terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Pílulas 27

  • Lillian Ross
  • Denise Del Vecchio
  • Oscar 2025
  • Tirânico e cruel, Ruy Castro
  • Darcy Ribeiro por Jonas Manuel
  • Zuckerberg e a masculinidade tóxica
  • O caso Pix no governo Lula
  • Tarifa zero
  • Lillian Ross, sempre repórter
  • Emendas orçamentárias e Dino
  • Inflação 4,83%
  • Suflê da Eunice
  • Fernanda Torres no Globo de Ouro 
  • O cinema de Ana Carolina por Lúcia Monteiro
  • Frantz Fanon por Mario Sergio Conti
  • Duros e morando juntos, Ruy Castro
  • Audrey Hepburn espiã
  • Retrospectiva 2025 por José Paulo Kupfer
  • Afinal, está tudo ótimo ou estamos em crise econômica?
  • Causos de Ariano Suassuna
  • Colônia Cecília, um sonho anarquista


Lillian Ross deu lições de jornalismo a Truman Capote

Olhos e ouvidos abertos e nada de usar gravador, ensinou a repórter da New Yorker

Alvaro Costa e Silva, fsp, 14/01/2025

No processo de elaboração de "A Sangue Frio", obra-prima de Truman Capote, estão as lições de Lillian Ross, a jornalista da revista New Yorker de quem a editora Carambaia acaba de lançar "Sempre Repórter", coletânea de textos que deveria funcionar como modelo para todos os capotes iniciantes.

Capote leu a série de reportagens de Lillian sobre "A Glória de um Covarde",  o clássico de John Huston —publicada em 1952 com cerca de 90 mil palavras e depois enfeixada no livro "Filme"—, e pirou.

A jornalista Lillian Ross, da revista norte-americana The New Yorker, acompanha filmagens de 'A Glória de um Covarde', do diretor John Huston - Silvia Reinhardt. [In Ruy Castro]

Era isso que ele queria fazer. Em suas memórias, a autora conta que o jovem escritor a procurou e a questionou longamente sobre o método de fazer reportagens factuais estruturadas com recursos de ficção. Ouviu um conselho essencial: "Você nunca deve se arrogar o direito de dizer o que o personagem está pensando ou sentindo".

Com memória de elefante, ela não usava gravador, mantendo olhos e ouvidos abertos. Se necessário, fazia anotações rápidas num bloquinho. Muita conversa e atenção ao comportamento do entrevistado e aos detalhes do ambiente. "Evite a interpretação, a análise, passar os seus julgamentos dizendo ao leitor o que ele deveria pensar. Restrinja-se ao que pode ser observado e reportado. Deixe o leitor fazer a cabeça por si mesmo", escreveu em seu livro "Reporting".

Lilian Ross não foi a primeira a usar ferramentas de ficção em seu trabalho de jornalista (antes dela, Joel Silveira fez o mesmo no Brasil, tão bem quanto). E estava distante do que, nos anos 1960, se convencionou chamar de new journalism. Norman Mailer, por exemplo, a criticava por não se colocar de modo pessoal nos textos.

Seu estilo lembrava mais o de um documentarista ou um "cineasta literário". Exemplo perfeito é o retrato de Hemingway, peça de resistência da antologia "Sempre Repórter". Acabada a leitura, qualquer opinião sobre o escritor — era um bebum, um provocador, um exibicionista, um artista em crise—, fica por sua conta, caro leitor.

Em tempo: a reportagem de Lilian sobre o filme de John Huston levou mais de um ano e meio para ficar pronta e sair na New Yorker. Que editor hoje toparia um prazo desses?

Da direita para a esquerda, Lillian, Hemingway e seus filhos Gregory e Patrick, em Ketchum, Iowa, 1947 - Mary Hemingway/ Divulgação 

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Denise Del Vecchio 

'Eunice Paiva nunca se lamentou, nunca, nunca', diz Denise Del Vecchio 

Atriz, que interpretou mãe de Marcelo Rubens Paiva na peça 'Feliz Ano Velho', encontrou sua personagem em 1983 e leu peça para ela 

Mônica Bergamo&Ivan Finotti, fsp, 25/01/25

"Feliz Ano Velho" foi o espetáculo teatral mais bem-sucedido da vida de Denise Del Vecchio. Nele, interpretou Eunice Paiva (1929-2018), a mãe de Marcelo Rubens Paiva, autor do livro de mesmo nome, lançado em dezembro de 1982.

No início de 1983, a atriz teve a oportunidade de estudar pessoalmente sua personagem. "Eunice foi muito, muito gentil. Me levou para o quarto dela e mostrou fotos dela e do Rubens. Ela nunca se lamentou nunca, nunca", recorda Denise, em entrevista à coluna. Na ocasião, Eunice tinha 53 anos e Denise, 32.

A atriz Denise Del Vecchio, que interpretou Eunice Paiva na peça 'Feliz Ano Velho', em seu apartamento, na avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Santos/Folhapress 

Dirigida por Paulo Betti e escrita por Alcides Nogueira, a peça teve uma pré-estreia apenas sete meses depois do lançamento do livro, em 3 de julho de 1983, durante o Festival de Inverno de Campos do Jordão. Em 31 de agosto, entrou em circuito comercial em São Paulo e, até 1988, rodou o Brasil e o mundo, em países como Cuba, EUA, Porto Rico e México.

Antes da estreia, porém, o elenco da peça fez uma leitura para Eunice, Marcelo e sua irmã Vera. "Fomos para a minha casa, no Brooklyn, fazer a leitura para ela. Terminamos e Eunice falou assim: 'É necessário que seja montada, essa peça tem que ser montada’. Foi o comentário final. Aí foi o sucesso que foi."

No filme "Ainda Estou Aqui", baseado em outro livro de Marcelo, Eunice Paiva é vivida por Fernanda Torres, indicada ao Oscar de melhor atriz neste ano — já ganhou o Globo de Ouro. A obra de Walter Salles concorre a outros dois prêmios da academia: de melhor filme e de melhor filme estrangeiro.

O livro "Ainda Estou Aqui", lançado em 2015, conta a história de como o ex-deputado Rubens Paiva (1929–1971) foi assassinado pela ditadura militar e a luta de Eunice Paiva para manter a família, com cinco filhos, unida.

Denise Del Vecchio e Marcos Frota em apresentação de "Feliz Ano Velho" no Tuca, em São Paulo, nos anos 1980 - Silvio Pozatto/Divulgação 

Já em "Feliz Ano Velho", Marcelo descreve sua vida de universitário e conta como pulou de cabeça no açude de um sítio, ficando tetraplégico ao quebrar a quinta vértebra cervical e comprimir a medula.

O espetáculo foi um fenômeno pop. O elenco contava com Marcos Frota no papel de Marcelo, além de Lilia Cabral, Adilson Barros, Christiane Rando e Marcos Kaloy. No Centro Cultural São Paulo (CCSP), onde teve uma temporada de três semanas a preços populares, as filas eram imensas.

"Foi um escândalo. O público chegou a quebrar uma porta de vidro tamanha a aglomeração", lembra Denise em trecho de sua biografia "Memórias da Lua", escrita por Tuna Dwek e lançada em 2005, na Coleção Aplauso.

"Podíamos mais uma vez denunciar, através do teatro, os anos de opressão que desagregaram tantas famílias como a do deputado Rubens Paiva, mostrando a dignidade de uma mulher extraordinária como Eunice Paiva sempre próxima de seus filhos. Mostrar o sofrimento sem pieguice, sem melodrama. O público recebeu nosso espetáculo de coração aberto, assim como a crítica especializada, que lhe deu 18 prêmios."

Veja fotos de 'Feliz Ano Velho' em 1983, quando peça estreou em São Paulo

Além dos prêmios e da aclamação, o espetáculo possibilitou a Denise comprar sua primeira casa (após pagar a sua mãe, que lhe emprestou dinheiro para a montagem) e abriu as portas do sucesso para vários de seus atores. "Lilia e o Marco saíram diretamente para a Globo. Paulo Betti foi chamado para dirigir todas as peças do Rio e eu também estreei na Globo, na minissérie 'Máfia no Poder' (1984)."

Em 2000, a peça foi remontada por Betti, com Cláudio Fontana como Marcelo Paiva e Denise reprisando Eunice. "Mas o momento em que o espetáculo aconteceu, a primeira vez, quando ele era absolutamente afinado com o momento político e cultural do país, tinha passado. Foi bom, tinha público, mas não era mais aquela energia, aquele brilho que teve a primeira montagem. Ficou nostálgico."

Denise Del Vecchio, 73, é uma das atrizes mais importantes do Brasil, com uma carreira iniciada em 1970. Atuou em dezenas de peças, filmes e novelas. Hoje, está em cartaz, com o grande sucesso "Tom na Fazenda", uma trama de mentiras num ambiente rural rústico e perigoso.

EUNICE

Para a preparação, nós [Denise e Alcides Nogueira] fomos à casa da família Paiva. Eles moravam num apartamento nos Jardins. A Eunice foi muito, muito gentil. Me levou para o quarto dela, onde tinha uma penteadeira. Abriu a gaveta, nos mostrou fotos dela e do Rubens. E contou isso que tem no próprio filme de Salles, como ele era um homem divertido. Ela nunca se lamentou, nunca, nunca.

Uma das fotos era dos dois sentados numa carruagenzinha e as pombas sobre eles, uma foto linda, feita em uma viagem à Europa. Ela então me falou uma coisa que eu nunca esqueço. "Depois que eu perdi o Rubens, a Europa perdeu a graça para mim."

Eunice Paiva - fotos

Ela contou para a gente uma cena que incluiu na peça. Era passagem de ano e o Marcelo estava internado, depois da queda. E ela ficou ali esperando. Passou a noite ali junto do Marcelo no hospital. Mas ela nunca se lamentava. Nunca. Então, essa coisa que eu vi na Eunice, que eu coloquei no meu trabalho naquela época, é a mesma coisa que a Fernandinha viu nas entrevistas, eu tive a felicidade de ver pessoalmente.

CERTIDÃO

Em 1983, ainda não havia o reconhecimento do óbito [que aconteceu em 1996]. Eles ainda não tinham podido entrar nas contas bancárias do Rubens, não tinham tido acesso ao dinheiro dele. Imagina? Quantos anos... Isso só pôde acontecer depois do certidão de óbito. Eles ficaram sem dinheiro. Lembro que o Marcelo até disse que a família vendeu alguns quadros que tinha para poder sobreviver.

E Eunice tinha se formado em advocacia e trabalhava com os indígenas. Ela ia trabalhar com os indígenas. E ela tinha uma visão de lutadora pela causa e temia que o grande capital não permitiria que as terras indígenas fossem preservadas, que a vida indígena fosse preservada. Muito à frente do seu tempo. Ela era inacreditável.

Em 'Ainda Estou Aqui', Fernanda Torres repete gesto de Eunice Paiva ao receber a certidão de óbito de Rubens Paiva - Divulgação e Eduardo Knapp - 23.fev.96/Folhapress 

LEITURA

O texto ficou pronto antes da montagem. Só que o Alcides incluiu mais sobre a Eunice e o desaparecimento do Rubens. Essa história que foi contada agora no "Ainda Estou Aqui" era mais presente na peça do que no livro "Feliz Ano Velho". Aí, o Marcelo disse "quem tem que aprovar esse espetáculo é a minha mãe".

Então, fomos para a minha casa, o elenco, o Paulo Betti, a Veroca [irmã de Marcelo], o Marcelo e a Eunice. Eu morava no Brooklyn, em São Paulo. Sentados todos no chão, fizemos uma leitura para ela. Terminamos e Eunice falou assim: "É necessário que seja montada, essa peça tem que ser montada". Foi o comentário final. Aí foi o sucesso que foi, um escândalo. Onde a gente ia era um escândalo.

MONTAGEM

Como não tínhamos verba, pedimos dinheiro para minha mãe, para o Adilson Barros, que fez o papel do Rubens Paiva, e assim fomos construindo nosso sonho. A gente não tinha um tostão. Só a vontade de fazer o espetáculo. Então eu falei com a minha mãe. "Mãe, eu preciso de 500 cruzeiros, algo assim". Era como se fosse uns R$ 10 mil hoje. Ela foi lá, tirou da poupança e me emprestou. E o Adilson pegou o mesmo tanto da poupança dele. Foi com esses R$ 20 mil de hoje que a gente montou a peça.

Aí, tinha que ter duas meninas, que são as namoradas. Vieram a Lilia Cabral e a Christiane Rando, que era uma atriz da Escola de Arte Dramática, bastante jovem, linda, que depois desistiu da carreira. Hoje é uma empresária, se safou. E para fazer o Marcelo, veio Marcos Frota, que era muito jovem, tinha uma energia inacreditável, era uma potência de energia. E nós nos enfiamos num porão na praça Benedito Calixto, que eu acho que era do PT (que naquela época estava começando o PT), cheio de restos de construção. Passamos a ensaiar ali. Eu lembro que era inverno, fazia muito frio, muito frio.

Quando terminou a temporada do Centro Cultural, tanto eu quanto o Adilson já tínhamos conseguido receber o que emprestamos. Toda semana, a gente dividia o que sobrava depois dos gastos e todo mundo recebia sua parte. A gente ganhava bem.

O elenco original da peça 'Feliz Ano Velho', em foto na avenida Paulista nos anos 1980, com Marcos Kaloy, Christiane Rando, Adilson Barros, Marcos Frota, Lilia Cabral e Denise Del Vecchio - Arquivo Pessoal 

PRIMEIRO IMÓVEL

A peça tinha muito a ver com aquele momento. O rock and roll brasileiro estava florescendo. O livro já era um sucesso, a juventude lia aquele livro. Foi um trabalho que me possibilitou viver só de teatro e comprar minha primeira casa, o que adquire um significado muito forte quando penso em toda a minha trajetória. Eu não tinha casa.

E comprei uma lá no Jardim Consórcio, perto de Interlagos. Uma casinha muito simples, mas era bonitinha, com jardim. Era uma casinha gostosa.

Eu não tenho mais, vendi. E vim morar na avenida Paulista. Hoje eu moro aqui. É uma loucura. Eu sempre fui apaixonada pela Paulista, hoje ela está um pouco decadente, mas...

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Oscar 2025

'Ainda Estou Aqui', 'Emilia Pérez' e mais: veja a lista completa do Oscar

De Splash, em São Paulo, 23/01/2025

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas divulgou nesta quinta-feira (23) a lista de indicados à 97ª edição do Oscar.

O Brasil foi indicado em três categorias. "Ainda Estou Aqui" está concorrendo a melhor filme e melhor filme estrangeiro, e Fernanda Torres concorre a melhor atriz.

"Emilia Pérez" foi o filme com mais indicações neste ano. O filme concorre em 13 categorias, incluindo melhor filme, melhor direção e melhor atriz principal. Outros destaques são "O Brutalista" e "Wicked", ambos com 10 indicações.

