cantos, Jane Russell é a figura irreal em O Proscrito, a imagem idealizada de uma Hollywood ainda no período clássico, a se mover pelos terrenos da sexualidade.
O diretor e produtor Howard Hughes expõe, pelo decote, pequena parte de seus seios. Faz história com essa jovem ainda contida em expressões, dominadora com um simples olhar, uma simples frase àqueles homens incapazes de se inserir nos domínios dela. É o protótipo da pin-up, da mulher carnuda que dominaria o cinema nos anos seguintes.
Hughes soube aproveitar essa mina de ouro: teria criado, diz a lenda, um sutiã para sua atriz e vendido sua imagem para promover o filme. Codiretor da obra, Howard Hawks declarou em entrevista a Peter Bogdanovich que não teria feito esse tipo de publicidade com a atriz, “mas ele [Hughes] fez e teve grande sucesso”.
O Proscrito retorna a algumas lendas do oeste. Doc Holliday (Walter Huston) tem seu cavalo roubado por Billy the Kid (Jack Buetel) e, em sua procura pelo animal, vai parar na pequena cidade cujo xerife é ninguém menos que Pat Garrett (Thomas Mitchell). Todas essas figuras são um pouco distorcidas, às vezes cômicas. Consciente ou não, Hughes e Hawks brincam com os mitos do faroeste.
E ainda que grande atração emane de Russell, os homens em cena nada podem fazer: são antigos machos do oeste que pouco se importam com a mulher que ora é beijada por um e deixada ao outro com pouco ou nenhum ressentimento, que ora serve de isca para um deles tentar capturar o outro, o foragido da lei.
Enquanto ela insinua-se aos cantos, e sem esforço, os homens estão mais preocupados com seus cavalos e armas. O tom erótico é quase forçado, imposto apenas por uma peça – ao passo que aos pistoleiros resta a forma fria do homem em sua missão, destinado a vagar solitário. Chega a ser engraçado o momento em que Billy não consegue atirar em Holliday, o único parceiro que teve na vida.
Há quem enxergue um fundo homossexual nessas relações – o que talvez justifique a indiferença a Russell. O faroeste sempre foi o espaço dos homens. Ali, as mulheres, com alguma exceção, sempre se mantiveram como coadjuvantes. Caso ganhassem peso, terminavam alienadas a algum pistoleiro, ao embate final.
Jane Russel
Coadjuvante de luxo, Russell dá peso à obra. Segundo Jean Tulard, Hughes criou para a atriz o primeiro sexy western. A bela – ao lado de atores consagrados como Huston e Mitchell – domina todas as cenas em que aparece. O feito não está ligado ao talento da atriz (que tinha, é verdade), mas à pura e simples presença, aos traços que o cinema clássico imortalizou na tela.
11/06/21
O ladrão de bancos Joey Faust é libertado da cadeia com a condição de submeter-se a uma experiência radical que poderá torná-lo invisível. Seus novos empregadores pretendem usar o "Homem Transparente" para roubos ousados, mas Faust tem seus próprios planos.
11/06/21
Edgar G. Ulmer é o homem por trás de um dos filmes mais cultuados do ciclo noir americano dos anos 1940: CURVA DO DESTINO (1944). Ele, assim como quase todos os cineastas americanos da época, havia aderido ao espírito dark daquela década, quando as sombras eram mais importantes do que a luz, o que não se via era tão importante quanto o que se via. E assim como Anthony Mann passou o seu registro noir quando se tornou um diretor de westerns na década de 1950, Ulmer fez o mesmo numa ficção científica B chamada O HOMEM DO PLANETA X (1951).
Peguei o livro de entrevistas de Peter Bogdanovich ("Afinal, Quem Faz os Filmes") para vê-lo falando a respeito da obra, mas infelizmente, ele teve um derrame e logo depois morreu, não dando tempo para que os dois cineastas pudessem falar sobre as obras da década de 1950 em diante. Uma pena. Mas o filme está aí para ser apreciado e descoberto, já que não é tão famoso quanto outros trabalhos do gênero da mesma década quanto A MOSCA DA CABEÇA BRANCA, GUERRA DOS MUNDOS, VAMPIROS DE ALMAS e o recentemente comentado aqui A MULHER DE 15 METROS.
Porém, trata-se de coisa fina. Obra feita em poucos dias, com poucos recursos e atores desconhecidos, mas com um clima pegajoso e uma narrativa intrigante e divertida. Na trama, repórter resolve ir até uma ilha escocesa a fim de se aproximar de um cientista que investigava a aproximação de um planeta que estaria prestes a se chocar com o nosso. Chegando lá, ele faz logo amizade com a filha do cientista. Numa estrada daquele vilarejo ela encontra uma nave espacial e, dentro dela, um alienígena cabeçudo. Teria ele vindo em paz?
Diferente de O DIA EM QUE A TERRA PAROU, de Robert Wise, ficção científica classe A do mesmo ano, a comunicação entre o E.T. e os terráqueos não nada fácil. Mas, mais importante do que a trama, é o clima de suspense que impregna todo o filme, com o medo, a paranoia e o mistério sempre presentes.
12/06/21
Mãe Solteira: ou como Ida Lupino tomou Hollywood de assalto
Oficialmente tido como o último filme de Elmer Clifton, Mãe Solteira (1949) é, na verdade, a estreia de Ida Lupino na direção. 3 dias após o início das filmagens, Clifton teve uma série de infartos e foi obrigado a afastar-se. Mãe Solteira é um filme independente, o primeiro da recém-criada Emerald Productions (que mais tarde passaria a se chamar The Filmakers), produtora fundada por Ida Lupino e seu então marido Collier Young. Como o orçamento era extremamente baixo (estimado em 150 mil dólares), a produção não podia parar.
Lupino, que passou alguns anos afastada dos filmes por recursar papéis que considerava aquéns de sua capacidade, apropriando-se desse tempo para absorver conhecimentos técnicos ligados à produção cinematográfica, assumiu o comando da produção. À primeira vista, salta aos olhos o fato do filme abordar um tema considerado tabu décadas atrás: o sexo antes do casamento. Todas as sinopses indicam que o filme acompanha uma jovem que engravida após um caso com um pianista e é obrigada a doar o bebê. Quem já o assistiu sabe, porém, que o parto só acontece a partir dos últimos vinte minutos de metragem. A entrega do bebê para adoção, a partir dos quinze minutos finais. A descoberta da gravidez, apenas com quase uma hora de filme. Antes de tudo, Mãe Solteira busca observar uma jovem a tomar decisões ruins que culminam em sua ruína moral.
Isso não quer dizer que não seja um filme provocante, pelo contrário. Sally Kelton, assim como grande parte dos personagens de Lupino, é inquietantemente indecifrável. Ela é ao mesmo tempo distraída e profundamente perspicaz, bastante ingênua, mas eloquente, inconsequente em muitas escolhas, mas ponderada em tantas outras. Ela trabalha num restaurante/casa noturna para ajudar os pais a pagar as contas, mas parece profundamente desajustada do convívio familiar. Se apaixona por um pianista errante como, se através dessa relação, pudesse escapar momentaneamente da sua comunidade, tão prosaica, tão recatada, tão interiorana. Mas Sally sente a paixão real de qualquer maneira, e se entrega de corpo e alma ao pianista, sem pesar as consequências.
Porém, o que mais estimula os sentidos em Mãe Solteira é seu conjunto cinematográfico, inventivo e profundamente eficaz. Ida Lupino nunca foi dada à prolixidade – curiosamente seu filme mais fraco é também o mais longo, Anjos Rebeldes (1966) – e por isso mesmo seus filmes são acelerados, mas sem prejuízos à história. A bagagem imagética da cineasta é riquíssima, desde o enquadramento escolhido nos planos e contra planos mais básicos, até as cenas potentes em termos poéticos, por assim dizer. Quando Sally pergunta a Steve se ele sentirá sua falta, há uma longa pausa, enquanto ele passeia a mão sobre o rosto dela. Embora simples, o afago que precede o hesitante “sim” de Steve entrega que o garoto sempre esteve superficialmente interessado em Sally em razão de sua beleza.
Lupino e a expressão multi-gênero
Falando de cenas com potencialidades poéticas, há duas que se destacam. Quando Sally se entrega a Steve, naturalmente o filme não poderia exibir o ato sexual, mesmo que numa sugestão levemente evidente. Por isso, Lupino emprega uma série de planos para dar conta da mensagem. Steve se aproxima do rosto de Sally, em close, e estende o braço, pousando-o sobre o tronco de uma árvore. A câmera segue o movimento do pianista, e para, até quando ele joga o cigarro para longe. Então, corta para um plano do lago, onde o cigarro segue com a correnteza enquanto a câmera o acompanha. A imagem funde-se demoradamente com a de um relógio parcialmente encoberto por sombras, dentro da casa de Sally, onde as horas marcam além da cinco da manhã e finalmente corta para o rosto da mãe acordada e deitada na cama, com uma vultosa marca de suas lágrimas no travesseiro.
Interessa aqui algo que está muito além da mensagem – pois esta poderia ser perfeitamente entendida com a fusão do primeiro e do último plano. Existe, acima de tudo, um apego estético da diretora debutante, dignificando e potencializando vários momentos para apreciação visual do espectador. Algo tão impactante ocorre também na cena do parto, que começa com um plano muito aproximado do rosto aflito de Sally, justapondo-o a um longuíssimo plano subjetivo em travelling onde são enquadradas as paredes da maternidade, enquanto a maca anda até a sala de parto. Lá chegando, a câmera se afasta do corredor e da porta, que é imediatamente fechada por uma enfermeira. Finalmente, o parto é filmado todo com a visão subjetiva da personagem, observando o médico e enfermeiros à contra luz, enquanto a imagem desfoca-se continuamente através dos planos e da intensa fonte de luz.
Ida Lupino
Além de ser visualmente exuberante e de dar conta dessa profusão mental altamente aflita e confusa do parto solitário daquela jovem, a cena oferece tons de terror e/ou ficção científica, numa rara demonstração de genre bending dos anos 1940. Isso nos ajuda a começar a compreender o vanguardismo de Ida Lupino, cuja própria existência dentro de um contexto tão essencialmente masculino parece inexplicável. Ela, que começou como atriz relegada a personagens ingênuas e provocantes ainda com 14 anos de idade, buscou interpretar papéis sérios e substanciais, muitas vezes comprometendo sua própria carreira em função disso.
Mas suas qualidades performáticas eram grandiosas, tendo ela mesmo vindo de uma família que há séculos trabalhava com entretenimento. Aos poucos, galgou seus estrelato em Hollywood, tendo participado de filmes como Dentro da Noite (1940), de Raoul Walsh, um dos trabalhos que ajudou a popularizar o cinema noir em suas origens. Com o sucesso de Dentro da Noite, Ida Lupino conseguiu mais frequentemente papéis interessantes, especialmente junto à Warner Bros., com filmes como Seu Último Refúgio (1941) e É Difícil Ser Feliz (1943). Mesmo assim, o temperamento explosivo da atriz fazia com que ela entrasse em conflitos constantes com a produtora. Depois de sair da Warner em 1945 e divorciar-se de Louis Hayward no mesmo ano, Lupino permaneceu atuando, sem contrato, em diversas produções.
