sábado, 2 de maio de 2020

Filmes parte 5

Diário de um cinéfilo

The little drummer girl (minisérie), 2018,  Chan-wook Park
E Então Nós Dançamos (And Then We Danced), 2019, Levan Akin
A tabacaria (Der Trafikant), 2018, Nikolaus Leytner
A vilã (Aknyeo), 2017, Byung-gil Jung
Thirsy (A sede de sangue), 2009, Chan-wook Park
O expresso do amanhã (Snowpiercer), 2013, Bong Joon Ho
Mother - a busca pela verdade (Madeo), 2009, Bong Joon Ho
Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa, Birds of Prey and the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn, 2020, Cathy Yan
O Joelho de Claire, 1970,  Éric Rohmer
Crisântemos Tardios (Zangiku monogatari), 1939,  Kenji Mizoguchi
Helena de Tróia, 1956, Robert Wise
Spotlight: Segredos Revelados, 2015, Tom McCarthy
Judas Collar - curta, 2018, Alison James
O Melhor Lance (La migliore offerta), 2013,  Giuseppe Tornatore
La vérité (A verdade), 2019,  Hirokazu Koreeda
O Oficial e o Espião (J'accuse), 2019, Roman Polanski
Zan, 2018, Shin'ya Tsukamoto
A Luz da Ilusão (Maboroshi no hikari),1995, Hirokazu Koreeda
Contos da Lua Vaga Depois da Chuva (Ugetsu monogatari), 1953, Kenji Mizoguchi
Cão Que Ladra Não Morde (Flandersui gae), 2000, Bong Joon Ho


16/03/2020
The little drummer girl (minisérie), 2018,  Chan-wook Park


The Little Drummer Girl – minissérie une John le Carré e Park Chan-wook

Por Nick Ellis 

A série The Little Drummer Girl (A Garota do Tambor), exibida lá fora pela AMC, é uma adaptação em seis episódios do clássico livro de John le Carré, dirigida pelo excelente diretor sul-coreano Park Chan-wook, uma mistura que à primeira vista pode não combinar, mas que dá muito certo na tela.
A nova série tem um casting de primeira linha, com um Alexander Skarsgård enigmático e um Michael Shannon totalmente mergulhado em seu papel de Marty Kurtz, além de Florence Pugh (Lady Macbeth e Legítimo Rei) brilhando como Charlie, a garota do tambor do título, um papel que no cinema foi de Diane Keaton, mas que ela toma pra si de forma intensa.

A produção é da AMC/BBC, com produção executiva de Simon e Stephen Cornwell, que são filhos de John le Carré, e os responsáveis por cuidar das adaptações da obra dele para o cinema e TV. The Little Drummer Girl segue passos de O Gerente da Noite (The Night Manager), outro livro dele que virou uma excelente minissérie da AMC e BBC em 2016, e que também tinha ótimos atores no elenco, Hugh Laurie e Tom Hiddleston.

Antes mesmo de falar na história, preciso elogiar o diretor Park Chan-wook, que assina os seis episódios de The Little Drummer Girl. Se em The Night Manager eles escolheram a dinamarquesa Susanne Bier (vencedora do Oscar e diretora do recente Bird Box da Netflix), a opção mais uma vez foi muito feliz, com resultados de alto nível.

Por trás das câmeras, em sua primeira aventura na TV, está uma lenda do cinema coreano e mundial, que por si só é um ótimo motivo para você parar de ler esta resenha e ir logo assistir a série. Park é meu diretor coreano favorito, criador da Trilogia da Vingança que inclui o genial Old Boy, além de ter na carreira filmes como A Criada, Segredos de Sangue e muitos outros.

Park não está sozinho em sua missão de fazer uma bela série sobre o livro de John le Carré, ele trouxe seus fiéis escudeiros Jo Yeong-wook, responsável pela criação de trilhas sonoras dos seus filmes desde os tempos de Old Boy, e o diretor de fotografia Kim Woo-hyung, com quem também trabalhou em vários projetos. Os dois fazem toda a diferença no clima desta nova versão de A Garota do Tambor.

Michael Lesslie escreveu quatro episódios, e Claire Wilson os outros dois. Pra quem não tiver lido o livro, neste post não vou falar nada sobre a trama além da premissa básica, e só entro em detalhes mesmo sobre o que acontece no primeiro e no máximo no segundo episódio, com o objetivo que mais pessoas assistam a série. Depois dessa apresentação básica, vou falar um pouco sobre a série em si, tentando não dar spoilers.

Para ler mais sobre a série sem saber mais nada sobre a trama inicial, é só pular os próximos 14 parágrafos (além dos vídeos). Vou repetir: se não quiser saber nada sobre a história de The Little Drummer Girl, a hora pra parar é agora e se quiser continuar lendo, faça isso por sua conta e risco.
O trailer apresenta a história básica, mas antes mesmo dela começar, temos um prólogo explosivo com uma mala entregue em uma casa por uma bela mulher, e que logo ficamos sabendo que se trata de uma bomba, em um atentado da OLP orquestrado por dois irmãos palestinos contra a família de um diplomata israelense, que acabou confiando em quem não devia.
Os dois irmãos da história são Salim (ou Michel, para usar seu nome falso), que é responsável pela entrega das bombas, incluindo cooptar belas ajudantes como a garota do parágrafo acima, e Khalid, por criar os explosivos. O detalhe é que Khalid sempre deixa uma boneca feita com os fios da bomba como uma assinatura pessoal.

Depois desse início literalmente explosivo, no qual podemos conferir o poder de destruição das bombas de Khalid, a série nos apresenta ao grupo antiterrorista do Mossad liderado por Martin Kurtz, ou Marty, que está de olho em Charlie, uma atriz inglesa que acaba se envolvendo na história sem sequer imaginar o que está realmente acontecendo.Marty usa identidades diferentes para interagir com outros personagens da trama e tem ao seu lado Gadi Becker, vivido pelo ator Alexander S karsgård, que é o típico agente secreto, e acaba servindo como isca para recrutar Charlie para um plano simples, mas bem perigoso: fingir que é a namorada de Salim/Michel e se infiltrar na organização dos palestinos.
Para descrever melhor quem é o agente secreto, vou citar o diálogo de uma cena na qual o personagem do agente israelense Shimon (Michael Moshonov) diz pra ele: "é uma honra conhecê-lo. Eu ouvi muito falar de você.", ao que Becker simplesmente responde: "não, você não ouviu."
Depois de uma apresentação, a companhia de teatro na qual Charlie trabalha é convenientemente convidada para encenar a sua peça na Grécia. Ao chegarem lá, ela passa a encontrar sempre um estranho familiar, que não por acaso andava sempre na plateia assistindo as apresentações. O estranho, é claro, é Becker, que na verdade já está vivendo como o personagem da sua próxima missão para Marty.

Em um dos encontros aparentemente casuais, ele aparece em uma praia na qual ela está com seu namorado e os outros atores, eles fazem uma brincadeira para ver quem tem coragem de falar com aquele sujeito tão misterioso. Quando chega a vez de Charlie, o estranho que na verdade é Becker finalmente se apresenta como Peter, mas ela logo começa a chamá-lo de José.
Becker a convence a ir embora da cidadezinha em direção a Atenas, e os dois partem para o encontro romântico dos sonhos em uma Acrópole fechada, com o Partenon iluminado como fundo. Os dois têm uma noite quase perfeita, já que mesmo após um primeiro beijo, ele continua distante, apesar do clima e das frases, uma das quais ela reconhece que foi tirada de um livro.
Depois, Becker leva Charlie em uma corrida através da cidade em sua Mercedes vermelha e ela não fica nada confortável com toda aquela velocidade e risco. O objetivo era levá-la até a casa segura, na qual os outros agentes a esperam, e onde o mistério acaba sendo revelado.
Ao chegar, ela se encontra com Marty, que para surpresa da sua equipe, se apresenta pra ela com seu nome real. Marty diz a Charlie que ele é “o produtor, roteirista e diretor do nosso pequeno show”, e que se ela resolver aceitar o papel oferecido, no que ele chama de “teatro do real”, terá que improvisar o tempo todo, e convencer uma plateia que não fará a menor ideia de que ela é uma atriz.

O grande trunfo dela para interpretar o papel é que ela realmente tinha conhecido Michel, ou melhor, Salim, em um evento político em Dorset, tendo inclusive chamado a atenção dele. Os riscos são bem altos, e Charlie pode ter ganho o papel da sua vida, mas ela terá que tomar cuidado para ele não acabar custando a própria.
No segundo episódio, conhecemos o verdadeiro centro de operações de Marty, que fica simbolicamente dentro da Vila Olímpica de Munique, e que tem como destaque uma cela com caixas de som voltadas para dentro, especialmente preparada para enlouquecer qualquer pessoa que tiver a infelicidade de ser presa ali, que no caso é Michel, pra usar o nome que ele estava usando quando foi preso.

A partir desse momento, Becker já não sai mais do personagem, e agora está usando o nome falso de Salim, e passa insistir que Charlie só o chame de Michel. O que acontece com ela depois? Isso você vai ter que assistir a série para saber.
Outro destaque da série é a interação de Marty com o Comandante Picton vivido por Charles Dance (o Tywin Lannister de Game of Thrones), que acontece em só dois episódios, mas é marcante na trama, muito por conta da química entre os dois atores, que é excelente. Dance pode aparecer pouco, mas quando o faz, rouba a cena. Apesar de acabar ajudando Marty, Picton não fica nada satisfeito com as atividades do grupo na Inglaterra.
A série The Night Manager foi atualizada para os dias atuais, mas a nova versão A Garota do Tambor ainda se passa em 1979, assim como no livro lançado em 1983, o que permite que o design e o figurino sejam pontos altos da produção. Ao contrário de outras séries de espionagem que muitas vezes contam com um clima sombrio, na nova série tudo é bem colorido, e muitas cenas são gravadas com a luz do dia.

Em uma entrevista ao The Atlantic, Park Chan-wook disse que a decisão de usar cores vivas e fortes em The Little Drummer Girl era importante para a narrativa, pois usando as suas palavras: “é mais benéfico para esses personagens que eles sejam notados e testemunhados na ficção que estão criando”.
Na mesma conversa, ele diz que adorou o filme O Espião Que Sabia Demais, inspirado em outro livro bem famoso de John le Carré, e ficou com inveja do diretor Tomas Alfredson, que tinha tido a chance de adaptar um livro do mestre da espionagem. Dessa vez, Park conseguiu. O cineasta também conta que quando era pequeno, pensava em fazer seus próprios filmes do 007, e em The Little Drummer Girl, isso fica bem claro.

