quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Aprendizagens

 No fim da convivência se o estudante não é melhor que o professor, então o professor fracassou

O ditado acima, dos budistas tibetanos (com modificações), é citado por Allen Ginsberg.

Docentes convivem, no dia a dia, em proximidades com as abordagens de ensino aprendizagem. Inconscientemente (muitos) ou conscientemente (poucos) tem nestas abordagens uma referência. Faremos aqui uma revisão destas abordagens (tradicional, comportamentalista, cognitivista, humanista e sócio-cultural) entremeadas de flashes. De forma intempestiva usaremos como base o livro da Maria da Graça Nicoletti Mizukami, Ensino: as abordagens do processo, EPU, 1986. Neste livro cada abordagem é analisada a partir de sua concepção sobre: o homem, o mundo, a sociedade e a cultura, o conhecimento, a educação, a escola, o ensino-aprendizagem, a relação professor-aluno, a metodologia e a avaliação. Uma resenha - resumo do livro aqui

Abordagem tradicional: a reprodução de conteúdos

A ênfase desta abordagem é dada às situações de sala de aula, onde os alunos são instruídos e ensinados pelo professor. Subordina-se a educação à instrução, considerando a aprendizagem do aluno como um fim em si mesmo: os conteúdos e as informações têm de ser adquiridos, os modelos imitados. Para este tipo de abordagem, a existência de um modelo pedagógico é de suma importância para a criança e para sua educação. Em sua ausência, a criança permanecerá num mundo que não foi ilustrado pelas obras dos mestres e que não ultrapassará sua virtude primitiva. Acredita-se implicitamente nas virtudes formativas das disciplinas do currículo. Em termos gerais, é um ensino caracterizado por se preocupar mais com a variedade e quantidade de noções/conceitos/informações que com a formação do pensamento reflexivo. Parte-se do pressuposto de que a inteligência seja uma faculdade capaz de armazenar / acumular informação.

FLASH 1

Richard Philips Feynman (1918-1988) foi um físico estadunidense, prêmio Nobel, que se dedicou muito ao ensino da física. Teve uma mancha em sua biografia: junto com Einstein e outros trabalhou no projeto Manhattan da bomba atômica de Hiroshima. Mas foi um grande educador.

Feynman esteve no Brasil por cerca de um ano. Relata esta experiência no livro Deve ser brincadeira, Sr. Feynman! da UNB, 2000. Numa de suas palestras ele comentou sobre os livros de física existentes no Brasil.  
"Eu fiz isso. Brrrrrrrup – coloquei meu dedo (na página) e comecei a ler: Triboluminescência. Triboluminescência é a luz emitida quando os cristais são friccionados...Eu disse: E aí, você teve alguma ciência? Não! Apenas disseram o que uma palavra significa em termos de outras palavras. Não foi dito nada sobre a natureza – quais cristais produzem luz quando você os fricciona, por que eles produzem luz. Alguém viu algum estudante ir para casa e experimentar isso? Ele não pode. Mas, se em vez disso, estivesse escrito: ‘Quando você pega um torrão de açúcar e o fricciona com um par de alicates no escuro, pode-se ver um clarão azulado. Alguns outros cristais também fazem isso. Ninguém sabe o motivo. O fenômeno é chamado triboluminescência’. Aí alguém vai para casa e tenta. Nesse caso, há uma experiência da natureza. Usei aquele exemplo para mostrar a eles, mas não faria qualquer diferença onde eu pusesse meu dedo no livro; era assim em quase toda parte. Por fim, eu disse que não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de autopropagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada."