Lupino e o pioneirismo
Após o casamento com o produtor Collier Young, Lupino e o marido fundaram a Emerald Productions, que viria a produzir a maior parte de seus filmes. Ainda que sua atuação como diretora em Mãe Solteira tenha sido acidental, como ela mesmo disse em algumas entrevistas, seu talento por trás da câmera ficou evidente, e entre 1950 e 1953 ela iria dirigir cinco longas, além de participar da realização de um sexto (1). Em 1950, Lupino se tornou apenas a segunda mulher a ser sindicalizada pelo Sindicato dos Diretores, a única a estar em atividade naquele momento. Mais do que mero pioneirismo, sua meteórica carreira como realizadora é marcada por uma inequívoca autoralidade.
Seu cinema, a exemplo de Mãe Solteira, se ocupa em retratar personagens complexos e ambíguos, busca protagonismo ou ao menos extrema relevância feminina, e contém temas sociais delicados para a época. Sob a perspectiva de suas marcas, sua obra-prima sem dúvidas é O Bígamo (1953), onde um homem possui relação matrimonial com duas mulheres em estados diferentes. O filme reúne todos os traços característicos de Lupino, modulando-as num melodrama ambíguo e desconcertante.
Nem por isso seus outros filmes não ficam à altura. Peguemos por exemplo Laços de Sangue (1951), seu quarto longa-metragem. Estrelado por Sally Forrest, a mesma de Mãe Solteira, o filme conta a história da prodígio do tênis Florence Farley, progressivamente oprimida pelas ambições projetadas da mãe, que busca afastá-la do convívio das outras pessoas fazendo-a focar apenas no esporte. Talvez o menos inventivo de seus primeiros longas, mas ainda sim repleto de cenas memoráveis. O tema orquestrado por Lupino aqui (com roteiro escrito por Martha Wilkerson) é a relação tóxica e abusiva da mãe com a filha, mais um ataque frontal da diretora ao conceito idealizado de família. Em Mãe Solteira, o berço familiar também se comporta como agente opressor sobre a vida da garota, embora neste a opressão seja bem mais moderada.
Os dois filmes também refletem um aspecto de considerável importância no que tange a carreira de Lupino como diretora: sua juventude. Ela tinha apenas 29 anos quando lançou seu primeiro filme, 33 quando do lançamento de Laços de Sangue. Dessa forma, a condescendência relegada as suas heroínas pode ser vista como uma espécie de afago a si mesma, que ao longo dos seus 20 anos sofreu tanto nas mãos dos executivos de Hollywood, que buscavam encerrá-la em arquétipos que, para ela, não faziam sentido. Antes disso, durante sua pré-adolescência, era frequentemente escalada em papéis sensuais e provocantes. Até por isso, é edificante que, quando passou a produzir e dirigir filmes, Lupino criou personagens sérias e multifacetadas, dando oportunidades a atrizes que talvez, assim como ela, estivessem buscando tais papéis no cinema americano.
Em O Mundo Odeia-Me (1953), Lupino realiza uma espécie de transição. Seus filmes anteriores eram dramas intimistas protagonizados por uma personagem feminina. Aqui, não há personagens femininas e o drama dá espaço a um noir de estrada eletrizante, de apenas setenta minutos de duração. Baseado em casos reais, O Mundo Odeia-Me tem aquelas histórias fáceis de se introjetar no imaginário popular: um serial killer caroneiro. Filmado em locações reais na divisa com o México, o filme é extremamente sombrio durante as noites, com pontos intensos de luz iluminando apenas partes do quadro, e bastante sórdido durante o dia. Lupino consegue imprimir uma textura imunda e forte no filme, adequada para uma história que se passa num deserto, fazendo-o uma espécie de proto-versão-macabra de Frenesi (1972), de Alfred Hitchcock.
Sua frontalidade e objetividade demonstradas em O Mundo Odeia-Me seria comparada com seu posterior trabalho na televisão, onde Lupino permaneceria durante as décadas de 1950 e 1960, até sua aposentadoria do cinema. Antes disso, escreveu, produziu e dirigiu Quem Ama Não Teme (1950), narrando a história de uma dançarina que contraí poliomelite. Mantendo sua coesão filmográfica, Lupino cria aqui um melodrama pautado por uma questão social urgente, já que a vacina contra a doença só seria criada em 1955. Mais uma vez, a produção é encabeçada por Sally Forrest, que após uma atuação um tanto insegura em Mãe Solteira, parece mais amadurecida aqui. De maneira semelhante ao que fizera em seu filme de estreia, Lupino filma o cotidiano de uma instituição médica. Aqui, na verdade, há um tempo muito maior ao dia-a-dia da instituição, com Forrest interagindo com diversos pacientes, alguns dos quais eram realmente enfermos na vida real. (2)
Lupino e a fragilidade da classe média americana
No entanto, não só há questão social une os melodramas da diretora. O grande ponto de convergência de seus quatro primeiros filmes é o tormento mental que as circunstâncias causam em suas heroínas. Feridas física e mentalmente, elas buscam se isolar daquilo que mais as conecta à sociedade. Em Mãe Solteira, por exemplo, após descobrir a gravidez, Sally abandona o noivo, pois não se vê como merecedora de seu amor. Em Quem Ama Não Teme, Carol Williams também busca desatar o noivado por motivos absolutamente altruístas, pois se considera um estorvo na vida pessoal e profissional de seu parceiro, Guy (coincidentemente, ambos os personagens são interpretados pelo mesmo ator, Keefe Brasselle). Essa noção de sacrifício pessoal está muito ligada à condição serviçal da mulher de classe média americana dos anos 1950.
Qualquer elemento disruptivo ao roteiro tradicional para o qual elas foram criadas, por menor que seja, parece insuportável demais para ser lidado. Felizmente, as as heroínas de Lupino são recompensadas com ex-machinas no final, não sem antes completarem suas jornadas de maneira independente – pois para a diretora, antes do amor ao homem, deve-se encontrar o amor e o valor em si mesma.
Mas talvez, o filme de Lupino que mais ressoe para audiências contemporâneas seja O Mundo é Culpado (1950), uma obra concentrada no retrato de uma jovem antes e depois de um estupro. Martin Scorsese em A Personal Journey with Martin Scorsese Through American Movies (1995) o define como “o maior pesadelo de uma mulher, não como melodrama, mas como um discreto estudo de comportamento que capta a banalidade do mal numa pequena cidade comum.” Em uma das cenas após ser violada, Ann Walton (Mala Powers) é questionada sobre a fisicalidade do seu agressor e entra em desespero. A lembrança fere-lhe como facadas enquanto ela se agarra à cabeceira da cama, de grades negras, como as portas de uma prisão. O tormento mental é o seu castigo, e a lembrança perpétua do estupro é sua danação. O garota de classe média, bem educada, que estava prestes a se casar, vê seu mundo despencar quando a mais abominável das maldades lhe aflige.
Talvez o comentário de Scorsese passe por aí, por essa ideia dos filmes de Lupino de que as sociedades baseiam-se em noções profundamente frágeis e efêmeras, podendo ruir num piscar de olhos. Assim foi com a própria diretora. Depois de sucessos consideráveis atrás das câmeras, bastou um fracasso na bilheteria (com O Bígamo) para que sua vida profissional e pessoal descarrilhasse. Entre divórcios, idade e falências, Lupino encontrou refúgio na TV, onde dirigiu, de maneira prolífica, séries de bastante sucesso até sua aposentadoria, no final dos anos 1960. O encerramento de sua vida profissional foi melancólico, marcado pela depressão e pelo abuso de substâncias.
Lupino e o apagar das luzes
Quando recebeu a oportunidade de dirigir a produção Anjos Rebeldes, um filme de grande orçamento para a época, Lupino sentiu que sua sorte poderia mudar. Apesar do sucesso nas bilheterias, a presença de Lupino na produção ficou mais marcada pelas fofocas que gerou. Boatos dizem que Rosalind Russell teria solicitado que a diretora fosse demitida, pois vivia se embriagando no set. William Frye, o produtor, insistiu em Lupino e segundo dizem, ela não voltou a beber até que as filmagens terminassem. É lastimável que a carreira da cineasta mais interessante do cinema americano até então terminasse dessa maneira.
No entanto, é no mínimo compreensível. A intrepidez de Lupino poderia durar até certo ponto. Décadas e décadas sendo subjugada por executivos, que a exploravam quando adolescente e a menosprezavam quando adulta, casamentos falidos e a importunação constante da imprensa finalmente fizeram-lhe não suportar.
Independentemente disso, sua memória segue viva em seus sete longa-metragens, obras de qualidade singular, que apropriaram-se das trevas do cinema noir para observar atentamente chagas sociais cuja relevância permanecem até os dias de hoje. E que, mais do que isso, com seus dispositivos narrativos e suas inventividades imagéticas atestam o talento incomum de uma mulher que aos 14 anos de idade cruzou o oceano atlântico e foi parar nos Estados Unidos para aprender e viver de tudo sozinha.
Obras citadas
Mãe Solteira (Not Wanted, 1949), Elmer Clifton; Anjos Rebeldes (Trouble With Angels, 1966), Ida Lupino; Dentro da Noite (The Drive By Night, 1940), Raoul Walsh; Seu Último Refúgio (High Sierra, 1941), Raoul Walsh; É Difícil Ser Feliz (The Hard Way, 1943), Vincent Sherman; Cinzas Que Queimam (On Dangerous Ground, 1951), Nicholas Ray; O Bígamo (The Bigamist, 1953), Ida Lupino; Laços de Sangue (Hard, Fast and Beautiful, 1951), Ida Lupino; O Mundo Odeia-Me (The Hitch-Hiker, 1953), Ida Lupino; Frenezi (Frenzy, 1972), Alfred Hitchcock; O Mundo é Culpado (Outrage, 1050), Ida Lupino; A Personal Journey with Martin Scorsese Through American Movies (1995), Martin Scorsese, Michael Henry Wilson.
Notas
(1) Dirigido por Nicholas Ray, Cinzas Que Queimam (1951) é uma espécie de díptico: sua primeira parte é um noir urbano sombrio, que segue as desventuras de Jim Wilson, um policial sem escrúpulos que começa a entrar numa espiral de loucura em razão dos crimes que encontra pela frente. Na segunda parte, o filme permanece cinzento, mas é bem mais cadenciado ao narrar o exílio de Wilson em uma casa de campo, onde o policial tem a companhia de Mary Malden, uma garota dócil e cega. Malden é interpretada por Lupino, que assumiu a direção da produção durante vários dias enquanto Ray esteve doente. Por esse motivo, ela é frequentemente citada como co-diretora do filme, embora oficialmente sua função tenha sido apenas a de atriz.
(2) Em diversos momentos de interação e convício coletivo entre pacientes, o filme lembra Paixões Que Alucinam (1963), obra-prima de Samuel Fuller. O filme de Fuller, no entanto, é um registro catártico e sombrio de instituições maniconiais, enquanto o olhar dado a Lupino à clínica de tratamento de pólio é bastante prosaico. As semelhanças, portanto, são pequenas.
