terça-feira, 24 de outubro de 2023

Filmes parte 35

A Caixa de Pandora, Die Büchse der Pandora, 1929, Georg Wilhelm Pabst

O Diabólico Barbeiro de Londres, Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, 1936, George King

Viver, Living, 2022, Oliver Hermanus 

Homens das Terras Bravas, The Badlanders, 1958, Delmer Daves

Dança com Lobos, Dances with Wolves, 1990, Kevin Costner

Portal do Paraíso, Heaven's Gate, 1980, Michael Cimino

A Ilha das Maldições, Island of Doomed Men, 1940, Charles Barton

O Siciliano, The Sicilian, 1987, Michael Cimino

Napoleão, Napoléon, 2002, Yves Simoneau

Pistoleiro da Justiça, The Master Gunfighter, 1975, Tom Laughlin

Era uma Vez em Tóquio, Tôkyô monogatari, 1953, Yasujirô Ozu

Kruty 1918, 2019, Aleksey Shaparev

Camaleões, Reptile, 2023, Grant Singer

Na Solidão do Inferno, The Capture, 1950, John Sturges

Cavaleiros de Ferro, Aleksandr Nevskiy, 1938, Sergei Eisenstein & Dmitriy Vasilev

Ricardo: Coração de Leão, Richard the Lionheart, 2013, Stefano Milla

Retour à Séoul, 2022, Davy Chou

A World of Calm, Série de TV, 2020, Ben Devlin&Karen McGann&Daniel M. Smith&Nic&Stacey&Emma Webster 

Maomé - O Mensageiro de Alá, The Message, 1976, Moustapha Akkad

Baile perfumado, 1996, Paulo Caldas & Lírio Ferreira

Central do Brasil, 1998, Walter Salles

A Arma Divina, Diamante Lobo, 1976, Gianfranco Parolini

A Bailarina, Ballerina, 2023, Chung-Hyun Lee (Netflix)

Lydia Bailey, A Feiticeira do Haiti, Lydia Bailey, 1952, Jean Negulesco

O Espião que Saiu do Frio, The Spy Who Came in from the Cold, 1965, Martin Ritt

Raymond & Ray, 2022, Rodrigo García

Arroz Amargo, Riso amaro, 1949, Giuseppe De Santis

O Túnel de Pombos, The Pigeon Tunnel, 2023, Errol Morris

Surrounded, 2023, Anthony Mandler (Prime vídeo)
 

07/09/23
A Caixa de Pandora, Die Büchse der Pandora, 1929, Georg Wilhelm Pabst

No iutubi aqui

Louise Brooks 

A CAIXA DE PANDORA (1929), por RITTER FAN, 17 de outubro de 2018

Existem muitos filmes com elencos maravilhosos, alguns com atores ou atrizes de enorme destaque dentro de sua estrutura e um punhado em que esse ator ou atriz se torna sinônimo da obra que estrela. E, finalmente, existe Louise Brooks em A Caixa de Pandora.

Exagero? Nem de longe. Brooks não só representa a mítica primeira mulher humana criada por Éfeso por ordem de Zeus, conforme a mitologia grega, como ela simplesmente é a essência da obra do austríaco G.W. Pabst, considerado um dos grandes exemplares da filmografia da era da República de Weimar, na Alemanha. Seus pares, porém, são, majoritariamente, filmes expressionistas como os sensacionais O Gabinete do Dr. Caligari, O Golem e Metrópolis que, porém, simplesmente não “casam” com A Caixa de Pandora em termos estilísticos. Aqui, o trabalho de Pabst camba muito mais para um realismo lírico, diria até onírico, mas ancorado em uma pegada niilista, representada pela “abertura da caixa” – no caso a própria Pandora – que solta todos os males no mundo, restando, apenas, a esperança.
Mas, mais importante do que deixar suas expectativa em xeque sobre o que esperar do filme, é apreciar Lulu, o nome de Pandora na obra, vivida por Louise Brooks. 

Quem é exatamente Lulu? Pela forma como ela é introduzida, no apartamento de seu amante, mas recebendo um senhor mais velho e maltrapilho que ela apresenta como seu “primeiro patrono”, é razoável concluir que ela é uma cortesã, ou, em português claro, uma prostituta. Mas será mesmo? O roteiro de Ladislaus Vajda, baseado em duas peças teatrais de Frank Wedekind, não é explícito, mas também não esconde nada. Ele joga para nossa interpretação, algo que Pabst sabiamente também mantém no ar pela forma como ele enquadra Lulu e, especialmente, pela maneira como Brooks a vive. Sim, ela diz que Schilgolch (Carl Goetz) é seu pai em determinado ponto, mas isso em nada altera o raciocínio de que ele poderia ser seu pai e mais do que isso, não é mesmo?

A partir desse ponto introdutório sensacionalmente dúbio, há uma sucessão de escolhas feitas por Lulu, mas também por seu amante Ludwig Schön (Fritz Kortner), com remorso por ter que largá-la para casar, que levam a situações cada vez mais graves e complicadas, com os três primeiros atos (o filme é explicitamente dividido assim) lidando com o que poderíamos chamar de ascensão de Lulu e os demais com sua inevitável e vertiginosa queda. 

Nessa trajetória, em termos narrativos, o filme não é particularmente diferente ou sensacional. O que o torna algo memorável é mesmo Louise Brooks.
A atriz americana era o que se pode chamar de “espírito independente”, tendo largado Hollywood e bandeado-se para a Europa, sob as asas de Pabst, o que lhe garantiu, em retrospecto, a verdadeira imortalidade artística, algo que provavelmente não conseguiria em seu país natal, pelo menos não de forma comparável. E essa imortalidade veio já com A Caixa da Pandora, seu primeiro filme do outro lado do oceano, ainda que a recepção da obra tenha sido alquebrada, com inúmeras versões dela sendo distribuídas para diferentes países, algumas levando à sua incompreensão pelos críticos, notadamente os americanos. A versão “média”, considerada como a versão do diretor, é a que foi objeto da presente crítica e ela revela uma história sólida, com claro começo, meio e fim e um movimento clássico de ascensão e queda da protagonista. 

Mas o que realmente interessa é a mistura de inocência, libidinosidade, ambição, esperteza e generosidade que atravessa o rosto e a expressão corporal de Brooks, mas sem que ela nunca pareça estar fazendo sequer um iota de esforço para atuar. Em poucas palavras, o que ela faz no filme chega a ser desconcertante de tão perfeito, com a atriz no comando diria até incomum das sequências em que aparece (praticamente todas), não deixando espaço para mais ninguém sequer ameaçar sua presença de palco, algo que Pabst percebe muito bem e manobra de maneira precisa em seus enquadramentos.
É curioso notar, porém, como mesmo a atuação de Brooks teve uma recepção fria originalmente, com críticos afirmando, ao contrário, que ela simplesmente fazia o que hoje chamaríamos de “cara de paisagem”. 

Essa visão, porém, ao longo das décadas, evoluiu muito e Brooks foi reconhecida pelo que ela faz aqui, ajudada pelo seu corte de cabelo característico – que ela já usava nos EUA, influenciando inclusive outras atrizes e criando moda – e sua postura ao mesmo tempo assertiva e dependente, com toques de manipulação. Por isso é que a dubiedade do roteiro sobre a natureza de Lulu é preservada também ao longo da película. Brooks, em seu papel, pode ser encarada tanto como uma serpente (a do Paraíso e a literal) quanto um anjo flutuando de acordo com a direção do vento e até mesmo alguém cruelmente manipulada. Podemos ver Lulu como um símbolo feminino muito além de seu tempo, mas também podemos vê-la como a “princesa em apuros” que precisa fiar-se em um homem para estabelecer-se e essa interpretações, estranhamente, não são excludentes e muito menos maniqueístas. Além disso, para um filme de 1929, há um subtexto homossexual muito presente e encapsulado pela presença “masculinizada” de Alice Roberts, como a Condessa Augusta Geschwitz, sempre vestida de terno ou fraque e claramente apaixonada por Lulu, paixão essa que, se não é correspondida na mesma moeda, ganha pelo menos alguma receptividade ou – se assim quisermos ver – é usada para dar cabo dos interesses de Lulu.