Veja a lista completa com todas as categorias:

Melhor filme

"Anora"

"O Brutalista"

"Um Completo Desconhecido"

"Conclave"

"Duna: Parte 2"

"Emilia Pérez"

"Ainda Estou Aqui"

"Nickel Boys"

"A Substância"

"Wicked"

Melhor atriz principal

Cynthia Erivo - "Wicked"

Karla Sofía Gascón - "Emilia Pérez"

Mikey Madison - "Anora"

Demi Moore - "A Substância"

Fernanda Torres - "Ainda Estou Aqui"

Melhor ator principal

Adrien Brody - "O Brutalista"

Timothée Chalamet - "Um Completo Desconhecido"

Colman Domingo - "Sing Sing"

Ralph Fiennes - "Conclave"

Sebastian Stan - "O Aprendiz"

Melhor direção

Sean Baker - "Anora"

Brady Corbet - "O Brutalista"

James Mangold - "Um Completo Desconhecido"

Jacques Audiard - "Emilia Pérez"

Coralie Fargeat - "A Substância"

Melhor filme internacional

"Ainda Estou Aqui"

"A Garota da Agulha"

"Emilia Pérez"

"A Semente do Fruto Sagrado"

"Flow"

Melhor edição de filme

"Anora"

"O Brutalista"

"Conclave"

"Emilia Pérez"

"Wicked"

Melhor som

"Um Completo Desconhecido"

"Duna: Parte 2"

"Emilia Pérez"

"Wicked"

"O Robô Selvagem"

Melhor canção original

"El Mal" ("Emilia Perez")

"The Journey" ("Batalhão 6888")

"Like a Bird" ("Sing Sing")

"Mi Camino" ("Emilia Pérez")

"Never Too Late" ("Elton John: Never Too Late")

Melhor trilha sonora original

"O Brutalista" - Daniel Blumberg

"Conclave" - Volker Bertelmann

"Emilia Pérez" - Clément Ducol e Camille

"Wicked" - John Powell e Stephen Schwartz

"O Robô Selvagem" - Kris Bowers

Melhores efeitos visuais

"Alien: Romulus"

"Better Man"

"Duna: Parte 2"

"Planeta dos Macacos: O Reinado"

"Wicked"

Melhor documentário

"Black Box Diaries"

"No Other Land"

"Porcelain War"

"Trilha Sonora Para Um Golpe De Estado"

"Sugarcane: Sombras de um colégio interno"

Melhor documentário em curta-metragem

"Deathby Numbers"

"I Am Ready, Warden"

"Incident"

"Instruments of a BeatingHeart"

"A Única Mulher na Orquestra"

Melhor roteiro adaptado

"Um Completo Desconhecido"

"Conclave"

"Emilia Pérez"

"Nickel Boys"

"Sing Sing"

Melhor roteiro original

"Anora"

"O Brutalista"

"A Verdadeira Dor"

"Setembro 5"

"A Substância"

Melhor atriz coadjuvante

Monica Barbaro - "Um Completo Desconhecido"

Ariana Grande - "Wicked"

Felicity Jones - "O Brutalista"

Isabella Rossellini - "Conclave"

Zoe Saldaña - "Emilia Pérez"

Melhor ator coadjuvante

Yuri Borisov - "Anora"

Kieran Culkin- "A Verdadeira Dor"

Edward Norton - "Um Completo Desconhecido"

Guy Pearce - "O Brutalista"

Jeremy Strong - "O Aprendiz"

Melhor design de figurino

"Um Completo Desconhecido"

"Conclave"

"Gladiador 2"

"Nosferatu"

"Wicked"

Melhor design de produção

"O Brutalista"

"Conclave"

"Duna: Parte 2"

"Nosferatu"

"Wicked"

Melhor cabelo e maquiagem

"Um Homem Diferente"

"Emilia Pérez"

"Nosferatu"

"A Substância"

"Wicked"

Melhor curta-metragem em live action

"A Lien"

"Anuja"

"I'm Not a Robot"

"The Last Ranger"

"The Man Who Would Not Remain Silent"

Melhor curta-metragem de animação

"Beautiful Men"

"In The Shadow of the Cypress"

"Magic Candies"

"Wander to Wonder"

"Yuck!"

Melhor longa-metragem de animação

"Flow"

"Divertida Mente 2"

"Memórias de um Caracol"

"Wallace & Gromit: Avengança"

"O Robô Selvagem"

Melhor fotografia

"O Brutalista"

"Duna: Parte 2"

"Emilia Pérez"

"Maria Callas"

"Nosferatu"

A cerimônia do Oscar está marcada para o dia 2 de março. O evento será exibido no Brasil a partir das 21h pela TNT e pela Max.

Anúncio dos indicados foi adiado duas vezes. Originalmente, a lista seria divulgada no dia 17 de janeiro. Devido aos incêndios que afetaram Los Angeles, no entanto, o anúncio foi adiado para o dia 19 e, em seguida, para esta quinta-feira (23).

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Tirânico e cruel, tratava a família a chicotadas

Estou para ver um obituário em que o falecido não fosse o mais puro, sensível e honesto dos homens

Ruy Castro, fsp, 18/01/2025

Uma das primeiras seções a que corro para ler nos jornais é a dos obituários. Não por morbidez crônica nem para ver se algum amigo subiu e nem mesmo para me certificar de que não sou o objeto dele.

Há muitos casos de pessoas dadas por engano como mortas e que leram o próprio obituário: o inventor (da dinamite e do prêmio) Alfred Nobel, o empresário circense (autor da frase "Nasce um otário por minuto") P.T. Barnum, os escritores Mark Twain, Bertrand Russell e Ernest Hemingway, o astro do beisebol e marido (de Marilyn Monroe) Joe DiMaggio, o beatle Paul McCartney, o presidente Ronald Reagan, o papa João Paulo 2º. Nenhum deles, nem o papa, se sabia possuidor de todas as qualidades que lhes eram atribuídas pelo obituário.

O escritor Ernest Hemingway e Cristobal, na casa do escritor em Finca Vigía, em Cuba; Hemingway, teria lido seu próprio obituário, publicado por engano - unknown/Ernest Hemingway Photographs Collectino. John F. Kennedy Presidential Library and Museum, Boston 

Pois é para isso que vou direto à página sobre as pessoas recém-falecidas e dignas de recordação —para melhorar a ideia não muito positiva que faço do ser humano e ficar mais otimista quanto ao futuro da Humanidade. Se a quantidade de gente boa sobre a Terra for proporcional à que estrela os obituários, não temos do que nos queixar: vivemos cercados de pessoas honestas, sensíveis, caridosas, puras de coração. Pelo menos é assim que os obituários as descrevem.

Estou para ver um obituário que, ao contrário, diga o seguinte.

"Fulano de Tal (1965-2025). Tirânico e cruel, tratava a família a chicotadas. Fulano era um pai e marido exemplar. Acreditava que a maneira certa de educar um filho era puxando-lhe as orelhas, dando-lhe coques no crânio com o nó dos dedos e vergastando-o regularmente com seu cinto. Se ele chorasse, ordenava: ‘Engole o choro! Engole o choro!’. Sua esposa, d. Beltrana, ao tentar proteger seu filho, entrava também na surra. E, se um vizinho ousasse intervir, apanhava também. Fulano era conhecido por dar desfalques na praça, não pagar dividas e passar cheques sem fundos. Morreu ontem, de um AVC, em Botucatu (SP). Deixa a mulher, o filho Beltraninho e a amante Sicrana. Seu enterro foi muito concorrido — os amigos queriam se certificar de que ele morrera mesmo."

Mas essas pessoas devem ser imortais. Nunca estão nos obituários.

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Darcy Ribeiro por Jonas Manuel

Darcy Ribeiro e o Quilombo dos Palmares 

Darcy Ribeiro e a cabanagem 

Darcy Ribeiro explica o cangaço brasileiro 

Clóvis Moura contra Gilberto Freyre 

O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, Darcy Ribeiro, Global, 2023

Sociologia do negro brasileiro, Clovis Moura, Perspectiva; 1ª edição (15 julho 2019)

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Zuckerberg e a masculinidade tóxica

Advogado deixa Zuckerberg: 'Masculinidade tóxica e loucura neonazista'

Jamil Chade, UOL em Nova York, 16/01/2025

Vídeo

Mark Lemley, o advogado que representava a Meta em um processo de propriedade intelectual, anuncia que abandonou a companhia diante da decisão de Mark Zuckerberg de se aproximar ao governo de Donald Trump e promover uma guinada nos controles de conteúdo de suas redes digitais.

Lemley, professor de direito na Universidade de Stanford, acusou o chefe da Meta de abraçar a "masculinidade tóxica e a loucura neonazista".

Zuckerberg, na semana passada, afirmou no podcast de Joe Rogan a cultura corporativa precisava de mais "energia masculina".

O caso da Meta revela uma transformação no posicionamento da empresa. Em 2021, Trump foi suspenso das plataformas Meta, Facebook e Instagram, por seus "elogios às pessoas envolvidas em violência no Capitólio em 6 de janeiro". Suas contas foram reinstaladas desde então.

Em agosto de 2024, Trump ameaçou mandar Zuckerberg para a "prisão perpétua", alegando que ele teria direcionado suas plataformas de mídia social contra ele nas eleições de 2020 e que, se fizesse o mesmo em 2024, seria punido.

Mas, após a reeleição de Trump, a Meta doou US$ 1 milhão para o seu fundo inaugural. Neste ano, a empresa anunciou que o aliado de Trump, Dana White, do UFC, faria parte de seu conselho.

Além disso, o diretor de assuntos globais da Meta, Nick Clegg, anunciou sua saída. Ele foi substituído por Joel Kaplan, um republicano que tem sido uma voz crítica ao fato de que conservadores estão sendo suprimidos das plataformas digitais.

Leia o texto completo publicado pelo advogado:

Tenho lutado para saber como reagir à queda de Mark Zuckerberg e do Facebook na masculinidade tóxica e na loucura neonazista. Embora tenha pensado em sair do Facebook, considero de grande valor as conexões e os amigos que tenho aqui, e não parece justo que eu perca isso porque Zuckerberg está tendo uma crise de meia-idade. Refletindo sobre isso, decidi ficar, embora provavelmente vá me envolver um pouco menos do que o normal. Mas estou fazendo as três coisas a seguir:

1. Desativei minha conta do Threads.

O Bluesky é uma excelente alternativa ao Twitter, e a última coisa de que preciso é apoiar um site semelhante ao Twitter administrado por um aspirante a Musk.

2. Não comprarei mais nada dos anúncios que vejo no Facebook ou no Instagram. O algoritmo deles tem meu número, e eu compro regularmente o que eles me mostram. Mas, no futuro, mesmo que eu queira algo, irei separadamente ao site para garantir que o Facebook não receba nenhum crédito pela compra.

3. Eu demiti a Meta como cliente. Embora eu ache que eles estão do lado certo na disputa de direitos autorais da IA na qual eu os representei, e espero que eles ganhem, não posso mais, em sã consciência, atuar como seu advogado.

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O caso Pix no governo Lula

Por que o ‘caso Pix’ deixou o governo Lula tão na defensiva

Marcelo Montanini, Nexojornal, 15 de janeiro de 2025

Não houve criação de taxa, mas medida traz de fato impacto para quem está fora do radar do Fisco. Ao focar em fake news, comunicação oficial ignorou consequências práticas. Haddad diz que norma será revogada

Tudo começou com postagens alarmantes nas redes sociais de que o governo iria “taxar o Pix”, sistema de pagamento instantâneo do Banco Central que só cresce desde que foi criado em 2020. 

Não havia novo imposto. Não havia taxação. Era, portanto, uma mentira, amplamente esclarecida por agências de checagens e pelo próprio governo, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Mas a ampliação da fiscalização da Receita Federal sobre transações financeiras que entrou em vigor neste janeiro de 2025 trazia, sim, impactos sobre parte da população, especialmente sobre uma parcela recém-bancarizada.

Nesta quarta-feira (15), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o governo vai recuar da norma. Derrotado na guerra de comunicação, Haddad disse que a ideia é editar uma medida provisória sobre o tema.

“O estrago causado está feito por esses inescrupulosos [que espalharam fake news], inclusive senador e deputado, agindo contra o Estado. Essas pessoas vão ter que responder pelo que fizeram, mas não queremos contaminar a tramitação da MP no Congresso” Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Neste texto, o Nexo explica a disputa de narrativas em torno do “caso do Pix” e mostra como o governo acabou sendo colocado na defensiva diante de um assunto que mobiliza os brasileiros.

Nova norma de fiscalização

A Receita Federal publicou em 17 de setembro de 2024 a Instrução Normativa nº 2.219/24, que ampliou a fiscalização sobre as transações financeiras e o limite do valor a ser reportado pelas instituições ao Fisco. A norma entrou em vigor em 1º de janeiro de 2025.

As operadoras de cartão de crédito, bancos digitais e as instituições de pagamento passaram a ser obrigadas a repassar informações semestralmente à Receita Federal de movimentações que ultrapassem R$ 5.000 mensais (pessoa física) e R$ 15 mil mensais (pessoa jurídica). 

Os bancos tradicionais (públicos e privados, como Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) já faziam isso desde 2003. Os dados eram repassados, aliás, em movimentações menores: R$ 2.000 mensais (pessoa física) e R$ 6.000 mensais (pessoa jurídica).

Ou seja, qualquer pessoa que movimentasse numa conta pessoal de um banco tradicional mais de R$ 2.000, por exemplo, tinha esses dados repassados à Receita Federal. 

Com a norma da Receita que passou a valer em 2025, quem movimenta a quantia de R$ 5.000 (pessoa física) e R$ 15 mil (pessoa jurídica), seja em bancos tradicionais, seja em operadoras de cartão de crédito, seja bancos digitais, seja em instituições de pagamento, passou a ter os dados repassados para a Receita Federal.

Mas e o Pix?

A norma não trata especificamente de transferência via Pix, cuja transação já era informada para quem usava o sistema via banco tradicional — quem usava via banco digital (como Nubank e Banco Inter) não tinha a movimentação informada.

A atualização de monitoramento passou, na verdade, a se referir a todas as movimentações financeiras — via Pix, TED, saques, depósitos, cartões de crédito e moedas eletrônicas —, sem discriminação da modalidade, e valendo para todo tipo de banco (tradicional ou digital), para operadoras de cartão de crédito e para instituições de pagamento.

De acordo com o artigo 145 da Constituição Federal de 1988, a administração tributária — no caso, a Receita Federal — pode conferir renda, patrimônio, rendimentos e atividades econômicas dos contribuintes. Para isso, precisa respeitar o sigilo das operações, que é estabelecido pela Lei Complementar 105/2001.

Portanto, as informações repassadas são CPF (Cadastro de Pessoa Física) ou CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) e valores — no caso, quando o somatório das transações superar os limites estabelecidos. Não há identificação de origem ou destino.

Para evitar sonegação

Leonardo Pessoa, advogado tributarista e professor de direito tributário do Ibmec-RJ, afirmou que a norma da Receita afeta empresários e micro e pequenos empreendedores que não declaram corretamente os tributos. “Impacta aqueles que por desconhecimento ou por vontade sonegam imposto”, disse ao Nexo.

Ao identificar movimentações suspeitas, a Receita pode abrir processo de fiscalização, com possível cobrança do imposto não pago corretamente, além de aplicação de multa e investigação por crime de sonegação fiscal.

Pessoa destacou que, enquanto advogado, lida com empresários que usavam instituições de pagamento não monitoradas para burlar o sistema tributário. Ele lembrou, porém, que micros e pequenos empreendedores ou trabalhadores informais, como motoristas e entregadores de aplicativo, também usam essas plataformas no dia a dia.

As instituições de pagamento são empresas que oferecem cartões de crédito, cartões pré-pagos e credenciamento de maquininhas de pagamento, como Mercado Pago, PicPay e Nu Pagamento, por exemplo. Elas não precisavam reportar as transações à Receita Federal até então. 

O tributarista afirmou que, diante da Constituição, a Receita deveria ter as informações econômicas de todos os brasileiros para que possa cobrar corretamente os impostos dos contribuintes. Ele acrescentou que, por falta de mão de obra e de capacidade tecnológica, a autoridade tributária estabeleceu patamares para limitar a produção de dados.

Ação e reação

Nas primeiras semanas de 2025, passaram a circular nas redes sociais alegações falsas sobre controle de gastos do cidadão e de que o governo iria taxar as transferências via Pix acima de R$ 5.000. Influenciadores e políticos bolsonaristas amplificaram a desinformação com críticas ao governo Lula.

“O Lula gosta tanto de pobres que vai monitorar até aquelas pessoas que pedem dinheiro em sinal de trânsito”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, em vídeo nas redes sociais.

Em 7 de janeiro, a Secretaria de Comunicação Social do governo federal e a Receita Federal publicaram notas desmentindo a taxação. “A medida não implicou em qualquer aumento de tributação”, disse o governo. Ou seja, não houve a criação de impostos.

Em vídeo publicado em 9 de janeiro, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, desmentiu a taxação. No mesmo dia, o Ministério da Fazenda e a Receita negaram, em publicação nas redes sociais, a tributação e explicaram a atualização da fiscalização.

Lula também publicou, em 10 de janeiro, um vídeo desmentindo as alegações sobre taxação e fazendo uma doação de R$ 1.013 via Pix para o Corinthians pagar uma dívida com a Caixa Econômica Federal relacionada à construção do seu estádio, numa demonstração de que não há qualquer problema em usar esse método de transferência.

Aliados do governo passaram a publicar nas redes sociais que a taxação do Pix era mentira. Essa reação teve participação de Sidônio Palmeira, antes mesmo de assumir oficialmente o cargo de secretário de Comunicação Social do governo nesta terça-feira (14).

Dados do Pix e da informalidade

Influenciadores pró-governo também tentaram explicar a medida. Gil do Vigor, por exemplo, publicou seis vídeos nas suas redes sociais sobre o assunto. Nos primeiros, o economista relatou apenas que houve a alteração e o motivo. Porém, nos mais recentes, deixou claro que, quem sonega imposto, possivelmente precisará pagá-lo a partir de agora, caso caia na malha-fina da Receita Federal. É algo que o governo federal, ao desmentir a taxação, não explicou.

Criado em 2020, o Pix é o meio de pagamento mais usado entre os brasileiros, muitos dos quais trabalham na informalidade. O sistema de pagamento eletrônico ajudou a aumentar a bancarização no país.