Abordagem comportamentalista: o primado do objeto

Esta abordagem se caracteriza pelo primado do objeto (empirismo). O conhecimento é uma descoberta e é nova para o indivíduo que a faz. O que foi descoberto, porém, já se encontrava presente na realidade exterior. O mentor principal desta abordagem é B. F. Skinner (1904-1990). Os comportamentalistas ou behavioristas, assim como os denominados instrumentalistas e os positivistas lógicos, consideram a experiência ou a experimentação planejada como base do conhecimento. Evidencia-se, pois sua origem empirista, ou seja, a consideração de que o conhecimento é resultado direto da experiência. Para os behavioristas a aprendizagem pode ser definida como uma mudança relativamente permanente em uma tendência comportamental e/ou na vida mental do indivíduo, resultante de uma prática forçada. Ensinar consiste assim, num arranjo e planejamento de contingência de reforço sob as quais os estudantes aprendem e é de responsabilidade do professor assegurar a aquisição do comportamento.

FLASH 2

O filme Bola de fogo (Ball of fire), 1941, dirigido por Howard Hawks e escrito por Billy Wilder conta a estória de oito professores voltados exclusivamente para a elaboração de uma enciclopédia. Beltram Potts (Gary Cooper), o mais novo, tem como função preparar a parte de literatura inglesa e pretende incluir em seu trabalho as mais variadas formas de gíria.

O filme é uma deslavada caricatura, a lá Billy Wilder, sobre a forma "erudita", livresca, de tratar o conhecimento. Numa parte do filme um Garbage Man (lixeiro) entra no local de trabalho dos professores pedindo ajuda, pois ele queria participar de um concurso com prêmios numa rádio. A pergunta era sobre a morte de Cleópatra. De pronto veio a resposta: Cleópatra, rainha do Egito, filha de Ptolomeu XIII, nascida em 69 a.C. se matou em 29 de agosto de 30 a.C. pondo uma áspide no busto. Obviamente tiveram que explicar ao Garbage Man que áspide é uma pequena cobra, pois ele não entendia o "inglês culto" dos professores.

Esta conversa deixou Potts encabulado. Entendeu muito pouco do que o lixeiro falava. A partir daí tomou uma decisão.

- Pesquisar. Pesquisar o quê? Responderam os colegas.
- Não ouviram o lixeiro? Não entendi nada do que disse. Terminei meu artigo sobre gírias. 23 páginas tiradas de 12 livros de referência. 800 exemplos. E daí? São 800 exemplos que posso jogar no lixo. Está obsoleto. Consultei livros de 20 anos.
- Vivendo aqui isolado, perdi contato com o mundo. Isso é imperdoável. Ele falou na língua viva. Eu embalsamei expressões mortas. Aonde vou? Coletar dados novos. Buscá-los nas fontes da gíria, nas principais fontes. Nas ruas, nos bairros pobres.
Lamento ter perdido tempo... mas preciso fazer isso.
De um colega de Potts: Estou escrevendo sobre Saturno. Eu insisto em ir até Saturno?

Abordagem Cognitivista: o pensamento procede da ação

Um dos mentores desta abordagem é Jean W. F. Piaget (1896-1980). O termo cognitivista se refere a psicólogos que investigam os denominados processos centrais do indivíduo, dificilmente observáveis, tais como: organização do conhecimento, processamento de informações, estilos de pensamento ou estilos cognitivos, comportamentos relativos à tomada de decisões etc.
A abordagem cognitivista implica, dentre outros assuntos, estudar cientificamente a aprendizagem como sendo mais que um produto do ambiente, das pessoas ou de fatores que são externos ao aluno. Consideram-se aqui formas pelas quais as pessoas lidam com os estímulos ambientais, organizam dados, sentem e resolvem problemas, adquirem conceitos e empregam símbolos verbais. Embora se note a preocupação com relações sociais, a ênfase dada é na capacidade do aluno de integrar informações e processá-las. Este tipo de abordagem é predominantemente interacionista.
Inteligência consiste em uma forma de coordenação da ação (motora, verbal, ou mental) a uma situação nova com o objetivo: a) de auto-organizar-se para enfrentar a situação e b) de encontrar um comportamento (invenção, descoberta) que mantenha o equilíbrio entre o organismo e o meio.