Pabst, como disse, sabia o que tinha diante de sua câmera e ele a rege com sua mira em Brooks, obtendo, com isso, o melhor efeito possível e transformando completamente seu filme que, de outra maneira, poderia passar despercebido. Mas calma, pois com isso eu de forma alguma quero colocar em dúvida a técnica de Pabst. Seria muita pretensão e cegueira minha. Muito ao contrário, o mero fato de o diretor ter identificado essas qualidades em Brooks com mais precisão do que qualquer outro diretor antes dele já começa a separar o joio do trigo. Mas há mais. As composições cênicas dele não são menos do que espetaculares também. Isso fica evidente, principalmente, nas sequências em que ele trabalha com uma quantidade grande de extras em cena, particularmente na première da peça musical que tem Lulu como estrela e na festa de casamento de Schön. Os planos-sequências longos são de tirar o chapéu, com um coreografia de bastidores que remete ao trabalho titânico de D.W. Griffith em Intolerância, mas em escala bem menor, claro.

No entanto, talvez Pabst tenha caído em sua própria armadilha e, ao querer mostrar muito, mostrou demais. Cada uma das duas sequências acima é longa, indo muito além do necessário para enquadrar narrativa a questão sendo abordada. E, na segunda metade da projeção, essa situação torna-se ainda mais evidente, já que, tematicamente, as novidades desaparecem e o diretor acaba repisando assuntos que clamam por mais economia. Isso é particularmente claro na sequência da jogatina dentro de um navio e, depois, nos momentos que antecedem a introdução de Jack, o Estripador (aliás, só para deixar bem claro, tudo o que acontece após a entrada desse personagem, vivido por Gustav Diessl, é fenomenal). 

É como ver um carro patinando, sem sair do lugar, o que empresta uma lerdeza à narrativa que pode cansar o espectador que não estiver completamente imobilizado em seu assento pela atuação hipnótica de Brooks. Não há, infelizmente, um corte sequer de A Caixa de Pandora que resolva esse problema. Ao contrário, todas as alterações feitas (pelo menos as que tive oportunidade de conferir) não só não resolvem essa questão, como criam ou agravam outras.
Com isso, a duração não tão exagerada assim do corte do diretor, de 133 minutos, acaba demorando mais do que o comum para passar e tem sua fluidez levemente interrompida por momentos que se alongam no tempo sem efetivamente trazer algo que beneficie a construção narrativa. Ainda são momentos para serem admirados pela técnica de Pabst, notadamente, como já mencionei, as sequências com muitos atores e extras em cena, mas elas acabam servindo de freio para uma obra que, de outra forma, essencialmente graças a Brooks, poderia ser perfeita.

A Caixa de Pandora é um daqueles filmes essenciais para qualquer cinéfilo que se preze, gostando ou não do resultado. É um dos raros exemplares audiovisuais em que a atriz não só se confunde com a protagonista e com o que ela representa, mas também em que essa fusão é tão integral que o próprio filme em si é a atriz. Louise Brooks é Lulu, Pandora, a caixa, tudo o que sai da caixa e, finalmente, também A Caixa de Pandora, apagando – ou talvez minimizando, só pela minha deferência à Pabst – todas as demais considerações.


08/09/23
O Diabólico Barbeiro de Londres, Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, 1936, George King
No iutubi aqui 

Na Inglaterra Vitoriana, o ardiloso Sweeney Todd (Tod Slaughter) fica à espreita a cada navio que chega ao porto de Londres, atraindo marinheiros e passageiros incautos à sua barbearia. Todd promete muito mais do que apenas cortes de cabelo e barba aos clientes… Depois de se certificar que ninguém notará o desaparecimento da vítima, ele degola o cliente para roubar-lhe as posses. Ao lado da barbearia, sua cúmplice, encarregada de sumir com os cadáveres, vende as tortas mais gostosas da vizinhança. Cineplayers 

George Dibdin-Pitt (1799-1855)

Outra versão
Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, 2007, Tim Burton


10/09/23
Viver, Living, 2022, Oliver Hermanus 

Bill Nighy, 1949

LIVING (2022), Ensina-me a morrer. Por RITTER FAN 10 de março de 2023

Em 1952, seguindo o sucesso de Rashomon e o fracasso de O Idiota, Akira Kurosawa dirigiu um de seus filmes mais emotivos e mais bonitos. Apesar de Viver (Ikiru) não ser imediatamente lembrado como um de suas grandes obras, a grande verdade é que ele mostra a impressionante versatilidade do cineasta que, logo depois de adaptar Fiódor Dostoiévski, partiu para levar para as telonas uma versão esperançosa da lancinante e espetacular novela A Morte de Ivan Ilich, de Lev Tolstói, no processo criando outro longa memorável de sua prolífica carreira. E eis que 70 anos depois, o longa ganha uma refilmagem – não exatamente a primeira, eu sei – com ambientação de época na Londres dos anos 50 em regime de coprodução entre Reino Unido, Japão e Suécia, com roteiro de ninguém menos do que o romancista nipônico Kazuo Ishiguro, autor de, dentre outras obras, Vestígios do Dia e Não Me Abandone Jamais, e estrelada por Bill Nighy.

O primeiro grande acerto do remake é justamente não fazer o que Kurosawa fez em 1952, ou seja, ambientá-la em tempo presente. Não que Kurosawa tenha errado ao manter a produção na época em que foi feita, longe disso, mas se Ishiguro tivesse feito o mesmo agora, com o longa se passado em 2022, o efeito da história seria potencialmente muito diferente, pois a narrativa central de Ikiru simplesmente não me parece combinar com o frenesi tecnológico atual. Para firmar de imediato a obra nesse período, Oliver Hermanus faz uso da razão de aspecto padrão da época, ou seja, 1:33:1, mais quadrada, o que pode causar estranhamento para alguns pouco acostumados com ela, mas que, casada com sequências que parecem tiradas de filmagens da época, cria a mistura perfeita para imediatamente no mínimo aguçar a curiosidade do espectador.

E, claro, o segundo grande acerto da produção foi a escalação de Bill Nighy para viver o fechado, sério, sisudo e fleumático Sr. Rodney Williams, chefe de um pequeno grupo de funcionários do conselho da cidade de Londres, responsável, dentre outros, pelas autorizações necessárias para edificações. Nighy, apesar de talvez ser mais lembrado por papeis mais leves, com aquela veia cômica britânica clássica, entrega um perfeito burocrata que vive seus dias há décadas exatamente da mesma maneira e que, em um (não tão) belo dia, recebe o diagnóstico de que tem câncer já em estado terminal, com alguns meses de vida apenas, uma escolha que, eu poderia muito facilmente afirmar, faz do ator a versão ocidental do grande Takashi Shimura vivendo o Sr. Kanji Watanabe em Viver. Apesar de sua idade, Williams não estava preparado para isso – quem está? – e quase que imediatamente percebe que passou suas décadas dentro dos estritos conformes que ele se impôs, sem realmente realizar nada de efetivo ao longo de toda sua carreira repleta de papeis e de negativas constantes.

Depois de pateticamente tentar viver a vida que lhe resta por meio de noitadas intermináveis repletas de bebidas, mulheres e gastação de dinheiro, Williams decide fazer um último – ou primeiro? – ato de teimosia e bondade: aprovar e construir um parquinho para crianças em um terreno baldio que uma trinca de mulheres vinha tentando obter autorização para fazer há bastante tempo. No entanto, como em Viver, essa abordagem, essa história não é contada da maneira usual, pois é nesse aspecto que o roteiro originalmente co-escrito por Kurosawa, Shinobu Hashimoto e Hideo Oguni bebe mais diretamente de Tolstói, algo que, de sua maneira, Ishiguro repete em Living, permitindo, então, que o protagonista passe a ser o sujeito de comentários de seus colegas de trabalho em um interessante, mas talvez aqui muito célere, exercício narrativo.

Aliás, a velocidade do longa – consideravelmente mais curto que o original -, algo que “combina” com os dias imediatistas atuais, talvez seja também seu maior problema, ainda que, felizmente, não em relação ao Sr. Rodney Williams, já que Nighy tem tempo para construí-lo de maneira primorosa, em discretos, mas precisos incrementos que vão aos poucos derrubando a couraça aparentemente intransponível que o personagem construiu ao seu redor ao longo de décadas, com direito até mesmo a um trabalho que arrisca em inserir um sofisticado humor a algumas sequências dos dois primeiros terços da projeção. Mas a questão do tempo apertado atrapalha consideravelmente a abordagem dos personagens coadjuvantes, ambos da equipe de Williams, a jovem Margaret Harris (Aimee Lou Wood), prestes a mudar de emprego, e especialmente o recém-contratado e inexperiente Peter Wakeling (Alex Sharp).