Cinéfilo desde os dezesseis anos, graduado em Artes e Cinema desde os vinte e quatro. Não sei se estou vivendo ou apenas lamentando constantemente o falecimento de Edward Yang.
13/06/21
First Cow - A Primeira Vaca da América (First Cow), 2019, Kelly Reichardt
'First Cow - A Primeira Vaca da América' é um faroeste pelo avesso. Filme traz marca de Kelly Reichardt ao mostrar Estados Unidos numa versão inesperada, selvagem e banal
Kelly Reichardt é uma cineasta da persistência. É voltando a câmera a objetos insignificantes —ao menos na aparência— que ela espera pacientemente que eles se mostrem plenamente. E plenamente, no caso, não quer dizer que esses personagens ou suas vidas explodam numa riqueza inesperada. Não, as situações é que os enquadram, tanto quanto a paisagem.
Assim, em “First Cow” tudo começa com Cookie, cozinheiro que acompanha um grupo de candidatos numa corrida do ouro. Os conflitos são simples. Não há comida e Cookie é pago não só para cozinhar como para conseguir comida. Não é tarefa fácil. Buscando alimentos ele encontra King-Lu, chinês que veio fazer a América, mas se encontra agora foragido. Juntos, eles chegam ao forte onde se concentram garimpeiros e negociantes.
Tudo isso é importante, porque é o começo da história, mas nada disso é muito importante. Relevante mesmo é que estamos no estado americano de Oregon, segunda metade do século 19, pleno Velho Oeste, mas nada parece com o Oeste que conhecemos.
A vegetação é mesquinha, pouco graciosa, as pessoas não vivem em casas, mas em cabanas que poderiam ter inveja de nossas favelas. Ah, sim, existe o rio. Esse lembra as águas puras dos velhos faroestes.
Em suma, isso é um faroeste, mas não é. É um faroeste pelo avesso. Será preciso acompanhar Reichardt, pois ela busca captar com precisão o impreciso. E sem nenhuma pressa —bem menos do que seu anterior “Certas Mulheres”, de 2016, por exemplo.
A chegada da primeira vaca à região não é um acontecimento. Ela chega a distância, na balsa, pelas águas tranquilas do rio. Mas essa vaca mudará o rumo da história.
Por partes –King-Lu sabe que para alcançar a riqueza há duas formas, um milagre ou o crime. O crime parece uma boa solução. Se roubarem leite da vaca do principal negociante, poderiam fazer biscoitos doces. Cookie sabe fazer.
Então mãos à obra. Nada é excepcional. Nem mesmo o sucesso de vendas da dupla chega a constituir uma surpresa ou um evento (para o espectador). Com isso eles amealham uma pequena fortuna. Que fazer com ela? Ir para San Francisco e abrir um hotel?
Pode ser. Mas em breve. O pequeno empreendedor não é menos ambicioso, no fundo, do que o garimpeiro. E aí está o ponto principal da trama – o comerciante, o ferreiro, o vendedor de biscoitos.
Todos esses, enfim, que vão fazer o velho oeste — mesmo num lugar de raras vacas, portanto sem caubóis —, tanto quanto os garimpeiros, na visão de Reichardt, são menos aventureiros do que ambiciosos. Isto é, podem passar da busca desesperada pela sobrevivência à busca da riqueza. O crime é o menor dos problemas. Faz parte do negócio.
É assim, com enorme persistência, que a diretora busca encontrar, no vago, o preciso. É um filme para espectadores também persistentes, que possam conviver com roupas estropiadas, cabanas sórdidas e nem ao menos sombra de heroísmo. É um Velho Oeste pelo avesso.
Demoramos um pouco a nos acostumar com ele, assim como não é fácil, a princípio, se acostumar aos filmes dessa diretora. Os Estados Unidos que nos mostra, no presente ou no passado, é tão inesperado e selvagem quanto banal. Mas a banalidade é algo que cabe ao cinema mostrar, embora o faça menos do que seria desejável —nos Estados Unidos da Marvel em particular.
14/06/21
John Forbes, o protagonista de O Caminho da Tentação/Pitfall, que André de Toth lançou em 1948, tem tudo que uma pessoa pode querer na vida – e milhões e milhões e milhões de seres humanos não têm. Uma mulher muito bela, boa pessoa, que o ama, um filho aí de uns 8, 10 anos legal, inteligente, esperto, que o adora. Uma casa ampla, gostosa, confortável, num bom bairro de Los Angeles, um emprego sólido. John Forbes (o papel de Dick Powell, então com 44 anos, no auge da carreira) tinha nas mãos o sonho americano, naqueles anos logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. O próprio sonho americano. O que milhões de pessoas mundo afora gostariam de ter. Mas estava infeliz. Estava insatisfeito, enfadado, entediado. Não via mais graça em nada daquilo – nem mesmo na mulher belíssima que o tratava a pão de ló, fazia suas vontades, entregava de bandeja para ele o bom café da manhã e ainda o levava de carro para o trabalho.
Sue Forbes, a esposa, é interpretada por Jane Wyatt, e a atriz de Horizonte Perdido (1937) e Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa (1986) está especialmente esplendorosa como essa dona de casa que havia sido escolhida a garota mais bela na escola e se casara com o rapaz mais promissor.
É absolutamente impressionante como o roteirista Karl Kamb (que adaptou um romance de Jay Dratler) e o diretor André De Toth conseguiram sintetizar tão bem quem são os dois personagens – John e sua mulher Sue – nas duas primeiras sequências do filme. É um diálogo extraordinário. Quando ele termina, o filme está com 5 minutos, e o espectador já conhece bem aquelas duas pessoas.
“Não quero ser um americano médio, espinha dorsal do país.”
A primeira tomada é de uma frigideira com dois ovos sendo fritos. Sue chama o marido uma, duas vezes. Tommy, o filho do casal, já está sentado à mesa da cozinha. Quando John aparece, já pronto para sair para o trabalho, terno impecável, Sue diz a frase que a rigor não precisava mesmo dizer: – “O café está na mesa, querido.” Ele responde com uma brutalidade sem tamanho: – “Onde mais poderia estar?” Sue não ouve, ou finge que não entendeu, pergunta o que ele disse, ele responde que não foi nada.
Durante o café da manhã, a conversa é assim:
Ele: – “Não vamos trabalhar hoje. Vamos pescar.”
Ela: – “Ótimo.”
Ele: – “Vamos pegar Tommy e cair no mundo. Agora tem uma estrada que vai até a América do Sul.”
Ela: – “Outra hora, obrigada.”
Ele: – “Acha que o mundo iria parar? Acha que a Olympic Mutual Insurance Company iria fechar se eu não entrasse lá exatamente às 9 horas todos os dias?”
Ela (sendo agora suavemente irônica: ) – “Nunca se sabe.”
Ah! Uma companhia de seguros. John Forbes trabalha numa companhia de seguros. Como Walter Neff (Fred MacMurray), de Pacto de Sangue/Double Indemnity, de 1944, quatro anos portanto antes deste O Caminho da Tentação/Pitfall. O cinema americano tem tradição de se referir a companhias de seguro como lugares para as pessoas trabalharem.
Ele: – “Você foi eleita a garota mais bonita da classe. E eu, o rapaz mais promissor. Alguma coisa deveria acontecer com pessoahorrorosos s assim.”
Ela: – “Mas aconteceu. Nós nos casamos.”
Ele: – “O que houve com aquele casal que ia construir um barco e dar a volta ao mundo?”
Ela: – “Bem, eu tive um filho. Não sei o que aconteceu com você. (Breve pausa.) Vamos lá, aventureiro. Você tem uma família para sustentar.”
Ele: – “Nada de América do Sul?”
Ela: – “Hoje não.”
Corta, e os dois estão no carro, Sue dirigindo, John no banco do carona. O carro deles, segundo informa a página de Trívia sobre o filme no IMDb, é um Ford Super Deluxe coupé conversível modelo 1947 – um modelo top de linha em 1948, quando o filme foi lançado.
Ela: – “A que horas você vai chegar em casa hoje, querido?”
Ele (como se tivesse sido ofendido: ) – “Por que você me faz uma pergunta destas? Você sabe muito bem a que horas vou chegar. Saio do escritório exatamente às 5h04. Levo 6 minutos até a esquina, e Charlie me pega às 5h15. São 32 minutos até em casa, se não houver uns dois sinais fechados. E dou um beijo no seu rosto exatamente às 17h50.
Ela: – “A rotina está deixando você deprimido?”
Ele: – “Não sei. Às vezes me sinto como uma roda girando sem parar dentro de uma roda dentro de outra roda.”
Ela: – “Você e mais 50 milhões.”
Ele: – “Não quero ser como mais 50 milhões.”
Ela: – “Você é John Forbes, americano médio, espinha dorsal do país.”
Ele: – “Não quero ser um americano médio, espinha dorsal do país. Quero que algum outro cara seja a espinha e me segure.”
Ela: – “Você andou lendo o livro de Geografia de Tommy de novo. O glamour de Bornéu, seringueiras e morenas.”
Ele: – “Parece bem melhor do que o glamour da Olympic Mutual Insurance Company.”
O carro está parado diante do prédio da Olympic Mutual Insurance Company, no centro de Los Angeles.
Ela: – “Falando nisso, chegamos.”
Ele: – “Ah… Até as 17h50.”
Ele dá um quase beijo bem de leve na face direita de Sue, e aí ela reclama: – “Espere aí. Também estou me cansando desse beijo no rosto.” Ele dá um beijo nos lábios dela. Sue agradece, ele diz “de nada” saindo do carro. Ela pede: – “E melhore esse humor quando voltar para casa à noite.”
Quem reclama de barriga cheia Deus castiga
O sonho americano nas mãos – e John Forbes está insatisfeito, enfadado, entediado.
O romance Pitfall havia sido lançado em 1947 – os produtores e o diretor André De Toth foram rápidos em comprar os direitos do livro e lançar o filme já no ano seguinte.
O autor do livro, Jay Dratler (1910-1968), teve uma educação refinada – estudou na Sorbonne, em Paris, e na Universidade de Viena. De volta aos Estados Unidos em 1932, traduziu livros do alemão, antes de se mudar para Hollywood, onde trabalhou como roteirista e começou a carreira de novelista. Foi um dos roteiristas do clássico Laura (1944), de Otto Preminger, que teve indicação ao Oscar de melhor roteiro, e um de seus seis romances, Call Northside 777, venceu o prêmio Edgar Allan Poe da associação dos escritores de histórias de mistério.
Pitfall, o título do livro e do filme, significa armadilha, cilada.
Vinte e um anos depois de Pitfall, em 1969, o grande Elia Kazan lançou um filme baseado em romance dele mesmo em que o protagonista tem muita semelhança com esse John Forbes criado por Jay Dratler e interpretado no cinema por Dick Powell. Em The Arrangement, no Brasil Movidos pelo Ódio, o publicitário Eddie Anderson (o papel de Kirk Douglas) é extremamente bem sucedido na profissão, é rico, tem uma casa monumental e uma bela mulher (o papel de Deborah Kerr). Mas está – exatamente como o John Forbes deste Pitfall – insatisfeito, enfadado, entediado. Numa das primeiras sequências do filme, tenta se matar enfiando seu carro esporte milionário embaixo de um gigantesco caminhão.