Piaget contrapõe-se ao empirismo, que nega a ação do sujeito, e ao inatismo, que
enfatiza o conhecimento prévio, e constrói uma teoria que nem o sujeito nem o meio
têm a primazia no processo de construção do conhecimento. A fonte do conhecimento
está na interação entre o sujeito e o meio. "... na vida social, como na vida individual, o pensamento procede da ação e uma sociedade é essencialmente um sistema de atividades, cujas interações elementares consistem, no sentido próprio, em ações se modificando umas às outras, segundo certas leis de organização ou equilíbrio: ações técnicas de fabricação e de utilização, ações econômicas de produção e de repartição, ações morais e jurídicas de colaboração ou de coação e opressão, ações intelectuais de comunicação, de pesquisa em comum, ou de crítica mútua, brevemente de construção coletiva e de correspondência das operações. É da análise dessas interações no comportamento mesmo que procede então a explicação das representações coletivas, ou interações modificando a consciência dos indivíduos" (PIAGET, J. Psicologia e pedagogia, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972)

FLASH 3

A metodologia de projetos na aprendizagem tem sua base nas idéias formuladas por John Dewey, no início do século XX. No Brasil os interlocutores destas idéias estão no movimento do escolanovismo, da década de 1930, que tinha em Anísio Teixeira um dos seus entusiastas. A quem interessar sugerimos o livro Introdução ao estudo da Escola Nova, Lourenço Filho, EdUERJ, 14ª edição, 2002.

Corresponde a uma abordagem centrada na motivação, no interesse, na cooperação e na autonomia. A intervenção dos professores é de ajuda na metodologia científica e na explicitação dos conceitos centrais do tema. Não há docência sem discência (Paulo Freire). Para exemplificar esta proposta de metodologia relatamos aqui a concepção de um projeto realizado por um grupo de alunos que cursaram, em 2004, Eletromagnetismo, do terceiro período do curso de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Espírito Santo. No início do semestre letivo após o relato, para a turma, sobre a metodologia, foi solicitada a formação dos grupos e a definição do tema, do problema ou do projeto. Um grupo propôs um estudo sobre guitarra elétrica. E já delimitaram a proposta: o objeto de estudo seria o captador da guitarra. O captador eletromagnético de uma guitarra é um dispositivo chave do instrumento. Perguntados sobre o porquê da escolha do tema, disseram: - Tocamos guitarra. Gostaríamos de conhecer melhor o instrumento.

Abordagem sócio-cultural: a práxis libertadora

A obra de Paulo Freire (1921-1977) é a referência deste tipo de abordagem. O homem é um ser que possui raízes espaço-temporais: é um ser situado no e com o mundo. É um ser da práxis, compreendida por Freire como ação e reflexão dos homens sobre o mundo, com o objetivo de transformá-lo.
A pedagogia do oprimido, segundo Paulo Freire, é aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homem ou povo, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Uma pedagogia que faça da opressão e de suas causas o objeto de sua reflexão, resultando daí o engajamento do homem na luta por sua libertação.
Uma situação de ensino-aprendizagem no âmbito freiriano deverá procurar a superação da relação opressor-oprimido. A superação deste tipo de relação exige condições tais como: reconhecer-se na práxis libertadora, onde o diálogo exerce papel fundamental na percepção da realidade opressora; solidarizar-se com o oprimido, o que implica assumir a sua situação e lutar para transformar a realidade que o torna oprimido; transformar radicalmente a situação objetiva, a situação concreta que gera a opressão.

A aprendizagem assume significado amplo tal qual é dado à educação. Não há restrições formais de instrução. Diz Freire: aprender a ler e escrever deveria ser uma oportunidade para que o homem saiba qual é o significado verdadeiro de "falar a palavra", um ato humano que implica reflexão e ação. (...) Falar uma palavra não é um ato verdadeiro se não está ao mesmo tempo associado com o direito de "expressar a si mesmo", "expressão do mundo" criando e recriando, decidindo, elegendo e, finalmente, participando do processo histórico da sociedade.
A educação, portanto, é uma pedagogia do conhecimento, e o diálogo, a garantia deste ato de conhecimento.