Dá pra ver que Park está se divertindo, criando seus próprios mini-filmes de espionagem. Por mais que The Little Drummer Girl não seja definitivamente uma série de ação, tirando algumas cenas explosivas, é inegável que o diretor leva jeito para falar de espiões, e como ele também sabe filmar ação e violência como poucos, o que mostrou ao longo da sua carreira, pode tranquilamente assumir um filme da franquia, se um dia assim quiser.

No site da AMC, Florence falou sobre a sua experiência com a série, o que ela acha da personagem Charlie e suas motivações. Ela também conta como foi trabalhar com Michael Shannon e Alexander Skarsgård, além é claro das emoções de filmar na Acrópole fechada durante a noite, sem nenhum turista por perto, e também conhecer pessoalmente John le Carré (só depois das filmagens).
Sempre gosto de dizer que estamos vivendo a “Era de Ouro” das séries, e The Little Drummer Girl é só mais um ótimo exemplo disso. Eu recomendo fortemente essa série pra todos que gostem de espionagem e tramas políticas. Se você é um destes, faça um favor a si mesmo e assista a série da AMC assim que ela chegar ao Brasil, o que infelizmente ainda não tem previsão pra acontecer. Caso alguma emissora compre os direitos no futuro (próximo ou não), pode deixar que avisarei a vocês neste post.

Os irmãos Cornwell não descansam, e já estão preparando a próxima série inspirada em um dos livros mais famosos de John le Carré, O Espião que Saiu do Frio. Pela qualidade das últimas duas séries que produziram, desde já aguardo ansioso.

Em tempo: a competência de Chan-wook Park no mundo das séries

18/03/2020

E Então Nós Dançamos (And Then We Danced), 2019, Levan Akin


O jovem Merab faz parte de uma companhia georgiana de dança folclórica, seguindo os passos do pai. Descontente com a vida de precariedade financeira e baixo reconhecimento artístico, ele tem sua vida transformada pela chegada de Irakli, dançarino novato que disputa com ele a mesma vaga num importante teste. Merab descobre, pela primeira vez, sua paixão por outro rapaz, dentro de um contexto homofóbico e violento.

O início deste drama sueco-georgiano não é dos mais sutis: no instante em que o novato Irakli (Bachi Valishvili) entra na sala de dança onde se encontra o protagonista Merab (Levan Gelbakhiani), sabemos que os dois ficarão juntos. O olhar deste último não consegue desviar do bailarino, enquanto as fofocas dos vestiários, sobre um colega gay agredido e expulso da companhia, adiantam o conflito principal a ser enfrentado por ambos. Diante a evidência do amor e do preconceito, resta apenas esperar para que a aproximação se concretize em tela. E Então Nós Dançamos não busca surpreender pelos rumos inesperados, apenas fornecer o reconforto emocional típico de jornadas de superação e autodescoberta.

No entanto, o caminho certeiro rumo à viabilização do amor é muito bem trabalhado pelo diretor Levan Akin. A rotina de treinos dentro da companhia soa verossímil, com belas cenas de dança, enquanto o roteiro faz questão de frisar a vida externa: as brigas com a mãe, as dificuldades financeiras, o trabalho pouco recompensador como garçom num restaurante. A descoberta da primeira paixão por um garoto é construída através de um cenário de opressão constante entre comprovação da masculinidade e sobrevivência financeira. Merab se encontra numa fase de exaustão crônica, razão pela qual o elemento de novidade representado pelo colega – um rapaz de outra cidade, que bebe a noite inteira e consegue dançar bem no dia seguinte – se torna irresistível aos olhos do rapaz. Irakli significa que há vida fora das convenções, o que permite ao protagonista sonhar com saídas para si próprio.

Esteticamente, o cineasta explora a cartilha do “filme de personagem” comum aos grandes filmes sobre dança, a exemplo de Cisne Negro (2010), Suspíria - A Dança do Medo (2018) e Girl (2019). A câmera está sempre colada a Merab, acompanhando-o a cada pirueta ou salto, correndo com ele pelos corredores da escola e enveredando pelas ruas da cidade. A imagem se fixa no rosto ou na nuca em movimento, enquanto a profundidade de campo reduzida diminui o contraste com o mundo ao redor e ressalta a sensação de asfixia vivida pelo jovem dançarino. Todos estes filmes sobre dança trabalham a busca pela perfeição, numa gradação rumo a um desfecho invariavelmente explosivo: os personagens são testados até o limite de suas capacidades físicas e mentais. Em E Então Nós Dançamos, assim como em Girl, a busca pela adequação se confronta ao óbvio sentimento de marginalidade da condição LGBTQI+.

Mesmo assim, existe um sopro de esperança, representado não apenas pela possibilidade do amor verdadeiro, mas também pela estética solar, de luz quentes e cores saturadas. A fragilidade do namoro infantilizado com Mary e o desapego em relação à família problemática tornam-se vantagens ao protagonista: ele possui menos laços do que imaginava, tendo a possibilidade de rompê-los rumo a uma trajetória pessoal e profissional de sua escolha. Uma série de coincidências pouco verossímeis, como a chegada do interesse amoroso diretamente em sua casa, servem a mergulhar o aspecto realista com um elemento mais fabular, próximo de um golpe do destino. Torna-se mais fácil se identificar com o garoto, não por sua condição específica de dançarino gay de uma companhia georgiana de dança folclórica, e sim de vítima de um amor aparentemente impossível, e no entanto tão próximo de se concretizar.

Rumo ao final, o drama competente, porém formulaico, melhora bastante através de três cenas de notável ousadia cinematográfica e emocional: o complexo plano-sequência durante um casamento, a terna confissão ao lado do irmão e a soberba conclusão, espécie de enfrentamento simbólico às regras sociais. Akin eleva seu jogo na conclusão, deixando uma boa impressão capaz de superar a conveniência de algumas reviravoltas. A promessa trágica deste Romeu e Julieta gay, vindos de mundos diferentes e condenados a competirem entre si pela mesma vaga num teste, encontra uma alternativa para a conclusão, como se o filme, a exemplo de Merab, percebesse escapes para além das regras impostas. Essa forma de respiro encontrada pela narrativa, pela direção e pelos personagens torna a experiência recompensadora ao espectador.


Em tempo: a dança final é espetacular

19/03/2020

A tabacaria (Der Trafikant), 2018, Nikolaus Leytner


O pesadelo recorrente do fascismo

Por Sarah Lyra 

A primeira questão a se abordar sobre A Tabacaria é sua estonteante reconstituição da Viena de 1937. O design de produção é quase um personagem por si só, tamanha é sua expressividade em cena, com suas variações de cinza e marrom aliadas a uma paleta de cores quentes e pouco vibrantes. O trabalho dos profissionais envolvidos na concepção estética do longa dirigido por Nikolaus Leytner também se destaca nos pesadelos do protagonista Franz (Simon Morzé), eficientes em ilustrar o estado de espírito do garoto, que passa por um processo de coming-of-age (a chegada da maturidade) ao ser obrigado a abandonar Attersee, sua comunidade no interior da Áustria, para trabalhar na cidade.
  
É interessante observar como a característica onírica de algumas cenas está presente desde o início da projeção, mas sofre alterações à medida que a trama se desenvolve. Ao sermos apresentados a Franz, percebemos que o garoto de 17 anos passa a maior parte de seu tempo imerso em água, se imaginando como uma figura marinha de um universo lúdico. Quando interage com pessoas reais, seus frequentes devaneios o caracterizam como o herói de situações em que se encontra encurralado, como aquelas em que é confrontado por um homem enciumado e todo o segmento envolvendo sua paixão platônica, Anezka (Emma Drogunova). A partir do encontro com Otto Trsnjek (Johannes Krisch), no entanto, um veterano que perdeu uma das pernas na Primeira Guerra Mundial e agora é dono da tabacaria onde o protagonista trabalha, Franz é confrontado com um senso de realidade muito mais duro do que sua imaginação poderia prever.

A trajetória do garoto é o ponto alto do roteiro, principalmente por conta da atuação de Morzé, que transita com maturidade entre a figura do garoto gentil, que pouco sabe sobre o mundo, e o adulto que precisa tomar decisões difíceis às vésperas da ocupação de Viena pelos nazistas. Em um primeiro momento, o jovem escuta com atenção os discursos de Otto, que, apesar do cinismo aparente, é um grande defensor de que não haja diferenciação entre os clientes, sejam eles comunistas e judeus ou não. É também divertido ver como Franz se torna um excelente aprendiz de Otto, reproduzindo não apenas suas práticas sociais como seus variados discursos — às vezes palavra por palavra —, geralmente com um ensinamento moral ao fim.

Igualmente válido é o relacionamento estabelecido entre Franz e Sigmund Freud (Bruno Ganz), um cliente frequente da tabacaria. É claro que toda a situação se torna muito mais interessante por conta do peso do nome de Freud, e é inovador retratá-lo como coadjuvante e homem comum, onde suas conquistas científicas não são o foco da narrativa. O professor se torna uma espécie de conselheiro amoroso de Franz, se mostrando tão intrigado pelo mundo feminino quanto um jovem vivendo o primeiro amor. A partir desse ponto, o roteiro peca ao gerar uma série de expectativas que nunca se concretizam. A Tabacaria dá a impressão de querer aprofundar a relação, de maneira que se torne significativa para os dois, principalmente quando Freud demonstra interesse nos sonhos recorrentes do garoto. Ao pedir que Franz documente sua experiência onírica, fica implícito que os sonhos terão alguma importância na trama em algum momento, por isso, é decepcionante ver que o roteiro escolhe não retomar a questão posteriormente. Por mais que Freud seja retratado como o vizinho do prédio ao lado, soa como um desperdício não abordar, mesmo que discretamente, o conhecimento do professor sobre o subconsciente, principalmente depois de o garoto demonstrar um claro interesse no trabalho do pesquisador.