38,8% é a taxa de informalidade no país, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),  em pesquisa divulgada em novembro de 2024

76,4% é a porcentagem da população que usa Pix, segundo pesquisa do Banco Central, divulgada em dezembro de 2014

187 milhões de transações por dia via Pix em média, segundo Banco Central

103%é o crescimento de usuários ativos do sistema financeiro nacional entre 2018 e 2023, segundo o Banco Central — que credita ao Pix, criado em 2020, esse aumento

Nas redes , tem circulado relatos de trabalhadores informais e micro e pequenos empreendedores dizendo que vão parar de aceitar Pix e que vão usar apenas dinheiro em espécie para evitar o monitoramento do Fisco.

Falha na comunicação

Em vez de ter comunicado a decisão da Receita Federal de forma clara quando ela passou a valer, o governo tentou reagir à desinformação sobre o Pix, que ganhou tração nas redes sociais.

“A disputa [de narrativas] não acabou. Acho que ainda temos rounds a serem disputados, mas, no momento, diria que [o governo] está perdendo”, afirmou ao Nexo Camilo Aggio, professor de comunicação social da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisador do INCT.DD (Instituto Nacional de Ciência Tecnologia em Democracia Digital).

“A reação do governo foi lenta, pois não tem um esquema de comunicação eficiente para fazer frente às campanhas de fake news arquitetadas pela extrema direita”, afirmou ao Nexo João Feres Jr, professor de ciência política da Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública. “Para deixar as coisas ainda piores, não temos um marco regulatório capaz de frear rapidamente a propagação de notícias falsas.”

Para o professor da UFMG, o governo não entendeu que é preciso se antecipar aos problemas. “[As ações] têm que ser pensadas previamente para chegar ao público antes do boato. Não é um problema de rapidez, mas de planejamento”, afirmou Aggio. “Precisa planejar a forma de comunicar para explicar o que está sendo feito e se colocar à frente de possíveis reações.”

Aggio destacou que é difícil mensurar a dimensão e o efeito que a resposta do governo teve na população. Ele ponderou, porém, que o vídeo de Lula fazendo uma doação de quase um salário mínimo — atualmente, em R$ 1.518 — para pagar a dívida de um clube com folha salarial milionária também não soa bem para parte da população.

Essa não é a primeira crise do governo envolvendo aumento de tributação. Em 2023, por exemplo, uma série de memes que chamavam Haddad de “Taxad” circularam nas redes sociais, em meio aos debates da Reforma Tributária e da taxação de compras online internacionais de até US$ 50 em sites, como Shein e Shopee.

Aggio destacou que “há um passado que já permeia a memória coletiva” e gera receio na população. Ele acrescentou que o Pix, porém, tem uma dimensão maior do que compras internacionais porque é um recurso fundamental para a vida de todos, inclusive dos mais vulneráveis.

Feres avaliou que a fake news do imposto no Pix tende a perder sua eficácia com o tempo. “As pessoas se tocam aos poucos que isso não é verdade, pois o Pix é utilizado muito intensamente por grande parcela da população”, disse.

Medida provisória como vacina

O governo acredita que, com a medida provisória anunciada nesta quarta (15) é possível blindar a ampliação da fiscalização contra a fake news da taxação. O Congresso vai precisar chancelá-la.

A desinformação, segundo Haddad, abriu espaço para golpes levados adiante por criminosos que começaram a fazer cobranças indevidas das pessoas que usam Pix.

A AGU (Advocacia-Geral da União) informou que vai acionar a Polícia Federal para que investigue os golpistas, além dos responsáveis por espalhar desinformação.

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Tarifa zero

Tarifa zero em SP depende apenas de vontade política, defende pesquisador

Leonardo Sakamoto, UOL, 13/01/2025

Manifestantes marcham da Prefeitura de São Paulo até a Praça da República, na região central da capital paulista, em ato contra o aumento das tarifas do ônibus e do metrô na cidade Imagem: RAUL LUCIANO/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

O Movimento Passe Livre convocou uma segunda manifestação contra o aumento das tarifas no transporte público em São Paulo para a próxima quinta (16). O MPL critica o aumento na passagem de ônibus (que estava represada pela gestão Ricardo Nunes) de R$ 4,40 para R$ 5 e na de metrô e trens, sob responsabilidade do governo Tarcísio de Freitas, de R$ 5 para R$ 5,20. O primeiro foi realizado na última quinta (9).

"A implementação da tarifa zero no transporte público da cidade de São Paulo está ao alcance e depende de poucos ajustes financeiros", defende o professor Márcio Moretto, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo. Para ele, que pesquisa a pauta desde antes das jornadas de junho de 2013, que tiveram na redução na tarifa do transporte pública e na catraca livre suas bandeiras, avalia que uma mudança depende apenas de vontade política.

"Atualmente, cerca de R$ 6,7 bilhões dos R$ 11 bilhões necessários [para a tarifa zero] anualmente já são subsidiados pelo governo municipal. Com o repasse direto pelas empresas dos valores atualmente gastos com vale-transporte, de R$ 1,8 bilhão, e a eliminação dos custos operacionais de cobrança, de R$ 1,1 bilhão, faltariam apenas cerca de R$1,4 bilhão para cobrir integralmente a operação", defende. Segundo ele, há fontes municipais para tanto.

Leia a entrevista com Moretto abaixo:

A Prefeitura de São Paulo afirma que o reajuste nas tarifas ficou abaixo da inflação acumulada. Diante disso, a crítica ao reajuste é justa?

Embora o reajuste tenha ficado abaixo da inflação desde o último aumento, seu impacto é severo para as famílias de baixa renda. Para muitos, o custo diário de ida e volta equivale ao preço de itens essenciais, como um quilo de arroz ou um litro de óleo. Diante desse cenário, a proposta da tarifa zero, que visa à gratuidade integral do transporte público, surge como uma alternativa viável e necessária.

Mas essa proposta é viável economicamente em São Paulo?

Estudos indicam que entre 10% e 13% do custo total do sistema de transporte público corresponde a despesas com bilhetagem e cobrança. A implementação da tarifa zero no transporte público da cidade de São Paulo está ao alcance e depende de poucos ajustes financeiros. Atualmente, cerca de R$ 6,7 bilhões dos R$ 11 bilhões necessários anualmente já são subsidiados pelo governo municipal. Com o repasse direto pelas empresas dos valores atualmente gastos com vale-transporte, de R$ 1,8 bilhão, e a eliminação dos custos operacionais de cobrança, de R$ 1,1 bilhão, faltariam apenas cerca de R$1,4 bilhão para cobrir integralmente a operação.

No caso da mobilidade urbana, o uso do transporte público gera externalidades positivas significativas, como a redução de congestionamentos, poluição e acidentes, enquanto o uso intensivo de veículos individuais amplifica os impactos negativos nessas áreas. A tarifa zero não apenas incentiva o transporte coletivo ao eliminar o custo direto para os usuários, mas também é mais eficiente do ponto de vista econômico, já que elimina custos operacionais associados à cobrança de tarifas.

Mas de onde sairia esse montante extra?

Por meio de várias propostas já discutidas, como a adoção de IPTU progressivo, inspirado na gestão de Luiza Erundina (prefeita de São Paulo, pelo PT, entre 1989 e 1992), a criação de uma contribuição por empregado, baseada no modelo francês, e a municipalização de impostos sobre combustíveis, como a CIDE.

E como seria resolvido o aumento do número de usuários do sistema a partir do momento em que a tarifa for zero?

Primeiro, a maior procura deve ser vista como uma oportunidade para ampliar as externalidades positivas, promover a inclusão social e impulsionar a economia local. Nas cidades que implementaram a tarifa zero, o maior aumento de demanda foi registrado nos fins de semana. Em São Paulo, a demanda aumentou 33% quando o transporte passou a ser gratuito aos domingos, indicando um possível teto para o aumento do uso.

Várias das cidades que adotaram a tarifa zero optaram por um modelo de remuneração baseado nos quilômetros rodados, em vez de no número de passageiros, o que reflete melhor os custos reais de operação. Esse modelo incentiva as empresas a manterem os ônibus menos lotados e a oferecerem um serviço mais eficiente. Com isso, o aumento da demanda não implica um crescimento proporcional nos gastos públicos. Em Caucaia, por exemplo, a demanda subiu 371%, mas o custo operacional aumentou apenas 30%

A pauta da catraca livre era uma das bandeiras das jornadas de junho de 2013. O que vemos agora é uma retomada daquelas manifestações?

O preço do transporte público sempre foi uma questão amplamente popular, estando no centro do maior protesto da história recente do Brasil, exatamente as manifestações de 2013. Apesar das diversas narrativas distorcidas que surgiram posteriormente, tentando reduzir o movimento a causas difusas ou deslegitimá-lo, o estopim foi claramente o aumento das tarifas de ônibus e metrô.

A tarifa zero, ao eliminar a barreira econômica do custo da passagem, responde diretamente a essa demanda popular, reafirmando o transporte público como um direito essencial e uma ferramenta de inclusão social. Vale lembrar que entre 2022 e 2023, o ICMS sobre combustíveis foi zerado por uma medida claramente eleitoreira, que foi na contramão do papel do Estado em regular as externalidades negativas do uso de combustíveis fósseis. Nesse período, apenas o Estado de São Paulo deixou de arrecadar mais de R$7 bilhões, uma quantia que poderia ter sido utilizada para financiar políticas públicas de maior impacto social e ambiental. Essa decisão evidencia que, quando há vontade política, é possível atender a reivindicações populares.

No entanto, o Estado não deve ceder a qualquer pressão da sociedade, mas sim àquelas demandas que, respaldadas por estudos e evidências, promovam benefícios concretos para a população.

Prefeitos que estão à direita no espectro político, como a atual gestão da Prefeitura de São Paulo, abraçaram a pauta que, originalmente, era bandeira da esquerda. Por que isso aconteceu?

Nos últimos anos, a tarifa zero foi implementada em mais de 100 cidades brasileiras, mostrando que, independentemente da posição política das gestões locais, garantir o acesso ao transporte público tornou-se uma prioridade.

A demanda por transporte público mais acessível é uma pauta extremamente popular, que transcende ideologias políticas. Após os grandes protestos de 2013, o tema passou a ser discutido por políticos de diferentes espectros ideológicos. A adesão à ideia de uma tarifa mais acessível ou até mesmo gratuita não é coincidência: trata-se de uma questão que afeta diretamente milhões de pessoas e tem forte apelo popular.

Isso envolve todas as colorações políticas?

Políticos de extrema direita, conhecidos por recorrerem a pautas ideológicas para manter sua base engajada, por exemplo, acabam percebendo que apenas o voto ideológico não é suficiente para vencer eleições e, por isso, precisam também abordar questões concretas que impactam diretamente a vida da população para ampliar seu apelo eleitoral.

Um exemplo claro foi a estratégia adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que, às vésperas da eleição de 2022, implementou uma série de medidas econômicas visando aumentar sua popularidade, como a ampliação do auxílio emergencial e a criação do Auxílio Brasil. Assim como ocorreu com o auxílio emergencial, a pauta do transporte público gratuito é uma demanda que atravessa divisões políticas e ideológicas, apresentando benefícios diretos para toda a sociedade e reforçando o transporte como um direito essencial.

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Lillian Ross, sempre repórter

Lillian Ross elege o que escreveu de melhor na mítica The New Yorker

Primeira jornalista mulher na revista, autora perfilou estrelas e anônimos numa carreira agora compilada em 'Sempre Repórter' 

Sylvia Colombo, fsp, 13/01/2025

Uma das mais importantes jornalistas dos Estados Unidos, Lillian Ross foi contratada como a primeira mulher da redação da mítica revista The New Yorker, em 1945, bastante a contragosto. O caso é que, devido à Segunda Guerra Mundial, faltavam homens para ocupar a posição de jornalista e a alternativa foi dar espaço a algumas mulheres.

A jornalista e escritora americana Lillian Ross durante almoço na Flip, em 2006 - Ana Carolina Fernandes/Folhapress 

Ambiciosa e espirituosa, Ross não demorou para galgar espaço e fazer parte do primeiro time das finas plumas que escreviam para a publicação — uma referência do chamado new journalism, embora Ross não gostasse de se identificar como parte desse movimento. Uma vez, em conversa com a Folha sobre o termo, ela afirmou: "Existe bom jornalismo e mau jornalismo, só isso".

Ela não se lamuriava da situação das mulheres no jornalismo, mas tampouco deixava de marcar as difíceis condições que se enfrentavam no mercado. Ela dizia que mulheres ganhavam menos, suas reportagens eram chamadas de notas e eram reescritas por homens.

Além disso, tinham de empregar o pronome "nós" para se referir a si mesmas. Ela começou escrevendo os pequenos textos da famosa seção "Talk of the Town", antes de passar para as crônicas mais longas. A coletânea "Sempre Repórter", lançada agora pela Carambaia, é composta por 32 desses textos, escolhidos por ela mesma, dois anos antes de morrer, aos 99.

New Yoker 90 anos - fotos

Entre os artigos mais significativos estão perfis de escritores, artistas e alguns anônimos que lhe chamavam a atenção. Ross dizia que nunca trataria de um personagem que não lhe agradasse, e tinha ojeriza de não ficção que se metia a elucubrar o que os biografados estavam pensando.

Gostava de transpor certa linguagem cinematográfica em seus escritos "com diálogos e ações", mais do que longas descrições, e repudiava aqueles de sua geração que usavam a escrita para desvios ensaísticos. "Isso não é jornalismo", dizia. Para ela, a opinião do jornalista tinha de ficar para ele, e o que o entrevistado realmente pensava era impossível de saber e, portanto, intransponível para o papel.

Difícil fazer uma escolha dos melhores textos, mas sua perspicaz descrição de Ernest Hemingway está entre eles — um homem cheio de contradições, machismos e manias com quem ela conseguiu estabelecer uma conexão única. Em outro texto, descreve a reação ao então novo disco dos Beatles, "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", e recebe nada menos que a mensagem de um dos integrantes do grupo para comentar.

Beatles - fotos

E o que dizer da abertura de um texto seu que, pelo que consta, enfureceu seus chefes? Ao escrever sobre um campeonato de Miss América, diz logo de cara que negras não podiam participar. O resto do texto, não menos irônico, já mostra o anacronismo daquilo tudo no fim dos anos 1940.

Há um trecho do que seria um de seus livros mais famosos, "Filme", resultado de uma série de reportagens que produziu com apenas 25 anos, quando acompanhou a saga dos bastidores da filmagem de "A Glória de um Covarde", de John Huston, e a maneira cruel como o filme foi despedaçado pela máquina de Hollywood.

Arguta, Ross foi autora de 11 livros, entre eles "Here But Not Here: A Love Story", de 1998, em que revelou algo que todos do mercado editorial já sabiam — que ela havia mantido por décadas um caso com William Shawn, editor da revista. Quando o livro saiu, ele já havia morrido, mas não sua mulher, que beirava os 90 anos. O caso de ambos jamais foi um segredo.

Em 2006, a jornalista esteve na Festa Literária Internacional de Paraty. Como tradicionalmente costumava acontecer, um dos descendentes de dom Pedro 1o, conhecido como dom Pedrinho, reunia os convidados da Flip para um almoço. A reportagem da Folha estava presente.

Ross, que não conhecia o passado imperial do Brasil, parou curiosa diante de um quadro que representava dom Pedro 2º. Ele explicou a história de modo breve, dizendo: "Eu estou aqui por causa de Napoleão". Ela ficou interessadíssima.

Embora dom Pedrinho de Paraty não seja um herdeiro direto da Coroa, caso ainda vivêssemos nesse regime, Ross lhe perguntou: "Mas é verdade que só 10% das pessoas sabem que ainda existe a família real?". Ao que ele respondeu: "Mas 10% é muita coisa, veja quanta gente vive no Brasil".

Como Ross era uma jornalista totalmente dedicada, essa história foi parar, dali a alguns meses, também nas páginas da New Yorker.

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Sempre Repórter – Textos da Revista 'The New Yorker', Preço R$ 149,90 (432 págs.)

Autoria Lillian Ross, Editora Carambaia, Tradução Jayme da Costa Pinto

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Emendas orçamentárias e Dino

Emendas avançam sobre Orçamento e consomem até 74% da verba dos ministérios

Esporte é pasta sob maior controle do Congresso; emendas bancam mais de 80% do investimento em dez institutos federais de educação 

Mateus Vargas, fsp, 12/01/2025

O aumento expressivo da verba destinada às emendas parlamentares levou deputados e senadores a indicarem até três quartos do orçamento de determinados ministérios do governo Lula (PT) em 2024. A maior proporção (74%) é a registrada no Ministério do Esporte, comandado por André Fufuca (PP-MA). A pasta teve R$ 1,3 bilhão direcionado pelo Congresso.