FLASH 4

Para Paulo Freire nossa educação não é teórica porque lhe falta esse gosto da comprovação, da invenção, da pesquisa. Ela é verbosa, palavresca, no sentido que lhe atribuímos quando a teoria se pretende auto-suficiente.

No filme Céu de outubro (October Sky),1999, dirigido por Joe Johnston, tem seu ponto de inflexão no dia 4 de outubro de 1957 quando aparece no céu dos EUA o Sputinik russo. Na época houve reações mais variadas na população de Coalwood (West Virginia), cidade do interior, cuja atividade principal era uma mina de carvão. Alguns vêm no Sputnik uma ameaça. Um satélite espião (era época da guerra fria). No garoto Homer Hickam (Jake Gyllenhaal) o sentimento foi de êxtase. Como conseguiram colocar um objeto a centenas de kilômetros girando em torno da terra? E a partir daí veio um sonho: construir um foguete. Para os colegas (Quentin, Roy Lee e O’Dell) da escola dizia:

- Vou construir um foguete. Como o Sputnik. Não estou dizendo que irá para o espaço nem nada... Mas farei um. Vou construir um foguete.
Hickam tentou convencer os colegas a compartilhar (cooperar) de seu sonho. Resistiram, mas depois toparam a enfrentar o desafio. E na escola qual foi a reação? Negativa. A única pessoa que apoiava o grupo era a professora Freida Riley (Laura Dern). A escola (tradicional) na pessoa do seu diretor era contra. Um diálogo de Freida Riley com o diretor da escola:

- Srta. Riley, nosso trabalho é educar, não dar falsas esperanças.
- Falsas esperanças? Quer que eu me sinta calada e deixe que respirem carvão
pelo resto da vida?
- Srta. Riley, de vez em quando um sortudo consegue sair com uma bolsa para jogar futebol. O resto trabalha nas minas.
- Que tal eu acreditar nos menos sortudos? Preciso, Sr. Turner, ou acabarei louca.


E assim Homer, Quentin, Roy Lee e O’Dell tocaram o sonho. Construíram sete protótipos. Eram os auk (pássaro que não voa). Todos deram errados, mas aprendiam com cada erro modificando o próximo protótipo. Aprendiam com os erros. No início era o material (aço S.A.E.) do corpo do foguete. Depois foi o combustível (Cloreto de potássio e enxofre). O oitavo protótipo funcionou.

Como foi a aprendizagem do grupo até o domínio do conhecimento sobre o foguete? Perguntando para as pessoas que tinham o conhecimento. Os funcionários da mina que entendiam de aço, que entendiam de solda. E no laboratório de química da escola. Aprendiam por demanda. A cada passo aprendiam o que era requisitado para o projeto do foguete. E durante o processo a professora Riley sempre ajudando, apesar da desconfiança da escola.

Diálogo da professora com Homer

- "Princípios do Design de Mísseis Guiados." Pedi à Srta. Waters que encomendasse para você, e acabou de chegar. A matemática é avançada demais. Para mim, também. Tem cálculo, equação diferencial...
- Aprenderei a matemática.
Disse Homer.
- Que legal, Srta. Riley. Aprenderei tudo. É o melhor presente que eu já recebi

Os conhecimentos de cálculo serviram para estimar o alcance do foguete. Os garotos sabiam, sobre foguetes, mais que a professora. Mas ela tinha o primado do estímulo, da motivação e da orientação na aprendizagem. Se o estudante não é melhor que o professor, então o professor fracassou. Riley não fracassou.

Final da estória: os fogueteiros ganharam o prêmio de melhor trabalho na Feira Nacional de Ciências. Homer ganhou uma bolsa de estudos na faculdade.
O filme é "baseado em fatos reais". Todos os fogueteiros terminaram a faculdade. Quentin é engenheiro químico na indústria petrolífera. Roy Lee é revendedor de carros e bancário aposentado. O'Dell é fazendeiro e dono de uma seguradora. Freida Riley morreu de mal de Hodgkin aos 31 anos de idade. Homer Hickam tornou-se engenheiro da NASA, treinando astronautas para Missões do Ônibus Espacial.