A Tabacaria também estabelece sua força em uma eficiente oscilação entre os acontecimentos cotidianos da vida dos personagens e os políticos, marcados pela ascensão fascista. São sutis os momentos em que Leytner sugere o perigo iminente dos seguidores de Hitler, como na cena em que um homem entra na tabacaria, também ponto de venda de jornais e materiais de papelaria, pedindo a nova edição do National-Zeitung, jornal alemão de extrema-direita. Por conta de uma eficiente capacidade de costura das subtramas de Viena, fica particularmente evidente a falta de um desenvolvimento maior do arco da mãe de Franz, com quem ele troca cartas frequentemente. É essa troca que também escancara algumas das angústias e fragilidades dos dois personagens. A diferença é que, no caso do protagonista, somos oferecidos outros recursos (como os sonhos e a vida cotidiana na capital) para melhor compreendê-lo; no caso de Margarete (Regina Fritsch), são poucos os momentos destinados a abordar sua preocupação com as finanças e, principalmente, com o assédio sofrido pelo patrão, a ponto de inventar um namorado para impedir os avanços do dono do hotel.

A Tabacaria chega ao fim em um ato final que se distancia do impacto dos seus antecessores. As histórias têm uma conclusão muito aquém do que é sugerido ao longo da projeção, principalmente no que diz respeito ao romance de Franz e Anezka, a quem o filme dedicada muito tempo de tela e pouco aprofundamento. Ainda assim, Leytner acerta ao delimitar o recorte temporal e histórico, propondo um novo olhar sobre uma história já conhecida de intolerância e antissemitismo, mas que sempre pode ser recontada.

19/03/2020

A vilã (Aknyeo), 2017, Byung-gil Jung


Ação de primeira, drama de segunda


A Vilã é dois filmes em um só. Um muito bom, outro muito irregular. Com isso, a experiência final é prejudicada, mas ainda conta com momentos realmente especiais, principalmente quando falamos de ação. Esta é justamente a parte que funciona da produção. A obra traz sequências eletrizantes de ação, marcadas por muito sangue e por uma bela coreografia de combates.

Neste sentido, o filme remete a outros sucessos do cinema asiático, como Operação Invasão e Old Boy, embora sem a mesma qualidade de roteiro. E é aí que se encontra o lado ruim da produção. O roteiro conta com uma barriga melodramática enorme e má desenvolvida, que quebra o ritmo e insiste em um desenvolvimento de personagens que não interessa ao espectador, que está mais envolvido com as cabeças rolando ao longo da história.

É claro que não há nada de errado em se desenvolver personagens, mas aqui o texto claramente derrapa e perde o controle, criando uma série de reviravoltas dramáticas que funcionam muito pouco.
Após ver o pai ser assassinado, Sook-hee (Ok-bin Kim) é treinada para ser uma assassina. Após deixar uma pilha de corpos em um ato de vingança, ela acaba capturada e tem sua vida literalmente apagada. Grávida, ela é obrigada a trabalhar para uma agência de assassinatos, com a promessa de que em dez anos será libertada para ter uma vida comum. Após ser "devolvida" ao mundo real, já com a filha nascida, Sook-hee verá a carreira de assassina bater de frente com elementos de seu passado, o que abalaram sua rotina e realidade.

Com referências claras à obras como Nikita - Criada Para Matar e Kill Bill, A Vilã é realmente especial como filme de ação. Toda sequência inicial é feita com a câmera em primeira pessoa, o que causa uma sensação estranha, como se estivéssemos em um game, mas é ao mesmo tempo bem original. A forma como o longa usa para quebrar este formato também é bem interessante.

O filme tenta brincar com um jogo de cores, destacando, por exemplo, a cor da gravata que a protagonista presenteou uma pessoa importante no passado, mas, ao final, o que funciona mesmo é o vermelho do sangue, que muitas vezes parece chover em cena.

Em tempo: os 15 minutos inicial e final são eletrizantes para quem gosta de filmes de ação. Como os coreanos sabem fazer muito bem!


20/03/2020

Thirsy (A sede de sangue), 2009, Chan-wook Park


Sang-hyeon (Song Kang-ho) é um padre que se tornou voluntário de um projeto secreto de desenvolvimento de vacinas. Seu intuito é ajudar a salvar vidas, ameaçadas por um vírus mortal. Porém durante o experimento ele é infectado e morre. Quando recebe uma transfusão de sangue de paradeiro desconhecido, ele volta à vida mas se torna um vampiro. Sang-hyeon está agora dividido, entre o desejo carnal por sangue e sua fé, que o impede de matar.

Sede de Sangue é um delírio vampiresco surreal, fetichista, misógino e sádico do tresloucado diretor sul coreano Park Chan-wook. Uma daquelas maravilhas que vem da Coreia do Sul, com uma estética impecável, roteiro impiedoso e uma constante troca de gêneros dentro de um mesmo filme, ora terror, ora drama, ora romance, ora humor negro escrachado.

O diretor conhecido por sua trilogia Vingança, que consiste em Mr. Vingança, Oldboy e Lady Vingança, levou dez anos para conseguir realizar a sua história do padre católico que se torna um vampiro sanguessuga. Quando trabalhou junto com o astro do filme, Song Kang-ho, em 2000, ao dirigi-lo em Zona de Risco, já havia trocado figurinhas sobre esse filme e o convidado para estreá-lo. Além disso, Sede de Sangue é o primeiro filme coreano a ser coproduzido por Hollywood, já que recebeu financiamento da Universal Pictures.

Utilizando algumas marcas registradas de trabalhos anteriores, como sangue, violência estilizada e humor, Chan-wook conta a história do devoto padre Sang-hyeon, que decide tornar-se cobaia de um experimento para desenvolvimento de uma vacina para um terrível vírus que provoca uma doença degenerativa de pele. Infelizmente, o intrépido padre acaba morrendo nesse experimento quando é infectado. Porém ao receber uma transfusão de sangue de um desconhecido na tentativa de salvá-lo, eis que ele é presenteado com o sangue de um vampiro e volta à vida. 
Devotado pelos fieis como um padre milagreiro, aos poucos Sang-hyeon vai descobrindo que se tornou uma criatura das trevas e precisa combater seus instintos básicos, entrando em um conflito entre seu desejo carnal de sangue, que é o que o manterá vivo e livre da doença que volta sistematicamente ao não se alimentar, e sua fé, já que matar é o pior dos pecados.

Como se não bastasse esse baita dilema moral do sacerdote, surge em sua vida Tae-Ju, uma reprimida e frustrada esposa de um amigo de infância, humilhada a vida inteira por sua sogra com quem moram juntos, que na verdade é uma verdadeira bomba de sexo e desejo prestes à explodir.
O padre talarico não demora para mandar às favas sua doutrina religiosa e ceder a luxúria e os prazeres da carne. Só que a mulher será sua ruína, quando eles armam um esquema para se livrar do marido e da sogra, e depois o já ex-padre acaba a transformando em uma vampira para salvar sua vida. Ao contrário de Sang-hyeon, que se alimenta de sangue de pacientes em coma e de “voluntários”, Tae Ju quer mais tocar o terror e ir à caça.

O que se vê são cenas filmadas com uma beleza ímpar e excelente fotografia, e uma verdadeira viagem surreal e inconsequente do diretor, com cenas que beiram o mais completo absurdo, pontuadas pelas precisas atuações de Song Kang-ho e da espetacular Kim Ok-bin, que rouba o filme da sua metade para frente. Outro destaque é para atuação de Kim Hae-sook como a sogra, que consegue nos fazer dar risadas com simples piscadelas e movimentos com o rosto.
Dois detalhes dos mais interessantes de Sede de Sangue é que em certos aspectos, ele remete aos bons elementos clássicos do vampiro no cinema, retratando-os como extremamente carnais e sexuais, dominados por um desejo incontrolável por sangue e tesão. Tae-ju em si, louca para dar, é uma verdadeira antítese à toda aquela metáfora de castidade e limpeza propagada pela Saga Crepúsculo. Ela quer aproveitar anos de frustração sexual e se deliciar do gozo de todas as formas possíveis, tanto sexual quanto pelo sangue. Mas ao mesmo tempo, outras características também eternizadas nas lendas dos sugadores de sangue são deixadas de lado, como a falta dos famosos caninos ou seus reflexos que são mostrados em espelhos.

Sede de Sangue é mais uma comprovação da beleza e originalidade do cinema sul-coreano e todo o brilhantismo de seus diretores. Não é a toa que levou o prêmio do público no Festival de Cannes de 2009. E também comprova mais uma vez que o gênero vampiro não está perdido só porque uma esmagadora maioria burra lê e assiste aqueles enlatados. Uma curiosidade pessoal é que o título em português do filme foi dado por esse que vos escreve, quando trabalhava na Paris Filmes, que distribuiu o filme aqui no Brasil. Sim, a mesma Paris Filmes que distribui a Saga Crepúsculo. Que ironia.



21/03/2020

O expresso do amanhã (Snowpiercer), 2013, Bong Joon Ho


Expresso do Amanhã: Luta de classes


Com apenas 45 anos, Bong Joon-Ho já se consolidou como um dos diretores asiáticos mais cultuados nos últimos tempos. Realizou o brilhante filme-catástrofe O Hospedeiro e o intrigante thriller Mother - A Busca Pela Verdade. As obras possuem elementos do cinema de autor, mas também funcionam comercialmente. Com isso, acabou atraindo os olhos de Hollywood e convidado para seu primeiro filme em língua inglesa. Aí nasceu Expresso do Amanhã, filme de 2013 que finalmente chega aos cinemas brasileiros. O longa é um misto de ficção científica, drama, ação e fantasia. Não fica preso a nenhum gênero e excede em originalidade.

Inspirado na HQ francesa Le Transperceneige, de Jacques Lob e Jean-Marc Rochette, o filme oferece uma metáfora óbvia, mas brilhante da vida em sociedade neste século XXI. Em um mundo pós-apocalíptico, todas as pessoas vivem em um só trem, que viaja pelo planeta sem parar. O dono do trem fica no primeiro vagão. Os hospedes mais ilustres ficam nos seguintes. E por aí vai, até chegar ao final do trem, onde ficam as pessoas mais pobres, que trabalham para suportar a boa vida daqueles à frente no veículo.

Chris Evans vive Curtis, uma espécie de líder dos mais pobres. Ele e seus companheiros iniciam uma rebelião que irá abalar a rotina do trem. Estamos diante de uma alegoria com a luta de classes. Uma crítica ao sistema capitalista, que muitas vezes exige que o pobre "fique no seu lugar", enquanto que o rico explora e se mantém confortável na posição de elite.
O elenco do filme é excelente, com ótimas participações de Tilda Swinton, Ed Harris, John Hurt e Song Kang-Ho. Jamie Bell, Octavia Spencer e Alison Pill completam o time. A trilha sonora de Marco Beltrami é um dos destaques da produção, que conta com ótimos trabalhos de direção de arte, figurino e maquiagem.