O levantamento considera recursos discricionários (verbas para custeio e investimentos) que foram empenhados no mesmo ano. O empenho é a etapa que antecede o pagamento. O Ministério do Turismo, chefiado por Celso Sabino (União-PA), outro nome indicado pelo centrão, vem em segundo lugar, com 69%. Os dados mostram que, além de ter restringido a autonomia do governo, o controle do Congresso sobre orçamento tornou órgãos federais dependentes das indicações políticas.

De todo o recurso federal discricionário, que somou R$ 230,1 bilhões em empenhos em 2024, cerca de 19,5% foram direcionados por emendas parlamentares, um percentual inédito.

As indicações parlamentares explodiram principalmente a partir de 2020. Em 2019, antes da escalada desse modelo, sob o governo Jair Bolsonaro (PL), as indicações de deputados e senadores alcançavam menos de 8% do valor discricionário empenhado.

Essas indicações ocuparam cerca de 13,8% deste recorte do Orçamento em 2022. No ano seguinte, o percentual foi a cerca de 16,6%. O cálculo considera os recursos discricionários federais, ou seja, verbas assinadas por ministros e gestores federais, além das indicações parlamentares, e que são usadas no custeio e investimentos em políticas públicas. A mesma conta não avalia as despesas obrigatórias, como aquelas usadas em salários e aposentadorias.

As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro federal para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político.

A prioridade do Congresso, no entanto, tem sido atender seus redutos eleitorais, não as localidades de maior demanda no país, e o uso desse recurso ainda acumula denúncias de irregularidades.

Na pasta do Esporte, cerca de R$ 700 milhões em emendas foram empenhados para instituições sem fins lucrativos, como ONGs. O suposto favorecimento a algumas dessas entidades está na mira do STF (Supremo Tribunal Federal).

Uma das ONGs mais favorecidas com as verbas reservadas pelo Esporte, com cerca de R$ 40 milhões no ano, é a Associação Moriá. A entidade é comandada por militares e ex-integrantes do governo Bolsonaro e recebeu emendas da bancada do Distrito Federal para instalar um projeto com jogos digitais em Brasília, como a Folha mostrou.

No caso da Saúde, deputados e senadores direcionaram 44% dos recursos discricionários, somando R$ 25 bilhões. A pasta da ministra Nísia Trindade costuma receber as maiores fatias de emendas, pois os parlamentares são obrigados a aplicar parte das indicações na área.

Mesmo com um controle inédito do Orçamento, lideranças do Congresso mantêm a cobrança constante pela liberação dos recursos do ministério. Para aliviar a pressão, a Saúde aumentou o teto de emendas que diversos municípios poderiam receber no último ano, meses antes das eleições municipais.

O dinheiro de emendas da pasta é destinado principalmente aos caixas de estados e municípios e, em alguns casos, responde por proporção relevante do orçamento local.

Em Duque de Caxias (RJ), por exemplo, cerca de R$ 545 milhões foram indicados por parlamentares desde 2020. O valor representa quase um quarto de todos os repasses federais ao fundo de saúde municipal no mesmo intervalo.

Órgãos vinculados

Os dados sobre a execução do orçamento de órgãos vinculados aos ministérios mostram dependência ainda maior das emendas.

No último ano, dez institutos federais de educação tiveram mais de 80% de todos os seus investimentos (verbas para compra de equipamentos e obras) custeados por emendas.

As indicações parlamentares alcançaram quase 99% dos R$ 85 milhões investidos pelo Instituto Federal do Espírito Santo durante o ano. As principais fontes de recursos foram as indicações assinadas pela bancada estadual.

"É importante destacar que, embora as emendas tenham sido fundamentais neste momento, elas não representam a forma mais adequada de distribuição orçamentária para uma rede que é, acima de tudo, uma política de Estado", disse o Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica).

"Em princípio, não há nada de errado em alguém colocar uma emenda para uma universidade do seu estado, por achar importante, mas virou quase uma regra", afirmou Claudia Costin, ex-diretora global de educação do Banco Mundial e especialista em políticas educacionais.

"As universidades acabam perdendo a autonomia, porque precisam mendigar uma emenda aqui, outra ali. Não é saudável", completa.

Neste domingo (12), o ministro Flávio Dino, do STF, determinou que a União e os estados publiquem, em até 30 dias, regras sobre o envio de verbas de emendas parlamentares a universidades e fundações ligadas a instituições de ensino superior.

Em nota, a Secretaria de Relações Institucionais, comandada pelo ministro Alexandre Padilha (PT-SP) e que faz a interlocução com o Congresso, disse que cabe ao Executivo a execução da Lei Orçamentária, enquanto o Congresso "detém a competência para incluir emendas".

O ministério ainda afirmou que a lei complementar 210, sancionada em novembro, limita o crescimento das emendas pela regras do arcabouço fiscal e traz outros avanços, como a "exigência de aplicação a projetos de interesse nacional ou regional, no caso das emendas de comissão".

O Ministério do Esporte, que detém a maior proporção das emendas no Orçamento, afirmou que não faz distinção sobre a origem dos recursos. "O fato de uma parcela significativa dos nossos recursos virem de emendas parlamentares só reforça a importância de uma boa interlocução entre o Executivo e o Legislativo."

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Dino dá 30 dias para União e estados publicarem regras para emendas a universidades

Ministro apontou 'número significativo de fundações de apoio' às instituições em auditoria da CGU

Mateus Vargas, fsp, 12/01/2025

O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou neste domingo (12) que a União e os estados publiquem, em até 30 dias, regras sobre o envio de verbas de emendas parlamentares a universidades e fundações ligadas a instituições de ensino superior.

As novas normas e orientações devem garantir a "aplicação e prestação de contas adequadas" das emendas, "com transparência e rastreabilidade", afirmou Dino.

A decisão é um desdobramento de auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre a transparência na execução das verbas de emendas por 33 instituições sem fins lucrativos, incluindo ONGs e as fundações ligadas às universidades.

No último dia 3, o ministro suspendeu repasses a 13 destas instituições. Segundo ele, elas forneceram dados detalhados sobre o uso dos recursos indicados por deputados e senadores. A CGU avaliou se as organizações divulgam na internet, "de forma acessível, clara, detalhada e completa, o recebimento e a execução dos recursos".

Dino cobrou neste domingo a elaboração da nova regra ao apontar que "há um número significativo de fundações de apoio a universidades" entre as organizações incluídas na auditoria da Controladoria. "Ademais, há relatos nos autos de que tais fundações, por intermédio de contratações de ONGs sem critérios objetivos, têm servido como instrumentos para repasses de valores provenientes de emendas parlamentares", afirmou ainda o ministro do Supremo.

A determinação estabelece que MEC (Ministério da Educação), CGU (Controladoria-Geral da União) e a AGU (Advocacia-Geral da União), além dos estados, devem elaborar a nova norma sobre as emendas.

Desde a suspensão dos repasses, as fundações ligadas às universidades têm dito ao STF que já são transparentes sobre as emendas ou que fizeram adequações nos para cumprir a determinação de Dino. As entidades pedem a liberação dos recursos.

A Fapur, fundação ligada à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, afirmou ao STF que "prontamente providenciou a regularização de seu site" e incluiu link específico com "a relação discriminada das emendas e empenhos recebidos, por ordem cronológica de exercício financeiro, relação dos convênios e termos de repasse/parceria, origem dos recursos, valores recebidos", entre outros dados.

Na sexta-feira (10), Dino acionou a CGU para avaliar se as fundações que já acionaram o STF de fato passaram a apresentar os dados corretamente.

Em agosto, o ministro havia determinado que ONGs e demais entidades do terceiro setor deveriam informar, na internet, os valores recebidos das emendas parlamentares de 2020 a 2024, "e em que foram aplicados e convertidos".

Nos processos relacionados às emendas, ele também determinou à CGU diversas análises, incluindo sobre os repasses.

Na decisão de 3 de janeiro, o ministro determinou que a Controladoria deve realizar nova auditoria específica sobre as 13 entidades em até 60 dias. As instituições que tiveram a verba cortada também serão intimadas para, em dez dias, publicar nos seus sites as emendas recebidas.

No relatório já apresentado a Dino sobre o repasse de emendas as ONGs, a CGU afirma que "a ausência ou insuficiência de transparência ativa dificulta o controle, especialmente o controle social, essencial para a supervisão adequada e a garantia de accountability na aplicação dos recursos públicos".

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Inflação 4,83%

Inflação fecha 2024 em 4,83% e estoura teto da meta

Mercado projetava IPCA de 4,84%, após alta de 4,62% em 2023; desafios seguem em 2025 

Leonardo Vieceli, fsp, 10/01/2025

A inflação oficial do Brasil, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), fechou o acumulado de 2024 em 4,83%, segundo dados divulgados nesta sexta (10) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A alta veio após variação de 4,62% em 2023.

O resultado de 2024 confirma o estouro do teto da meta de inflação, definido em 4,5%. Assim, o novo presidente do BC (Banco Central), Gabriel Galípolo, terá de escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O documento deve explicar os motivos que levaram ao descumprimento do alvo, que tinha centro de 3% e intervalo de tolerância de 1,5% (piso) a 4,5% (teto).

Galípolo será o autor da oitava carta desde a adoção do sistema de metas, em 1999 –o seu antecessor, Roberto Campos Neto, escreveu duas.

A variação de 4,83% veio praticamente em linha com a mediana das projeções do mercado financeiro, que era de 4,84%, segundo a agência Bloomberg. O intervalo das estimativas ia de 4,7% a 4,91%.

Em 2023, o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a inflação havia fechado abaixo do teto da meta, que era de 4,75%. O resultado registrado à época (4,62%) veio após dois anos consecutivos de estouro do objetivo, em 2022 (5,79%) e 2021 (10,06%), durante o governo Jair Bolsonaro (PL).

Resultado mensal

No recorte mensal, a inflação acelerou a 0,52% em dezembro de 2024, apontou o IBGE. A taxa havia sido de 0,39% em novembro.

Analistas do mercado esperavam IPCA de 0,53% para o último mês do ano passado, conforme a mediana de pesquisa da Bloomberg. O intervalo das estimativas ia de 0,42% a 0,6%.

Cenários de 2024 e 2025

Em 2024, a inflação foi influenciada pela carestia dos alimentos, que vinham de trégua em 2023. Os preços ficaram mais altos em meio a problemas climáticos que reduziram a oferta de parte das mercadorias.

O dólar teria gerado impacto adicional. A moeda americana em elevação estimulou exportações de itens como carnes, provocando reflexos na oferta interna, segundo analistas.

Eles também citam a demanda aquecida com a melhora do mercado de trabalho como um dos fatores responsáveis pela pressão nos preços.

Em 2025, as previsões indicam que a inflação dos alimentos pode ficar menor com a ampliação esperada para a safra agrícola. O país, contudo, ainda deve enfrentar desafios no controle de diferentes preços.

Dólar alto, impacto do desemprego baixo na demanda por serviços, pressão na gasolina e reajustes já confirmados em tarifas do transporte público fazem parte dessa lista.

Para o IPCA de 2025, as projeções do mercado estão em 4,99%, conforme a mediana do boletim Focus mais recente, divulgado pelo BC na segunda (6).

Mudança na meta

O centro da meta de inflação segue em 3% neste ano, com intervalo de tolerância de tolerância de 1,5% (piso) a 4,5% (teto).

Há, porém, uma mudança: o BC passa a perseguir o objetivo de forma contínua. Isso significa que o chamado ano-calendário, de janeiro a dezembro, será abandonado após 2024.

No modelo contínuo, a partir deste ano, a meta será considerada descumprida quando a variação do IPCA em 12 meses ficar por seis meses seguidos fora do intervalo de tolerância (1,5% a 4,5%). O índice está acima do teto desde outubro.

O sistema de metas funciona como âncora para a condução da política monetária do BC. Com o aumento das expectativas de inflação, a instituição passou a subir a taxa básica de juros, a Selic, que está em 12,25% ao ano.

A medida busca esfriar a demanda por bens e serviços e, assim, reduzir a pressão sobre os preços. Analistas esperam Selic de 15% ao final de 2025, de acordo com o Focus.

O possível efeito colateral do aperto monetário é a desaceleração da atividade econômica. Os juros elevados dificultam o consumo e os investimentos produtivos.

Real, 30 anos: entenda como o plano econômico que fundou a moeda brasileira controlou a inflação 

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Suflê da Eunice

Suflê de 'Ainda Estou Aqui' não é um suflê

Filha de Eunice Paiva revela a receita que fazia sucesso com a família na época retratada por filme de Walter Salles 

Marcos Nogueira, fsp, 07/01/2025

Uma entidade gastronômica perpassa o enredo de "Ainda Estou Aqui": o suflê de Eunice, viúva de Rubens Paiva, interpretada no filme pelas Fernandas Torres e Montenegro.

Suflê seria o almoço servido no dia em que agentes da repressão sequestraram o ex-deputado. Na cena final, quando Eunice já sofria de demência senil, sua família fracassou ao reproduzir a receita.

Ocorre que, na vida real, o suflê não era um suflê. Era uma musse de salsão —ou aipo, nome que o vegetal recebe no Rio.

Receita escrita à mão por Eunice Paiva - Eliana Paiva/Arquivo pessoal 

"Naquela época não se fazia tanta distinção nominal", diz Eliana Paiva — a filha que, aos 15 anos, foi levada com Eunice para um centro de detenção e tortura do Exército.

Pode ser que a família Paiva chamasse de a musse de suflê. Ou pode ser que a produção do filme, por licença poética, tenha trocado o cardápio. O que importa é que as filhas guardaram a receita manuscrita por Eunice.

Eliana conta que a mãe cozinhava muito bem. "Por meu pai ter sido deputado e depois disso ainda figura pública, ela fazia muitos almoços e jantares em casa, já em uma época que tínhamos cozinheira. Mas era a Eunice a decidir sobre os menus."

Ao examinar a receita em si, você perceberá que ela é um tanto peculiar. Segundo Eliana, a família apelidou a musse de Kolynos — alusão à marca de pasta de dente mais famosa naqueles tempos— devido ao sabor marcante do salsão cru. Picles, ricota, maionese e gelatina de limão completam a lista de ingredientes.

Se a combinação lhe causa espanto, é porque você não viveu a loucura dos anos da Guerra Fria.

Da década de 1960 à de 80, a indústria alimentícia operou uma lavagem cerebral em massa. Convenceu populações inteiras de que misturas químicas e produtos enlatados eram o futuro, o caminho do progresso da humanidade.

Havia um sentimento de que as fábricas produziam alimentos melhores do que os naturais. Tem a ver com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, sem poder abrir mão das tarefas domésticas: faltava-lhes tempo para cozinhar, e tais atalhos pareceram convenientes demais.

Assim, receitas de gerações foram incorporando elementos como gelatina, salsichas, presuntada, sopa em pó ou em lata, ketchup, leite condensado.

A receita de Eunice Paiva é totalmente datada e, exatamente por isso, fascinante. Assim como o filme de Walter Salles, é um documento de uma época passada que sempre volta para nos assombrar.

MUSSE DE SALSÃO

Rendimento: 8 porções

Dificuldade: fácil

Tempo de preparo: 10 minutos (mais o tempo de geladeira)

Ingredientes

    2 caixas de gelatina sabor limão (ou 2 envelopes de gelatina sem sabor mais o suco de 1 limão)

    1 salsão inteiro, picado

    500 g de ricota

    1 vidro de maionese

    1 colher (sopa) de picles de pepino

Preparo

    Dissolva a gelatina em 2 xícaras de água quente. Reserve.

    Bata os ingredientes restantes no liquidificador. Transfira para uma travessa e misture com a gelatina diluída.

    Deixe na geladeira até a gelatina endurecer, pelo menos 2 horas. Desenforme e sirva com salada de batatas, decorada com folhas de alface e fatias de presunto.


Eunice Paiva recebe certidão de óbito de Rubens Paiva, em 1996 - fotos

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Na encruzilhada das plataformas, Zuckerberg escolhe o lado da barbárie

Rodrigo Ratier, UOL, 07/01/2025

É chocante o pronunciamento de Mark Zuckerberg, manda-chuva da Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), recém-publicado em suas redes, em que ele se ajoelha diante da eleição de Donald Trump.