O sonho americano nas mãos – e se danando para isso.
Mary e eu costumamos sempre brincar que, como somos pessoas de muita sorte, não podemos nunca reclamar da vida: quem reclama da vida de barriga cheia Deus castiga.
Deus arranjou um castigo duríssimo para John Forbes.
O protagonista se mete num inferno cruel. Pouco tempo depois daquele diálogo dele com a mulher, Sue, que fiz questão de transcrever, John fica conhecendo uma moça chamada Mona, Mona Stevens. Mona vem na pele e na beleza faiscante de Lizabeth Scott, essa atriz que parece ter vindo ao mundo para trabalhar em dramas com clima denso, tenso, pesado.
Mona havia namorado um sujeito chamado Bill Smiley (Byron Barr), que achava que só mereceria o amor da moça caso a enchesse de presentes caros, do anel de noivado ao casaco de pele ao pequeno barco a motor ancorado no mar de Santa Monica. Como não tinha dinheiro para comprar tudo isso, roubou – e foi preso. À empresa de seguros que pagou pelo valor roubado – a Olympic Mutual Insurance Company – cabia identificar os bens comprados por Smiley e revendê-los, para se ressarcir ao menos de parte do prejuízo. Quem faz o primeiro trabalho de localizar quem ganhou os bens comprados por Smiley é um brutamontes chamado MacDonald (o papel de Raymond Burr). Não é funcionário da Olympic Mutual – é um dos detetives particulares que a companhia de seguros contrata para executar algumas tarefas. Um terceirizado.
Depois do trabalho inicial de MacDonald, John Forbes assume o caso.
Diante de Mona Stevens – exatamente como o Walter Neff de Fred MacMurray diante da Phyllis Dietrichson de Barbara Stanwyck em Pacto de Sangue –, John Forbes faz o inevitável: sucumbe, cai de quatro. Apaixona-se perdidamente.
Sofri muito por John Forbes, enquanto via o filme. Não tem jeito: sempre fico angustiado diante de boas histórias em que um homem bem casado se apaixona por outra mulher, porque não adianta – por mais que a nova paixão valha a pena, por mais que a nova mulher seja maravilhosa, vem aí um período que é infernal. Sei muito bem disso por experiência própria.
Creio que todos os espectadores sofrem por e com John Forbes. O inferno em que ele se mete será especialmente cruel. A questão, no entanto, não é Mona Stevens – e isso é importantíssimo. O problema não é Mona Stevens, e sim o tal MacDonald. O gigantesco brutamontes também se apaixona pela bela moça, mas com uma paixão furiosa, louca, possessiva. Bota na cabeça oca que aquela mulher agora é dele – e o que vem é infernal.
Não há femme fatale, e não há bobo
É voz corrente que O Caminho da Tentação é um film noir, esse fantástico gênero de thriller, de policial, que Hollywood criou nos anos 40, sob a influência do expressionismo alemão dos anos 20 e tendo à frente diretores europeus exilados na América. É como o IMDb o classifica: “crime, filme noir, thriller”. Idem no AllMovie: gênero drama, subgênero filme noir. Ele está na caixa de DVDs Filme Noir Vol. 6 lançado pela Versátil Home Vídeo, assim como está no livro O Outro Lado da Noite: Filme Noir, de A.C. Gomes de Mattos. Então tá, é um filme noir.
Pessoalmente, não acho que seja um noir. Sim, sim, tem todo o clima denso, tenso. Tem um tom de tristeza, desesperança, que é típico do noir. É da mesma época, é de um diretor que fez filmes noir, e a especialidade da atriz Lizabeth Scott é o noir. Mas, para mim, se não há um pato, um bobo, um sucker, de um lado, e, de outro, uma femme fatale que faz dele gato e sapato, então não é noir.
E a Mona Stevens de Lizabeth Scott é linda, loura, sedutora – mas não é uma femme fatale, de forma algums. É honesta, trabalhadora – trabalha como modelo, desfila na área elegante e fina de uma grande loja de departamentos. Não é manipuladora, de forma alguma. Muitíssimo ao contrário. Recua, tenta sair de cena, tenta sair da vida de John, ao saber que ele é casado.
É uma vítima – tanto quanto o próprio John. Os dois são vítimas – de fatalidades, do destino, de uma armadilha, uma cilada, um pitfall que os astros armaram para eles.
“O sonho americano tornado amargo”
No seu livro O Outro Lado da Noite: Filme Noir, o estudioso carioca A.C. Gomes de Mattos escreve: “Mona não é uma mulher fatal. O roubo cometido por Smiley eventualmente coloca Forbes e MacDonald em sua vida e deste crime inicial resulta uma cadeia de outros. Quando Mona percebe que seu relacionamento com Forbes não pode continuar, sacrifica-se, encaminhando-o de volta ao lar. (…) Sob esse aspecto, o filme aproxima-se do melodrama ‘para mulheres’, porém há o elemento noir da situação do pai de família, que tenta escapar das restrições de um estilo de vida burguês opressivo, vê-se envolvido em um homicídio.”
“Melodrama para mulheres.” Acho essa definição de gênero muito mais apropriada a este belo e triste filme do que o de noir. Melodrama para mulheres. Douglas Sirk, o grande mestre dos melodramas, seguramente assinaria este filme dirigido por André de Toth.
Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4 ao filme: “Breve caso extra-conjugal de homem casado pode custar a ele seu trabalho e seu casamento. Intrigante olhar de filme noir sobre o sonho americano tornado amargo, tipificado pelo personagem de Powell, que tem uma casa, um filhinho e uma esposa perfeita – mas se sente entediado e sufocado.”
Uau! Maltin estava em sua melhor forma! Bela avaliação!
No Allmovie, Hal Erickson escreveu: “O lado mais sombrio do sonho americano é explorado no fascinante filme noir Pitfall. Dick Powell estrela como John Forbes, um homem de seguros bem sucedido como uma esposa-troféu chamada Sue (Jane Wyatt) e um filho modelo chamado Tommy (Jimmy Hunt). Apesar de tudo que ele conquistou na vida, Forbes se sente de alguma maneira não realizado. Durante uma tentativa de recolher bens comprados ilegalmente de um ladrão de bancos condenado, Forbes se apaixona pela glamourosa Mona Stevens (Lizabeth Scott). Há um caso entre eles. Forbes sofre pontadas de culpa, um fato imediatamente captado pelo sórdido detetive MacDonald (Raymond Burr), que está perturbado porque Mona o rejeitou. Se houve adultério, um assassinato estaria longe demais. Muitas sequências de Pitfall são grandes destaques, notadamente uma em que o filho de Forbes, Tommy, tem um horrível pesadelo – quase exatamente igual ao que o ator mirim Jimmy Hunt enfrentaria no filme de 1953 Invaders from Mars.”
Um detalhinho. O IMDb dá o título brasileiro sem o artigo definido: Caminho da Tentação. Acredito mais no Dicionário de Cineastas de Rubens Ewald Filho, no Dicionário de Cinema – Os Diretores de Jean Tulard e na Versátil, que incluiu o filme na caixa de DVDs Filme Noir Vol. 6; os dois livros e a caixa da Versátil grafam O Caminho da Tentação.
Um detalhão que está na página de Trivia sobre o filme no IMDb – uma história absolutamente fantástica, que só por ela já daria um filme: O normal seria que os funcionários responsáveis pelo cumprimento das regras do Código Hayes – o código de autocensura dos estúdios de Hollywood – não permitissem um personagem bom caráter, como John, ter um caso adúltero. Assim, o diretor André De Toth arranjou um encontro com dois proeminentes funcionários que eram casados – e demonstrou que sabia que cada um deles tinha sua amante. Depois disso, a produção não teve problema algum com o Código Hays.
Lenda? Fantástico demais para ser verdade? Pode ser. Mas que é uma boa história, lá isso é. Ameaçar os moralistas com seu próprio veneno. Que delícia.
15/06/21
Jeff Carr (Lex Barker), um investigador especial, chega a Tomahawk. Sua missão é descobrir quem é culpado por uma série de assassinatos que aterrorizam as caravanas que chegam e partem da cidade. O fazendeiro Alec Black (Stephen McNally) é o maior suspeito da população local, mas não demora muito para que Jeff perceba que o homem é inocente.
Eles tornam-se um bons amigos, embora ambos estejam apaixonados mesma mulher, Holly (Mara Corday). Jeff vai conseguir prender os verdadeiros culpados, mas não antes do último tentar comprometê-lo
16/06/21
Muita gente já viu, sem querer ou saber, pelo menos uma cena de O Jardim de Allah (1936). Ela é reproduzida logo no início do clipe da música Time After Time, da Cyndi Lauper, e ouvimos tanto trechos do diálogo entre Marlene Dietrich e Charles Boyer, como vemos um breve adeus entre eles na tela… Lembrado por esta referência pop, pelo magnetismo estonteante de Marlene Dietrich e por ter sido o primeiro filme de impacto comercial a mostrar a beleza do Technicolor sob o processo de captura de cores por três negativos, O Jardim de Allah é um romance dramático esteticamente muito belo e amplamente odiado.
Baseado no livro de Robert Hichens, o longa nos conta a história de um monge trapista (Charles Boyer) que quebra seus votos e foge do mosteiro. Em sua peregrinação atormentada, encontra-se com Domini Enfilden (Dietrich), uma herdeira em viagem espiritual pelo norte da África, na borda do Saara, em busca de alguma coisa que lhe trouxesse felicidade. O roteiro narra as histórias pessoais da dupla em blocos separados, unindo-os ainda na reta inicial do filme, deixando claro que a jornada dos dois personagens será percorrida em conjunto.
Marlene Dietrich
Uma das coisas que mais incomodam nesta adaptação de Lipscomb e Riggs para o livro de Robert Hichens é a falta de cuidado ao relacionar todos os elementos cristãos presentes na vida dos protagonistas e o drama amoroso deles ou mesmo a busca existencial a que ambos se entregam, fora desse cenário. Ao longo da fita, a história de amor e a busca secular da dupla contrastam de maneira pouco coesa com a fé que possuem. De alguma forma isso é remediado com o interessante conflito do monge com Deus — ele visivelmente está com medo, daí a rejeição de qualquer símbolo ou lugar religioso –, mas isso é apenas um ponto no filme, não o bastante para unir as pontas entre os “interesses em conflito” ao longo da trama.
Por se tratar de um filme curto, os problemas acabam nos chateando menos. E mesmo que o texto não consiga estabelecer uma ligação bem fechada entre a vida e crença do casal, o espaço geográfico onde estão e os personagens com quem se relacionam são cativantes, o que ajuda o espectador a ceder um pouco mais e se deixar conquistar pelas partes positivas do filme, que, no âmbito estético, são impressionantes.