Sob diversos aspectos, Wakeling pode até mesmo ser visto como protagonista, já que sua visão do Sr. Williams é o que funciona como enquadramento da narrativa, mas o personagem em si é vazio de qualquer outra qualidade que não seja sua relativa inocência em relação a praticamente tudo ao seu redor. A conexão dele com Williams – que fica evidente ao final – é, na melhor das hipóteses, forçada e, na pior, artificial e perdida em meio a uma outra história qualquer que não tem relação com o coração do que vemos se desenrolar na obra. Faltou uma distribuição temporal maior para que Alex Sharp pudesse desenvolver seu personagem para além da estereotipada “versão jovem de Williams, mas ainda passível de ser salvo”. Aimee Lou Wood tem mais sorte com sua Margaret Harris, já que a personagem serve, ainda que indiretamente, de catalisadora para a realização, por parte de Williams, do que ele vinha perdendo com seus anos e anos de sisudez extrema, ganhando um pouco mais de espaço quando ela passa a ser uma espécie de conforto – não vejo, ali, nenhum tipo de interesse romântico por quem quer que seja – ao velho burocrata. Mas mesmo Harris tem efeito e função limitadas, com uma inserção apenas funcional dentro do desenvolvimento narrativo e não exatamente orgânica.

Mas, assim como Ikiru, Living é uma lição de vida ou, talvez, uma lição de morte. Mesmo com seus problemas que o mantém distante da versão original em termos qualitativos, a obra de Oliver Hermanus é tocante e, mais ainda, é capaz de nos levar à contemplação sobre como conduzir nossa vida entre deixá-la passar passivamente ou arregaçar as mangas para pelo menos tentar fazer algo que possa significar algo real para alguém que precisa, por menor que seja a ação.


12/09/23
Homens das Terras Bravas, The Badlanders, 1958, Delmer Daves

No iutubi aqui 

Os presidiários Peter Van Hook (Alan Ladd) e John McBain (Ernest Borgnine) ficam amigos na prisão. Soltos quase ao mesmo tempo, eles planejam dar um grande golpe juntos. Decididos a passar a perna no dono de uma rica mina de ouro, eles propõem um trato que não pretendem cumprir: 100 mil dólares em dinheiro vivo em troca de 200 mil dólares em ouro. O dono, que também pensava em passar a perna nos trapaceiros, aceita. Cineplayers


15/09/23
Dança com Lobos, Dances with Wolves, 1990, Kevin Costner

DANÇA COM LOBOS, por RITTER FAN, 28 de novembro de 2014

Dança com Lobos foi uma surpresa quando foi lançado em 1990. Ninguém esperava não só o sucesso de crítica, mas, principalmente, o sucesso de público que o primeiro filme dirigido por Kevin Costner alcançou, especialmente em se tratando de um épico de três horas em sua versão original, que ganhou quase uma hora a mais em sua versão estendida lançada um ano depois.

A grande verdade, porém, é que essa ambiciosa obra literalmente carregada nas costas por Costner, fala profundamente não só com o povo americano e sua história recente, com o massacre dos nativos, a exploração da “fronteira”, mas também de maneira universal com todos os povos, independente de nacionalidade. Há um tema maior, sempre presente por detrás da história de um soldado desesperançoso que se encontra ao fazer amizade com uma tribo Sioux, um tema que toca a todos nós, que é o significado da presença humana em nosso pequeno planeta azul. O ar de melancolia que perpassa Dança com Lobos traz à tona nossos sentimentos escondidos e dialoga com eles, desnudando verdades que são cada vez mais óbvias para nós. E talvez por isso o filme sobreviva tão facilmente por tanto tempo. Ele é cada vez mais atual, mais urgente, além de nos fazer voltar para um passado de não muito tempo atrás em que o abuso dessa rocha em que vivemos estava em sua infância.
Mas talvez esteja sendo um eco-chato aqui e normalmente não sou assim. Entendo a necessidade e a premência da evolução (para o bem ou para o mal), mas agradeço filmes como esse e diversos outros que nos fazem pausar e refletir. É brega e piegas? Talvez. Mas tenho para mim que não. Dança com Lobos é um filme honesto, bem feito e muito bem atuado, que merece a atenção de qualquer cinéfilo, além dos prêmios que amealhou (dentre os mais importantes,sete estatuetas do Oscar, incluindo de melhor filme, direção, roteiro e trilha sonora, além de três Golden Globes, de melhor filme dramático, roteiro e direção).

E Dança com Lobos ainda foi responsável por finalmente revitalizar o faroeste que, desde o começo da década de 80, perdera seu charme, voltando timidamente com Silverado (também com Costner, aliás), mas nunca realmente ganhando força. No entanto, talvez acima de tudo isso, a fita seja a obra de ficção que, até então, traria o mais honesto e profundo olhar sobre a população nativa americana que, apesar de sempre ter sido elemento essencial de filmes do gênero, só recebia tratamentos estereotipados ou pelo menos simplificados, unidimensionais e maniqueístas, com raríssimas exceções.
Michael Blake, que havia escrito o roteiro de Stacy’s Knights, um dos primeiros filmes com Costner, vinha tentando vender seu spec script (uma versão simplificada de um roteiro) de Dança com Lobos desde o começo da década de 80. Foi o próprio Costner que, vendo futuro no material, sugeriu a Blake que escrevesse um romance baseado em sua ideia e ele assim o fez, somente para ver o fruto de seu trabalho rejeitado repetidas vezes até ser publicado em 1988. Costner, então, adquiriu os direitos sobre a obra e partiu para a produção, resultando em um filme fotografado quase que integralmente na Dakota do Sul, com algumas sequências no Wyoming.

O escopo épico da fita pode ser resumido em apenas uma majestosa e desde já clássica sequência, banhada pela bela trilha sonora de John Barry: a caçada aos tatanka (como são chamados os bisões – ou búfalos americanos – em lakota, língua nativa dos Sioux). Lembram-se da sequência do estouro dos gnus em O Rei Leão? Pois bem, é algo como aquilo, só que ainda maior e, claro, em live action, sem uso de efeitos especiais. E o prenúncio dessa sequência já traz um dos elementos recorrentes do filme, que é a destruição da natureza pelos invasores brancos, ao vermos dezenas de bisões sem o couro e as línguas mortos na pradaria, com a carne apodrecendo. Ao testemunharmos, não muito tempo depois, os bisões aos milhares – filmados durante um estouro de verdade de uma manada gigantesca no meio-oeste americano, com Costner efetivamente galopando – enxergamos a esperança, ainda que saibamos que ela é efêmera. Só que essa montanha-russa de sentimentos continua e a conclusão parece ser mesmo a de “luz no fim do túnel”, pois, historicamente, os bisões foram quase extintos pela ação humana nos Estados Unidos e só depois de muito esforço de proteção ao longo de décadas é que as manadas voltaram e a presença delas no filme nos lembra disso, da capacidade humana de fazer o bem, de reverter situações quase irreversíveis.

No entanto, o que realmente chama atenção é como Costner transita bem entre momentos como esse, com fotografia com memoráveis planos abertos do prolífico Dean Semler, até planos médios e close-ups da intimidade dos indígenas em suas pequenas ocas. E, quando o filme passa a abordar os costumes da tripo Sioux na fronteira americana, depois de uma longa e pessimista introdução, em que vemos o tenente John J. Dunbar (Costner) tentando o suicídio de maneira espetacular depois que percebe que perderá a perna durante a Guerra Civil, com o personagem aos poucos entendendo seu lugar no mundo e descobrindo quem de verdade ele é, a palavra que vem à mente e uma que é mencionada por Dunbar durante a projeção: harmonia.

Essa harmonia nos faz entender o porquê de Dunbar (que nos representa) ter ficado maravilhado com o que se deparou no desolado Forte Sedgewick, para onde pede para ser mandado depois que seu “suicídio” o transforma em herói: os nativos vivem da terra e para a terra. Eles estão em perfeito equilíbrio com a natureza, caçando para sobreviver e se aproveitando o máximo do ambiente, com uma organização mais eficiente até que a militar.

Uma das críticas que se faz ao filme é que a retratação dos Sioux como “mocinhos” e dos Pawnee como “vilões” é maniqueísta, além de historicamente errada, já que os Sioux foram mais poderosos que os Pawnee. Sim, talvez seja maniqueísta, mas somente à primeira vista, pois o roteiro mostra o lado “sombrio” dos Sioux de maneira muito evidente, como quando a carroça dos caçadores brancos de bisões é vista por Dunbar na taba e a tribo toda festeja a morte dos homens brancos, com a orgulhosa exibição dos escalpos. Há sadismo e raiva ali. O mesmo vale para a reação inicial de todos em relação a Dunbar – sempre violenta – especialmente no caso de Wind is His Hair, vivido de maneira convincente por Rodney A. Grant. Sobre correção histórica, a resposta é simples: Dança com Lobos por vezes até parece ser, mas não é um documentário.