Abordagem humanista: o primado do sujeito

Esta abordagem tem dois enfoques predominantes dados por Carl R. Rogers (1902-191987) e Alexander S. Neill (1883-1973).
É o ensino centrado na pessoa (primado do sujeito), o que implica técnicas de dirigir sem dirigir, ou seja, dirigir a pessoa à sua própria experiência para que, dessa forma, ela possa estruturar-se e agir. Esta é a finalidade do método não diretivo. A não-diretividade, portanto, consiste num conjunto de técnicas que implementa a atitude básica de confiança e respeito pelo aluno. Pretende ser um método não estruturante do processo de aprendizagem, pelo qual o professor se abstém de intervir diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo valores, objetivos etc., constituindo-se apenas num método informante do processo de aprendizagem do aluno, pelo qual o professor não dirige propriamente esse processo, mas se limita a facilitar a comunicação do estudante consigo mesmo, para ele mesmo estruturar seu comportamento experiencial. (*)

FLASH 5

Sumerhill é uma escola (Inglaterra) de ensino fundamental e médio, fundada em 1921 pelo educador Alexander S. Neill. Faz parte das chamadas escolas democráticas. Têm dois pricípios básicos: (1) a possibilidade de os alunos escolherem se querem ou não assistir as aulas e (2) a dinâmica de assembléias, onde todos participam, para decidir as normas da escola. Summerhill destaca-se por defender que as crianças aprendem melhor se livres dos instrumentos de coerção e repressão utilizados pela grande maioria das escolas. Nela todas as aulas são opcionais, os alunos podem escolher as que desejam freqüentar e as que não desejam. Neill fundou a escola acreditando que uma criança deve viver a sua própria vida - não uma vida que seus pais acreditem que ela deva viver, não uma vida decidida por um educador que supõe saber o que é melhor para a criança.

"Nada mais na minha vida se igualou à alegria daquele momento. Minha escola estava em ruínas."
A frase foi dita por Bill (em off), o garoto do filme Esperança e glória (Hope and glory) de 1987, dirigido por John Boorman. Era a época da 2ª Guerra, em Londres. A escola fora bombardeada e as aulas suspensas. Uma sinopse do filme: a Londres devastada por bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial. A família de Bill de nove anos sofre as consequências do conflito. Enquanto seu pai luta contra os nazistas no front, sua mãe e suas irmãs vivem assustadas com os horrores e ruínas de uma cidade castigada pela guerra. Para Bill a guerra significa dias sem aula, descobertas em meio às ruínas e um festival noturno de fogos de artifício, assistidos do abrigo antiaéreo do quintal. Enquanto caem as bombas, a disciplina relaxa, as pessoas se mostram de outro modo: a vida se abre, enfim, para o jovem Bill, o alterego de John Boorman. A glória, para Bill, acontece quando a escola é bombardeada e, claro, as aulas são suspensas.

(*) Puente, M. de La. Abordagem centrada na pessoa e a educação. In: Penteado, W.M.D. (org.), Psicologia e ensino, Papel Livros, São Paulo, 1980.

Edson P. Cardoso, agosto de 2011

NB: O livro MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: E.P.U., 1992 tem resenha elaborada por Luci Ana Santos da Cunha.
Um resumo deste livro nesta resenha:

















 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Telma e Ricardo

Os graves distúrbios de dois dias atrás em Vancouver, após a derrota do time de hóquei dos Canucks diante do Boston Bruins, não apenas deixaram imagens de violência e destruição, mas também uma que já entrou para a história dos mistérios... E a violenta noite não deixou só imagens de pessoas alteradas ateando fogo a tudo que encontravam, ou de policiais atacando. A noite que viveu Vancouver deixou um sem-fim de imagens curiosas, pouco habituais em acontecimentos deste tipo. http://esportes.terra.com.br 17/06/2011
 
  
Duas amigas conversando.

Telma
estou numa crise existencial ferrada. O que faço agora que já me formei?