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, durante evento Meta Connect, realizado em setembro de 2024 Imagem: Manuel Orbegozo/Reuters

Numa linha argumentativa típica de deputado bolsonarista do baixo clero, Zuckerberg afirma que regulação de conteúdo é censura. É a cantilena básica da extrema direita, e a lista de ações que ele propõe preenche o bingo completo dessa turma:

Diminuição de filtros contra conteúdos nocivos, "porque isso é censura"; Fim da checagem de fatos, porque os checadores são "muito enviesados politicamente";

Retorno à promoção de conteúdo político (no caso, da extrema direita, que sabe surfar a economia de atenção das redes), porque as pessoas "as pessoas estão sentindo falta";

Liberação de conteúdos sobre gênero e imigração (atualmente, diz Zuck, as plataformas estão "fora de contato" com as conversas que rolam na sociedade). Sob a máscara de "promoção da livre expressão", o próprio Zuckerberg reconhece que uma "série de coisas ruins vão passar [a ser liberadas]", porque hoje existem "muitos erros e muita censura".

Ao dizer que "pessoas inocentes têm conteúdos censurados", faz caricatura das leis e normas de regulação, que preveem gradualidade nas sanções (diversos tipos de alerta antes de suspensão ou de eventual exclusão) e escrutínio mais rigoroso para contas grandes (pessoas com maior probabilidade de causar dano social). O "cidadão comum" nunca esteve sob qualquer tipo de ameaça pela regulação. Ao mencionar o resultado das eleições americanas como dínamo do cavalo de pau, Zuckerberg deixa claro que suas motivações são políticas. Ajoelhar-se diante de Trump significa trabalhar em uma versão própria do imperialismo falacioso do Make America Great Again.

É comprar briga com a Europa e suas "leis que institucionalizam a censura" e a China e suas restrições às empresas americanas — à América Latina, Zuckerberg projeta a imagem de repúblicas bananeiras e suas "Cortes secretas" que arbitrariamente censuram suas indefesas multimilionárias empresas.

É uma aposta arriscada, uma espécie de "all in" na polarização.

Se há algo de positivo é a queda das máscaras. Os reis estão nus. Como mostram Elon Musk e, agora, Zuckerberg, as plataformas nunca foram espaços neutros. Seus magnatas nunca foram democratas, nem se preocupam com a qualidade do debate público. Zuckerberg é uma biruta de vento que capta o sopro do dinheiro. No caso das redes da Meta, a novidade é a opção, agora explícita, por uma linha editorial da barbárie. Escândalos como o da Cambridge Analytica haviam obrigado a empresa a vestir uma capa supostamente civilizatória. Mas é uma "nova era", como classifica o tecnomagnata, e a esfera pública digital que ele propõe é uma em que se pode xingar, agredir, gritar, mentir, ameaçar — e receber como prêmio a visibilidade.

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Luiz Antônio Simas

CHARLA #339 - Luiz Antonio Simas 

 CHARLA #178 - Luiz Antônio Simas 

CHARLA #139 - Luiz Antonio Simas 

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Lula entrega na área social, mas tropeça na economia com brigas com mercado

Lucas Borges Teixeira, UOL, 07/01/2025

Em dois anos de mandato, o governo Lula (PT) tem conseguido entregar parte das promessas de campanha nas áreas econômica e social, mas as constantes brigas com o mercado, impulsionando o dólar, e a inflação têm prejudicado a economia (e a imagem) da gestão.

O que aconteceu

O governo tem melhorado indicadores sociais. O número de pessoas em extrema pobreza caiu, o desemprego diminuiu significativamente e o salário mínimo tem tido ganho real, como prometido em 2022.

Isso é menos notado do que o governo esperava, o que causa preocupação no Planalto. Duas pesquisas recentes do Datafolha mostram que, pelo olhar da população, as coisas não vão tão bem assim: 61% dos brasileiros dizem ver a economia no caminho errado, ao passo que apenas 27% aprovam a gestão de Fernando Haddad na Fazenda.

As brigas de Lula com o mercado tampouco têm ajudado. Após a decisão de incluir a isenção do Imposto de Renda até R$ 5.000 no pacote fiscal —uma cobrança do setor financeiro a que Lula resistia a aderir—, o dólar bateu sucessivos recordes no final do ano, chegou a operar em R$ 6,30, o maior valor nominal da história, e começou 2025 acima dos R$ 6,15, o que deve impulsionar, entre outras coisas, a inflação. Também houve reflexo com o prometido corte de gastos, que veio mais tímido do que queriam os investidores.

Bons resultados econômico-sociais

O Planalto tem buscado ressaltar os dados positivos da equipe econômica. Em especial na área social, o governo tem conseguido entregar parte das promessas de Lula desde que assumiu, fato que ele atribui ao trabalho de Haddad, seu pupilo, com ajuda da ministra Simone Tebet, no Planejamento e Orçamento.

O desemprego está em taxas históricas baixas. No trimestre terminado em novembro, atingiu 6,1%, a menor taxa da série histórica iniciada em 2021— logo, menor taxa desde quando o PT ainda estava no poder, sob Dilma Rousseff. Mais do que isso, uma pesquisa da FGV revelou que 91% das vagas geradas entre janeiro de 2023 e setembro de 2024 foram ocupadas por integrantes do Bolsa Família inscritos no CadÚnico — ou seja, parte da população com menor poder financeiro.

O governo também reduziu a extrema pobreza. Em um ano, 8,7 milhões de brasileiros saíram da pobreza, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A população pobre caiu de 67,7 milhões para 59 milhões de 2022 para 2023. É o menor nível desde 2012.

A balança comercial brasileira fechou 2024 com superávit de US$ 74,6 bilhões. O número é considerado o segundo maior da série histórica (desde 1989), perdendo apenas para 2023, primeiro ano de Lula, quando o resultado positivo foi de US$ 98,9 bilhões, segundo o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), chefiado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).

As projeções do PIB (Produto Interno Bruto) aumentaram. Em dezembro, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) subiu a estimativa de crescimento do PIB em 2024 de 2,4% para 3,4%.

Parte da indústria voltou a crescer. Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), o setor automotivo brasileiro foi o que mais cresceu no mundo em 2024, com alta de 15% nas vendas. Na área de construção civil, o crescimento foi de 4,1%, segundo a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

Brigas com mercado e inflação

Como contraponto, não faltaram polêmicas ligadas à área econômica. Resistente a interferências externas, o presidente entrou em pé de guerra com o setor financeiro e com Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central, no segundo semestre.

Na visão de Lula, a gestão tem sofrido boicote. Enquanto agentes do mercado alegam que a gestão petista resiste em mostrar um plano duradouro para apertar o cinto, no Planalto há um consenso de que tanto a Faria Lima quanto o BC sob Campos Neto queriam estimular alta dos juros para favorecer investimentos em renda fixa.

Em vez de apaziguar os ânimos, Lula passou os últimos meses dobrando a aposta. Repetiu que despesas ligadas a educação e saúde "não são gastos" e flertou com não cumprir a meta de déficit zero estipulada pelo próprio governo no arcabouço fiscal.

O dólar estourou e, com ele, a inflação, principal medo da atual gestão. Com a prévia da inflação oficial em 0,34% em dezembro, segundo dados apresentados no dia 27 pelo IBGE, o país deverá fechar 2024 na taxa de 4,71%, acima do teto da meta de 3% (com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual).

Já o BC prevê a inflação em 4,84% ao final do ano. O dado oficial será divulgado no próximo dia 10.

A notícia é pior ainda porque é puxada por alimentos. No segundo semestre, a carne —foco da campanha de Lula (quem não lembra das falas sobre a picanha?)— foi um dos produtos que mais cresceram, aumentando 8% só em novembro.

Melhoria na comunicação

Lula tem atribuído esta dissonância, como ele considera, à comunicação. Apesar de parte das falas saírem do próprio presidente, há desde o começo do mandato um entendimento de que os feitos do governo, como os citados acima, não chegam à população, o que atrapalha a imagem da própria gestão.

O presidente não esconde o descontentamento e deverá haver mudanças. O ministro Paulo Pimenta, da Secom (Secretaria de Comunicação Social), deverá ser substituído pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, responsável pela campanha eleitoral vitoriosa de 2022.

O foco será exatamente expor de forma mais eficiente as conquistas do governo. No Planalto, não se esconde que 2026 já começa no início deste ano e bons resultados econômicos, assim como uma boa imagem da gestão, são cruciais para segurar a opinião pública e conseguir mais apoios para uma possível reeleição de Lula.

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Fernanda Torres no Globo de Ouro 

O que vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro ensina ao nosso cinema

Roberto Sadovski, Splash, 06/01/2025

Fernanda Torres comemora sua vitória no Globo de Ouro 2025 Imagem: Kevin Mazur/Getty Images

Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro como melhor atriz na categoria drama. Como somos brasileiros, celebramos como se fosse vitória da seleção. E meio que é: pela primeira vez o cinema brasileiro ganha um holofote na festa dos vizinhos lá de cima, mostrando ao mundo, ao vivo e na TV, a força de uma de nossas atrizes mais espetaculares.

A vitória de Fernanda foi uma das poucas surpresas em uma cerimônia até então modorrenta, marcada por apresentadores desconfortáveis com o texto pavoroso e pela produção desleixada. Mas tudo bem. Em meio ao caos, ela atropelou as estrelas Nicole Kidman (por "Babygirl") e Angelina Jolie ("Maria Callas"), puxou o tapete da volta por cima de Pamela Anderson ("The Last Showgirl") e ganhou fãs entusiasmadas em Tilda Swinton "O Quarto ao Lado") e Kate Winslet ("Lee").

Foi a cereja no bolo que, até então, já estava devidamente regado a champanhe. Ao longo da trajetória de Fernanda - e do drama "Ainda Estou Aqui" -, tanto a atriz quanto o diretor Walter Salles deixaram claro que o fato de ter uma indicação já era para ser celebrado. Garfar uma estatueta em uma cerimônia feita por eles e para eles, contudo, abre mais janelas para que a produção audiovisual brasileira atravesse nossas fronteiras.

Essa internacionalização é importantíssima, porque com ela vem o desejo em ver mais histórias com nosso DNA - "Fale de sua aldeia e estará falando do mundo", disse Tolstoi. É um efeito dominó, que pode resultar em mais investimento e um maior fortalecimento de nossa indústria. Até porque cinema é uma expressão artística, mas também um núcleo de produção que precisa ser nutrido. É aqui que a tolice da divisão de cinema " de arte" e "comercial" precisa ser apagada.

A jornada de "Ainda Estou Aqui", que culminou com o Globo de Ouro para Fernanda Torres, é resultado de uma ação conjunta que começa no desenvolvimento criativo de um projeto e se ramifica como empreendimento corporativo. É preciso investimento para bancar uma campanha, para fazer com que as pessoas certas assistam ao filme, e isso depende de uma ação conjunta entre os talentos artísticos e o estúdio versado nos pormenores de uma campanha.

Enxergar o cinema como produto, de forma profissional, de forma alguma arranha as qualidades artísticas de "Ainda Estou Aqui". Pelo contrário, o engajamento pós-lançamento, que aspira também o reconhecimento internacional, só foi disparado porque o trabalho de Walter Salles é uma pérola, um filme emocionante, que abraça um dos períodos mais sombrios de nossa história - a ditadura militar - sob o prisma universal de uma tragédia familiar.

O Brasil, claro, viu no filme um espelho incômodo e necessário, e transformou "Ainda Estou Aqui" em um sucesso que já levou mais de 3 milhões de pessoas aos cinemas. O efeito cascata é recuperar o interesse do brasileiro em se ouvir na sala escura. "O Auto da Compadecida 2", lançado no dia do Natal, já cruzou a barreira de um milhão de pessoas nos cinemas. Filmes que miram em públicos diversos, como "Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa" e "Baby", podem - e devem - despertar o mesmo interesse.

Claro que muita gente queria uma vitória completa, com a consagração de "Ainda Estou Aqui" também como melhor filme internacional. Não foi desta vez. O Globo de Ouro na categoria foi para "Emilia Pérez", que também sagrou-se como melhor filme na categoria musical/comédia, melhor atriz coadjuvante (Zoe Saldaña) e melhor canção ("El Mal").

O ótimo filme de Jacques Audiard sai da cerimônia do Globo de Ouro bem credenciado para o Oscar, disputando o favoritismo cabeça a cabeça com "O Brutalista" (vencedor como melhor filme - categoria drama, melhor direção e melhor ator para Adrien Brody).

A vitória de Fernanda Torres, contudo, aumenta sua visibilidade e chama a atenção dos votantes para o prêmio da Academia. Sonhar a gente pode - tanto que cá estamos, comemorando. Deixo para vocês completarem o provável diálogo no dia seguinte em Los Angeles: "Menina, você viu a Fernanda Torres no after party do Globo de Ouro?" É com você, Brasil!

Vídeo 1

Vídeo 2


Globo de Ouro 2025: confira a lista completa de vencedores

Splash, 05/01/2025 

Categorias de cinema

Melhor atriz coadjuvante

Selena Gomez, "Emilia Pérez"

Ariana Grande, "Wicked"

Felicity Jones, "O Brutalista"

Margaret Qualley, "A Substância"

Isabella Rossellini, "Conclave"

Zoe Saldaña, "Emilia Pérez" (VENCEDORA)

Melhor ator coadjuvante

Yura Borisov, "Anora"

Kieran Culkin, "A Verdadeira Dor" (VENCEDOR)

Edward Norton, "Um Completo Desconhecido"

Guy Pearce, "O Brutalista"

Jeremy Strong, "O Aprendiz"

Denzel Washington, "Gladiador II"

Melhor roteiro de filme

Brady Corbet, Mona Fastvold ("O Brutalista")

Coralie Fargeat ("A Substância")

Jacques Audiard ("Emilia Pérez")

Jesse Eisenberg ("A verdadeira dor")

Peter Straughan ("Conclave") (VENCEDOR)

Sean Baker ("Anora")

Melhor filme estrangeiro

"Tudo que Imaginamos Como Luz"

"Emilia Pérez" (VENCEDOR)

"The Girl with the Needle"

"Ainda Estou Aqui"

"The Seed of the Sacred Fig"

"Vermiglio"

Melhor atriz em filme musical ou comédia

Amy Adams, "Nightbitch"

Cynthia Erivo, "Wicked"

Karla Sofía Gascón, "Emilia Pérez"

Mikey Madison, "Anora"

Demi Moore, "A Substância" (VENCEDORA)

Zendaya, "Rivais"

Melhor ator de filme musical ou comédia

Jesse Eisenberg, "A Verdadeira Dor"

Hugh Grant, "Herege"

Gabriel LaBelle, "Saturday Night"

Jesse Plemons, "Tipos de Gentileza"

Glen Powell, "Assassino por Acaso"

Sebastian Stan, "Um Homem Diferente" (VENCEDOR)

Melhor filme de animação

"Flow" (VENCEDOR)

"Divertidamente 2"

"Memoir of a Snail"

"Moana 2"

"Wallace & Gromit: Avengança"

"Robô Selvagem"

Melhor diretor

Jacques Audiard, "Emilia Pérez"

Sean Baker, "Anora"

Edward Berger, "Conclave"

Brady Corbet, "O Brutalista" (VENCEDOR)

Coralie Fargeat, "A Substância"

Payal Kapadia, "Tudo que Imaginamos Como Luz"

Melhor trilha sonora - filme

"Conclave"

"O Brutalista"

"Robô Selvagem"

"Emilia Pérez"

"Rivais" (VENCEDOR)

"Duna: Parte Dois"

Melhor canção original - filme

"The Last Showgirl" (Beautiful That Way)

"Rivais" (Compress / Repress)

"Emilia Pérez" (El Mal) (VENCEDOR)

"Better Man" (Forbidden Road)

"Robô Selvagem" (Kiss The Sky)

"Emilia Pérez" (Mi Camino)

Melhor realização cinematográfica e de bilheteria

"Alien: Romulus"

"Beetlejuice Beetlejuice"

"Deadpool & Wolverine"

"Gladiador II"

"Divertidamente 2"

"Twisters"

"Wicked" (VENCEDOR)

"Robô Selvagem"

Melhor atriz em filme de drama

Angelina Jolie, "Maria"

Nicole Kidman, "Babygirl"

Tilda Swinton, "O Quarto ao Lado"

Fernanda Torres, "Ainda Estou Aqui" (VENCEDORA)

Pamela Anderson, "The Last Showgirl"

Kate Winslet, "Lee"

Melhor ator em filme de drama

Adrien Brody, "O Brutalista" (VENCEDOR)

Timothée Chalamet, "Um Completo Desconhecido"

Daniel Craig, "Queer"

Colman Domingo, "Sing Sing"

Ralph Fiennes, "Conclave"

Sebastian Stan, "O Aprendiz"

Melhor filme de drama

"O Brutalista" (VENCEDOR)

"Um Completo Desconhecido"

"Conclave"