A trilha sonora de Max Steiner é a primeira coisa que nos chama a atenção, antes mesmo da fotografia nos deixar vidrados na tela. Steiner ganhara o Oscar no ano anterior por O Delator, de John Ford, e seria novamente nomeado ao prêmio por O Jardim de Allah, cuja trilha incorpora elementos da música árabe, de forma bastante natural, à música clássica europeia. Existem momentos de grande lirismo, especialmente nos quadros com Marlene Dietrich. O que incomoda aqui é o uso quase onipresente da orquestra pelo diretor Richard Boleslawski, que não soube respeitar os momentos de silêncio necessários aos filme. Por melhor que seja a trilha sonora, o silêncio deve ser observado ao menos em pontos estratégicos e aqui, os raros momentos em que isso acontece pouco indicam nuances dramáticas e ainda sofrem a questionável mixagem de som. A despeito de tudo isso, ainda é possível eleger a trilha como um dos elementos técnicos de destaque da obra.
Mas o grande atrativo em O Jardim de Allah é, sem dúvida, a fotografia da dupla W. Howard Greene e Harold Rosson, que receberam um Oscar Honorário pelo excelente trabalho que fizeram com o Technicolor neste filme. Tudo bem que as cores não são tão precisas quanto as de As Aventuras de Robin Hood (1938); ou intensas como as de O Mágico de Oz (1939); ou dramaticamente estonteantes como as de … E O Vento Levou (1939) — todos da mesma geração desse processo vitorioso de captura de cor pelo Technicolor — mas de fato impressionam o público pelo cuidado dos fotógrafos em escolher os ângulos certos para incidência de luz externa, objetos/cenários de cores contrastantes que a câmera pudesse enquadrar ao mesmo tempo e, claro, o extremo cuidado em capturar tanto momentos delicados, como a primeira vez em que vemos o rosto de Marlene Dietrich na tela (e esse foi o primeiro filme em Technicolor da atriz) quanto as grandes panorâmicas pelas dunas do deserto, especialmente nos planos noturnos.
É difícil gostar do tom melodramático e anticlimático posto no final do filme, com a entrega do casal às suas convicções religiosas, mesmo ardentes de desejo um pelo outro. De uma certa forma, o filme mostra como as questões religiosas tem um enorme peso sobre as pessoas, mas essa possível crítica não é do filme, é uma interpretação do espectador. O diretor e o roteirista guiaram o desfecho para nos parecer um sacrifício belo em prol de dois grandes amores: o secular e o divino. É patético, claro, mas tem sua dose de emoção e não é completamente descartável. Todavia, não é o tipo de desfecho — como também não foi o tipo de desenvolvimento — ideal para um projeto como esse.
17/06/21
Depois de ter dirigido O Reino de Deus, Francis Lee desenvolve novamente uma narrativa com protagonistas LGBTQ+, dessa vez um romance de época sobre um dos nomes mais importantes da comunidade científica britânica, a paleontóloga Mary Anning, que passou grande parte de sua vida explorando fósseis. E por mais importante que seu trabalho tenha sido ou a quantidade de pesquisadores da área que ajudou, ela nunca teve uma estabilidade financeira, então aproveitou sua oficina de trabalho como loja, onde vendia fósseis da região.
Em Ammonite, Mary Anning (Kate Winslet) recebe a visita de um oficial acompanhado de sua esposa, Charlotte (Saoirse Ronan), que não parece muito feliz. Ele se diz um grande admirador da ciência, então propõe que sua esposa passe algumas semanas com a paleontóloga, para que ela aprenda mais sobre o assunto. Mesmo relutante, Anning vê que não pode se dar ao luxo de recusar a oferta, então acomoda a jovem infeliz. Por mais que a despreze no começo, logo passam a desenvolver um relacionamento cada vez mais íntimo.
Não há registros dos relacionamentos amorosos e vida sexual da cientista, mas Francis Lee toma algumas liberdades e se aproveita da relação de Anning e Charlotte Murchison (uma amiga que realmente morou e trabalhou com Anning) para desenvolver um debate sobre dilemas que vão além do já esperado conflito interno de identidade, com uma atenção maior para temas como a solidão e o orgulho. Por ser um filme ancorado em uma relação delicada, Saoirse Ronan e Kate Winslet são boas escolhas para interpretar o casal recluso, mas ainda que as duas sejam ótimas atrizes, há uma sensação de distanciamento causada pela falta de diálogos ou representações visuais para fortalecer o drama das duas, o que nos deixa com atrizes que poderiam fazer algo incrível, mas não parecem ter um material bom o suficiente para interpretar. (...)
18/06/21
Em 1941, Mamie Stover, uma prostituta de San Francisco, é perseguida por vários policiais. Em um cargueiro para Honolulu, ela conhece Jim Blair, um escritor de sucesso que pensa em Mamie como sendo uma Cinderela. Lisonjeada, ela não gosta de ser associada à sua ocupação anterior e se apaixona. Um romance a bordo é interrompido quando Mamie percebe Jim sendo recebido em terra por sua namorada, Annalee Johnson.
Quando se separam, Jim empresta-lhe cem dólares para ajudá-la a construir uma carreira. Ela visita uma velha amiga, Jackie Davis, que a apresenta à Bertha Parchman, a mesquinha proprietária de uma clube noturno. Ainda mais frio, é o cruel e sádico gerente de Bertha, Harry Adkins, que é contra profissionais qualificados trabalhando no clube. Mamie se candidata ao cargo, embora as regras que restringem o trabalho de prostitutas em Honolulu não lhe permitam ter um namorado, visitar Waikiki Beach, ou abrir uma conta bancária.
Mamie ganha dinheiro suficiente para pagar sua dívida para com Jim. Este descobre que ela se tornou a principal atração do clube, tendo adquirido o apelido de "Flaming Mamie". Ela se mostra decepcionada com a desaprovação de Jim e rejeita uma oferta para voltar ao continente. No entanto, ela o convence a reacenderem sua relação, o que provoca uma tensão no relacionamento dele com Annalee, que sente ciúmes pela atenção que Jim está dando à Mamie. Nesse meio tempo, ela o convence a passar, em seu nome, um cheque para seu pai.
Ela compra um pedaço de terra e o aluga. Ao ocorrer o bombardeio de Pearl Harbor, Jim se alista na infantaria. Ele convence Mamie a se casar com ele após a Segunda Guerra Mundial e a deixar o clube noturno. Retornando ao clube para anunciar sua renúncia, Mamie descobre que Harry foi demitido. Bertha, temendo a perda da maior atração do clube, promete fazer de Mamie uma estrela e lhe oferece a metade dos lucros, bem como a possibilidade dela enganar Jim.
A ideia não funciona, pois alguém envia a Jim um pôster promocional de Mamie, posando para um show do clube. Antes que possa responder, ele é atingido e ferido por uma bomba. Ao se restabelecer do ferimento, ele retorna ao Havaí para enfrentar Mamie. Depois de uma discussão, Jim conclui que suas vidas são muito diferentes. Com o coração partido, Mamie deixa o Havaí. Em San Francisco, ela diz a um policial que perdeu uma fortuna e está retornando à sua cidade natal no Mississippi.
18/06/21
Lisboa, (Lisbon), 1956, Ray Milland
Em Lisboa, o inspetor João Casimiro Fonseca, da polícia, acha-se interessado em dois homens: o rico e notório criminoso, Aristides Mavros, e um suspeito traficante americano, com um barco rápido, chamado Capitão Robert John Evans.
Um bom número de mulheres bonitas trabalha para Mavros, inclusive uma secretária de nome Maria Maddalena Masanet, que o procurou para obter ajuda quando perdeu seu antigo emprego e ficou sem nada. Um ciumento e ameaçador empregado de Mavros, Serafim, encontra-se perdidamente apaixonado por Maria, mas ela não corresponde à sua paixão.
Sylvia Merrill, casada com um milionário muito mais velho que ela, mostra-se cansada de tanto esperar que funcionários do governo consigam resgatar seu marido Lloyd, prisioneiro que se acha por trás da Cortina de Ferro. Desesperada, ela oferece uma enorme soma em dinheiro a Mavros na esperança de que este consiga trazer de volta seu marido. O criminoso supõe, corretamente, que o desespero de Sylvia é devido ao fato de que, se seu marido morrer sem deixar um testamento, ela levará no mínimo sete anos para por as mãos na herança milionária.
O capitão Evans é, então, contratado por Mavros para tentar resgatar Lloyd Merrill. O americano, ao conhecer a bela Maria Maddalena, de vinte e poucos anos, sente-se atraído pela jovem, despertando a fúria de Serafim. Na noite em que Lloyd vai ser resgatado, Mavros ordena a Serafim para acompanhar Evans e assassinar o milionário. Ele também dá permissão ao seu empregado para providenciar um acidente fatal contra o capitão. Ao ouvir a conversa, Maria Maddalena tenta prevenir Evans, mas este se recusa a modificar seus planos, apesar dela confessar seu amor por ele.
Preocupada com a segurança do capitão, Maria procura o inspetor Fonseca, a quem conta o que ouvira. Este lhe diz que, infelizmente, não pode agir por desconhecer o local onde o barco se encontra. Por sugestão dela, os dois vão à mansão de Mavros, onde o experiente traficante se nega a dar qualquer informação sobre o assunto. Assim, quando Lloyd chega ao barco, Serafim tenta envenená-lo com uma bebida, mas o milionário a recusa. Ele tenta, então, sufocá-lo com uma almofada, mas Evans o pega em flagrante. Os dois se enfrentam e, após Serafim atirar sem sucesso em Evans, este o ataca com um maçarico e o criminoso cai para a morte no mar.
Mais tarde, quando Evans leva Lloyd até sua mansão, Sylvia se mostra desapontada, já que ela o havia traído com Mavros e seu desejo, a essa altura, era o de continuar ao lado do traficante. Pouco depois, Fonseca, trazendo um homem que acabara de prender, pede-lhe que identifique Evans como o contrabandista que ele tanto procura. No entanto, o marginal aponta para Mavros como sendo aquele que o inspetor deseja prender. Ao ser preso, o contrabandista parabeniza o capitão por ter colegas leais.
Evans, que planeja desistir do contrabando para voltar a ter uma vida convencional, pede à Maria que se junte a ele.
19/06/21
Mitch Baker é um homem educado mas de cabeça quente. Ele viaja até a cidade fronteiriça de Mission para vingar a morte de seu pai, um agente do serviço secreto assassinado por Newton, líder de uma gangue de contrabandistas.
19/06/21
A mulher e a natureza. Esta não é uma associação rara e faz parte representações mitológicas e culturais ancestrais. Aquela que gera, a mãe das águas, do conhecimento, do tempo, da luz, da memória. Natura, Gaia, Yebá Bëló, Pachamama, Oduduá… Encontrando a complexidade de um ambiente repleto de vida, criada, mantida, usurpada e desrespeitada, a relação ultrapassa a cosmogonia e se encontra também em lendas, contos e criações das mais diversas, como em Selva Trágica, filme de Yulene Olaizola, que encontra na selva maia do início do século 20 o lugar perfeito para representar o machismo e a devastação do meio ambiente.