Clara
esquenta não, Telma. Tens tempo. Você está com apenas 23 anos, dá para pensar direito no que fazer agora.

Agorinha estou a fim de um chopinho, vamos? Arrematou Clara.

E lá foram as duas para o 8 Bar continuar a conversa. Foi neste Bar que Telma conheceu Ricardo. Meio que por acaso os três iniciaram uma conversa sobre coisas mundanas tipo música, Brasil, futuro e outros papos triviais.

Ricardo
estou na mesma, Telma. Não sei o que faço agora. Um vagal seria a melhor definição pra mim. Meus pai já estão me enchendo o saco porque fico o dia inteiro ouvindo Sex Pistol e fumando um back.

Telma
você se formou?

Ricardo
acabei o curso de Comunicações na USP.

Clara
satisfeito?

Ricardo
Porra nenhuma. Uma merda de curso. Os caras só vomitam semiótica sem saber o que estão falando.

Telma
comigo foi parecido. Fiz história na PUC. Gostei. Mas desconfio que quem ama a história não estuda história.

Clara
caramba? Que infelizes pimpolhos!

Ricardo
sai dessa, ô meu. E você? É feliz?

Clara
Não

O papo terminou com a proposta de se encontrarem dois dias depois no show da banda Pitanga em pé de amora no Ibirapuera. Já ouviu do dito popular: o cara está mais por fora que pitanga em pé de amora? Pois é, foi lá que Telma e Ricardo tiveram o segundo encontro.

Foi implacavelmente bom o reencontro. Já na quarta música (Meu caminho), Telma e Ricardo se beijavam com ardor. E a coisa rolou madrugada adentro até o com sono vamos dormir. Conheciam de cor e salteado o Kama Sutra.

Musicalmente Telma e Ricardo são do hard rock. Telma ouve muito Nirvana e Pearl Jam. E se veste como uma bela grunge. Ricardo é punk do Sex Pistol e Dead Fish. Nos intervalos ouviam a música das bandas brasileiras do estilo Pitanga em pé de amora. Mas o que une os dois é Legião Urbana. Cantam a música Faroeste Caboclo todinha. Para quem não sabe esta música tem 42 estrofes com 4 versos cada.

E sobre o mundo, o que pensam? São anarquistas. Não conhecem qualquer manual de escoteiros. Quando vinha o tédio da graduação na USP, Ricardo se enfurnava dias e dias nos textos de Bakunin e Kropotkin (que morreu em 1921). Aliás, deste último descobriu esta pérola: o desenvolvimento das tecnologias das comunicações e informação seria um meio que poderia nos conduzir ao nascedouro da anarquia. Tem sentido.

Telma, também tinha seus devaneios anárquicos. É versada em Emma Goldman, russa, falecida em 1940, que teve uma vida digna de anarquista e feminista. Uma rebelde que esteve com os bolcheviques (de quem mais tarde discordou ferozmente), na guerra civil espanhola e por aí vai. O filme Reds, de 1981, dirigido por Warren Beaty, tem a Emma interpretada por Maureen Stapleton. Telma assistiu a este filme várias vezes por causa da Emma.

Junho de 2011.

Telma conseguiu se matricular num curso de especialização em Vancouver. E se mandou para o Canadá. Não me pergunte que curso é este. Na verdade ela queria aventuras novas. Ricardo foi ao seu encontro movido pela saudade e porque estava de saco cheio de não fazer coisa alguma.

Coincidência ou não Telma e Ricardo presenciaram a porradaria que aconteceu depois do jogo de hóquei dos Canucks e do Boston Bruins em Vancouver. Polícia é polícia em qualquer canto. Não tem jeito. Legião Urbana (Veraneio vascaína) que o diga.

Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados

E onde estavam Telma e Ricardo quando da confusão generalizada? Veja abaixo. E acredite se quiser.



Lembrando Moacyr Scliar.

Edson Pereira Cardoso, Agosto de 2011.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Inácia

- Tenho calças, sim! Porque sei tecer. Azuis, porque sei tingir! Tá ouvindo?