"Duna: Parte Dois"

"Nickel Boys"

"September 5"

Melhor filme de comédia ou musical

"Anora"

"Rivais"

"Emilia Pérez" (VENCEDOR)

"A Verdadeira Dor"

"A Substância"

"Wicked"

Categorias de TV

Melhor atriz em série de comédia

Kristen Bell, "Ninguém Quer"

Quinta Brunson, "Abbott Elementary"

Ayo Edebiri, "O Urso"

Selena Gomez, "Only Murders in the Building"

Kathryn Hahn, "Agatha Desde Sempre"

Jean Smart, "Hacks" (VENCEDORA)

Melhor ator em série de drama

Donald Glover, "Sr. e Sra. Smith"

Jake Gyllenhaal, "Acima de Qualquer Suspeita"

Gary Oldman, "Slow Horses"

Eddie Redmayne, "O Dia do Chacal"

Hiroyuki Sanada, "Shogun" (VENCEDOR)

Billy Bob Thornton, "Landman"

Melhor atriz coadjuvante de série de TV

Liza Colón-Zayas, "O Urso"

Hannah Einbinder, "Hacks"

Dakota Fanning, "Ripley"

Jessica Gunning, "Bebê Rena" (VENCEDORA)

Allison Janney, "A Diplomata"

Kali Reis, "True Detective: Night Country"

Melhor ator coadjuvante de série de TV

Tadanobu Asano, "Shogun" (VENCEDOR)

Javier Bardem, "Monstros: Irmãos Menendez"

Harrison Ford, "Shrinking"

Jack Lowden, "Slow Horses"

Diego Luna, "A Máquina"

Ebon Moss-Bachrach, "O Urso"

Melhor ator em série de comédia ou musical

Adam Brody, "Ninguém Quer"

Ted Danson, "Um Espião Infiltrado"

Steve Martin, "Only Murders in the Building"

Jason Segel, "Shrinking"

Martin Short, "Only Murders in the Building"

Jeremy Allen White, "O Urso" (VENCEDOR)

Melhor performance de comédia stand-up

Jamie Foxx - "What Had Happened Was"

Nikki Glaser - "Algum Dia Você Vai Morrer"

Seth Meyers - "Dad Man Walking"

Adam Sandler - "Love You"

Ali Wong - "Single Lady" (VENCEDORA)

Ramy Youssef - "Mais Sentimentos"

Melhor ator em série limitada, antologia ou filme para a TV

Colin Farrell, "Pinguim" (VENCEDOR)

Richard Gadd, "Bebê Rena"

Kevin Kline, "Disclaimer"

Cooper Koch, "Monstros: Irmãos Menendez"

Ewan McGregor, "Um Cavalheiro em Moscou"

Andrew Scott, "Ripley"

Melhor atriz em série limitada, antologia ou filme para a TV

Cate Blanchett, "Disclaimer"

Jodie Foster, "True Detective: Night Country" (VENCEDORA)

Cristin Milioti, "Pinguim"

Sofía Vergara, "Griselda"

Naomi Watts, "Feud: Capote vs. the Swans"

Kate Winslet, "O Regime"

Melhor série limitada, antologia ou filme para a TV

"Bebê Rena" (VENCEDOR)

"Disclaimer"

"Monstros: Irmãos Menendez"

"Pinguim"

"Ripley"

"True Detective: Night Country"

Melhor série de comédia

"Abbott Elementary"

"O Urso"

"Magnatas do Crime"

"Hacks" (VENCEDOR)

"Ninguém Quer"

"Only Murders in the Building"

Melhor atriz em série de drama

Kathy Bates, "Matlock"

Emma D'Arcy, "A Casa do Dragão"

Maya Erskine, "Sr. e Sra. Smith"

Keira Knightley, "Black Doves"

Keri Russell, "A Diplomata"

Anna Sawai, "Shogun" (VENCEDORA)

Melhor série de drama

"O Dia do Chacal"

"A Diplomata"

"Sr. e Sra. Smith"

"Shogun" (VENCEDOR)

"Slow Horses"

"Round 6"

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O cinema de Ana Carolina por Lúcia Monteiro

Talvez possa falar de cinema brasileiro. Pobre, arrogante, megalomaníaco, criativo, deformado, sem humildade

No mundo do cinema, diretoras brasileiras são tratadas como coitadas, diz Ana Carolina

Principal mulher a dirigir filmes no Brasil, ela relembra sua trajetória e comenta novo projeto

Lúcia Monteiro, fsp, 05/01/2025

Professora do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense, desenvolve pesquisa com apoio da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro)

[RESUMO] Em atividade desde o final dos anos 1960, com filmes exibidos em alguns dos mais importantes festivais do mundo, a cineasta Ana Carolina se prepara para lançar um novo longa a partir da obra do pintor Di Cavalcanti. Única brasileira a figurar na lista de grandes diretoras da revista Cahiers du Cinéma, ela conta que foi confundida em Paris com uma "índia boliviana" e que nunca pertenceu de fato ao "clube do bolinha" do cinema novo, mas tampouco considera seu cinema feminista.

Década de 1970, rodovia Dutra. A terra do acostamento é molhada pelo xixi que escorre por entre as pernas da criança-mulher interpretada por Cristina Pereira. Ela termina, levanta a calcinha e entra desajeitada no Passat branco.

O pai (Hugo Carvana) então recoloca o carro em movimento. No banco do passageiro, Dona Felicidade (Norma Bengell) puxa assunto com o marido, numa tentativa de discutir a relação e, quem sabe, "salvar essa porcaria de casamento". A filha, no banco de trás, ora se pendura no pescoço do pai, ora perturba a mãe, ora estica as pernas até encostar no teto do carro, interrompendo o diálogo.

A cineasta Ana Carolina em seu apartamento no Leblon, na zona sul do Rio - Eduardo Anizelli - 1º.out.24/Folhapress

Rio de Janeiro, início do século 20. Depois de uma viagem de trem, partindo de um sítio do interior, duas senhoras, na companhia de um leitão vivo e da jovem criada que o carrega nos braços, são recebidas pelo mordomo de um elegante palácio.

Estão à procura da irmã, Amélia, dama de companhia da célebre atriz francesa Sarah Bernhardt. Sobem a escadaria e se instalam em seus aposentos: deixam as malas no quarto, colocam a matula sobre a mesa de jacarandá e libertam o porco. O bicho tenta se locomover pelo chão do cômodo, mas suas patas escorregam sobre o piso bem encerado. Ele guincha insistentemente e defeca por toda parte.

A criada acende o fogareiro para esquentar a comida e acaba queimando a mesa.

O ambiente é um set de filmagem peculiar. Ao fundo, vê-se um cenário pintado, como no teatro. Em primeiro plano, em meio à vegetação de floresta, um diretor de cinema tenta filmar junto à cruz da Primeira Missa.

O trabalho avança om dificuldade e logo é interrompido pela chegada de uma mulher e dois homens de terno, que não aprovam as decisões da rodagem. Um movimento de câmera revela a grua sobre a qual está posicionado o diretor de fotografia, e o grupo de recém-chegados exige que ele entregue o rolo de película. A filmagem é então paralisada. A discussão, não.

Pinçadas de três longas-metragens de Ana Carolina, de períodos distintos de sua obra —respectivamente de "Mar de Rosas" (1977), "Amélia" (2000) e "A Primeira Missa ou Tristes Tropeços, Enganos e Urucum" (2014) —, as três passagens acima dão uma medida da radicalidade permanente da cineasta.

Basta ver um ou dois minutos de qualquer um de seus filmes para reconhecer sua autoria, seja pela maneira como desloca o sentido dos ditados populares e lugares-comuns da fala, seja pela combinação sempre inusitada entre realismo e artificialidade ou ainda pelo humor ácido com que revela aspectos terríveis da sociedade brasileira —machismo, desigualdade social, preconceitos—, bem como as construções do feminino.

Filha de espanhóis, Ana Carolina Teixeira Soares nasceu na capital paulista, formou-se médica pela USP e chegou a trabalhar em ambulatórios. Depois, integrou um grupo de percussão, estudou ciências sociais na PUC e só então ingressou na Escola Superior de Cinema São Luiz, em São Paulo.

O cinema de Ana Carolina - fotos

Já tinha 30 anos quando concluiu o primeiro longa, o documentário "Getúlio Vargas" (1974), fruto de uma pesquisa com os cinejornais do Departamento de Imprensa e Propaganda, filmados durante o Estado Novo. Daí em diante, deixou de assinar com o sobrenome, trocou São Paulo pelo Rio de Janeiro e se firmou na autoria de um cinema absolutamente singular, radical e complexo.

A estreia de "Mar de Rosas", seu primeiro longa de ficção, inspirou uma crítica importante de Jean-Claude Bernardet, depois alçada ao título do livro que ele publicou em 1982, "Piranhas no Mar de Rosas". No texto, o autor situava a obra em um conjunto de raros "filmes de libertação", que "não oprimem nem o assunto abordado, nem os espectadores".

Bernardet enfatizava a recusa de Ana Carolina de "dominar o assunto pelo saber": "'Mar de Rosas' não é um filme sobre a classe média que nos diz que a classe média é assim ou assado, mas um filme que propõe uma forma agressivalegre de se relacionar com um momento histórico". O neologismo, aliás, se aplicaria muito bem à obra subsequente da cineasta.

Mais recentemente, o estranhamento e a ironia presentes no filme foram elogiados pela pesquisadora Karla Holanda no livro "Mulheres de Cinema". A autora enxerga a ironia em primeiro lugar nas ações histéricas das personagens — quando a histeria é um traço normalmente apontado para condenar qualquer rebeldia contra o patriarcado. "Outra ironia", escreve Holanda, "é a permanência na tela, durante todo o filme, da atriz símbolo sexual do Brasil, Norma Bengell, sem maquiagem e com um só figurino, sujo e rasgado".

Aos 81 anos, Ana Carolina se dedica à finalização de um documentário sobre Di Cavalcanti. "Acho que é o primeiro pintor que faz o Brasil com cara de Brasil, que não segue uma escola europeia, não usa as cores de Portinari nem dos holandeses", diz, em entrevista por vídeo.

Completa: "Di Cavalcanti colocou a negritude em cima da mesa da sala. Bem, quando falo negritude, parece uma coisa mais intelectual, não gosto. Melhor falar homem negro, mulher negra".

O documentário, que contará com músicas de contemporâneos do pintor, como Villa-Lobos, Donga e Pixinguinha, deve estrear nos próximos meses na televisão.

Urubu na praia

"Eu não sou crítico. Eu não sou psicanalista. Eu não sou intelectual. I am a filmaker? Posso falar de cinema? Talvez possa falar de cinema brasileiro. Pobre, arrogante, megalomaníaco, criativo, deformado, sem humildade."

Cito este trecho, retirado do artigo que Ana Carolina publicou em 1984, na edição 43 da revista Filme Cultura, logo no começo de nossa conversa. Quero saber sua visão da atividade cinematográfica em nosso país.

"Perto de hoje, 1984 era maravilhoso. Tudo o que já não era maravilhoso ficou terrivelmente horrendo com Bolsonaro. Minha vida desandou, muita coisa foi para o brejo e o que sobrou é muito esquisito. Não sei que nome tem", diz, com o avanço da extrema direita em mente.

Quem olha sua trajetória em retrospecto se pergunta como ela se manteve cineasta, como conseguiu concluir dez longas, entre ficções e documentários, em meio a longos períodos sem conseguir financiamento para filmar.

"Passei por inúmeras crises, sem fim. Uma pessoa jovem naturalmente passa pela crise quase normal de saber o que vai ser quando crescer. Fui fazer cinema apaixonadamente. Mas você precisa estar calibrada para aguentar suas crises mais as crises da profissão que você escolhe", afirma.

Uma das dificuldades do momento atual é exibir filmes brasileiros no cinema. Ana Carolina lamenta que os jornais tenham deixado de anunciar as sessões e que o espaço do cinema nacional na grade de programação seja tão restrito e irregular. "Hoje, apesar de existir uma cota de obrigatoriedade de tela, ninguém consegue ver os lançamentos brasileiros."

Ela dá o exemplo de "Paixões Recorrentes" (2022), seu mais recente longa de ficção. "Entrou em cartaz, mas era impossível assistir: passava às 14h da quinta em Botafogo e às 18h da sexta na Gávea. Se você chegasse atrasado, já era."

Paixões recorrentes - fotos

Ambientado em 1939, num mundo às portas da guerra, "Paixões Recorrentes" reúne um elenco internacional (a francesa Thérèse Cremieux, o argentino Luciano Cáceres e o português Pedro Barreiro, entre outros) para construir uma perspectiva do Atlântico Sul.

Sobre o longa, o crítico Inácio Araujo escreveu: "O primeiro plano escancara a principal virtude do cinema de Ana Carolina: eis uma cineasta que sabe filmar. Filmar, no caso, significa conjugar a beleza de um céu sombrio com a fragilidade do barco que se aproxima do navio de onde desce, por escadas, um passageiro".

Oito anos haviam se passado desde o longa anterior, "A Primeira Missa" (2014), por sua vez lançado mais de uma década depois do média "Gregório de Mattos" (2002).

Em 1994, quando foi entrevistada pelo Roda Viva, Ana Carolina forjou uma imagem interessante sobre as agruras de ser cineasta no Brasil. Era o início da chamada retomada do cinema brasileiro, depois de anos de paralisação, com a extinção da Embrafilme e a Presidência de Fernando Collor de Mello.

Nos anos 1990, a volta da atividade cinematográfica se deu com leis de incentivo, baseadas na renúncia fiscal de empresas apoiadoras. No programa da TV Cultura, Ana Carolina lembrou a brincadeira cruel que outras crianças faziam com os urubus na praia.

Escondiam um anzol preso a um fio de pesca na carniça e deixavam para que as aves comessem. Quando já estavam em pleno voo, de barriga cheia, as crianças puxavam o anzol, e os urubus caíam na areia, vomitando. "É assim que me sinto quando tento captar dinheiro", disse aos entrevistadores. Afinal, não bastava a gincana de conseguir aprovar o projeto em uma lei de incentivo: era preciso convencer os patrocinadores.

Perguntei se a imagem do urubu na praia ainda faz sentido nos anos 2020. Ela riu ao ouvir a história, da qual não se lembrava mais. "Na história do cinema brasileiro, o único grupo que teve mais coluna vertebral, mais condição de reagir foi o cinema novo", disse. "Depois do cinema novo e de seus papas, hoje quase todos esquecidos, o cinema brasileiro foi atropelado várias vezes."

Apesar de contemporânea de Glauber Rocha e Arnaldo Jabor, Ana Carolina não se vê parte do grupo cinemanovista. "Não sou cinema novo, sou filhote. Eles tinham mais sucesso do que eu. Era um clube do Bolinha, e eu não entrava", afirma. Nesse momento da entrevista, assim como alguns de seus personagens, que mudam de idioma no meio da frase, ela solta: "Cansei de ouvir, inclusive nos Estados Unidos, 'movies is a matter of men'".

Glauber Rocha - fotos

Boliviana

Embora sua trilogia, formada por "Mar de Rosas", "Das Tripas Coração" (1982) e "Sonho de Valsa" (1987), tenha brilhantes personagens femininas, Ana Carolina não se considera uma cineasta feminista.

Através de Dona Felicidade, do primeiro, ou de Teresa (Xuxa Lopes), do último, a cineasta explicitou situações de assédio, humilhação e tolhimento do desejo feminino, numa chave que se distancia com inteligência do melodrama.

"Posso ter feito alguma coisa pelo feminismo com minha trilogia e vou fazer sempre, porque sou submetida à condição feminina, mas em 'Mar de Rosas', por exemplo, eu estava mais concentrada em revelar questões de família."

O machismo não tem sido a única violência a atormentar (e estimular) Ana Carolina ao longo das décadas dedicadas a, como diz, "transformar um monte de dinheiro em luz".

Em sua passagem pela Europa, acompanhando filmes ou integrando júris de festivais, viu-se objeto de preconceito em inúmeras ocasiões. Certa vez, em uma farmácia de Paris, perto do metrô Étoile, derrubou as pinças douradas de uma vitrine. Poucos dias antes, uma bomba explodira na capital francesa. O clima estava tenso.

Ana Carolina acabou levada para uma revista na polícia, enquanto ouvia gritarem "bolivienne! arabe!". "Percebi que não existia uma forma confortável de eu ser vista lá."