Outro aspecto sempre mencionado como negativo é a conveniente presença de uma branca no meio dos indígenas, Stands With a Fist, vivida pela sempre bela Mary McDonnell. No entanto, casos de sequestro de mulheres brancas eram comuns no oeste bravio, um desses casos até tendo servido de inspiração para um dos maiores expoentes do gênero, Rastros de Ódio. Assim, além de ser um elemento historicamente correto, a inclusão da personagem funciona como um forma de tornar crível para os espectadores a relação de Dunbar com os Sioux, sem que ele tenha que milagrosa e instantaneamente aprender a língua ou se tornar o Marcel Marceaux da fronteira.

A versão estendida do filme, que não contou com o envolvimento de Costner e, por isso, não pode ser chamada de “corte do diretor”, consegue mergulhar mais a fundo ainda na cultura Sioux, dando-nos tempo para absorver cada aspecto que nós é apresentado. É um tour de force, sem dúvida, pois eleva a já longa experiência cinematográfica para 4 horas. No entanto, diferente de muitas versões estendidas por aí, a inclusão desses 55 minutos extras não esmorecem a narrativa. Ao contrário, a tornam mais rica ainda. Particularmente, gosto igualmente das duas, mas, se tivesse que escolher, ficaria com a versão estendida, mesmo sem ela ter a benção do diretor.

Dança com Lobos é um filme que, apesar da trama central ser batida (a eterna releitura da história de Pocahontas), surpreende pelo conjunto composto pelo visual embasbacante, a trilha sonora arrebatadora, a direção eficiente de Costner, além de um elenco azeitado, que nos convence de cada papel, mesmo os mais caricatos e vilanescos. E, talvez o mais importante: ele nos faz refletir.

16/09/23
Portal do Paraíso, Heaven's Gate, 1980, Michael Cimino

O PORTAL DO PARAÍSO (Heaven’s Gate) – OBRA-PRIMA OU DESASTRE CINEMATOGRÁFICO?

Falando de “Os Brutos Também Amam”, a crítica Pauline Kael afirmou que “os westerns são melhores quando não têm tanta pretensão de importância”. Pode-se deduzir da frase de Kael que quanto mais rebuscado for um faroeste mais ele se distanciará da realidade do Velho Oeste, ainda que fortunas sejam gastas para recriar um pseudo-realismo que acaba soando empostado. Esse parece ser o mal maior de “O Portal do Paraíso” (Heaven’s Gate), filme de 1980 dirigido por Michael Cimino, concebido por seu autor para ser um portentoso faroeste, o melhor de todos mesmo.

O fracassado lançamento - Fontes divergentes indicam que "O Portal do Paraíso" custou ao redor de 40 milhões de dólares para um orçamento inicial de sete e meio milhões de dólares. A um custo diário superior a 100 mil dólares, o filme levou dez meses em produção em locações no Glassier National Park, em Montana e um período adicional para filmagem do prólogo, em Oxford na Inglaterra, que consumiu mais três milhões e meio de dólares. A título de comparação, “Cavaleiro Solitário” (Pale Rider), de Clint Eastwood, produzido cinco anos depois, custou sete milhões de dólares e rendeu 42 milhões de dólares, sendo rodado em 30 dias. Os problemas de “O Portal do Paraíso” continuaram com seu apressado lançamento em novembro de 1980, a tempo de concorrer ao Oscar daquele ano. Lançado inicialmente com metragem de 219 minutos, o filme mal alcançou um milhão e trezentos mil dólares na primeira semana de exibição, o que muito se deve às resenhas negativas dos críticos. Liderados por Vincent Canby, do jornal ‘The New York Times”, a crítica quase unanimemente destruiu a reputação do filme, afugentando o público. Canby encerra sua resenha datada de 19 de novembro afirmando que “O Portal do Paraíso é algo bastante raro em filmes hoje em dia, pois é um desastre absoluto”. O diretor Michael Cimino pediu então à United Artists que retirasse “O Portal do Paraíso” de exibição para que sob sua supervisão o filme fosse reeditado. A nova versão foi encurtada em inacreditáveis 70 minutos e reapresentada meses depois, sendo exibida com a duração de 149 minutos. Essa versão reduzida tornou o filme incompreensível e novas e massacrantes críticas contribuíram para o fracasso total de “O Portal do Paraíso”. O então encurtado faroeste de Michael Cimino teve uma receita de mais dois milhões de dólares, totalizando três milhões e trezentos mil dólares e um monumental prejuízo de quase 40 milhões de dólares à United Artists.

Faroeste apocalíptico - Apó o sucesso obtido com “O Franco Atirador”, Michael Cimino era visto como a nova sensação de Hollywood e a United Artists lhe deu completa liberdade artística para filmar o roteiro de sua autoria intitulado “Heaven’s Gate”. O perfeccionismo do diretor durante as filmagens implicava em novos gastos e parecia não ter limites, como numa cena filmada com Kris Kristofferson acordando de um porre. O ator teve que repetir 52 vezes a tomada que na tela dura quatro ou cinco segundos. Diariamente Cimino, vociferando insultos demitia algum técnico e mesmo atores. Willem Dafoe foi um deles, podendo ser visto apenas na versão de 219 minutos e mesmo assim sempre em segundo plano, resultado de não aceitar o despotismo de Michael Cimino. Más línguas comentam que dos 40 milhões de dólares gastos na produção, metade foram gastos em cocaína consumida aberta e exageradamente durante as filmagens. O mesmo se falou de “Apocalypse Now”, acidentado e dispendioso filme de Francis Ford Coppola, que, diferentemente do faroeste de Michael Cimino, foi imediatamente saudado como obra-prima, status que mantém 32 anos depois de filmado. O faroeste era um gênero em baixa desde o início dos anos 60 e acreditou-se que o fracasso de “O Portal do Paraíso” decretou a morte do faroeste no cinema. De fato, os fãs de westerns tiveram que esperar até 1985 para matar a saudade de um bom faroeste. Nesse ano foram produzidos “Cavaleiro Solitário”, de Clint Eastwood e “Silverado”, de Lawrence Kasdan.

A estrela era Cimino - Um filme tão caro como “O Portal do Paraíso” teve um elenco composto por artistas do segundo escalão, mesmo um deles alcançando o estrelato mais tarde, no caso de Jeff Bridges. Jane Fonda, que era a grande estrela de Hollywood, foi cogitada pela United Artists para o principal papel feminino, recusando-o porém. Michael Cimino nunca se preocupou com a falta de um ou dois nomes fortes no elenco de seu filme pois a estrela maior deveria ser, sem qualquer concorrência, seu delirante diretor. Kris Kristofferson, Christopher Walken, Sam Waterston, Brad Dourif, John Hurt e outros nunca chegaram a ser astros de primeira grandeza. Quanto à atriz francesa Isabelle Huppert, esta foi a mais infeliz e equivocada das escolhas de Cimino. Kris Kristofferson (aos 44 anos) e John Hurt (aos 40 anos) aparecem interpretando os rapazes recém-formados em Harvard no prólogo do filme. Certo que James Stewart e John Wayne, respectivamente aos 52 e 53 anos interpretaram jovens de menos de 30 anos em “O Homem que Matou o Facínora”. Mas Stewart e Wayne eram nomes capazes de levar público ao cinema, tanto que o western de John Ford, mesmo sem ser um campeão de bilheterias, deu lucro a seus produtores.