Na fronteira entre México e Belize, duas narrativas aparentemente incomunicáveis se encontram: a extração de borracha e a opressão dos colonizadores, e uma noiva que foge de um casamento forçado. Olaizola as enlaça usando a chave do fantástico. Ela toma como base a lenda iucateca de Xtabay, sexista de origem, diga-se de passagem. São muitas as variações do mito, mas a mais conhecida diz que Xtabay, em vida, tinha um coração mesquinho e julgava-se superior por ter mantido-se pura. Depois de sua morte, passou a vagar pela cidade com sua beleza estonteante, seus cabelos negros compridos e vestido branco. Ela atraia os homens bêbados ou infiéis para o meio da floresta e os devorava. Nunca mais eles eram encontrados.
A diretora subverte as determinações da lenda. Mantém definições, mas altera motivações, faz com que as interações entre os dois mundos que espera que coabitem em um mesmo tecido lógico sejam claras e possam valer as relações que vai criar a partir de novos entendimentos. As releituras a partir de vivências alteradas pela atualização da sociedade é sempre algo que merece atenção. É importante que se lembre que lendas, contos e mitos têm uma forte conotação de indicação moral, servem como um meio de controle e direcionamento social. Muitas vezes, elementos míticos usados como ameaça reforçam padrões. Xtabay é uma figura que, na oralidade contemporânea, serve para reafirmar os valores tradicionais da família, por exemplo, e reafirmam a figura da femme fatale, a mulher como um perigo constante.
Em sua associação da mulher com a natureza, Selva Trágica foca naquilo que é forçado, não consentido, na falta de cuidado e de limite. Aquela figura — representada por uma noiva e uma selva — tem que sobreviver a um mundo de homens, que não fazem questão de entender necessidades ou se comunicar. Eles tomam aquilo que querem e não veem problema algum nisso. Neste ponto, o roteiro da diretora e Rubén Imaz, encontra um outro lugar para a depositar a mesquinharia e pode falar de colonização, subjugação e a opressão em uma terra que, como tantas outras na América, sofreu dizimação e era disputada por outros países para alguma atividade extrativista.
Por outro lado, se parte da identidade vai se transferindo, outra vai se modificando. Do outro lado está a força que resiste: a floresta que se agiganta em seus perigos selvagens ou a mulher que consegue romper com a estrutura social e fugir. Selva Trágica vai criando pequenas quebras na personalidade desta mulher, seja na incomunicabilidade, na curiosidade e até em uma outra relação com o desejo. Agnes, nome que significa “pura”, ao falar de sua virgindade, chega a dizer que tem vontade de experimentar o prazer, algo que a afasta de vez da figura lendária e a aproxima definitivamente do natural. Essa reestruturação e desvinculação da lenda anterior, subverte a própria moral. Sua Xtabay tem um outro motivo.
Logo depois de sua jornada épica acompanhando Diego de Ordaz em Epitáfio, filme que dirigiu com Imaz em 2015, Olaizola se volta mais uma vez para a temática histórica e mantém as características que tornam sua obra única. Com a impressionante fotografia de Sofia Oggioni, aposta mais uma vez em um cinema que observa e, aqui, dá tempo para que a floresta fale por si. Muito da tensão de Selva Trágica é construída nessa espera e na atenção a detalhes e o encontro com o fantástico dá força ao caminho. Porém, há tropeços que complicam um pouco a jornada e que fazem com que passagens pareçam um pouco mais pesarosas do que poderiam ser. Ainda assim, a chegada vale todos os percalços.
22/06/21
Matvey: Você vai casar sem amor?
Alice: O amor não passa de instrumentos sexuais cegos que controlam nosso comportamento.
Não há como pensar na história da indústria cinematográfica sem pensar no cinema russo. Apesar do glamour hollywoodiano, os profissionais russos foram responsáveis por deixar uma forte herança para a sétima arte. E, atualmente, é uma produção russa que está fazendo grande sucesso na Netflix: Cidade de Gelo.
Ambientado no final do século XX, a história narra a vida de Matvey (Fedor Fedotov), um jovem de 18 anos que é melhor entregador da padaria Le Grand Pie, em São Petersburgo. Filho de um pobre acendedor de lâmpadas, ele recebeu de seu pai patins prateados como única herança. Após ser injustamente demitido do trabalho, Matvey se une a um grupo de batedores de carteira da cidade.
Enquanto isso, Alice (Sonya Priss), filha de um aristocrata, sonha em se tornar uma cientista, mas é aprisionada por seus pais por acreditarem que uma mulher não pode exercer tal função. Assim, os caminhos se cruzam e Matvey e Alice tentam viver um romance em meio a tantas pressões.
A direção de Cidade de Gelo é comandada por Michael Lockshin e o roteiro escrito por Roman Kantor. No elenco, há também a participação de Kirill Zaytsev, Yuriy Borisov e Cathy Belton.
Saiba mais sobre Cidade de Gelo, o novo romance russo da Netflix
Lançado em 2020 na Netflix, Cidade de Gelo traz uma história clássica de romance. Um casal separado pela desigualdade social. Um rapaz pobre que se apaixona por uma garota rica. Tramas semelhantes já foram apresentadas em filmes como Era Uma Vez (2008), Aladdin (1992) e Titanic (1997).
Segundo a crítica do portal Decider, o enredo trata de temas sociopolíticos e faz críticas à opressão contra a mulher na sociedade. “Este filme tem algo a dizer: As mulheres deveriam ter permissão para serem inteligentes e a aristocracia é má e desligada da realidade.”
Além disso, ao ter seus direitos comprados pela Netflix, o longa-metragem se tornou a primeira obra russa a ser lançada como produção original da gigante do streaming, conforme aponta o Observatório do Cinema.
23/06/21
Na versão em italiano do clássico "Três Homens em Conflito" (1966), de Sergio Leone, há um diálogo em que Tuco (Eli Wallach) diz ao personagem de Clint Eastwood: "Vado, l'ammazzo e torno" (em bom português, "Vou, mato e volto"). A frase infelizmente se perdeu na dublagem em inglês (que virou "I get dressed, I kill him and be right back"), mas sua versão em italiano é tão boa que, diz a lenda, Leone pretendia fazer um filme justamente com este título, "Vado, L'ammazzo e Torno". Só que um jovem diretor chamado Enzo G. Castellari saiu na frente e, já no ano seguinte (1967), lançou seu próprio VOU, MATO E VOLTO!
Castellari não apropriou-se do título de Leone por acaso: seu western é uma homenagem declarada e também uma tiração de sarro com "Três Homens em Conflito": enquanto o clássico de Sergio Leone contava a história de três pistoleiros que se ajudavam e se enganavam mutuamente na caçada a um tesouro enterrado num cemitério, em VOU, MATO E VOLTO outros três pistoleiros igualmente se ajudam e se enganam o tempo inteiro na caçada a um tesouro escondido num velho convento, e com várias referências a Sergio Leone!
Confesso ao leitor que não gostei muito do filme quando vi pela primeira vez. Talvez porque, devido ao título sensacional, eu esperasse por algo mais sério e violento - afinal, é um filme de Enzo Castellari, o "Sam Peckinpah italiano"! Pode ser que eu esperasse a marca registrada do velho Enzo - a câmera lenta nas cenas de ação -, esquecendo que, àquela altura, o homem ainda estava começando e definindo um "estilo".
Poranto, o resultado ficou longe do que eu esperava: VOU, MATO E VOLTO segue uma linha mais cômica e absurda, sem se levar muito a sério, embora nada tão exagerado quanto nos filmes da dupla Terence Hill e Bud Spencer. Foi só recentemente que eu o revi como o que ele realmente é (uma sátira de "Três Homens em Conflito"), e passei a gostar da brincadeira.
O filme já começa com uma introdução antológica que dá o tom da inteligente tiração de sarro de Castellari, quando vemos três pistoleiros mal-encarados entrando numa cidadezinha. Até aí, nada de novo: quantos westerns spaghetti começam do mesmíssimo jeito? A diferença é que o trio de mal-encarados é formado por sósias do "Homem Sem Nome" interpretado por Clint Eastwood na Trilogia do Dólar (inclusive vestido com o mesmo poncho), do Coronel Mortimer interpretado por Lee Van Cleef em "Por uns Dólares a Mais" e do Django interpretado por Franco Nero!
Logo, o trio de ilustres valentões do western spaghetti cruza com uma carroça levando três caixões. Eles abordam seu condutor e perguntam quem são os mortos. Um homem que acompanha o cortejo fúnebre fala três nomes, e os pistoleiros se apavoram: "Mas somos nós!". Antes que possam se recuperar do susto, são impiedosamente abatidos por tiros certeiros do homem misterioso, que na verdade é um caçador de recompensas conhecido como The Stranger, (ou "Forasteiro", nas legendas brasileiras)!
Ou seja, VOU, MATO E VOLTO já começa mostrando que seu personagem principal é tão fodão que, numa tacada só, despacha "Clint Eastwood", "Lee Van Cleef" e "Franco Nero"! O Forasteiro é um dos primeiros grandes papeis de George Hilton, um uruguaio de Montevideo que foi para a Europa para ser astro de cinema. Antes, Hilton foi "007" numa comédia chamada "Dois Mafiosos contra Goldfinger" (!!!) e parceiro de Franco Nero no excelente "Tempo de Massacre", dirigido por Lucio Fulci. Depois, ele interpretaria Sartana (em imitações sem relação com a franquia oficial), Allelujah e Tressette (outros pistoleiros menos conhecidos que tiveram direito a duas aventuras cada).
O Forasteiro revela ao condutor da carruagem - e ao espectador - que sua próxima missão é sair atrás do bandidão mexicano Monetero (GIlbert Roland), cuja cabeça vale uma fortuna. Na versão original em italiano, o caçador de recompensas até usava a clássica sentença de "Três Homens em Conflito" que dá título ao filme, "Vado, l'ammazzo e torno", e que também foi arruinada aqui na dublagem em inglês, transformando-se numa outra frase de efeito qualquer ("Pode apostar seu último centavo que vou pegá-lo"). O que leva alguém a estragar pela segunda vez uma sentença tão clássica? Bem, talvez porque, nos Estados Unidos, VOU, MATO E VOLTO foi rebatizado com um título genérico, "Any Gun Can Play".
A nova empreitada do caçador de recompensas não será tão simples quanto o trio de valentões da introdução: Monetero e sua quadrilha estão se preparando para roubar um trem escoltado por soldados fortemente armados, e que transporta a fortuna de 300 mil dólares em moedas de ouro. Além dos soldados, segue com o comboio o próprio Forasteiro e um banqueiro chamado Clayton, preocupadíssimo com a possibilidade de a grana ser roubada durante a viagem.
O almofadinha é interpretado pelo norte-americano Edd Byrnes, que foi um grande astro da TV norte-americana entre 1958 e 1964 graças à sua atuação como coadjuvante "77 Sunset Strip", chegando a receber 15 mil cartas de fãs por semana! Mas a série acabou, Byrnes caiu no ostracismo e foi para a Europa estrelar westerns, como este.
O aguardado assalto finalmente acontece: os homens de Monetero atacam o trem, matam vários soldados e fogem com o vagão contendo a fortuna. Mas um dos capangas do vilão, Pajondo (Ignazio Spalla, de "O Dólar Furado"), foge com a fortuna. Ele a esconde em local ignorado e tenta cruzar a fronteira do México, mas é morto pelo exército durante a fuga. Monetero consegue recuperar um medalhão usado pelo traidor, a única pista para a localização do tesouro, mas acaba sendo preso.