Além desse episódio, em que acabou passando a tarde em um camburão, Ana Carolina também se incomodou com o sentimento de pena que colegas europeus manifestavam ao vê-la em festivais. "Era como se dissessem 'coitada dela, vamos dar uma força'. E eu pensava: 'Por que me olham assim? Será que esqueci de calçar os sapatos?'", conta. "Não te veem como uma pessoa normal, da mesma idade, da mesma condição financeira." No lugar disso, um olhar que insiste em inferiorizar. "Isso deixou marcas indeléveis em mim. Despertou o ódio, a vontade de competir, a tristeza pelo amor desperdiçado."

Dia internacional da mulher - fotos

Por tudo isso, a definição que ela forjou para si mesma há 40 anos, nas páginas da Filme e Cultura, parece ainda valer: "Poeta improvável". Peço licença para reproduzir aqui um longo trecho de sua escrita:

"Há pelo menos 15 anos descobri que o fracasso e o desejo insatisfeito têm o mesmíssimo gosto. O sabor está no impulso. Assim, comecei a fabricar imagens. [...] Como diz Proust, 'nós não temos tempo para viver os verdadeiros dramas para os quais estávamos destinados. É isto que nos faz envelhecer'. Posto isso, fica bem mais fácil pensar sobre meu trabalho, que nesta época de capitalismo tardio faz com que eu me sinta uma poeta improvável. Como aprisionar sentimentos, pulsões, afetos e transformá-los em destino? Tarefa da imagem".

Único nome brasileiro na edição de julho de 2019 da revista francesa Cahiers du Cinéma dedicada às mulheres cineastas, Ana Carolina mantém o desejo de filmar com grandes equipes e roteiro complexo, assim como espera ter seu trabalho visto.

Não consigo encontrar melhores palavras do que as dela própria para concluir este texto e reproduzo estas frases, também publicadas na Filme e Cultura: "Confesso que não faço filmes porque desejo. Pensei que podia ser assim. Mas, não. O que eu desejo é ser amada em paz. Faço filmes por necessidade."

Para quem quiser conhecer melhor — e amar — Ana Carolina, seus principais filmes estão disponíveis em serviços de streaming. O documentário sobre Di Cavalcanti deve estrear em breve no Canal Curta!

Principais filmes de Ana Carolina

Mar de Rosas (1977)

Com Norma Bengell, Cristina Pereira e Hugo Carvana

Onde ver: Looke

Sérgio e Felicidade discutem a relação durante viagem ao Rio, acompanhados pela filha adolescente, Betinha. No hotel, a esposa agride o marido com uma navalha. Acreditando que ele está morto, ela foge com Betinha de volta para São Paulo, nesta espécie de "road-movie" demolidor das tradições familiares e patriarcais.

Das Tripas Coração (1982)

Com Antonio Fagundes, Dina Sfat e Xuxa Lopes

Onde ver: SPCine Play

Um colégio católico para meninas ricas sofre uma intervenção estadual. O interventor encarregado de fechar o local tem um sonho louco em que se misturam professoras, alunas e fantasias sexuais.

Sonho de Valsa (1987)

Com Xuxa Lopes, Arduíno Colasanti, Ney Matogrosso

Onde ver: Looke e SPCine Play

Uma mulher busca sua identidade a partir das imagens que faz dos homens, entre os quais o pai e o irmão. Realidade, delírio, sonho, simbolismo e fantasia se misturam.

Amélia (2000)

Com Beátrice Agenin, Myriam Muniz, Betty Gofman e Marília Pêra

Inspirado na visita da atriz francesa Sarah Bernhardt ao Brasil, em 1905. No filme, a atriz passa por uma crise profissional e pessoal, mas é induzida por sua governanta brasileira, Amélia, a se apresentar no Rio de Janeiro. No entanto, a atriz é obrigada a conviver com as exóticas irmãs de Amélia.

A Primeira Missa ou Tristes Tropeços, Enganos e Urucum (2014)

Com Alessandra Maestrini, Oscar Magrini, Dagoberto Feliz

Onde ver: SPCine Play

Nesta sátira às dificuldades de fazer cinema no Brasil, cineastas tentam reconstruir a primeira missa no país, com a chegada dos portugueses.

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Frantz Fanon por Mario Sergio Conti

Todo espectador é um covarde ou um traidor

De pé, malditos da terra

A vida breve e nômade de Frantz Fanon, apóstolo da violência decolonial

Mario Sergio Conti, fsp, 03/01/2025

A vida errante e curta de Frantz Fanon foi de procura de uma identidade. Em seus documentos oficiais, ele era um homem francês de raiz que enfrentou os nazistas na Segunda Guerra Mundial, foi ferido em combate e ganhou a Cruz de Guerra.

Na prática, foi discriminado por ser negro e colonizado. Descendente de escravos, nasceu na Martinica, departamento francês no Caribe. No ultramar, pertencia a um grupo minoritário, a classe média negra; na metrópole, o racismo que sofreu o levou a jogar fora a Cruz de Guerra.

Fanon estudou psiquiatria em Lyon, pegou o diploma e nunca mais voltou à França. Tampouco ficou na Martinica. Foi à Argélia ser um negro entre árabes, um ateu em meio a muçulmanos, um internacionalista entre nacionalistas. Ficou pouco ali. Aderiu à Frente de Libertação Nacional, a FLN, e o governo colonial o expulsou. Exilou-se na Tunísia, vagou pela África e morreu de leucemia nos Estados Unidos —um "país de linchadores", dizia.

A sua identidade final foi dada por "Os Condenados da Terra", publicado pouco antes de ele morrer, aos 36 anos, em 1961. Assim que o livro saiu, o manifesto em prol da violência decolonial foi censurado na França por "atentar contra o Estado".

O título do livro cita a internacional, o hino comunista: "de pé, malditos da Terra", que no Brasil virou "de pé, ó vítimas da fome". O renome do ensaio veio menos de Fanon —mais analítico que panfletário— e mais do autor do prefácio, Sartre —menos filósofo que militante.

É de Sartre a frase que marcou época: "Abater um europeu é matar dois coelhos com uma cajadada só, eliminar ao mesmo tempo um opressor e um oprimido: sobram um homem livre e um homem morto". É uma sentença bem mais aguda que a de Fanon: "Todo espectador é um covarde ou um traidor".

O psiquiatra conclamou os amaldiçoados a uma grande luta armada. A violência, disselhes, era "sine qua non" para expulsar os colonizadores das terras que eles lhes roubaram.

E mais: a violência era terapêutica, desintoxicaria os argelinos do veneno colonial. Era imperativo categórico para a vitória material, cultural, até existencial. Por si só, a violência libertaria.

Já Sartre se dirigiu aos europeus. Argumentou que eram opressores irremediáveis porque, quisessem ou não, haviam se beneficiado das colônias "per omnia saecula saeculorum". Porque, no presente, eles seguiam sugando o sangue dos colonizados, alienando-os, coisificando-os. Os europeus, pontificou, eram alvos válidos para a violência dos colonizados.

"Os Condenados da Terra" deixava implícito que a violência dos colonizados era tendencialmente generalizadora, poderia ser empregada não só contra gendarmes e guardiões das metrópoles. Sartre explicitou que todo e qualquer europeu, por ser europeu, poderia ser agredido. Trouxe o terrorismo para o primeiro plano, ainda que não tenha escrito a palavra.

"A Clínica Rebelde", a alentada biografia de Fanon de Adam Shatz publicada no fim do ano no Brasil, revela que o psiquiatra e o filósofo conversaram por três dias seguidos em Roma. O primeiro, admirador ardente do segundo, veio a pedir que fizesse o prefácio. Contudo, ao lê-lo, Fanon, um falador compulsivo, emudeceu. Saiu do longo silêncio para dizer a seu editor, François Maspero, que iria comentá-lo, mas morreu em seguida.

Com isso, a identidade final de Fanon foi de apóstolo da violência indiscriminada. Suas considerações culturais ficaram em segundo plano, enquanto a luta armada foi assimilada por grupos palestinos e pelos Panteras Negras americanos. Shatz diz que guerrilheiros latino-americanos também adotaram Fanon. É um exagero descabido. Sua influência, se é que ocorreu, foi anulada pelo impacto da revolução cubana e de Che Guevara nas esquerdas latino-americanas.

Fanon partiu de um conceito que não existe mais, Terceiro Mundo, que reuniria os países explorados pelo Primeiro (Estados Unidos e Europa) e manipulados pelo Segundo Mundo (União Soviética e satélites). O termo foi substituído pelo sul global, rubrica sem consistência política. Talvez o certo seja trocar Terceiro Mundo por "Estados Falidos", os países absolutamente corrompidos, sem infraestrutura nem instituições perenes, controlados por milícias antagônicas ou gangues.

O mundo político mudou. O que persiste é a violência. Dos colonizadores contra os colonizados e vice-versa, num círculo infernal que erode o presente e inviabiliza o futuro. Não é preciso ler Fanon para constatar que, fatalmente, os oprimidos revidarão a opressão.

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Duros e morando juntos

Imagine Antonio Maria, Chacrinha e Dorival Caymmi, desempregados, rachando um apartamento

Ruy Castro, fsp, 04/01/2025

Cidades são assim: feitas para as pessoas se encontrarem, mas para morarem longe uma das outras. Quando calha de morarem juntas, é um acontecimento. Na aurora dos 1800, os poetas românticos ingleses Keats e Shelley dividiram um apartamento na Piazza di Spagna, 26, em Roma —hoje é o glorioso museu deles. James Stewart e Henry Fonda, atores iniciantes na Hollywood de 1933, dividiram uma casa em Brentwood, Los Angeles. Nos dois casos, faziam-se rodízios para a entrada e saída das namoradas.

Não era o que acontecia em 1940 na rua do Passeio, 36, na Cinelândia. Não por falta de charme dos inquilinos, mas por fome, mesmo. Ali moraram ao mesmo tempo, recém-chegados ao Rio, sonhadores e desempregados, os jornalistas e compositores Antonio Maria e Fernando Lobo (futuros autores de "Ninguém me Ama"), o pintor Augusto Rodrigues, os radialistas Abelardo Barbosa, depois Chacrinha, e Theophilo de Barros, todos pernambucanos, e, da Bahia, o compositor Dorival Caymmi. Não havia cama para todo mundo — enquanto um dormia, o outro ia procurar emprego. Todos encontraram.

Na rua Otaviano Hudson, uma ladeira em Copacabana, em 1959, racharam uma quitinete os já quase famosos, mas sem tostão, João Gilberto, Miele e Ronaldo Bôscoli. Foi lá que João Gilberto ensaiou "O Pato" com a porta aberta, para saber se Bôscoli o ouvia no fim do corredor. Não só Bôscoli como todos os 11 vizinhos do andar o ouviram muito bem nos dias e noites em que ele ensaiou "O Pato".

No Conjunto dos Jornalistas, um condomínio no Leblon, também moraram, nos anos 60, o craque botafoguense Nilton Santos, o jornalista Sandro Moreyra, o cineasta Alex Viany, os dramaturgos Oduvaldo Viana, o pai e o filho, e, por um breve tempo, no apartamento de sua tia Maria Angélica, Raul Seixas.

E conheci bem um lugar que também ficou famoso: o Solar da Fossa, na rua Lauro Muller, onde é hoje o Shopping Rio-Sul. Entre 1967-72, foi o lar de Caetano Veloso, Gal Costa, Paulinho da Viola, Betty Faria, Zé Kéti, Paulo Coelho, Paulo Leminski, Fernando Pamplona, românticos, boêmios e mal pagos, e muitos mais. Um deles, eu.

Vista do casarão colonial em Botafogo, no Rio de Janeiro, onde foi construído o Solar da Fossa que serviu de moradia e ponto de encontro para jovens artistas e intelectuais oriundos de diversos cantos do país no período de 1964 a 1971. O Solar da Fossa recebeu, dentre outros, Paulinho da Viola, Gal Costa, Tim Maia, Caetano Veloso. Foto de divulgação do livro "Solar da Fossa", de autoria de Toninho Vaz, pela editora Casa da Palavra - Augusto Malta/Divulgação 

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Audrey Hepburn espiã

A estrela de Hollywood que trabalhou como espiã na Segunda Guerra

Ainda na adolescência, Audrey Hepburn levou mensagens para a resistência holandesa durante a ocupação nazista no país

BBC News Brasil, fsp, 02/01/2025

No podcast "History's Youngest Heroes", ou os heróis mais jovens da história, da BBC, a atriz Nicola Coughlan traz à tona casos extraordinários de rebelião, risco e o poder radical da juventude — contando histórias de jovens que mudaram o mundo.

A atriz Audrey Hepburn - Getty Images

O mais recente episódio fala sobre Audrey Hepburn, que se tornou um ícone do cinema e da moda nas décadas de 1950 e 1960. Ela foi indicada a cinco categorias do Oscar e ganhou o prêmio de melhor atriz em 1953 por sua atuação em "A Princesa e o Plebeu".

No entanto, quando adolescente durante a Segunda Guerra Mundial, ela interpretou um papel muito diferente, em apresentações secretas de balé para arrecadar dinheiro para a resistência holandesa durante a ocupação nazista.

Audrey Hepburn com sua mãe, Ella van Heemstra, em 1946 - Getty Images

Audrey Hepburn nasceu em Bruxelas em 1929, filha de uma baronesa holandesa, Ella van Heemstra, e de um empresário britânico-austríaco, Joseph Hepburn-Ruston.

Em Londres, seus pais se fascinaram com as ideias de Oswald Mosley, líder da violenta União Britânica de Fascistas, a BUF, um grupo antissemita. Van Heemstra escreveu um artigo para a revista da BUF sobre o que ela via como as glórias da Alemanha nazista.

O pai, Hepburn-Ruston, abandonou a família quando a jovem Audrey tinha seis anos. Mais tarde, ele seria preso por associação com fascistas estrangeiros e passaria a guerra em prisões britânicas.

Fotos Audrey

"Mesmo quando menina, ela era extrovertida, ria, brincava, atuava", Luca Dotti, o filho mais novo da atriz, conta a Robert Matzen, autor de "Dutch Girl", livro que narra a vida de Hepburn durante a Segunda Guerra Mundial, em entrevista para o podcast da BBC.

"A mãe de Audrey decidiu que a Inglaterra em geral e Kent, em particular, não eram o lugar ideal para Audrey por causa da ameaça iminente de que os alemães invadiriam a França e lançariam uma invasão à Inglaterra", diz Matzen.

Van Heemstra tirou sua filha do internato britânico onde ela estudava. Elas se mudaram para uma propriedade da família na Holanda, e Hepburn se matriculou em uma escola de dança, com um nome que soava mais holandês, Adriaantje van Heemstra (ela mais tarde mudou seu sobrenome para Hepburn quando começou a atuar). Sua mãe ainda admirava Adolf Hitler e acreditava que ele nunca invadiria "seu" país.

Fotos Hitler

"Mudar-se para a Holanda não era mudar de casa. Ela não falava holandês. Ela teve que ir para uma escola holandesa sem entender uma única palavra, com crianças que zombavam dela", diz Dotti, sobre a experiência de sua mãe na Holanda.

Hitler invadiu e ocupou a Holanda em maio de 1940.

"A Frente Oriental era uma fornalha que exigia muitos recursos. Os alemães precisavam de comida e roupas para as tropas, e tudo isso foi tirado dos holandeses e de outros países ocupados", diz Matzen, sobre a situação.

O tio de Hepburn, o conde Otto van Limburg Stirum, tomou uma posição contrária aos nazistas. Em 1942, um grupo de resistência tentou explodir um trem alemão perto de Roterdã. Embora Van Limburg Stirum não estivesse envolvido, ele foi preso por ser uma figura antinazista proeminente.

Agentes nazistas o levaram para uma floresta com outras quatro pessoas. Todos foram executados a tiros e seus corpos foram jogados em covas sem identificação.

Hepburn amava seu tio como um pai e ficou arrasada com seu assassinato. "Isso virou um incidente nacional, um ponto de incitação para o povo holandês", diz Matzen.

Embora sua família fosse privilegiada, os nazistas desviaram comida e recursos da Holanda, e a família Van Heemstra passou fome. Quando Hepburn fez 15 anos, ela foi ordenada a se juntar ao Nazi Kulturkammer, o sindicato dos artistas, ou desistir de dançar em público. Ela escolheu desistir de se apresentar.

Audrey Hepburn foi uma das maiores estrelas de Hollywood dos anos 1950 e 1960 - Getty Images

"Através da dança, ela podia sonhar, ela podia voar, ela podia esquecer. Era a maneira como ela escapava da realidade", diz Dotti, sobre a paixão de sua mãe.

Hepburn dançava em uma casa com persianas fechadas e apenas uma vela, para que não fosse descoberta. Um piano tocava muito suavemente enquanto ela se apresentava —mas não podia haver aplausos. No final do show, dinheiro era coletado para a resistência.