Inácia era assim. Despachada. E ninguém pelas bandas de Barretos e Jabuticabal preparava tão bem o anil e outros corantes para tingir um pano. Ela viveu durante a segunda metade do século XIX. Tinha a alcunha de Inácia Homem. Imaginem uma mulher nesta época vestida com calça comprida. Mas o Homem do apelido não era apenas pela calça. Era uma librina, filha de Simão Antônio, de estatura fora do comum. Segundo Osório Rocha em seu livro Barretos de outrora de 1954, Inácia tinha "seu rosto tisnado pelo sol, e principalmente às suas maneiras decididas e masculinizadas, que pediam meças às mais vivas manifestações de atividades dos varões da época e da região. Tinha os olhos brilhantes, que nada deixavam passar. Dirigia serviços da roça, corria pastos em busca das vacas paridas e da tropa, e ninguém lhe disputava as lampas em desabaladas correrias atrás de antas e outras vítimas de suas façanhas venatórias. Mas possuía um coração de ouro."

Era comum ver Inácia trajando calças de algodão azul e sobre elas uma saia aberta. Na cabeça um chapéu da palha trançada, preso por uma alça de couro de boi. Nos pés coturnos com cordinhas entrelaçadas. A mulher começou a usar calça comprida na década de 1960. Inácia, um século antes, era fashion, com sua calça e coturno. Era devota do Divino Espírito Santo, mas se rebelava com o que está na Bíblia: A mulher não deverá usar artigo masculino, nem o homem se vestirá com roupa de mulher, pois quem assim age é abominável para Javé seu Deus (Deuteronômio, 22).

Inácia Bernarda Cândida da Conceição recebeu o mesmo nome de sua avó materna Inácia Bernarda, mulher do capitão Valentim José Maria. Era filha de Simão Antônio Marques. Em 1850 estava casada com Generoso Alves de Golveia de quem se separou por motivos de maus tratos (Generoso, apesar do nome, era um truculento). Era irmã de Mariana Cândida de Jesus, a Mariana Librina de quem já escrevi neste Blog (24/05/2011). Inácia, portanto, foi minha tia-tetravó. Sou tetraneto de Joaquim Simão Marques. No final deste texto apresento um mapa genealógico do Simão Antônio Marques.

Vale a pena citar uma passagem do livro de Osório Rocha sobre Inácia Bernarda.

Caçava em certa ocasião com Inocêncio nos cerradões da Fortaleza e do Monte Alegre. Um veadinho, perseguido pela mantilha e a fogosa cavalgada, surgiu na clareira do S. Domingos e afinal veio cair exausto mesmo à porta da primitiva capelinha do arraial de Barretos. Arquejante, os olhos em desesperados volveres de terror pareciam chorar e implorar misericórdia, no limiar da casa de Deus. Inácia sentiu então a ternura da sua alma sertaneja, e gritou ao irmão, que já levava a espingarda à pontaria certeira.

- Não atire compadre Nocêncio! Coitadinho! Ele veio pedir piedade a N. Senhora e ao Divino! Não atire!

Porem Inocêncio foi inexorável, o tiro partiu, o animalzinho se agitou convulsivo em rápida agonia. A própria Inácia contava que depois desse dia foi como se todos os fados viessem à porfia contra o seu irmão. Primeiro, teve o desgosto da viuvez, depois os maus negócios, a doença, o desassossego na quadra cor de cinza do fim da vida. E então ela dizia:

- Eu bem lhe pedi compadre, para não matar o coitado do veadinho na porta da Igreja! O Divino Espírito Santo castigou!

Das filhas de Simão Antônio, Mariana Librina era fogo puro. Teve três maridos e foi mãe onze vezes, cinco filhos e seis filhas. Inácia era um pé de cabra que agitava a região com suas transgressões. Não levava desaforo pra casa de homem algum. Trabalhava muito e tinha um coração de ouro.

Edson Cardoso, agosto de 2011.

Mapa de Simão Antônio Marques (cmap.ihmc.us)


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