Na cadeia, o banqueiro Clayton pressiona o comandante para que faça Monetero abrir o bico, sem saber que o bandidão também desconhece o local onde a fortuna foi desconhecida, tendo o medalhão de Pajondo como "mapa" que não consegue decifrar. Logo, Monetero recebe em sua cela a visita do Forasteiro, vestido como padre. O caçador de recompensas concorda em ajudar o bandido a escapar para ajudá-lo na caça ao tesouro. Ganha metade do medalhão como garantia e põe em prática um ousado plano de fuga.
Mas é a partir da fuga de Monetero da cadeia que as coisas começam a se complicar. O bandido trai o Forasteiro, rouba de volta a segunda metade do medalhão e parte sozinho em busca do tesouro. Já o almofadinha Clayton revela ter papel fundamental na trama e também sai na caça à fortuna. Lá pelas tantas, também aparece um novo interessado no tesouro, um agente de seguros que está tentando rastrear a bolada para não ter que pagar a indenização ao banco de onde os 300 mil foram roubados!
Sabe aqueles filmes onde nada é o que parece ser? Pois VOU, MATO E VOLTO segue nessa linha: exagerando ainda mais o que já acontecia em "Três Homens em Conflito", a relação entre os três personagens principais nunca é totalmente explicada ao espectador e só fica clara no final, depois que um já traiu o outro pelo menos dez vezes. E é tanta traição e mudança de lado que no final, ao ser abandonado pela amante (que também se revela uma traidora), um dos protagonistas diz, com a maior calma do mundo: "Que diferença faz? Ninguém mais está sendo sincero mesmo!"
O roteiro do filme foi assinado por três pessoas: Castellari, seu colaborador habitual Tito Carpi e Giovanni Simonelli, baseados numa história original de Romolo Guerrieri e Sauro Scavolini. Talvez tanta gente envolvida tenha contribuído para a bagunça que é o roteiro, com o trio de personagens centrais mudando de lado o tempo todo motivados pela cobiça, lembrando vagamente outro clássico: "O Tesouro de Sierra Madre", de John Huston.
Em um momento, o Forasteiro ajuda Monetero ao invés de matá-lo e embolsar a recompensa, mas acaba sendo traído por ele; depois, Clayton ajuda o Forasteiro, mas apenas para depois revelar estar do lado do bandidão Monetero desde o começo; finalmente, os arquiinimigos Monetero e Forasteiro se unem contra Clayton, mas a escalada de traições está longe de terminar. É tanto "muda para um lado / muda para outro" que lá pelas tentas o espectador até desiste de tentar entender as motivações dos personagens.
Mas isso me incomodou muito mais na primeira vez que vi VOU, MATO E VOLTO do que na revisão. Conhecendo a proposta e a dinâmica do filme, fica muito mais fácil encará-lo como o divertido passatempo que é do que numa primeira assistida, quando o excesso de voltas e reviravoltas chega a irritar o espectador.
O filme começa violento, com dezenas de mortes no ataque ao trem; mas o segundo ato é mais leve e puxado para a comédia-pastelão, com piadinhas inocentes (tipo a cena em que Forasteiro usa apenas sua roupa de baixo vermelha, lembrando o uniforme do Super Pateta nos quadrinhos!) e pancadarias exageradas ao estilo Terence Hill e Bud Spencer, com heróis e vilões destruindo cenários inteiros durante a troca de pancadas (a briga numa casa de banho é especialmente inspirada nesse quesito, já que os protagonistas destróem o lugar enquanto brigam).
Finalmente, no último ato, parece que as coisas voltarão a ser tão violentas quanto no começo. O desfecho da caçada ao tesouro envolve um momento, dentro de uma igreja abandonada, que remete à conclusão de "Três Homens em Conflito": um tiroteio triplo envolvendo o Forasteiro, Monetero e Clayton, mas com um desfecho bem diferente, comprovando que Castellari e cia. só queriam brincar com o clássico de Leone, e não recriá-lo.
No conjunto, VOU, MATO E VOLTO é diferente do que o diretor Castellari faria depois. Ainda não aparecem suas marcas registradas nos trabalhos posteriores - a câmera lenta e a violência explícita e exagerada -, mas o próprio Sam Peckinpah, que inspirou o estilo do diretor italiano, ainda estava refinando a sua técnica nessa época.
Mas já dá para perceber umas belas sacadas que comprovam o talento de Castellari ainda em seus primeiros filmes (ele tinha 29 anos quando fez VOU, MATO E VOLTO). Por exemplo, é interessante como o diretor usa, em diveras cenas, o recurso do revólver em primeiro plano apontando para outros personagens, como se a visão da câmera fosse a do próprio espectador (lembrando até aqueles jogos em primeira pessoa que se tornariam populares a partir da década de 1990, como "Doom" e "Quake").
Outro momento visualmente inspirado é aquele em que Clayton, durante o jantar, percebe a aproximação de inimigos armados e derrama a taça de vinho sobre a mesa, para poder enxergar o reflexo dos seus agressores na poça da bebida! E o Forasteiro... que personagem bem bolado! Chega a ser um desperdício que não tenha sido aproveitado em outras aventuras. O caçador de recompensas implacável, mas também fanfarrão e piadista, que se disfarça de coveiro e de padre para enganar os rivais e leva sempre consigo uma verdadeira galeria de cartazes de recompensa com seus "alvos", é a melhor coisa de VOU, MATO E VOLTO.
A exemplo do personagem de Clint Eastwood na "Trilogia do Dólar", o Forasteiro de George Hilton não tem nada de heróico: é um amoral que só pensa no próprio nariz e no dinheiro que vai ganhar. Na cena do assalto ao trem, por exemplo, ele tem a chance de matar Monetero, mas desiste e prefere esperar que aumentem a recompensa pela cabeça do vilão graças ao assalto!
Em outro momento, o Forasteiro passa tranquilamente pelo cadáver de um bandido traído pelo seu comparsa, dá uma conferida no cartaz de recompensa pela cabeça do dito cujo e chega à conclusão de que o dinheiro recebido não vale o esforço de carregar o corpo do finado até o xerife!
Não dá para deixar de citar a música, composta pelo mestre Francesco De Masi (que só pisa na bola com o "tema humorístico" que criou para as cenas de pancadaria), e a presença da bela ruiva Stefania Careddu, aqui usando o nome artístico "Kareen O'Hara", e que é um raro colírio para os olhos numa trama predominantemente masculina.
Infelizmente, embora a moça tenha sido apresentada com destaque no trailer do filme, talvez com a intenção de transformá-la numa nova estrela do gênero, a italianinha nunca alçoou maiores voos, voltando no western seguinte de Castellari, "Deus Criou o Homem e o Homem Criou o Colt" (1968), e então mergulhando direto para o esquecimento.
Claro, VOU, MATO E VOLTO não deve ser levado muito a sério, e está mais para uma história em quadrinhos do que para uma trama realista. Além das múltiplas traições difíceis de engolir, também tem o inexplicável detalhe do tal medalhão que leva ao tesouro: por que diabos o bandido que escondeu o ouro carrega aquele medalhão consigo como pista para a sua localização, se foi ELE MESMO quem escondeu o dinheiro e sabe muito bem onde está? Será que ele tinha medo de esquecer onde escondeu uma fortuna? Por que se arriscar a revelar a localização levando o medalhão como mapa? Óbvio que se não existisse o medalhão não existiria mapa e nem caça ao tesouro, e o filme terminaria no momento em que o bandido que escondeu o ouro fosse morto; mas os roteiristas poderiam ter pensado numa explicação melhor para justificar o negócio!
(O medalhão ou mapa dividido em partes que pertencem a personagens diferentes, e que precisam ser reagrupados para indicar a localização da fortuna, é um dos grandes clichês do cinema de aventura e também de muitos filmes de faroeste, o que de certa maneira explica a sua reutilização aqui.)
Mas não se engane: ainda que o filme seja bem divertido e funcione, a melhor coisa ainda é o título VOU, MATO E VOLTO, que rivaliza com aquele que eu acho o melhor título de western spaghetti de todos os tempos, "Deus os Cria... Eu os Mato!". Em seus trabalhos seguintes no gênero, Castellari tentou recriar algo tão sonoro diversas vezes ("Vou, Vejo e Disparo", "Mate Todos Eles e Volte Só"), mas sem sucesso.
Com os sucessivos lançamento e relançamentos ao redor do mundo, a obra ganhou diferentes títulos, mas nenhum tão bom quanto o original. Na Alemanha, por exemplo, foi lançado como se fosse uma aventura da série "Django" - e o personagem de Hilton, ao invés de se chamar Forasteiro, acabou sendo rebatizado como Django! Outros títulos alternativos são "Blood River", "Glory, Glory Hallelujah" e "For a Few Bullets More".
No Brasil, o filme foi originalmente lançado como VOU, MATO E VOLTO em vídeo pela extinta Century (boa!), mas depois relançado em DVD por diversas distribuidoras, inclusive pela famigerada London/Works com um título genérico, "Terra Sem Lei".
Engraçado é que nenhum dos DVDs nacionais ou estrangeiros têm a versão completa do filme, com 105 minutos, trazendo apenas a versão internacional de 98 minutos. Parece que a versão completa passou apenas na TV alemã. Estes sete minutos a mais explicam melhor a história e o relacionamento entre os personagens.
Ah, os brasileiros também puderam conferir a obra de Castellari numa outra mídia: a fotonovela! Acontece que, nos anos 70, a Rio Gráfica Editora resolveu explorar o fascínio do público brasileiro pelo western spaghetti com a revista "Ringo", que publicava versões em fotonovela de filmes como "…E per Tetto un Cielo di Stelle" e "Um Trem para Durango".
A "fotonovelização" de VOU, MATO E VOLTO saiu no número 8 da revista, em 1971, rebatizando o Forasteiro como "Greenfield" e com um quadro de texto moralista no último quadrinho, explicando o que, segundo o cara que fez a adaptação, teria acontecido aos personagens: "Nenhum deles aproveitou o ouro, que o banco recuperou, algum tempo depois, quase inteiramente. Clayton e Monetero foram fuzilados pelos soldados, e Greenfield sucumbiu pouco depois, vítima de um acidente de trabalho, quando caçava um fora-da-lei"!!! Todos os exemplares da "Ringo" hoje são autênticas raridades.
PS: Uma das lendas não-confirmadas sobre o filme é que o papel tão bem interpretado por George Hilton teria sido inicialmente oferecido a um certo ator norte-americano chamado... Charles Bronson! Mas o lendário astro teria recusado a proposta, como já havia feito ao ser convidado por Sergio Leone para estrelar "Por Um Punhado de Dólares". No ano seguinte (1968), Bronson estrelaria a obra-prima "Era Uma Vez no Oeste".
Vado... L'ammazzo e Torno / Any Gun Can Play (1967, Itália)
Direção: Enzo G. Castellari
Elenco: George Hilton, Edd Byrnes, Gilbert Roland,
Stefania Careddu, Gérard Herter, Ignazio Spalla,
Ivano Staccioli, Salvatore Borghese e Rocco Lerro.