Expresso do Amanhã tem momentos eletrizantes e uma história absolutamente criativa. Em uma época em que os filmes de super-heróis se repetem, é bom ver que o cinema de ação também pode procurar por tramas novas e fora do lugar comum.

Em tempo: Bong Joon Ho em 2013 antecipando narrativas para "Parasita" de 2020.


22/03/2020

Mother - a busca pela verdade (Madeo), 2009, Bong Joon Ho


Uma mulher viúva cuida sozinha de seu filho único, Do-joon. Este homem de 28 anos, ingênuo e infantil, costuma se comportar de maneira inconsequente, dependendo com frequência da atenção materna. Um dia, ele é acusado do assassinato de uma adolescente, mas parece sequer compreender a acusação que enfrenta. Diante da incompetência do advogado encarregado de defendê-lo, a mãe parte em busca do verdadeiro assassino, para provar a inocência de seu filho.

 “Mother – A Busca pela verdade” – que verdade?


Em matéria de adendo infeliz, “a busca da verdade” é dos mais tristes. Fora o lugar comum, trai a essência do filme dirigido por Bong Joon-ho que, justamente, questiona a possibilidade de conhecer a verdade. É mais um caso de deformação ao batizar um filme em português. Seguindo uma fórmula recorrente, o título original é preservado – “Mother”, acrescentando-se o que parece ser, muitas vezes erradamente, uma sinopse do enredo.

Exibido na mostra do Festival de Cannes, em 2009, “Mother” teria tido grande sucesso comercial na Coreia do Sul, segundo o “Boletim Filme B”,  vendendo mais de um milhão de ingressos em seus primeiros quatro dias de exibição. Seria interessante saber o que levou a tamanho sucesso: empatia do público com um filme produzido em seu próprio país? Sensibilidade cinematográfica do espectador coreano? Algum outro motivo?

Depois de ter sido exibido, aqui no Brasil, em pelo menos dois festivais, “Mother” foi um fracasso comercial quando lançado, em fevereiro, em São Paulo, Brasília, Juiz de Fora e Vitória. Com isso, a exibição no Rio parece incerta, o que me leva, excepcionalmente, a comentar um filme que não está mais em cartaz e que deve se tornar uma raridade, difícil de ver.
É uma pena. “Mother”, dirigido por Bong Joon-ho, é dos melhores filmes exibidos recentemente no Brasil. Talvez, com um título melhor e um lançamento menos burocrático, pudesse ser visto ao menos por entre 20 e 30 mil pessoas.

Em certos filmes há momentos que se destacam do conjunto e se tornam inesquecíveis. Pode ser uma sequência, um gesto ou um olhar. Às vezes, é o primeiro plano que tem o poder de criar por si mesmo um universo ficcional próprio. Sua composição e duração, seu ritmo, a movimentação da câmera e dos atores, o local visto, definem um código original que, uma vez decifrado, permite interagir com o filme.

O primeiro plano de "Mother" é um desses momentos. Editado como um prólogo, antecedendo o título, dura cerca de  2. Nada é dito, e será preciso ver o filme até perto do final para saber como a situação se encaixa na história.
Embora, mesmo assim, haja uma diferença marcante entre as duas vezes em que o plano é usado.
No prólogo, ele vale por si mesmo, por sua forma, sua aparente falta de sentido, sua leveza. De um ponto elevado, vemos uma mulher se aproximando, em silêncio, por um campo ondulante e luminoso. No início, o movimento da câmera e da personagem são ligeiramente dissociados, custando um pouco a se interligar. A mulher chega a ficar na lateral direita do quadro, vista ainda de corpo inteiro, quando a câmera se estabiliza no nível dela. Olha em volta, encara a lente e inclina a cabeça. A música começa com uma percussão à qual violão e outros instrumentos se somam. A mulher ergue os braços, e balança o corpo no ritmo da melodia romântica; tapa o rosto e a boca com uma mão, vira de costas e há um corte para o segundo plano, sombrio, da mesma mulher, sobre o qual é superposto o título.

Essa descrição não faz justiça ao plano e ao seu efeito na abertura de "Mother". Nem dá conta do filme com um todo. É apenas a indicação de um momento inspirado. Na última sequência do filme, a mesma música leva a personagem a retomar a dança em contraluz, integrando-se aos companheiros da excursão dos "Pais agradecidos".

É por momentos como esses que um filme se diferencia. As histórias tendem a se repetir. A forma de contá-las é que faz a diferença.

Eduardo Escorel, 
cineasta, diretor de Imagens do Estado Novo 1937-45


24/03/2020



Aves de Rapina - Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa

Violência colorida 


Diamantes são os melhores amigos de uma garota. Marilyn Monroe eternizou essa frase no cinema há seis décadas e, mesmo após tanto tempo, ela ainda dá um jeito de encontrar o caminho de personagens como Arlequina. Há uma determinada cena em Aves de Rapina que funciona tanto como homenagem como para se encaixar perfeitamente no atual cenário psicológico da protagonista. Isso traz a emancipação do título (que não se diz somente respeito à Harley, é claro) como uma forma de mostrar ao espectador que a anti-heroína passa a enxergar o mundo com a clareza de uma mulher independente – ainda que com uma pitada de insanidade ingênua. E é com esse estilo que mistura tons de fantasia com vislumbres de consciência que Aves de Rapina toma sua forma.

Apesar de não ser propriamente uma história de origem, o filme de Cathy Yan traz em cada personagem do grupo inúmeras variações de tal emancipação (que sempre está ligada a homens), tocando em temas como vingança, machismo e violência - física e psicológica – para compor o universo de cada uma. Dessa forma, conhecemos Canário Negro, Renée Montoya, Caçadora e Cassandra Cain não por suas histórias pessoais (só há uma exceção entre elas), mas sim pelo o que as faz optarem por sair do lugar em que se encontram hoje. Aliado a esse olhar de Yan e ao roteiro de Christina Hodson, Aves de Rapina toca em temas bem complicados e intensos com enfoque a um visual brilhante e multicolorido, que vai das roupas de Harley às ferramentas que usa para combater policiais e inimigos. E o melhor dessa preferência é que o filme nunca se depara com um tom infantil. Este ainda é um filme adulto sobre mulheres que precisam se libertar de alguma forma – seja do passado ou de alguém.

Mas, em contraponto com o cuidado do roteiro em mesclar momentos de maturidade com momentos de descontração e piadas, temos em Arlequina uma narradora nada perfeita. Por mais divertido que seja acompanhar a protagonista contando sua própria história – e principalmente por seguirem com a essência da personagem, com todas as alternâncias e conflitos mentais –, há inúmeras idas e vindas no roteiro que atingem a narrativa de forma um tanto negativa. A montagem torna-se problemática em cenas que soam mais complicadas do que são na realidade, e isso acontece pelo fato de o filme ser "rebobinado" em alguns momentos. É compreensível que tal escolha tenha sido proposital para justamente transparecer o quão confusa ou incompreensível seja Harley, mas tecnicamente e narrativamente falando, ela simplesmente não funciona tão bem.

A sorte é que Margot Robbie prova, mais uma vez, que dentre suas muitas facetas, nasceu para interpretar Harley Quinn no cinema. Em nenhum momento sua ingenuidade corta a intensidade de momentos importantes; pelo contrário, ela só os impulsiona a serem ainda mais interessantes e contrastantes quando divide a tela com suas companheiras de ação. Além disso, em Aves de Rapina há um trabalho de humanização para sua personagem, com Harley tendo de lidar com inúmeros inimigos a partir do momento em que termina seu relacionamento tóxico com "Mr. J" e, principalmente, aprender que é possível ser uma pessoa melhor sem necessariamente deixar de ser uma mercenária. As camadas em Harley são muitas, e aqui estão bem implícitas nas decisões que ela precisa tomar.

Quanto ao elenco feminino, Rosie Perez surpreende como Renée Montoya e traz uma personagem cuja realidade praticamente não muda do início ao fim: ela começa o filme tentando superar o machismo da polícia e acaba não conseguindo, mas o que muda é seu olhar para estes problemas e é isso o que importa, afinal. Na verdade, todo o time passa por essa mudança de olhar: Canário Negro vai contra o ambiente abusivo que seu chefe, Roman "Máscara Negra" (interpretado de forma bastante caricatural por Ewan McGregor), propicia; Caçadora garante seus meios de conseguir o que mais almeja para depois ver que seu plano final era apenas o início de algo muito maior; e Cassandra Cain encontra firmeza num lugar em que nunca esperava – mas é, de longe, a personagem menos trabalhada dentre as cinco mulheres. A Caçadora de Mary Elizabeth Winstead definitivamente merecia mais espaço por ter a motivação mais ligada a Victor Zsasz (Chris Messina) e Roman, mas toda e qualquer cena em que apareça (seja atual ou em flashback) faz valer cada segundo.
Porém, ainda que as motivações de cada integrante deste audacioso grupo sejam trabalhadas de forma muito clara enquanto indivíduos, quando a narrativa enfim as une no ato final é difícil não pensar na razão específica pela qual elas escolhem se unir. Logicamente, a emancipação de cada uma pode ser vista como uma fagulha no início do filme e uma explosão próximo ao seu desfecho, mas ainda falta um estímulo maior para que tudo aconteça de forma mais natural. 

O grande acerto em Aves de Rapina acaba por ser a escolha de uma linguagem dinâmica que traz entusiamo em cada cena de ação, com sequências muito bem coreografadas e uma direção extremamente fluida de Cathy Yan – responsável, também, por um dos embates mais "pé no chão" protagonizado por mulheres.

Yan alcança a proeza de fazer um filme com muita personalidade, carisma e representatividade sem forçar o diálogo para que isso aconteça. Afinal, já era de se esperar que um filme sobre mulheres cujo objetivo principal seja o de (re)conquistar seu espaço e liberdade falaria sobre o abuso de poder originado de homens. Mas Aves de Rapina não se sujeita a discutir apenas isso. Mesmo com uma trama relativamente simples (um diamante é o ponto central de toda a ação), o que mais parece se destacar ao fim da projeção é que este grupo de desajustadas funciona tanto individualmente quanto em coletivo, pois todas encontraram sua própria voz para lidar com o que quer que seja necessário. 