Cannes e a Framboesa de Ouro - Enquanto nos Estados Unidos “O Portal do Paraíso” sofreu forte campanha negativa da imprensa, na França ocorria o inverso. Os críticos franceses saudaram o western de Cimino como um dos grandes filmes do ano, cotadíssimo para receber a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O júri preferiu dar o prêmio ao hoje esquecido “Homem de Ferro”, do polonês Andrzej Wajda. Eram os tempos de Lech Walesa e o filme de Wadja era de cunho notoriamente político, enquanto “O Portal do Paraíso” fazia sim referências políticas, mas a um episódio ocorrido 90 anos antes no Wyoming, a chamada “Johnson County War”. Há quem veja referência subliminar ao massacre de My Lai ocorrido em 1968 no Vietnã. Em 1981 aconteceu a segunda edição do hoje conceituado e até bastante disputado primo inverso do Oscar, o ‘Golden Raspberry Award’ (Framboesa de Ouro), criado para premiar os piores filmes do ano nos Estados Unidos. “O Portal do Paraíso” concorreu nas categorias de pior filme, pior diretor, pior roteiro, pior score musical e pior ator (Kris Kristofferson). Acabou ficando com o 'Golden Raspeberry de Pior Diretor' para Michael Cimino. Na premiação do Oscar, “O Portal do Paraíso” concorreu apenas a Melhor Direção de Arte (cenários), que perdeu para “Os Caçadores da Arca Perdida”. Mesmo sendo um filme fracassado, “O Portal do Paraíso” jamais foi esquecido, talvez mesmo por uma questão de peso na consciência de tantos quantos sabiam que havia algo de injusto para com o épico de Cimino. A redenção estava a caminho.

‘Obra-prima absoluta’ - Pelo menos um crítico importante, Robin Wood, destoou da maioria, em 1981, dizendo que o filme de Cimino em sua versão de 219 minutos era “um dos mais autenticamente inovativos filmes norte-americanos”. O também muito respeitado Philip French, nos anos 90, surpreendia colocando “O Portal do Paraíso” entre seus Top-Ten Westerns, assim como havia feito Robin Wood. Outro conceituado crítico, David Thomson, e o cineasta Martin Scorsese eram outros que sempre lembraram das qualidades ignoradas de “O Portal do Paraíso”. A campanha desenvolvida por esses críticos fez com que o filme de Michael Cimino passasse pelos modernos processos de remasterização e fosse lançado em Blu-Ray. Mesmo diante dos argumentos de seus defensores, “O Portal do Paraíso” ainda encontra detratores como o crítico do ‘The Guardian’, que afirma ser “Heaven’s Gate” o pior filme da história do cinema. Projetado (em tela grande, claro), no Festival de Veneza de 2012 e no New York Festival Film, também deste ano, “O Portal do Paraíso” foi adjetivado desde ‘obra-prima absoluta’ até ‘uma das grandes injustiças da história do cinema’.

Luta de classes - A história escrita por Michael Cimino refere-se ao incidente ocorrido no Wyoming em abril de 1892 e que ficou conhecido como “The Johnson County War”. No filme a ação se passa durante três dias de 1890 com a chegada do delegado federal James Averill (Kris Kristofferson) ao condado de Johnson. Lá a associação dos pecuaristas planeja, com a autorização do governo federal, se defender contra imigrantes que estariam roubando cabeças de gado de seus rebanhos. Averill se posiciona contra a associação dos criadores que então contrata 50 mercenários para assassinar 125 imigrantes cujos nomes fazem parte de uma lista que chega às mãos de Averill. O líder dos grandes proprietários de terra é Frank Canton (Sam Waterston) e seu principal regulador (contratado para matar) é Nathan D. Champion (Christopher Walken). Averill e Champion gostam da mesma mulher, Ella (Isabelle Huppert) a dona do prostíbulo local. Ella aceita dinheiro ou gado roubado como forma de pagamento e por isso é incluída na lista entre os 125 nomes marcados para morrer. Os imigrantes se unem e se armam e para enfrentar os homens de Canton numa batalha violenta da qual Averill também participa ao lado dos perseguidos imigrantes.

Senhores da terra, senhores da lei - O que muito prejudica “O Portal do Paraíso” é seu roteiro confuso repleto de incoerências. Nunca é explicado o que leva um ex-aluno de Harvard, com brilhante futuro, a se embrenhar pelo Wyoming para defender imigrantes do Leste Europeu que mal falam Inglês. Menos clara ainda é a ambígua relação de amizade entre Champion e Averill, que se conhecem há mais tempo mas não se sabe exatamente de onde. Nunca é esclarecido o que faz também Billy Irvine (John Hurt), outro formando de Harvard, no Wyoming , uma vez que se sabe que Irvine conheceu Paris a ponto de amar a Cidade-Luz. O western de Cimino toca num fato incomum aos faroestes que é mostrar a etnia pouco conhecida de gente que imigrou para o Oeste norte-americano, entre eles russos, ucranianos e búlgaros. E o consequente conflito gerado por aqueles que se julgam senhores absolutos das terras e das próprias leis. Frequentadores de um local de diversão chamado ‘Heaven’s Gate’, que avisa que ali passarão ‘A Moral and Exhilarating Experience’ (uma emocionante experiência moral) os imigrantes se divertem rodopiando sobre patins ao som de canções da mais pura música country e não de mazurcas, como se poderia imaginar. Apostam também em rinhas de galo e curiosamente nunca se debruçam no enorme balcão do bar para beber, o que seria natural. Os imigrantes gostam de sexo com as prostitutas do bordel da região e para isso usam como moeda até mesmo gado que lhes poderia saciar a fome.
“I love Paris” - Cimino criou desnecessariamente um triângulo amoroso envolvendo personagens centrais da trama, ou seja, o delegado Averill, a cafetina Ella e o mercenário Champion. 

Mas a intenção do roteiro nunca funciona a contento e não integra os personagens na história. A diferença de classe entre Averill e Champion, aquele rico, este a soldo dos poderosos, parece provocar uma admiração recíproca demonstrada quando Champion coloca o chapéu do rival e exclama “Averill tem muita classe”. E Ella, que fica nua em muitos momentos do filme, não demonstra possuir personalidade suficiente para administrar um bordel e menos ainda para controlar dois homens embrutecidos como os dois que a disputam. Com o visível propósito de ser um filme de arte, nada melhor que colocar na tela as sofridas expressões dos tantos russos em close-up, como se fossem heróis revolucionários. Essas imagens, porém, se perdem no desenvolvimento inconsequente das manifestações daqueles homens. Reunidos no ‘Heaven’s Gate’, fica-se a esperar pelo grande momento do imigrante vivido por Brad Dourif (Eggleston), o que não acontece. O ilógico discurso de formatura do personagem de John Hurt em Harvard tem mais sentido que as frases por ele ditas durante o filme, entre elas “Filho-da-puta sempre foi a expressão favorita neste país”, ou pior ainda, em meio a centenas de tiros disparados de todos os lados durante a batalha de Johnson County, Hurt diz surrealisticamente “No ano passado, nesta época, eu estava em Paris. Eu amo Paris”.

David Mansfield e Vilmos Szigmond - E “O Portal do Paraíso” é absurdamente longo com seu desnecessário prólogo e valsa nos jardins de Harvard (Oxford). Mais apropriada e lírica mesmo é a cena de patinação no ‘Heaven’s Gate’ ao som do violino e da banda country do chaplinesco David Mansfield que alegra os imigrantes do Leste Europeu. Esse fordiano momento é belíssimo e tocante, prejudicado porém com a sequência com o salão estranhamente esvaziado para que o casal Averill e Ella dancem romanticamente. A música de David Mansfield foi um achado para o filme tornando-o singelo e poético em muitas sequências magistralmente fotografadas por Vilmos Szigmond. A atmosfera exigida para o filme muitas vezes prejudica a ação, com os excessivamente nevoentos exteriores ou enfumaçados interiores e a luz sempre difusa no tom sépia que foi moda naquele período do cinema norte-americano. Foi assim em “Esta Terra é Minha”, de Hal Ashby e em “Honkytonk Man”, de Clint Eastwood, filmes também passados em poeirentas cidades do interior sem, no entanto, prejudicar o reconhecimento dos personagens como em “O Portal do Paraíso”.

Adeus em meio às chamas - A sequência da batalha é o ponto alto do filme. Sabe-se que para filmá-la o mais realisticamente possível, diversos cavalos foram atingidos por explosivos, muitos vindo a morrer. A partir das denúncias do sofrimento e sacrifício dos animais a legislação específica passou a exigir que em todos os filmes que envolvessem animais expostos a perigo houvesse a presença da fiscalização por parte daquele órgão. Uma sequência importante para o filme, como a morte de Nat D. Champion, chega a provocar risos. Nela o personagem de Christopher Walken inalando fumaça dentro de um casebre em chamas se mantém calmo o suficiente para escrever um bilhete completo. Tão completo que é assinado com o nome inteiro não faltando nem mesmo o ‘D.’ enquanto as chamas devoram o local em que Champion está. E a sequência final do tiroteio entre Averill, Bridges (Jeff Bridges) e Ella contra os homens de Canton é fraca, beirando a pieguice quando Averill ergue lentamente Ella nos braços. A moça veste um apropriado vestido branco para melhor destacar as manchas de sangue.