25/06/21
Series Writing Credits
Jihan Crowther ... (staff writer) (10 episodes, 2021)
Jihan Crowther ... (written by) (10 episodes, 2021)
Colson Whitehead ... (book) (10 episodes, 2021)
Barry Jenkins ... (teleplay) (4 episodes, 2021)
Jacqueline Hoyt ... (teleplay) (3 episodes, 2021)
Nathan Parker ... (teleplay) (3 episodes, 2021)
Allison Davis ... (teleplay) (1 episode, 2021)
Adrienne Rush ... (Writer) (1 episode, 2021)
Com dez episódios, ‘The Underground Railroad’ traz imagens realistas
Dor relembra o trauma da escravidão. Diretor fez questão de ter um terapeuta no set para apoiar elenco
Barry Jenkins queria muito dirigir a adaptação de The Underground Railroad - Os Caminhos para a Liberdade, de Colson Whitehead, vencedor do Pulitzer de 2017 e lançado no Brasil pela HarperCollins. Mas tinha medo. A minissérie sobre Cora, uma mulher escravizada no sul dos Estados Unidos que foge para o norte, o assombrava, até porque amigos e familiares disseram que ele não deveria fazer The Underground Railroad, cujos dez episódios estreiam hoje, 14, no Amazon Prime Video.
Mesmo assim, foi difícil contar essa história. Tanto que Barry Jenkins fez questão de ter uma terapeuta no set e deixou claro que se os atores, os figurantes ou a equipe precisassem parar em algum momento, era só dizer. Ele mesmo precisou. Porque a simples ideia daquelas imagens era forte demais. Pisar o solo de uma fazenda onde os antepassados de muitos ali tinham lutado para sobreviver ou perecido era forte demais. “Só posso agradecer como Barry conduziu tudo. O bem-estar mental, físico e espiritual de todos estava sempre adiante de qualquer outra coisa”, contou Pierre.
Mbedu acredita que mostrar esse passado é fundamental para avançar para o futuro. “Estamos num momento em que dizem para quem tem o corpo negro: supere, aconteceu faz tanto tempo. Mas a verdade é que continua ocorrendo hoje, em 2021”, disse a atriz. Nascida e criada na África do Sul, Mbedu sabe o que são as marcas de um regime racista e cruel. “A democracia em meu país tem 27 anos, e eu faço 30 em breve. Então, a opressão ainda está muito presente. Está em mim, no meu sangue. Minha avó nunca falou com a gente sobre o apartheid. Não sabemos o que ela passou. Era interessante explorar como é esse trauma geracional.”
Pierre nasceu na Inglaterra, mas as origens de sua família estão na Jamaica, Serra Leoa e Curaçau. Ele frisa que esta é uma história especificamente da experiência afro-americana. “Mas, sendo um jovem negro que é parte da diáspora, para mim, qualquer história de trauma e devastação dentro do escopo da diáspora me afeta.” Para o ator, The Underground Railroad não mostra apenas os horrores da vida cotidiana de pessoas negras escravizadas nos EUA. “O livro e a série celebram a magnitude da força e da resiliência dessas pessoas para superar essas circunstâncias e honram esses seres humanos.” O que torna essas imagens mais do que necessárias.
CRÍTICA: A câmera chega o mais perto que pode da realidade
O medo que Barry Jenkins sentiu ao adaptar The Underground Railroad - Os Caminhos para a Liberdade para a televisão não é infundado. Nos últimos anos, o bem-vindo crescimento do número de filmes e séries sobre pessoas negras gerou muitas vezes produtos que falam quase somente do trauma, seja da escravidão ou da segregação ou da brutalidade policial.
A preocupação com isso é evidente em The Underground Railroad, desde já a minissérie obrigatória de 2021. Jenkins não tem como escapar dos horrores vividos por Cora (Thuso Mbedu), que foge da fazenda na Georgia e percorre Carolina do Sul, Carolina do Norte, Tennessee e Indiana. Ele nem quer, pois ignorar a crueldade seria um desserviço. O diretor é explícito quando precisa ser - por exemplo, em uma cena brutal no primeiro episódio. Mas o homem castigado retém sua dignidade. Indigno é quem faz aquilo para ele. A câmera chega o mais perto que pode da realidade. O foco principal, no entanto, está na reação dos homens, mulheres e crianças obrigados a assistir àquilo. E na face de Cora, que finalmente se rende aos apelos de Caesar para fugir.
A verdadeira força da minissérie é o espaço que dá para os personagens respirarem, sentirem, serem e existirem. Cora, antes de ser uma mulher ferida pelas circunstâncias de sua escravização, é uma filha abandonada pela mãe. Caesar, que lê As Viagens de Gulliver, inspiração para o próprio Whitehead, não aceita nada além da liberdade que lhe foi prometida e depois negada. Jasper (Calvin Leon Smith) canta e decide morrer em seus próprios termos.
E há os grupos de pessoas que olham diretamente para a câmera, sejam nas plantações ou nas estações de trem - os registros dos figurantes viraram o média-metragem The Gaze (O Olhar), uma peça de acompanhamento de The Underground Railroad. Nesses momentos, fica mais claro o objetivo de Jenkins com a minissérie: retomar a narrativa, o olhar, a História. Porque aquelas pessoas ali representam os milhões de negros escravizados cujas histórias nunca foram contadas, cujos nomes não foram registrados e que vivem em seus muitos descendentes. Cada episódio termina com uma música contemporânea, de Outkast, Marvin Gaye, Kendrick Lamar, Childish Gambino, como forma de dizer: apesar de tudo o que nos fizeram e nos fazem, sobrevivemos, aqui estamos e brilhamos. (Mariane Morisawa)
26/06/21
Series Directed by
Luis Pinheiro ... (3 episodes, 2021)
Dainara Toffoli ... (2 episodes, 2021)
Series Writing Credits
Alice Marcone ... (5 episodes, 2021)
Marcelo Montenegro ... (5 episodes, 2021)
Josefina Trotta ... (created by) (5 episodes, 2021)
Josefina Trotta ... (head writer) (5 episodes, 2021)
Josefina Trotta ... (created by) (5 episodes, 2021)
Manhãs de Setembro conta a história de Cassandra (Liniker), uma mulher trans que trabalha como motogirl em São Paulo e que tem na música sua maior força. Ela precisou abandonar sua cidade para realizar seu sonho de se tornar cover de Vanusa, cantora brasileira que fez sucesso na década de 70. Após anos de muito sofrimento, Cassandra vive agora um momento de estabilidade: ela consegue alugar um apartamento só seu e descobre o amor na figura de Ivaldo (Thomas Aquino). Contudo, tudo se complica quando sua ex-namorada, Leide (Karine Telles), reaparece com um menino que diz ser seu filho.
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Manhãs de Setembro', Liniker retoma sonho de atuar após 7 anos: 'É muito doido voltar'
Cantora estreia como protagonista em série que lança primeira primeira temporada nesta sexta-feira (25). 'Cantar e compor não era o que eu queria de profissão', conta ela ao G1.
Por Cesar Soto, G1, 25/06/2021
Há quase sete anos Liniker deixava a cidade onde nasceu, Araraquara (SP), para seguir uma carreira artística. Algo muito parecido à história de sua personagem em "Manhãs de setembro", sua estreia como protagonista em uma série, que vai do interior a São Paulo na busca do sonho de se tornar cantora.
Curiosamente, as semelhanças param por aí.
"Eu já fazia teatro em Araraquara, e já compunha e cantava, mas cantar e compor não era o que eu queria de profissão. Eu queria ser atriz. Queria fazer cinema, e aí no meio da minha formação eu me encontrei com a música", conta a cantora, compositora e agora mais uma vez atriz em entrevista ao G1.
Foram seis anos e dois discos com a banda Caramelows – então não é surpresa que o fã menos obcecado da artista de 25 anos desconheça esse sonho do passado.
"É muito doido poder voltar hoje, depois de quase sete anos, para isso. E com essa amplitude, esse tamanho, e de como às vezes o destino é uma coisa que a gente não pode mesmo controlar assim", afirma ela.
"Às vezes a gente acha que a nossa vida vai ser uma coisa, no meio do caminho vem uma outra rota, e aí depois você volta e você está de novo na esquina ali, que você saiu."
Mas os fãs da música de Liniker podem ficar tranquilos. O possível sucesso da série, cujos cinco episódios da primeira temporada chegam à plataforma Amazon Prime Video, não significa um adeus aos discos.
"Estou aberta para conciliar as coisas. Não vou abrir mão de uma coisa para fazer a outra. Assim como eu já não abri. Estava lá gravando a série, mas também estava gravando meu disco", diz a cantora.
"Mas, sim, eu tenho vontade de fazer outras coisas dentro do audiovisual. Não só dentro do audiovisual, mas dentro das artes. Eu desenho também também. Então cada vez mais estou me entendendo como multiartista do que só como cantora/compositora."
Família, família
Em "Manhãs de setembro", Liniker interpreta Cassandra, uma mulher que começa a encaminhar sua vida com seu primeiro lugar para morar sozinha, um namorado (Thomas Aquino) e o sonho de cantar quando descobre que tem um filho (Gustavo Coelho) com uma conhecida que não vê há anos.
Por trás da mãe do jovem garoto está Karine Teles, uma atriz que tem formado sua carreira com personagens marcantes e completamente diferentes. Desde a odiosa patroa de "Que horas ela volta?" (2015) e a forasteira maligna de "Bacurau" (2019), à mãezona batalhadora de "Benzinho" (2018).
"É uma escolha consciente minha ir pelos assuntos, pelas discussões", conta a atriz. "Acho que essa diferença entre os personagens é muito por conta das diferenças entre os projetos."
E qual a discussão por trás de "Manhãs de setembro"? Liniker resume bem.
"Família. Novos olhares e novas possibilidades de existir dentro do carinho."
Por trás das manhãs
O projeto da série começou com uma história bem parecia à que chega para o público. Mas a ideia inicial era a de uma comédia mais clássica. Foi a equipe de criadores e roteiristas que levou a produção para o lado da dramédia.
"A gente criou essa mesa mesa diversa, que tem a Josefina Trotta, que é uma mulher gay como a roteirista chefe, tem a Alice Marcone, como uma mulher trans como roteirista, tem o Marcelo Montenegro, que é um poeta bardo, e tem a Carlinha Meirelles de assistente, que é uma mãe", conta um dos diretores da série, Luis Pinheiro ("Samantha!").
"Então essa diversidade dessa mesa de experiências pessoais criou essa história."
A conexão de Alice com a protagonista foi inclusive muito além. Afinal, a roteirista da série "Todxs Nós" também sabe muito bem como é batalhar na carreira musical.
"Escolher meticulosamente as letras, onde cada música ia entrar, em qual episódio, tudo isso foi muito importante e foi muito gostoso de fazer enquanto cantora, porque escolher o próprio repertório, compor uma música, tudo isso pra mim é um jeito de seguir contando história", afirmou a cantora de queernejo.
"Aquilo que a Cassandra canta, não só sublinha o momento como uma trilha sonora, transforma a personagem."
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