Um diamante pode ser o melhor amigo de uma garota (e a ajudar bastante, inclusive), mas o importante é saber que ela mesma já se basta.


27/03/2020

O Joelho de Claire, 1970,  Éric Rohmer


O Joelho de Claire – Os Prazeres de uma falsa Sedução


Mesmo pertencendo a Nouvelle Vague, Éric Rohmer era um cineasta muito fora das regras do movimento. De modo ainda mais distinto que a ala de  Alain Resnais, outro cineasta um tanto mais afastado do centro do movimento, não compartilhava do radicalismo do movimento intrinsecamente ligado a uma geração de críticos da Cahiers du Cinéma, nunca rechaçando o cinema americano preservando a admiração pelos clássicos “não-autorais” assim como pelos novos lançamentos. Era simplesmente um cineasta fora da curva.

Esse estilo dito como “conservador” rendeu a Rohmer uma assinatura cinematográfica muito distinta das muito famosas de Jean-Luc Godard e François Truffaut. Não fascinado em revolucionar a linguagem cinematográfica, o diretor focou todos seus esforços em narrativas muito ligadas às mazelas humanas como a paixão e a infidelidade. Esse enorme foco de estudo rendeu uma série de antologias inspiradas no dilema de Aurora, clássico de F.W. Murnau: um personagem comprometido se aventura em um romance excêntrico com um terceiro, mas sempre acaba retornando para honrar o compromisso.

Rohmer trabalhou isso com os chamados Six Moral Tales, seis filmes independentes, mas conectados com o tema principal. Só alcançando prestígio a partir do quarto filme, o diretor conheceu o verdadeiro sentimento do sucesso com a quinta obra, O Joelho de Claire, considerada por muitos como a melhor história das seis.

Semente do Diabo

Nessa história, Rohmer explora os dilemas morais de um noivo se envolver romanticamente com uma menor de idade. O diplomata Jerome (Jean-Claude Briary), enquanto passa umas férias no lago de Annecy, reencontra uma amiga escritora que não via há alguns anos, Aurora (Aurora Cornu). Sem inspiração para um novo livro, Aurora decide usar Jerome como cobaia de um experimento social: tentar convencê-lo a seduzir a filha de 16 anos, Laura (Béatrice Romand) de uma amiga que está de visita em sua casa. Aceitando o desafio, Jerome consegue se aproximar da menina, mas tudo começa a desandar quando a irmã dela, a belíssima Claire (Laurence de Monaghan), chega na tranquila casa despertando um insano fascínio de Jerome por seu joelho.

Como em praticamente todos os seus filmes, Rohmer é o responsável pelo roteiro. Em questão de poucos minutos, é bastante fácil sacar os artifícios estilísticos que o autor coloca à nossa disposição para experimentar novos níveis de delicadezas cinematográficas. O Joelho de Claire provavelmente é um de seus filmes mais verborrágicos. O surpreendente é que, apesar de ser totalmente focado na moralidade desse experimento e sobre o exercício de amar, Rohmer quase nunca repete situações ou pensamentos através dos vastos diálogos.

Rohmer, um fã da literatura desde sempre, não preza significativamente pela técnica da filmagem, do sabor cinematográfico. Assim como Woody Allen, por exemplo, Rohmer tem uma bela relação e domínio pelo cinema que se aproxima da literatura, priorizando pensamentos e a complexidade dos personagens ante uma encenação apurada.

Como a história é apenas um tema para que os personagens brilhem, é espetacular o modo que Rohmer delineia as peças desse jogo. Ele evita, na maioria dos casos, diversos clichês acerca de idade ou estereótipos. Jerome não é o típico galã sedutor, Aurora não é maquiavélica em excesso, Laura não é a típica adolescente revoltada e Claire não cai nas graças de qualquer homem.
Os mais fascinantes são Jerome e Laura. A alma do filme está na relação dos dois e nos longos monólogos repletos de exposição que Jerome fornece para dar material de inspiração a Aurora. Sempre há muita soberba no discurso de Jerome, ele realmente crê que consegue se aproximar de todos e condicionar a relação até lhe fornecer alguma vantagem que sacie seus breves e explosivos desejos.

E de fato isso ocorre. Jerome consegue se aproximar de Laura, uma personagem muito bem escrita repleta de frases inteligentes oferecendo um bom estudo sobre as mazelas da adolescência, além de conferir certa molecagem e emoções rústicas características da idade. Essa é a melhor essência de Rohmer: quebrar seus personagens ao exibir o nítido contraste entre o agir e o falar.
Laura, por exemplo, fica apaixonada por Jerome, mas se força a desgostar dele pois sabe que nunca conseguirá fazê-lo desistir do casamento marcado. Entretanto, apesar de afirmar isso, ela o vive provocando, com ciúmes ao fabricar uma amizade com um garoto muito ingênuo. Começa a confrontar Jerome ao observar o fascínio do homem por Claire, mas depois pede que ele continue preservando o contato com ela. Essas pequenas falhas repletas de orgulho é que tornam os personagens tão humanos.

Jerome, por sua vez, é um homem muito estranho e repleto de soberba. Rohmer faz com que ele sempre afirme que não sente nada pelas garotas, que tudo se trata de um belo desafio para ajudar Aurora, mas nitidamente há uma diferença no tratamento da relação com Laura e Claire. É um contraste básico e eficiente. Rohmer torna todo o jogo com Laura fácil demais para iludir Jerome a crer que se trata de um “partidão” quando claramente não é.

Com Claire é tudo mais difícil já que a garota tem certa repulsa ao já desconfiar do jogo bizarro que o homem propõe. Rohmer a mantém sob um véu cheio de mistério, a tratando realmente como um mero objeto de desejo no qual orbitam alguns homens. Novamente, o contraste é óbvio e cruel ao apresentar Gilles, um típico Don Juan, na flor da idade. Um homem bronzeado e escultural, mas também bestial e rude que não sabe tratar Claire, também uma jovem flor delicada, na maneira que ela deseja. Rohmer mostra que Claire é infeliz com Gilles, mas aceita se submeter aos pequenos abusos do “amor” desse relacionamento, provavelmente a condenando a uma vida amorosa muito infeliz ou em constante negação como a de Aurora. E isso exibe o quão falho Jerome é, acreditando a ter salvo de algo ruim, mas que apenas é uma desculpa psicológica para justificar os rumos que tomou para atender seu desejo primário, tão condenável quanto o tratamento de Gilles com Claire. São situações diferentes, mas o tratamento com a menina é basicamente o mesmo: atender um desejo egoísta masculino.

O interessante é que Rohmer expõe o ponto de vista de Jerome, algo totalmente romantizado e superficial, mas deixa a critério do espectador sobre qual versão que quer acreditar. Não há condenação moral por parte do filme, ele é apenas um retrato dessa realidade fabricada. O que nos leva diretamente a comentar sobre a direção de Rohmer.

Paraísos Franceses

É bem óbvio que o estilo de Rohmer não é para qualquer um. Basicamente, sob um olhar estritamente comercial, nada acontece em O Joelho de Claire. Rohmer sabe disso e pouco se importa, afinal o estudo humano é o que mais conta na obra.
Por ser um autor expressivo, o diretor tem sua própria visão sobre cinema e como a imagem deve ser tratada. No caso, a fotografia é belíssima com o auxílio de Néstor Almendros na cinematografia, capturando tons fascinantes de azul-turquesa do lago e do céu de Annecy, oferecendo todo aquele ar paradisíaco de verão. Mas, ao mesmo tempo, as cores são bastante frias e transparecem um clima gélido de relações artificiais que o diretor traz com os personagens.
Sendo muito bonito e aproveitando as belezas reais das montanhas verdes de Annecy, Rohmer opta em manter sua abordagem convencional: tratar o espectador como personagem real do filme. Seu pensamento sobre a câmera é realista. Ou seja, nunca ela adotará closes ou algum hiper-realismo, afinal dificilmente o olhar humano encontra-se tão próximo de um objeto ou pessoa em um diálogo normal.

Então a câmera se torna uma projeção do espectador no meio das muitas conversas de O Joelho de Claire. A movimentação também é ordenada quando algum personagem se movimenta, adotando o olhar o humano de procurar sempre o contato visual do orador. Rohmer é muito consciente em mostrar somente o necessário ao longo de mês das férias de versão, atravessando os dias com o auxílio de simples inter-títulos para explicar uma elipse ou algo do tipo.
Os planos de estabelecimento também são todos escravos da presença de um personagem que entra ou sai de cena, como nas muitas vezes que inicia uma peça com a chegada de Jerome sempre pilotando seu barquinho de lá e para cá. Outra proposta interessantíssima de sua direção é a ausência completa de música extradiegética, ou seja, que não está justificada em cena como no caso de uma trilha musical.

Apesar de evitar adotar uma decupagem agressiva que fuja do seu estilo, Rohmer se dá alguns luxos para potencializar a encenação. São três casos os mais memoráveis. O primeiro está concentrado no olhar de Jerome, no qual a câmera adota um olhar subjetivo, focando nos belos joelhos de Claire. Depois, quando Jerome auxilia Claire a colher algumas frutinhas da árvore do jardim – é o enquadramento que está na imagem destacada do post, o mais belo e sensual do filme, refletindo todo o desejo de Jerome e a completa indiferença de Claire.

O terceiro se trata do primeiro contato de Jerome com o objeto de seu desejo. É engraçado, pois esse momento é roubado da vontade do protagonista, já que Aurora arquiteta um pequeno plano para que ele toque o joelho da menina por acidente, o constrangendo. Esse desconforto é muito bem ilustrado pelo súbito corte que Rohmer insere, como se fosse um susto completo para o personagem tão metódico e calculista. Há também um jogo inteligente de encenação sempre que Gilles aparece na propriedade chamando por Claire. O diretor basicamente traz a clássica encenação de Romeu e Julieta, a inserindo em uma varanda enquanto o amado fica no chão olhando para cima.
Se fosse para criticar algum aspecto negativo da direção excêntrica de Rohmer, talvez fosse o tratamento com os atores. Alguns simplesmente são desinteressados ou pouco empenhados nos personagens. A única que realmente se destaca da mediocridade é Béatrice Romand ao oferecer um retrato tão genuíno para Laura.