Talento sem inspiração – Em 1979 Jeff Bridges já havia demonstrado em inúmeros filmes seu talento como ator, no entanto após ser dirigido três vezes por Sam Peckinpah, Kris Kristofferson parecia ter mais prestígio que Bridges naquele momento. A escolha de Kristofferson foi um erro pois, embora ele tenha tido atuação razoável em “O Portal do Paraíso”, Jeff Bridges teria dado uma dimensão infinitamente maior ao personagem ‘James Averill’. A descontinuidade das sequências e a pobreza de muitos diálogos impediram que bons atores como Brad Dourif e Christopher Walken tivessem melhor presença. John Hurt, Sam Waterston, Geoffrey Lewis e Mickey Rourke estão positivamente caricatos. Estréia no cinema de Ronnie ‘The Hawk’ Hawkins que também não disse a que veio num filme em que a inconvincente Isabelle Huppert foi o maior dos equívocos do elenco formado por Cimino. Decididamente, rotular “O Portal do Paraíso” como obra-prima é um exagero, assim como exagero é taxá-lo de filme ruim. O western de Cimino é uma lição de cinema, lição que ensina que a busca da arte é um caminho difícil quando não são combinados talento e inspiração, mesmo adicionando-se muito dinheiro. 

O Portal do Paraíso’: ponto final da Nova Hollywood merece ser redescoberto 

Ivanildo Pereira | jul 8, 2016  

16/09/23
A Ilha das Maldições, Island of Doomed Men, 1940, Charles Barton

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O agente secreto Mark Sheldon vai para uma prisão em uma remota ilha para construir um caso contra seu diretor corrupto e sádico.


19/09/23
O Siciliano, The Sicilian, 1987, Michael Cimino

Sicília, Itália, final dos anos 1940. Salvatore Giuliano (Christopher Lambert) é uma figura de liderança na região, uma espécie de Robin Hood, que rouba dos mais ricos para dar para os miseráveis. À medida que ganha respeito e admiração das camadas populares, Salvatore passa a se tornar mais prepotente e cheio de si. Só que seu ego não é seu único inimigo. Para lutar pelo que acha justo, Salvatore terá de enfrentar a Igreja e o chefão da máfia, Don Masino Croce (Joss Ackland), que deseja riscá-lo do mapa.

20/09/23
Napoleão, Napoléon, 2002, Yves Simoneau

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Em 1795, ele era um general cheio de ambição. Em 1816 estava exilado na remota Ilha de Srtª Helena. Nesse intervalo de tempo, Napoleão foi o homem mais poderoso do mundo. Desde a campanha que transformou o desconhecido Corsego no herói francês até à sua última derrota em Waterloo. Napoleão traçou o caminho de um homem que desafiou séculos de tradição. Adaptado por Didier Decoin do Best Seller de Max Gallo's, esta aventura épica explora as lutas privadas, as intrigas políticas e as sangrentas batalhas que marcaram o surgimento e o desaparecimento de Napoleão. Esta excelente obra mostra o retrato de Napoleão, evidenciando os fatos e definindo-os como um homem cuja vida ainda move e inspira muitos de nós.

22/09/23
Pistoleiro da Justiça, The Master Gunfighter, 1975, Tom Laughlin

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The Master Gunfighter, Roger Ebert, January 01, 1975

A film archeologist could have fun with "The Master Gunfighter," sifting among its fragments of plot and trying to figure out what the hell happened to this movie on the way to the theater. The movie opens with a longwinded narration, in a hapless attempt to orient us, but not long afterward the narrator has to break in again—we're lost already. It's all to little avail. I don't think there's any way an intelligent moviegoer could sit through this mess and accurately describe the plot afterward.

On the basis of the available evidence, I'd say the director and star, Tom Laughlin, began with a badly confused screenplay (one that never did clearly establish the characters and the main story line) and then shot so much film that he had to cut out key scenes in order to edit everything down to a reasonable playing time.
The movie opens, for example, with Laughlin leaving the California hacienda of his wife, for obscure reasons (and not only the reasons are obscure — I had to read the synopsis to figure out the woman was his wife). Then there's a title card "Three Years Later" and he decides to go BACK to the hacienda, for more compelling reasons. This is pretty dizzying exposition.

The movie has ambitions to look like one of Sergio Leone's Italian Westerns’s has the eerie music and the vast landscapes and the irritating habit of opening and closing scenes with zooms as dramatic as they're arbitrary. Watching it, we reflect that Leone was never too strong on plotting either (what actually happened in "The Good, the Bad and the Ugly"r emains a matter of great controversy). But Leone at least was the master of great momentsÑstretches of film that worked, even if they meant nothing.

Laughlin has moments, too, but he has no flair for timing or development or surprise. We leave "The Master Gunfighter" remembering very long, very pointless conversations in which the characters seemed to be referring to events in another film. These yawninducing dialogs are occasionally interrupted by swordplay, so badly staged and photographed we're not even sure Laughlin could handle a steak knife. In one of his predicaments, he is surrounded by enemy swordsmenÑso he backs up against an old shed. But wait a minute, you're thinking: If he's surrounded, how does he back up against that shed? What about the guys behind him? Aha!

The opening narration provides some nonsense about samurai training that's supposed to explain the sword, as well as the MG's revolver, which can fire 12 shots. After we've seen the MG nail all kinds of bad guys with the pistol, only to use the sword in his next emergency, we're reminded of John Carter of Mars, the Edgar Rice Burroughs hero who kept getting sliced up in swordplay when he could have just pulled out his atomic ray gun But no matter. Nothing as simple as logic is going to explain this movie.

Roger Ebert was the film critic of the Chicago Sun-Times from 1967 until his death in 2013. In 1975, he won the Pulitzer Prize for distinguished criticism.

25/09/23
Era uma Vez em Tóquio, Tôkyô monogatari, 1953, Yasujirô Ozu

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Era uma Vez em Tóquio, por Luiz Santiago, 9 de junho de 2019

Encerrando a Trilogia Noriko, Era uma Vez em Tóquio (1953) explora uma questão bastante cara ao diretor Yasujiro Ozu, que era a relação entre pais e filhos, pautada pela negligência natural que as novas gerações têm em relação aos pais, uma postura que em boa parte dos casos muda ao longo dos anos, mas em outros, permanece como uma grande marca de ingratidão somada a um sentimento de culpa. Tendo como base o enredo de A Cruz dos Anos (1937), de Leo McCarey, o diretor já havia trabalhado esse tema em Os Irmãos e Irmãs Toda (1941), mas volta para ele aqui de maneira mais madura e com reflexões mais amplas em torno dessa principal questão familiar.

A premissa aqui é bastante simples. Shukichi (Chishû Ryû) e Tomi (Chieko Higashiyama) são um velho casal prestes a fazer uma viagem de sua vila no interior do Japão até Tóquio, onde mora a maioria de seus filhos. Como é de se esperar em um filme de Ozu, nós começamos e terminamos o longa em um tipo de contemplação e reflexão de distintos níveis sobre o ambiente e os indivíduos que vemos na tela. Ao longo de suas 2h16 de duração, a película nos dá a oportunidade de conhecer este casal e mergulhar em sua visão de mundo, muitas vezes apenas através de expressões ou pela forma como se comportam diante dos filhos em momentos que claramente não são bem-vindos.

Sem levantar uma crítica explícita ou didática — mas a crítica ela está lá o tempo inteiro — o diretor e seu parceiro na escrita do texto, Kôgo Noda, mostram para o espectador o peso dos anos para um pai e uma mãe através do desencontro que em relação aos filhos e aos netos, a partir de determinado momento de suas vidas. O roteiro considera, em um pequeno diálogo, que esta não é necessariamente a realidade para todas as famílias, mas certamente é para a maioria: as responsabilidades e ritmo de vida dos filhos os afastarão consideravelmente dos pais na vida adulta. A frase tem um quê de dilema moral e ao longo do filme nós nos vemos repreendendo ou tentando compreender a atitude deste ou daquele filho diante dos pais.