De bailarina a espiã

Na primavera de 1944, Hepburn se ofereceu para ser assistente de um médico — Hendrik Visser't Hooft— que era membro da resistência.

Embora a mãe de Hepburn fosse considerada uma colaboradora dos nazistas, Visser't Hooft precisava desesperadamente de ajuda para sustentar milhares de pessoas que estavam se escondendo dos nazistas. Ele confiou nela o suficiente para contratá-la.

Em 17 de setembro de 1944, Hepburn estava na igreja quando a missa foi interrompida pelo zumbido de motores. A Operação Market Garden, que era um plano das Forças Aliadas para tomar nove pontes sobre o rio Reno, havia começado — e quando ela correu para fora e olhou para cima, viu milhares de soldados aliados chegando de paraquedas.

Infelizmente, duas divisões nazistas fortemente blindadas se reagruparam na área. Tanques nazistas passaram na frente da casa dos Van Heemstras. Hepburn e sua família se esconderam no porão. A batalha durou nove dias. Quando eles emergiram, receberam a notícia de que os nazistas tinham vencido. Ela ouviu gritos de um prédio onde os nazistas estavam realizando represálias: torturando e matando membros da resistência holandesa.

Quando os aviadores aliados que se dirigiam para a Alemanha tiveram de fazer um pouso de emergência na Holanda, Visser't Hooft enviou Hepburn para a floresta para encontrar um paraquedista britânico com palavras-código e uma mensagem secreta escondida em sua meia.

Ela marcou o encontro, mas, ao sair da floresta, viu a polícia holandesa se aproximando. Ela se abaixou para colher flores silvestres e, em seguida, as apresentou à polícia. Eles ficaram encantados e não a interrogaram mais. Depois disso, ela frequentemente levava mensagens para a resistência. "Ela acreditava muito que havia uma luta entre o bem e o mal e que era preciso tomar partido", diz Dotti.

"Os alemães não levavam as crianças a sério. 'Só saia do meu caminho, garota', esse tipo de atitude. Os holandeses eram práticos o suficiente para ver que as crianças, por não serem suspeitas de nada, poderiam ser usadas para transmitir mensagens e realizar tarefas vitais para a resistência, e as crianças adoravam. Era emocionante, era perigoso, e elas se tornavam heroínas da resistência", acrescenta Matzen.

Em fevereiro de 1945, foi noticiado que 500 holandeses morriam de fome toda semana. Como tantos outros, Hepburn e sua família estavam ficando desesperadamente sem comida. Ela ficou gravemente doente com anemia, icterícia e edema.

Com uma luta violenta novamente acontecendo do lado de fora da porta de sua casa, Hepburn e sua família se esconderam no porão por três semanas.

Finalmente, em 16 de abril de 1945, tudo ficou quieto. Ela sentiu cheiro de tabaco, o que era impossível de se obter na Holanda durante a guerra. Ela subiu as escadas do porão e abriu a porta para ver cinco soldados canadenses fumando cigarros e apontando metralhadoras para ela. Imediatamente, começou a falar com eles em inglês. Um deles gritou: "Não apenas libertamos uma cidade, como libertamos uma garota inglesa!".

Audrey Hepburn na Etiópia em seu papel como embaixadora da boa vontade da Unicef - Getty Images

Hepburn contou ao filho que nunca perdoou a mãe por sua inclinação fascista.

Quando a guerra acabou, Hepburn ganhou uma bolsa de estudos para o Ballet Rambert em Londres. Embora fosse talentosa, seu corpo foi permanentemente danificado pela desnutrição, e ela não tinha resistência física para se tornar uma bailarina. Em vez disso, voltou-se para a atuação, com pequenos papéis nos teatros do West End de Londres e filmes como "O Mistério da Torre" ("The Lavender Hill Mob").

Em 1953, ela ganhou seu primeiro papel principal em "A Princesa e o Plebeu". O filme foi um enorme sucesso de público e crítica. Além do Oscar por esse filme, Hepburn ganharia prêmios Emmy, Grammy e Tony.

Ao longo de sua carreira, continuou trabalhando com caridade, principalmente como embaixadora da boa vontade da Unicef. Ela morreu em 1993.

"Os instintos de Audrey foram afiados pela guerra e por tudo o que ela enfrentou, e ela teve tantas experiências que aproveitou tudo para interpretar vários personagens", diz Matzen.

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Este artigo é uma adaptação de um podcast por Alex von Tunzelmann.

No podcast "History's Youngest Heroes", a atriz Nicola Coughlan conta 12 histórias reais de rebelião e do poder radical da juventude. Episódios anteriores destacaram Nelson Mandela, Lady Jane Grey e Terry Fox. A série mostra os contos inspiradores de jovens heróis esquecidos e famosos que demonstraram como os jovens podem mudar a história. Ouça o podcast em inglês aqui

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Retrospectiva 2025 por José Paulo Kupfer

'Retrospectiva' 2025: o que 'aconteceu' no ano que está começando

José Paulo Kupfer, UOL, 02/01/2025

Era tão generalizado o pessimismo com a economia no começo do ano que o resultado concreto dos principais indicadores econômicos, apesar de piores em relação ao período anterior, terminaram 2025 melhores do que os economistas projetavam.

Repetindo, mais uma vez, períodos recentes, os analistas foram surpreendidos por números melhores do que os previstos. Depois de tantas surpresas, já não foi surpresa que não tenham acertado as estimativas. É verdade que agora foram pequenas as diferenças entre o que ocorreu de concreto e o que foi projetado.

O PIB (Produto Interno Bruto), por exemplo, avançou 2,8% ante previsões de expansão de 2%, no início do ano;

Medida pela variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação fechou em 4,7%, contra projeções de 5%, 12 meses antes;

A cotação do dólar encerrou o ano com a moeda americana valendo R$ 5,50, pouco abaixo de R$ 5,96, previstos há um ano.

Atividade se manteve positiva

A atividade econômica continuou relativamente aquecida ao longo da primeiro metade do ano, só passando a esfriar com maior nitidez a partir do segundo semestre.

Novamente impulsionada pela atividade agropecuária e extrativa mineral — petróleo e minério de ferro, também favorecidos pelo real mais desvalorizado —, a economia ainda se beneficiou, nos primeiros meses, pelo impulso que transbordou do crescimento no ano anterior.

Além disso, obedecendo ao que costuma ocorrer, os efeitos restritivos da política de juros altos, só se fizeram sentir de forma mais generalizada a partir do segundo trimestre.

Nesse ambiente, o mercado de trabalho registrou ligeira retração, com a taxa de desemprego avançando para 6,7% da força de trabalho, ao final do ano, contra 6,2%, em 2024. É uma taxa ainda baixa, que permitirá manutenção da massa salarial em níveis estimulantes do consumo, e atraente para determinados tipos de investimento, apesar da piora nas condições de financiamento.

Inflação alta, mas sem descontrole

A marcha da inflação no ano teve momentos de mais estresse no começo do segundo semestre, quando registrou picos de 5,5%, mas acabou recuando depois, para fechar o ano em 4,7%.

Terminou sendo mínimo, portanto, o desvio em relação ao teto do intervalo do sistema de metas, de 4,5%. O detalhe é que, exceto em fevereiro, com o índice mensal variando acima de 1%, reflexo dos aumentos sazonais de virada de ano — tarifas de transporte público, matrículas escolares, tributos etc —, a inflação mensal não passou de 0,5% em nenhum outro mês.

Os analistas erraram, novamente, ao projetarem, no começo do ano inflação próxima a 6%. É possível que não tenham considerado devidamente a acomodação da demanda pela alta dos juros, assim como a ausência de choques de oferta, principalmente em alimentos, por inexistência de fenômenos climáticos desfavoráveis, diferentemente do que ocorreu em 2024, quando uma seca prolongada e disseminada prejudicou as lavouras.

Dólar mais alto, obviamente, pressionou a alta de preços, mas o efeito não foi homogêneo, atingindo mais bens industriais e, apenas em parte, alimentos, cuidados pessoais e transporte.

Do outro lado da moeda nacional mais desvalorizada ante o dólar, o setor externo continuou a mostrar dinamismo. A balança comercial, que registra o saldo entre exportações e importações de bens e serviços, foi novamente superavitária em quase US$ 80 bilhões.

Também não se pode esquecer, embora alguns esqueçam, que inflação é fenômeno que reflete variações de preços entre dois momentos — não apenas preços altos. O dólar pode ter pressionados preços, fazendo-os ficar mais altos, mas a variação, depois de um pico, tende a pode não ser da mesma magnitude.

Trump fica no meio do caminho

Falar em dólar, a economia americana reagiu relativamente bem às ações concretas do presidente Donald Trump. A verdade é que as promessas meio apocalípticas de campanha foram moderadas depois que o novo presidente ocupou o salão oval da Casa Branca.

A imposição de tarifas de importação, por exemplo, restringiram-se basicamente a produtos chineses, e nem de longe se tornaram universais, como prometido. Também as reduções de impostos foram menos amplas do que alardeado e o fato é que a arrecadação federal não caiu.

Isso refletiu um comportamento melhor da atividade econômica, cujo crescimento chegou, no fim do ano, a 2,5%, contra previsões de expansão de 2%, com taxa de desemprego em 4%, baixo para os padrões americanos, entre outras razões para redução do contingente de mão de obra imigrante.

No fim das contas, entre fazer o que prometia, o que levaria a uma valorização do dólar, e manter a moeda menos valorizada, para ajudar nas exportações e na contenção de importações, como desejava, Trump ficou no meio do caminho.

Assim, os núcleos da inflação americana se contiveram perto da meta, ligeiramente acima de 2%, permitindo ao Fed (Federal Reserve, banco central americano), que leva a sério o mandato para manter a economia em bom nível de atividade, fazer três cortes nos juros de referência ao longo do ano.

Juros caem e fiscal na mesma

Um dólar menos valorizado mundo afora abriu espaço para o Banco Central brasileiro moderar as altas de juros básicos, a partir do segundo semestre. Em linha com um desaquecimento da economia, também causado pelo efeito defasado dos juros altos meses antes, foi possível iniciar um ciclo cauteloso de cortes na taxa Selic, depois de um pico de 14,75% até o meio do ano.

No campo das contas públicas, as incertezas continuaram alimentando o mais acirrado debate sobre a condução da economia. O governo, sob pressão contínua no campo fiscal, fez mais cortes de gastos, ampliou a "limpeza" de despesas, depois do pacote considerado tímido de 2024, e conseguiu obter novo recorde de arrecadação.

Mas o ano ainda terminou sem o equilíbrio prometido pelo governo, com déficit primário um pouco inferior ao 0,5% do PIB do ano anterior e aumento da dívida pública, embora em marcha menos intensa do que a prevista na virada do ano anterior.

Diferentemente do que alguns imaginavam, o ano de 2025, na economia brasileira, foi um período de uma certa acomodação, em relação às políticas e medidas tomadas nos dois primeiros anos deste terceiro mandato de Lula.

Não ocorreu em 2025, em resumo, o desastre que muitos previram na virada de 2024, nem teve lugar o início de um ciclo sustentado e equilibrado de crescimento. A economia, enfim, se aguentou. A ver o que virá no ano eleitoral de 2026.

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Entre os riscos e os desafios que nos esperam em 2025, a coluna, de volta do futuro imaginado no texto acima — baseado num necessário, mas moderado otimismo —, deseja o melhor Novo Ano a seus leitores!

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Afinal, está tudo ótimo ou estamos em crise econômica?

Brasil teve, em 2024, o melhor momento desde o começo da década de 2010, mas é necessário adotar freio de arrumação

Bráulio Borges, fsp, 02/01/1015

Hoje, nas redes sociais, quando o assunto é economia brasileira, parecem existir dois mundos completamente diferentes. De um lado, aqueles que exaltam o desempenho recente e atribuem ele totalmente à política econômica atual, desdenhando dos alertas feitos por vários analistas e pelos preços dos ativos brasileiros sobre a sustentabilidade disso ao longo do tempo.

Do outro lado, estão aqueles que querem fazer parecer, muito por conta da expressiva depreciação cambial observada em 2024 (metade dela explicada por fatores fora de nosso controle), que estamos em grave crise econômica e que o bom desempenho seria "fake", envolvendo até mesmo manipulação de estatísticas pelo governo.

Qual dessas narrativas está mais próxima da verdade? A realidade é muito mais cheia de nuances do que sugere o debate raso e polarizado das redes sociais, que reflete muito mais torcida, a favor e contra. Vou tentar iluminar esse debate nesta coluna com alguns argumentos mais técnicos.

Bem, em primeiro lugar, é inegável o fato de que o crescimento do PIB mais uma vez surpreendeu, fechando 2024 com alta em torno de 3,5%, o dobro do esperado no começo do ano passado. Essas surpresas positivas vêm desde 2021 (ou seja, desde o governo anterior) e refletem, em boa medida, a forte (e insustentável) expansão dos gastos públicos dos três níveis de governo, bem como a alta da renda das commodities (neste caso, até 2023).

Com um crescimento do PIB de pouco mais de 3% a.a. em 2022-24, nossa economia superou o quadro de excesso de desemprego e ociosidade do parque produtivo que nos acometeu por quase uma década —o que é uma ótima notícia, tanto em termos de bem-estar da sociedade como em termos do próprio crescimento potencial da economia.

Contudo, mesmo com o PIB crescendo mais de 3% a.a., a dívida pública brasileira, que já é bastante elevada, continuou subindo, em % do PIB. Ou seja: somente crescer não basta para resolver nossos problemas fiscais. Precisamos voltar a ter superávits primários, de pelo menos 1% do PIB, o quanto antes (em 2024 o déficit deve ter sido de 0,5% do PIB).

Ademais, há sinais de que, desde meados de 2024, a economia brasileira está superaquecida, com isso já se refletindo na inflação. Ignorar isso e continuar "pisando no acelerador" é uma possibilidade, como já foi feito em outros momentos no passado, mas traz efeitos colaterais negativos: inflação e juros maiores, aumento do déficit das contas externas, risco de bolha de preços de ativos (como imóveis) e maior probabilidade de uma freada brusca mais à frente.

Um ingrediente adicional nesse quadro vem do ambiente externo, que se tornou muito mais incerto nos últimos meses com a vitória de Donald Trump nos EUA e o expressivo fortalecimento, o maior desde 2015, do dólar americano —acontecimento este que, como apontei em minhas duas últimas colunas, não costuma prenunciar boas notícias para as economias emergentes.

Portanto, é correto afirmar que, do ponto de vista macroeconômico, o Brasil teve, em 2024, o melhor momento desde o começo da década de 2010. Entretanto, seja pela mudança desfavorável do ambiente externo, seja pelo novo ponto de partida doméstico, é preciso adotar um "freio de arrumação" para conferir maior sustentabilidade e evitar mais um "voo de galinha".

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Causos de Ariano Suassuna

Seleção de causos engraçados de Ariano Suassuna - Versão Completa 

O profeta

Dizem que no sertão estava um profeta prfetizando o passado, o presente e o futuro das pessoas. Aí chegou um camarada impertinente e disse:

- Isso é charlatanismo. Isso não é verdade não. Você não profetiza coisa alguma.

O profeta ficou irritado:

- Ah não é verdade? Pois digo que sim. E verdade. Eu profetizo o passado, o presente e o futuro. Você quer ver eu dizer onde está teu pai neste momento?

O camarada:

- Como é rapaz? Você vai dizer onde está meu pai agora? Então diga onde ele está?

O profeta se concentrou durante 30 segundos e disse:

- Teu pai agora tá na cidade de Pombal (PB) tomando cerveja num bar.

O camarada dando risadas disse:

- Você quebrou a cara rapaz, meu pais já morreu há 12 anos.

O profeta retrucou de pronto:

- Quem morreu foi o marido da tua mãe. O teu pai está lá onde falei.

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Colônia Cecília, um sonho anarquista

COLÔNIA CECÍLIA - UM SONHO ANARQUISTA | Documentário de Carlos Pronzato 

Sinopse:

A Colônia Cecília foi uma comuna experimental baseada em premissas anarquistas. A colônia foi fundada em 1890, no município de Palmeira, no estado do Paraná, por um grupo de libertários italianos mobilizados pelo escritor e agrônomo Giovanni Rossi. A Colônia permaneceu até 1894. Através de entrevistas a pesquisadores e descendentes daqueles pioneiros, realizadas em Palmeira e Curitiba, o documentário pretende resgatar a memória deste episódio ímpar na História do país. 

O documentário iniciou a sua produção em 2023 e já teve diversas exibições públicas em 2024 (São Paulo, Salvador, Curitiba, Lisboa, Milão, etc.).

La Cecilia, 1975, Jean-Louis Comolli

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