Arte que Inspira até Hoje

Apesar de pouco conhecido pela maioria dos cinéfilos muito centrados em filmes americanos, Éric Rohmer é uma peça fascinante da Nouvelle Vague. De modo tão relevante que consegue influenciar uma obra indicada ao Oscar neste ano de 2018: Me Chame Pelo Seu Nome que é praticamente um simulacro rasteiro de O Joelho de Claire.

Se tem boa vontade para descobrir mais joias no vasto catálogo do cinema mundial, é imprescindível conferir um pouco do que Rohmer tem a oferecer. Porém, é evidente que se trata de um cinema que pode agradar poucos devido a uma ênfase tão pouco… digamos, cinematográficas. Uma vez dentro dessas histórias, já digo o contrário: é bastante difícil não ficar fascinado pelo estilo tão apaixonado pelas relações humanas ilustradas por um grande cineasta.


30/03/2020

Crisântemos Tardios (Zangiku monogatari), 1939,  Kenji Mizoguchi




Tóquio, meados da Era Meiji (1868-1912). Kikunosuke Onoe é filho adotivo e sucessor de um mestre do teatro kabuki, mas acredita não estar à altura do pai. A única pessoa a lhe dar uma opinião negativa sobre seu talento é Otoku, uma criada da família. Diante de uma crítica sincera, Kikunosuke apaixona-se por Otoku e a toma como conselheira, mas a relação entre os dois será um constrangimento para a família de Kikunosuke.

Crisântemos tardios é o primeiro filme dirigido por Mizoguchi na produtora japonesa Shochiku. Segundo Maria João Madeira, no livro As folhas da Cinemateca ‒ Kenji Mizoguchi, o diretor “é radical em Zangiku Monogatari. É o mínimo que se pode dizer de um filme que é também de celebração do plano-sequência.” Em seguida, a autora cita o comentário de Mizoguchi sobre a prática: "Comecei a utilizar a técnica do plano-sequência em 1936, consistindo ela em nunca alterar o enquadramento durante toda a sequência enquanto a câmara permanece a uma certa distância [...]. 

Adaptando esse método, não tive a mínima intenção de representar o estado estático de uma psicologia qualquer. Pelo contrário, cheguei a ele espontaneamente, dando prosseguimento à procura de uma expressão mais precisa e mais específica dos momentos de grande intensidade psicológica [...]. Fui naturalmente levado a seguir uma técnica desse tipo pelo simples desejo de evitar o método clássico da descrição psicológica a partir do abuso dos planos próximos."


10/04/2020

Helena de Tróia, 1956, Robert Wise



Há mais de 3 mil anos Tróia era próspera, cuja localização a permitiu dominar o Helesponto (hoje conhecido como estreito de Dardanelos). Esta era a única rota marítima que ia e vinha do oriente, o que gerava muitas riquezas para Tróia, que se tornou um troféu de guerra tentador para as nações gregas. Os troianos se lembravam de quando os gregos, liderados por Esparta, saquearam e queimaram a cidade dos ancestrais. Em razão disto os troianos haviam preparado fortes defesas, para a possibilidade de futuros ataques. Guardada por grandes muralhas, a nova Tróia era um abrigo impenetrável para um povo feliz. 

Na praça do palácio e nas ruas os cidadãos apreciavam os trabalhos de paz, como se fosse durar para sempre essa era despreocupada. Neste contexto o futuro de Tróia estava sendo pesado pelo conselho real, pois o príncipe Páris (Jacques Sernas) queria ir até Esparta, cujo rei era Menelau (Nial MacGinnis), para fazer um acordo de paz. Apesar de existirem posições contrárias às de Páris, o rei Príamo (Cedric Hardwicke) concorda que ele viaje, apesar de uma das sacerdotisas, Cassandra (Janette Scott), que é filha de Príamo, ver nesta viagem o início do fim de Tróia. Quase chegando em Esparta, o navio de Páris é atingido por uma violenta tempestade e ele cai no mar, indo parar em uma praia. Lá vê uma bela mulher, que deixa Páris tão fascinado por sua beleza que crê estar diante da deusa Afrodite, mas ela diz ser uma escrava. Paralelamente os soberanos das nações gregas estão reunidos, tentando arrumar um motivo para atacar Tróia. 

Agamenon (Robert Douglas), o rei de Micenas, sugere "agressão defensiva". No meio deste encontro, onde se busca um motivo ético para atacar Tróia, chega Páris no palácio de Menelau. Ele soube através da "deusa" desta reunião e quer lhes oferecer a paz troiana. Agamenon e Menelau ficam inquietos, pois lhes tiraria o argumento para atacar Tróia, então Agamenon questiona se Páris diz ser o que é e fica acertado que, se derrotar numa luta o príncipe Ájax (Maxwell Reed), que é praticamente imbatível, seus termos de paz serão ouvidos. Durante a luta aparece a "escrava", que na verdade era Helena (Rossana Podestà), a esposa de Menelau, que ouviu sua mulher chamar o desconhecido pelo nome e também mostrou uma indisfarçavel alegria quando Páris venceu a luta. Menelau diz que Páris descansará primeiro e que no outro dia conversarão. Páris fica então sabendo que a escrava é a rainha de Esparta e, nesta hora, Helena faz passar que sente antipatia pelos troianos. Isto não convence Menelau, que mais tarde vai aos aposentos da rainha e afirma que ela conhecia o troiano. 

Helena nada diz e este silenciou e a condenou. Quando o rei se retira dos aposentos de Helena, ela tem certeza que ele planeja fazer algo contra Príamo, assim chama Andraste (Brigitte Bardot), sua serva particular, e pede que vá até os aposentos de Páris para avisá-lo do perigo que corre. Andraste convence aos guardas que foi ali para "entreter" Páris, para ele não entender que na verdade estava preso. Mas, ao ficar sozinha com Páris, lhe avisa do perigo que corre. 

O príncipe é ajudado por um escravo, que mata alguns soldados que guardavam o "hóspede". Páris chega até a costa, onde há um navio fenício que foi arranjado pela rainha, mas para a sua surpresa encontra Helena, que foi se despedir de Páris. Ela estava acompanhada por Andraste, a quem dá liberdade e ordena que vá embora. Quando Helena e Páris se despedem, tentando aceitar a situação apesar de estarem totalmente apaixonados, chega uma patrulha, que obriga ambos a pularem na água e fugirem. Agora os reis gregos não tinham que arrumar um motivo, pois o pretexto para a guerra tinha sido dado.

Em tempo: e tem Brigitte Bardot com 22 anos (hoje tem 85, nasceu em 28/09/1934)


14/04/2020

Spotlight: Segredos Revelados, 2015, Tom McCarthy


Spotlight - Segredos Revelados
Prosa da boa


Spotlight – Segredos Revelados é a prova (o melhor seria dizer “lembrança”) de que, em tempos de superestímulos da audiência, não é preciso investir em pirotecnia para garantir a atenção do espectador. Com uma história linear, um modo convencional, até, de contá-la, o diretor Tom McCarthy, de Trocando os Pés (?!), consegue prender a atenção do público com maestria, numa curva narrativa ascendente – sem precisar recorrer a tiro, porrada e bomba.

Spotlight é o nome da equipe editorial do jornal Boston Globe, responsável pelas reportagens especiais, do tipo em que os repórteres – são três: Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matty Carroll (Brian d'Arcy James), chefiados pelo editor que também vai a campo Walter Robinson (Michael Keaton) – se debruçam meses, às vezes mais de um ano, sobre a investigação de um caso. Uma espécie de Os Avengers do jornalismo.

O filme é baseado em uma história real – que deu origem ao livro, vencedor do Pulitzer –, escrito pelo mesmo time que participou da apuração do caso. O caso: aos poucos, a equipe editorial da publicação vai descobrindo uma série de relatos de pedofilia praticados por membros da Igreja Católica na cidade de Boston – todos, claro, devidamente acobertados.

Ao posicionar o espectador dentro da redação – e, principalmente, na rua, acompanhando a apuração e descobrindo os fatos ao lado dos jornalistas –, o filme não diz apenas da maneira como o jornalismo é feito (ou, pelo menos, deveria), mas da motivação profissional que justifica a denúncia da hipocrisia de uma parte da Igreja, da burocracia imposta pelos poderosos e, principalmente, do abuso decorrente da fragilidade socioeconômica dos mais desfavorecidos.

Passado em 2001, são tempos “antigos”, assim como o é a estrutura de Spotlight (equipe e filme). Apoiado em um formato clássico, que não pretende reinventar a roda, o longa-metragem tem tudo para ser o Whiplash deste ano. Contribuem a trilha, sutil; a escalada das revelações que o roteiro elenca, de forma eletrizante; e, claro, um time de atores brilhantes encabeçados por Keaton e Ruffalo (este tem até “clipe de Oscar”), muito convincentes.

Na obra, muito se fala da cidade de Boston, o que poderia resultar em uma produção limitada por esse investimento geográfico. Porém, como diz a frase atribuída a Leon Tolstoi: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia"


15/04/2020

Judas Collar - curta, 2018, Alison James



Em um esforço para conter o número de camelos selvagens no norte da Austrália Ocidental, a prática conhecida como "Judas Camels" foi proposta. A ideia básica envolve prender um único camelo com um colar rastreado por satélite, persegui-los de volta ao seu rebanho, em seguida, eliminar todos os desgarrados agrupados de uma só vez. Cientificamente parece racional, mas quando prestado no real pela talentosa equipe de roteiristas/diretores Alison James e a produtora Brooke Silcox em seu último curta Judas Collar, que compreendemos o escopo devastador desta operação com um efeito totalmente sóbrio.

Equilíbrio por farol

Judas Collar começa em silêncio, introduzindo uma exuberância edenica se desenrolando com alegria graciosa, enquanto um grupo de camelos descansa antes de serem subitamente vistos por um helicóptero cujos ocupantes humanos só buscam acabar com sua situação pacífica. Esta interrupção é candidamente retratada como essas hordas são perseguidas através da vasta e climaticamente plana topografia da Austrália Ocidental, com essas famílias de criaturas de cabelos desgrenhados espanando a rica areia bege do deserto através de suas malfadadas perseguições.

Como eles foram "traídos" por um membro marcado, a horda é rapidamente diluída pelo fim do negócio de um escopo de rifle sinistro. Por causa dos recursos, a vítima é deixada viva, deixada para procurar uma nova família – apenas para que toda a provação se repita mais uma vez. Apesar de estudos que sugerem que esses animais rastreados não sofrem nenhum trauma – nem buscam companhia tantas vezes quanto o pensamento – dentro do prisma do roteiro de Alison James, que é gravado pela trilha sonora do violoncelo de Ash Gibson Greig, faz uma forte afirmação antitética para uma análise oposta.