O roteiro nos dá essa oportunidade de colher informações sobre todos os personagens e, como já disse, de entender o comportamento dos pais. A câmera no tatame, a fotografia com leves contrastes e ângulos perfeitos nos coloca também como parte dessa família, que tenta divertir, dar atenção ou se livrar dos pais, dependendo da ocasião. E em cada um desses momentos, o texto e a direção fazem um jogo de ação-e-reação pelos diálogos (sim, os pais reagem pouco, mas não estão alheios ao que acontece) e pelas atitudes e forma como a câmera os filma, em cenas que vão da mais trivial contemplação do teto até os diálogos mais tocantes e filosóficos, como os que temos no final da fita, depois de um importante evento.
A morte da mãe é a grande marca deste drama, porque coloca as ocupações, as frases, as exigências e todas as outras coisas dos filhos em perspectiva, um jogo do qual também participamos, por contemplação ou por identificação com a dor da família que perde um ente querido. E é nesse estágio de coisas em perspectiva, através da morte, que o valor à mãe falecida e às memórias dela se manifesta, juntamente com o proverbial “é tarde demais“.

Algumas vozes que destacam pontos negativos neste filme falam de sua lentidão exagerada, mas isso é um ponto delicado em se tratando de Ozu. O que posso dizer é que na parte final do filme, o ritmo começa a cobrar um pequeno preço e fica difícil para o espectador não comparar a velocidade com que as coisas acontecem aí e o tempo de contemplação “gasto” ao longo de toda a projeção. Também me incomodaram um pouco as elipses na segunda metade da obra, e este é igualmente um ponto delicado para se falar de Ozu, já que esta é uma de suas marcas narrativas, especialmente no pós-Guerra. E novamente, o preço cobrado pelo lento ritmo vem à tona quando julgamos a necessidade e o impacto dessas elipses. Mas nenhuma dessas coisas foram grandes o bastante para me fazer tirar algo da obra. O que me incomodou a ponto de vê-la um pouco menos incrível desta segunda vez foi o diálogo final entre Noriko (Setsuko Hara) e Shukichi.

Me incomodou tremendamente o comportamento da personagem nesse diálogo, algo bem diferente do que havia sido apresentado antes para ela. E aqui, algo característico das atuações nos filmes de Ozu (ou em clássicos japoneses, em geral), que é a marca mais afetada herdada do kabuki, acabou tendo um impacto negativo para mim em relação à interpretação da atriz, algo que não havia acontecido antes. Colocado de lado esse pequeno impasse do final, Era Uma Vez em Tóquio mantém-se como um daqueles filmes sobre a vida que impressiona pela crueza e realismo com que expõe sua problemática. Algo que todos nós conhecemos muito bem e que, depois de uma sessão dessas, nos pegamos novamente pensando a respeito.

4/10/23
Kruty 1918, 2019, Aleksey Shaparev

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O filme remeter-se ao fatos histórico ocorridos na "Batalha de Kruty" (no vilarejo de Kruty aos arredores de Kiev) e na morte de 500 cadetes do exército ucraniano nos dias 29 e 30 de janeiro de 1918, quando tentavam defender a cidade de Kiev do avanço do Exército Vermelho Bolchevique. Alguns destes cadetes, entre eles Gregory Pipskyy (Gregory foi o cadete que começou a cantar "A Ucrânia ainda não morreu" antes da sua execução), foram executados na estação ferroviária de Kruty na noite de 29 de janeiro de 1918. Wiki

4/10/23
Camaleões, Reptile, 2023, Grant Singer

Camaleões – Benicio Del Toro lidera MORNA Investigação Policial com Justin Timberlake
Letícia Alassë, 27 de setembro de 2023

Cenas de um casal em crise se desenrolam nos primeiros minutos de Camaleões (Reptile), primeiro longa-metragem do estadunidense Grant Singer, conhecido por conduzir videoclipes de celebridades do mundo pop. O diálogo entre o casal não existe, Will Grant (Justin Timberlake) tenta em vão aproximar-se de Summer (Matilda Lutz), mas a frieza, as camas separadas e as ausências mostram que algo não está dentro dos conformes. Ambos são corretores de imóveis e as residências vazias são esconderijos dos segredos e a metáfora do vácuo entre eles até um crime acontecer.

Antes de tornar-se vítima numa investigação policial, Summer encontra uma casca de serpente no domicílio à venda, entre o literal e a metáfora, o roteiro — escrito a seis mãos: Grant Singer, Benjamin Brewer e Benicio Del Toro — coloca em evidência um perigo iminente para a jovem. Como esperado, o “réptil” do título é o suspeito do assassinado. Com 13 facadas, vestígios de sêmen e lesões pelo corpo, o crime parece ser um caso passional, ou seja, realizado por um parceiro sexual.
Para resolver o mistério e encontrar o culpado, o capitão da polícia de Scarborough Robert Allen (Eric Bogosian), designa o sério detetive Tom Nichols (Benicio Del Toro) e o ajudante Dan Cleary (Ato Essandoh) para a investigação. Aparentemente abalado, Will confessa ter tido brigas com a namorada, ainda casada legalmente com o ex-marido Sam Gifford (Karl Glusman) e, portanto, um dos principais suspeitos. 

Para dar gás à narrativa, Michael Pitt (Os Sonhadores) incorpora um vizinho alucinado, vingativo e traumatizado pela família de Grant. Em uma interpretação exótica, o personagem serve de despistagem e, posteriormente, pontes para a solução dos mistérios. Em um percurso de desenganos, falsas interpretações e mortes por conta da ganância, Camaleões tem uma condução lenta e contemplativa.
O detetive Nichols é pintado como homem de virtude, apaixonado pela esposa Judy Nichols (Alicia Silverstone) e incapaz de traí-la mesmo quando a oportunidade bate à porta. Já os seus companheiros de profissão apresentam caráter mais duvidoso, seja pelas falas, seja pelas atitudes. De forma bem dualista, o roteiro desenha condutas de mocinhos e vilões.
Com algumas descobertas fáceis, outras forçadas e pistas bastante chamativas, Grant Singer deseja criar uma trama com a marca de David Fincher, porém acerta nos romances policiais de bancas de jornais. Desse modo, o longa apresentado no TIFF 2023, e distribuído pela Netflix, consegue manter o espectador interessado nas ações do seu protagonista de impecável reputação, porém não apresenta cenas marcantes ou momentos surpreendentes. 

Como uma produção inicial, Camaleões pode ser considerado uma boa tentativa de filmes de gênero, contudo poderia ter uma cena de confronto final melhor trabalhada e um roteiro menos mastigado. Sendo um lançamento Netflix, é possível compará-lo com o insosso suspense tragicômico Sorte de Quem? (2022), de Charlie McDowell, que mesmo com um bom elenco [Jesse Plemons, por exemplo], não consegue empolgar e torna-se uma experiência deletável.
Apesar da presença de Benicio Del Toro e um apagado Justin Timberlake, Camaleões é um filme básico de detetives envolvidos em traições e reviravoltas dentro de uma pequena atmosfera da classe média suburbana norte-americana.

Uma pena que a talentosa atriz italiana Matilda Lutz — do maravilhoso filme Vingança (2017), de Coralie Fargeat, — tenha apenas segundos de tela. O crime inicial torna-se pano de fundo para dar espaço a uma investigação sobre a conduta nada ilibada da polícia estadunidense e dos seus cidadãos de bens da classe média, os camaleões. 


5/10/23
Na Solidão do Inferno, The Capture, 1950, John Sturges

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O Inspetor Campos, da Polícia Federal argentina, narra a um repórter três casos complicados que investigou. O primeiro envolve um grupo de trapaceiros que arma uma grande farsa para limpar suas vítimas no pôquer. O segundo é o cerco a uma quadrilha de traficantes de drogas que usa os métodos mais criativos para esconder a cocaína. O terceiro mostra a caçada sem tréguas a um assaltante sádico que não deixa testemunhas. Filmow

07/10/23 

Cavaleiros de Ferro, Aleksandr Nevskiy, 1938, Sergei Eisenstein & Dmitriy Vasilev

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Cavaleiros de Ferro (Aleksander Nevsky, 1938), por Matheus Carvalho, 14/08/2020

Que Sergei Eisenstein foi o maior nome do cinema soviético durante o regime stalinista não é novidade para ninguém. O diretor de A Greve, O Encouraçado Potemkin e Outubro ajudou a construir o cinema como conhecemos hoje e sua contribuição para o desenvolvimento da teoria cinematográfica, sobretudo em relação à arte da montagem, faz com que seu nome seja reconhecido e estudado até hoje. Sua importância se coloca como um feito extraordinário para uma cultura ocidental que historicamente tende a ignorar tudo aquilo que não nasce em seus próprios domínios, seja em relação à arte, ciência ou religião.