Michael McDermott captura essas execuções implacáveis e insensíveis com um olho sem piscar; apesar da quantidade de corpos que se acumulam dentro do compacto tempo de execução de 15 minutos do curta, há apenas uma breve – mas graficamente sucinta – representação dos cadáveres de camelos abatidos. À medida que o sangue escorre lentamente pelo deserto seco que eles chamavam de lar, há uma forte indicação de que todo este sistema falho é tão inútil quanto apático, aludindo a este exercício repetitivo sendo uma tentativa de lutar contra o controle de um domínio imensurável, massacrando aqueles que não podem razoavelmente lutar.

Há algo kafkaniano sobre a existência do camelo central; um absurdo ciclo sísifo onde qualquer momento de paz, qualquer segundo fugaz de serenidade é despedaçado pelo retorno da chegada do helicóptero azul sombrio, significando a sombra persistente da própria morte – sempre iminente e pronto para atacar a qualquer momento. Olhar para essa situação provoca um sentimento existencial de desolação, não apenas para o tratamento contínuo desses animais, mas também como um microcosmo do nosso tratamento geralmente brutal de animais em todo o mundo.

As cenas finais de Judas Collar projetam o traidor solitário contra texturas lindamente quentes da hora dourada, apresentando a eterna solidão do camelo de colarinho contra os holofotes crepuscularque que o devolve ao que ele é; não um alvo, não um traidor, não uma estatística, mas uma criatura condenada dominada por forças que não pode ver ou entender – há algo muito religioso invocado dentro desta conclusão, indicativo de seu apelido irônico do dispositivo titular.

Judas Collar: Conclusão

Reminiscente do thriller cult de Joseph Losey, Figures in a Landscape, Alison James distorce nosso senso de escala e perspectiva; essas grandes jubartes majestosas que nos ofuscam fisicamente são essencialmente encolhidas em pontos lanosos espalhados pela areia uma vez sob a alçada dos indivíduos anônimos que os caçam. Com ecos laterais às observações reverenciais de David Attenborough sobre o reino animal, Judas Collar poeticamente empunha sua mensagem com uma afronta não dita, mas clara, a tais práticas violentas, com resultados enganosos.

Numa frase: impactante e essencial denuncia. Maravilha. Espetacular


15/04/2020

O Melhor Lance (La migliore offerta), 2013,  Giuseppe Tornatore


Crítica: O Melhor Lance (La Migliore Offerta, 2013)


Giuseppe Tornatore, que em 1988 dirigiu o clássico "Cinema Paradiso", tem uma carreira consolidada na Itália, seu país de origem. E neste ano, ele retorna com mais um grande filme, "O Melhor Lance", falado em inglês e que conta com ótimas atuações de Geoffrey Rush, Jim Sturgess e Sylvia Hoeks. Um longa incrivelmente bem conduzido, que surpreende com sua trama bastante curiosa, numa mistura envolvente e intrigante de suspense e romance.

Confesso que não sabia o que esperar deste filme, não havia lido nenhuma sinopse até então e fui apenas pela curiosidade de presenciar mais um encontro de Tornatore e do músico Ennio Marricone, com o plus de ter um elenco que eu já admirava. E acredito que quanto menos souber sobre o longa, mais fascinante ele se tornará. Comecei sem compreender aonde ele pretendia chegar e a cada nova reviravolta eu me surpreendia, e esta qualidade de sempre levar sua trama para os caminhos que menos se espera, transforma a obra em algo ainda mais interessante, e mesmo com sua longa duração, o diretor não se perde nem por um instante, nos entregando uma história extremamente envolvente, que acaba nos prendendo também, pela beleza e elegância que Tornatore constrói cada imagem, compondo cada enquadramento de seu filme como se realmente fosse uma pintura, e o resultado é simplesmente estonteante.

Geoffrey Rush interpreta Virgil Oldman, um leiloeiro de antiguidades que possui a grande habilidade em descobrir se uma obra de arte é falsa ou não. Profissional de renome, ele não obteve muito sucesso em suas relações, vivendo uma vida solitária, depositando toda sua paixão em um quarto secreto em sua mansão, onde guarda diversas pinturas com retratos femininos, de Goya à Renoir. Eis que Virgil recebe o chamado de uma misteriosa mulher, Claire Ibbetson (Sylvia Hoeks), que o contrata para avaliar seus móveis antigos para que assim possa vendê-los, entretanto, a moça sofre de agorafobia (medo de estar em espaços abertos ou perto de pessoas) e se recura a aparecer, permanecendo em seu quarto, permitindo que Virgil a conheça apenas por sua voz. Deste curioso encontro, ele passa a sentir um certo fascínio por este mistério, construindo uma relação obsessiva, correndo o risco, finalmente, de se entregar e se apaixonar por alguém.

"O Melhor Lance" possui aquele tipo de roteiro milimetricamente bem pensado, onde cada pequeno detalhe prova ter uma razão para estar ali, nada vem por acaso, nem mesmo um simples diálogo ou uma ação rotineira de algum personagem. A cada instante, o filme tem algo a dizer, algo a mostrar, e através de elementos como figurinos, cenários e objetos de cena, entre outras coisas, podemos encontrar algumas respostas, seja da personalidade dos indivíduos que retrata, da solidão e reclusão de Virgil Oldman ao despojamento de seu amigo e antagonista (interpretado por Sturgess). seja das reflexões que propõe com sua história, e assim, abusa de metáforas, como quando o roteiro aproveita um simples automata e suas engrenagens para debater sobre pessoas e a complexidade das relações humanas. Ainda que cada um é livre para encarar e compreender a obra à sua maneira, Giuseppe Tornatore nos oferece esse exercício de reflexão, ler e interpretar seu filme, é realmente como interpretar uma pintura clássica, existe ali, uma razão para a disposição de cada um de seus elementos e ele faz isso como um grande pintor, que sabe o que quer, como quer e coloca na tela da forma mais bela e mais fascinante possível.

O longa marca mais um ótimo encontro entre o cineasta e o músico Ennio Marricone, que realiza um belíssimo trabalho, aliás, sua trilha sonora é uma das grandes responsáveis por manter o bom ritmo do filme, além da excelente edição, que nos prende e nos faz, a cada vez mais, querer compreender seus personagens e querer descobrir aonde a trama pretende chegar. Portanto, um suspense muito bem executado, que ganha ainda mais pontos por não decepcionar em seu grande final, que entrega uma interessante reviravolta. Além do excelente roteiro e da direção caprichada de Tornatore, o filme se destaca por sua produção, as belíssima e variadas locações, os figurinos, cenários, enfim, tudo em perfeito estado, que eleva ainda mais o nível da obra, plasticamente falando, é um filme impecável. Quanto ao elenco, não vou ficar aqui elogiando o Geoffrey Rush porque não é novidade pra ninguém sobre o quão bom ele é. Jim Sturgess, como sempre, muito bem e a surpresa do filme, a bela Sylvia Hoeks, que desconhecia, se destaca com sua forte interpretação.

É sempre muito bom se deparar com os veteranos do cinema ainda em forma, ainda dispostos a realizar uma obra tão completa. Conhecido por sua dramaticidade melosa, Giuseppe Tornatore retorna mais contido, mais seco, mas ainda assim, encantador. "O Melhor Lance" coloca em pauta a autenticidade e a farsa nas pinturas e aproveita esses termos para falar sobre os sentimentos das pessoas, sobre até que ponto uma relação é real, é honesta. A trama traz esse olhar romântico sobre como às vezes necessitamos de alguém e como crescemos e nos transformamos ao lado de uma pessoa, mas ao mesmo tempo, debate sobre como isso é difícil, mas é um risco que tomamos. O filme é também sobre esses riscos, sobre o risco de perder, se decepcionar, é um risco que se tem ao aceitar o próximo, ao aceitar a vida. Brilhante, fantástico! Recomendo.


16/04/2020

La vérité (A verdade), 2019,  Hirokazu Koreeda


Fabienne (Catherine Deneuve) é uma famosa atriz francesa que resolve transformar a história de sua carreira bem-sucedida em um livro de memórias. Sua filha Lumir (Juliette Binoche), que foi viver nos Estados Unidos para fugir do temperamento arrogante da mãe, resolve voltar à França para participar do lançamento do livro. A reunião entre as duas mulheres faz com que desavenças e sentimentos mal resolvidos voltem à tona, constrangendo todos ao redor. 

O Festival de Veneza anunciou que The Truth será o filme de abertura da famosa mostra cinematográfica neste ano. Trata-se do novo projeto de Hirokazu Kore-eda, ganhador da Palma de Ouro em Cannes, no ano passado, com Assunto de Família (também indicado ao Oscar, de melhor filme estrangeiro).

The Truth traz Catherine Deneuve no papel de Fabienne, uma aclamada estrela do cinema francês, que decide lançar um livro de memórias. Diante de tal notícia, sua filha, Lumir (Juliette Binoche), que foi morar em Nova York justamente para fugir da mãe, decide voltar ao lar, junto com o marido (Ethan Hawke) e o filho pequeno. Tal encontro familiar logo se transforma em conflito, onde verdades e ressentimentos serão revelados.

Hirokazu Kore-eda dirige e assina a adaptação da obra de Léa Le Dimna, ainda sem data oficial de lançamento nos circuitos. Essa não será a primeira vez do cineasta em Veneza, onde foi premiado com sua estreia na direção, A Luz da Ilusão (1995), e ainda lançou O Terceiro Assassinato, na edição 2017 do evento.


22/04/2020

O Oficial e o Espião (J'accuse), 2019, Roman Polanski


O OFICIAL E O ESPIÃO


Na mais bela sequência de “O Oficial e o Espião”, novo longa de Roman Polanski, os algozes fardados do Capitão Dreyfus lêem, atordoados, o manifesto “J’Accuse”, escrito por Émile Zola. O texto, um dos mais famosos da história política da França, é – naquele momento (1898) – a matéria de capa e peça de resistência do jornal L’Aurore.

O vigésimo-terceiro filme do realizador polonês, estreia deste 12 março 2020, tem, porém, o judeu Alfred Dreyfus como personagem coadjuvante. E Zola como mero figurante. Quem domina a narrativa, construída com cores sombrias e diálogos cortantes, é o Coronel Picquart (Jean Dujardin, em desempenho notável).

O Caso Dreyfus durou doze longos e conturbados anos (no final do século XIX). Em dezembro de 1894, o capitão de origem judaica Alfred Dreyfus (Louis Garrel) foi condenado por “alta traição”. A acusação: teria passado informações militares ultra-confidenciais aos alemães. Julgado a portas fechadas, foi condenado a degredo perpétuo na Ilha do Diabo (na Guiana Francesa).
Ao assumir o comando da Contra-Espionagem em nome do Estado Francês, o Coronel Georges Picquart, antissemita como seus pares, descobre que os documentos (em especial uma carta, peça-chave na condenação) haviam sido forjados. Colocando em risco sua própria ascensão na carreira militar, o oficial resolve levar sua investigação a fundo e enfrentar o tribunal.

O filme, que rendeu a Polanski o Leão de Prata em Veneza e o Cesar de melhor diretor e roteiro adaptado (além de figurino para Pascaline Savanne), teve carreira notável na França. Vendeu 1,5 milhão de ingressos, mesmo sob boicote de feministas, que continuam, ao vê-lo, passados mais de 40 anos de seu ato mais condenável (fez sexo com uma pré-adolescente, Samantha Gailey), como “violador em série de menores”.

O cineasta de 86 anos buscou no livro “O Oficial e o Espião”, do britânico Robert Harris (o mesmo do thriller “O Escritor Fantasma”), sua matéria-prima. E, desta vez, Polanski realizou seu filme, uma produção de alto custo, em língua francesa e não no esperanto planetário (o inglês). Como sua carreira é uma das mais internacionais do mundo cinematográfico, ele nunca se preocupou em respeitar o idioma dos lugares em que se desenvolvem suas histórias. “O Inquilino”, por exemplo, se passa em um prédio parisiense e todos falam inglês. Mesmo caso de “O Pianista”, cujos protagonistas e coadjuvantes são habitantes do gueto de Varsóvia, capital da Polônia.

A entrega do cineastas ao idioma inglês é tão central em sua carreira que, ao escolher a alemã Nastassja Kinski para protagonizar “Tess”, ele a mandou aprender inglês nos EUA. Fez o mesmo com a esposa, a francesa Emmanuelle Seigner, quando a preparou para atuar em “Busca Frenética”.
O público contemporâneo de fora da França terá tolerância para fruir a nova e vigorosa narrativa de Polanski? Eis a pergunta que acompanhará o filme em seu lançamento brasileiro. Lançamento que se dá em hora das mais complicadas (muito próxima do Oito de Março, Dia Internacional da Mulher, e em tempo de medo de aglomerações por causa da pandemia do coronavírus).

Há que se registrar que “J’Accuse” não é tão inovador quanto os primeiros filmes de Polanski (“A Faca na Água”, “Repulsa ao Sexo” e “Armadilha do Destino”). Nem tão sedutor quanto os filmes considerados, pelos críticos, suas obras máximas (“O Bebê de Rosemary”, “Chinatown” e “O Pianista”). Mas, depois de filmes ruins (como “Piratas”, “Lua de Fel”, este um porno-chic, e “O Último Portal”, indigno de seu talento), ou apenas bons (“A Morte da Donzela”, “Deus da Carnificina”, “A Pele de Vênus” e “Baseado em Fatos Reais”), o mestre polonês volta a comandar um longa-metragem de sólidas qualidades, denso e complexo.

Sem dúvida, junto com a trinca vitoriosa que encabeça as listas de críticos (acima citada) e os filmes inventivos de seus tempos polaco-britânicos, há que se inserir “J’Accuse” (e “O Escritor Fantasma”) entre seus momentos mais luminosos.

Em uma frase: é um filme de Roman Polanski com a competência de sempre


23/04/2020

Zan, 2018, Shin'ya Tsukamoto


Mokunoshin Tsuzuki (Sosuke Ikematsu) é um samurai empobrecido pela paz do Japão de meados do século XIX. Um guerreiro sem guerra para lutar, ele ganha a vida ajudando fazendeiros em uma pequena vila no interior. Porém, quando o clima de guerra começa a se fazer presente, ele se junta a um grupo de guerreiros liderados pelo habilidoso ronin Jirozaemon Sawamura (Shinya Tsukamoto) e a vida na vila se torna completamente diferente.

Zan: filme de cineasta Shinya Tsukamoto fecha festival de Veneza com samurai pacifista


Um samurai que recusa usar a violência e matar no final do século XIX, levou um tom pacifista para o festival de Veneza 2018. O filme do cineasta Shinya Tsukamoto, Zan, foi aplaudido.
Shinya Tsukamoto e seu filme Zan foram aplaudidos no festival. O equilíbrio entre as cenas de lutas e o desenvolvimento da história foram elogiados pela crítica.

O ronin Mokunoshin Tsuzuki (Sosuke Ikematsu), prega um tom pacifista e ao mesmo tempo ajuda uma vila de fazendeiros que plantam arroz.
Ele ensina o jovem Ishisuke (Ryusei Maeda) a lutar com espadas de madeira e sonha em se tornar samurai.

Sua irmã Yu (Yu Aoi) sentirá uma conexão com Mokunoshin e ao mesmo tempo ficará preocupada com as escolhas de Ishisuke.
Um samurai mais velho recruta Mokunoshin e Ishisuke para viajarem a Edo e Kyoto. Mas os planos são interrompidos quando Mokunoshin fica doente e a vila é atacada.
Além disso, Mokunoshin se vê em um embate por não acreditar na violência e presenciar cenas de atrocidades feitas por Sezamon Genda (Tatsuya Nakamura). O filme tem cenas fortes, confira o teaser

Apelo a paz

Apesar da violência do filme, durante entrevista, Tsukamoto disse que o filme é um apelo aos prantos a paz. “O ato de matar durante o período Edo era considerado algo normal. Encontrei muitas conexões com nossa era, onde mais e mais pessoas acreditam que a violência seja a resposta.” disse Shinya.

E continuou “Me pergunto como um jovem de hoje reagiria naquele período, se seria capaz de tirar uma vida sem hesitar. Por isso criei um samurai que se recusa a matar.



24/04/2020

A Luz da Ilusão (Maboroshi no hikari),1995, Hirokazu Koreeda


Yumiko (Makiko Esumi) é uma mulher em constante busca por sentido no caos do mundo no qual foi lançada após a morte de seu marido. Sozinha, com um filho para criar, ela logo se casa e se muda de Osaka para uma pequena vila de pescadores com o novo marido. Lá, o seu novo companheiro conta uma lenda para ela sobre uma luz que brilha no mar, algo que pode mudar a vida de Yumiko para sempre.


O filme que projetou o então documentarista Hirokazu Kore-eda para fora de seu país natal e também seu primeiro longa de ficção será exibido em cópia 35 mm. A obra acompanha o luto de Yumiko após o suicídio de seu marido.

Em matéria disponível no site The Moveable Fest, Kore-eda conta: “Em Maborosi, Yumiko passa o filme pensando nos mortos. [...] E, no Japão, sinto que não se trata de uma crença em Deus necessariamente, mas uma crença nos mortos e em como os mortos olham por nós. Isso é algo que eu sinto diretamente [...]. Talvez seja uma forma de pensar sobre vida e morte diferente da ocidental, mas, do meu ponto de vista, a morte não começa no fim da vida. É que a vida e a morte correm em paralelo o tempo todo. Elas refletem uma à outra, então eu vivo assim e acho que isso se traduz nos meus filmes também.”


26/04/2020

Contos da Lua Vaga Depois da Chuva (Ugetsu monogatari), 1953, Kenji Mizoguchi


Inspirado numa antologia clássica do século XVI, Ugetsu monogatari (de Uedo Akinari), este texto fantástico funde à lenda chinesa muitas vezes chamada de "a lascívia da serpente fêmea" uma novela: A Casa dos Juncos. Como todos os grandes Mizoguchi, a obra faz um estudo da condição feminina (a mulher do oleiro se prostituindo) como uma crítica a uma sociedade bem definida. Mas sua polêmica volta-se sobretudo contra a guerra e seus horrores, num estilo ao mesmo tempo realista e fantático que lembra o de Bruegel, pintor flamengo contemporâneo da época evocada. [..] 

Exteriormente, o oleiro, camponês que se tornou mercenário, é uma figura brutal, carregada nas cores, servindo de crítica direta aos samurais, sobretudo depois de sua volta, sem glórias, à aldeia. O contraponto das imagens e dos sons é feito com notável fluidez na narrativa, os planos-sequência cortados por  raros travellings, embora muito eficientes. Pela riqueza do conteúdo e o perfeito acabamento da forma, um dos mais belos filmes realizados no mundo na década de 1950. (Dicionário de filmes, Georges Sadoul, L&PM, p.101, 1993)


28/04/2020

Cão Que Ladra Não Morde (Flandersui gae), 2000, Bong Joon Ho


Cão Que Ladra Não Morde (Flandersui Gae, 2000) 

Cão Que Ladra Não Morde é uma comédia de humor negro lançada em 2000, que nada mais é do que uma adaptação satírica da história O Cão de Flandres, que é muito conhecida na Europa e na Ásia, já tendo sido transformada em vários filmes e animes. 

A história segue Ko Yun-ju, um acadêmico que sofre profissionalmente e começa a se incomodar com os barulhos de cachorros que escuta em seu apartamento. Revoltado com isso, ele começa a sequestrar os animais da vizinhança.

Isso desperta a curiosidade de Park Hyun-nam, uma mulher que trabalha no condomínio e começa a escutar as reclamações dos moradores sobre seus animais de estimação desaparecidos. A história a coloca diretamente contra Ko Yun-ju, e os dois desenvolvem uma relação peculiar.
Curiosamente, o filme não parte de maniqueísmos e nem explora o “bem e o mal” de uma forma clara – um traço que se tornaria frequente na filmografia de Joon-ho. O diretor gosta de explorar personalidades complexas e ambíguas, criando personagens únicos.

Infelizmente, Cão Que Ladra Não Morde foi um fracasso de bilheteria – mesmo tendo sido bem-recebido pela crítica. Mesmo com o orçamento limitado (Bong teve que gravar várias das cenas em sua própria casa), o filme não foi a estreia fenomenal que ele esperava.

Mas o cineasta não desistiria tão cedo…






























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