A genialidade de Eisenstein se sobressai ainda mais quando consideramos as limitações impostas pelo regime soviético, que enxergava o cinema e qualquer manifestação artística como um instrumento de propaganda política e de afirmação dos valores revolucionários. A verdade é que por muito pouco não tivemos a possibilidade de ver Eisenstein dirigindo filmes de grandes estúdios americanos, mas sua temporada na América foi frustrada. Não que o pragmatismo de Hollywood não fosse um fator igualmente limitante a um artista desse nível, mas certamente teríamos à disposição uma obra muito mais vasta e eclética à disposição.

Entre atritos com as amarras soviéticas e suas fracassadas experiências nos Estados Unidos e no México, Eisenstein passou praticamente dez anos sem dirigir um filme completo. Em sua volta à União Soviética, ainda era visto com muita desconfiança pelos líderes soviéticos e pela imprensa por sua aventura capitalista. Seu retorno à direção com Cavaleiros de Ferro, em 1938, veio em forma de reconciliação com o regime e ainda representou a estreia do diretor em um longa-metragem sonoro.
Enquanto a Europa era assombrada pela ameaça nazista de Hitler e marchava acelerada rumo a mais uma guerra, nada mais assertivo do que uma história sobre um grande líder russo que lidera a reação de seu povo contra uma invasão alemã. Claro que não era coincidência. O episódio a ser retratado havia se passado durante a Idade Média, mais precisamente no século XIII, quando os alemães da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos ameaçavam os domínios russos. Enquanto os invasores destruíam cada cidade por onde passavam, a esperança russa estava nas mãos de Alexander Nesvky, que já havia liderado o exército russo em grandes batalhas.

Para a realização da obra, Eisenstein contou mais uma vez com a fotografia de Eduard Tisse, que havia acompanhado o diretor em todos os seus filmes, e com a composição de Sergei Prokofiev, considerado um dos maiores compositores do século XX. O ator escolhido para interpretar Alexander Nevsky no papel principal foi um dos queridinhos de Stalin, Nikolay Cherkasov, que repetiria a parceria com o diretor nas duas partes do épico Ivan, o Terrível.

Por todo o contexto envolvido, Cavaleiros de Ferro passa longe de figurar entre as obras mais experimentais de Eisenstein. A pressão de Stalin obrigava o diretor a ser o mais pragmático possível. Dessa forma, a narrativa é bem simples e logo na primeira sequência do filme o espectador já é apresentado ao grande Alexander e se torna ciente da ameaça alemã. A partir daí, o roteiro escrito pelo diretor em colaboração com Pyotr Pavlenko se dedica a mostrar, paralelamente, o avanço alemão e a preparação russa em direção ao inevitável confronto.

E é justamente com a Batalha no Gelo que o filme atinge todo o seu potencial artístico. A trilha de Prokofiev dá à a batalha o carácter de épico e dita o ritmo do que se vê em tela, alternando com maestria os momentos em que a música se sobrepõe e os momentos de absoluta ausência, onde se escuta somente o som das espadas, dos gritos e dos cavalos. Eisenstein dá mais um espetáculo de montagem ao alternar planos abertos e fechados, dosando a imensidão da guerra e do gelo com as micro batalhas travadas pelos heróis russos. Tudo isso sem a espetacularização comum a tantos filmes de guerra atuais, em que diretores exageram muitas vezes no uso de efeitos especiais e da câmera lenta.

Mas, deixando um pouco de lado o mérito artístico da obra, a mensagem propagandista é qualquer coisa menos sutil. Além de todo o pano de fundo da história, há vários momentos no filme em que alguns diálogos e canções são colocados para reforçar o viés atemporal da necessidade de lutar e, se necessário, morrer para defender o país. Na última sequência do longa, um plano fechado no rosto de Alexander faz com que ele praticamente quebre a quarta parede e se dirija ao espectador, deixando a mensagem de que um dia ele morrerá, mas a Rússia sempre poderá contar com seu povo fiel e corajoso. A ironia é lembrar que no ano seguinte, em 1939, Rússia e Alemanha assinaram o Pacto de Não Agressão e o filme foi proibido, até que em 1941 a Alemanha invadiu a Rússia e o filme ressurgiu e foi aclamado pela crítica soviética.

Cavaleiros de Ferro não é a obra mais experimental de Eisenstein e tampouco é seu melhor filme — O Encouraçado Potemkin não divide esse rótulo com mais ninguém –, mas seu valor é inquestionável. Em meio às limitações do regime soviético, o diretor conseguiu fazer sua arte triunfar sobre a propaganda de guerra para entregar um épico capaz de influenciar gerações de cineastas e de batalhas clássicas vistas ao longo de décadas nas telonas.   

08/10/23
Ricardo: Coração de Leão, Richard the Lionheart, 2013, Stefano Milla

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O Rei Henrique II (Malcom McDowell) escolhe seu filho Ricardo (Gregory Chandler) para liderar a Inglaterra na guerra contra a França que está por vir. Para testar a lealdade, honra e habilidade do filho, o rei o envia para uma prisão infernal na qual os prisioneiros devem enfrentar uma série de inimigos para sobreviver. Assim que Ricardo vai superando os obstáculos, ficam provados sua força e caráter, e a lenda Ricardo Coração de Leão surge. Adorocinema

09/10/23
Retour à Séoul, 2022, Davy Chou

Em Return to Seoul , uma jovem coreana é adotada por um casal francês, e vinte e cinco anos depois, decide retornar à Coreia. Visitando seu país de origem pela primeira vez após sua adoção, ela pretende rastrear o paradeiro de seus pais biológicos. Mas, a jornada da jovem toma rumos inesperados, e essa viagem pode ser ainda mais transformadora para sua vida. Adorocinema

12/10/23
A World of Calm, Série de TV, 2020, Ben Devlin&Karen McGann&Daniel M. Smith&Nic&Stacey&Emma Webster 

World of Calm vídeo

The Unsettling Anti-Entertainment of “A World of Calm”
By Carrie Battan, October 27, 2020

In the streaming era, television has become increasingly split into categories that serve specific moods or contexts. Looking for a jolt of adrenaline? Try “Tehran,” a geopolitical spy thriller about the Iran-Israel conflict, from the head writer of “Fauda.” Want to be entertained yet slightly exasperated? Watch “Emily in Paris,” the endlessly riffable Netflix series about a young American who accidentally becomes an influencer in France. If you need to be cocooned in nostalgia—and slightly repulsed by adolescence—there’s the middle-school comedy “Pen15,” which is set in the early two-thousands. And, for anyone looking to escape the news cycle, there’s the burgeoning genre of apolitical, ahistorical comfort television, exemplified by “The Great British Baking Show” and “The Great Pottery Throw Down.”

A new show, HBO Max’s “A World of Calm,” takes this last category to an extreme. The show is an outgrowth of the meditation app Calm, which is trying to adapt its vast library of audio material for TV. The series débuted in October, and it doesn’t just service a viewer’s mood or desire; it seeks to induce a new state of mind — namely, a deep state of relaxation, or even a good, long nap. The first episode whisks us to the coral reefs of Indonesia’s Raja Ampat archipelago. Narrated by the actress Lucy Liu—whose voice, in this context, becomes so gentle and measured as to be unrecognizable—the episode zooms in, in ultra-high definition, on the details of the archipelago’s exotic, flourishing habitat. We aren’t meant to absorb the animals and vegetation with shock and delight, as with traditional nature documentaries. Instead, they’re presented as our harmonious proxies. The show’s climax, if there is one, involves a sea turtle visiting the archipelago, as it has done for “over one hundred million years . . . to rest and relax.” The turtle is shown settling onto the floor of the ocean, its own “underwater spa,” and waiting for fish to gently “polish his shell” by nibbling on it. Liu goes on to explain that nine minutes pass between each beat of the turtle’s heart—a description so evocative that I could imagine my own pulse slowing as I watched.

“A World of Calm” is Calm’s latest attempt to transform itself into a media empire. Launched in 2012 by a pair of entrepreneurs, the app serves the many, many people who are newly intrigued by the potential benefits of meditation and mindfulness. In its early days, the app’s small library of recordings—guided meditations that were designed to help users fall asleep, relieve anxiety, or focus at work—was mostly narrated by Tamara Levitt, a Canadian mindfulness instructor with an especially humane and lucid voice. By 2017, the company was reporting twenty-two million dollars in revenue, earned from the app’s subscription-based model and merchandise such as an aromatherapy spray; now it has raised more than a hundred million in venture capital and been valued at a billion dollars. At some point, flush with cash, the company began recruiting stars to do voice-overs and narrations.After a long hiatus from the app, I was shocked to open it and find a tabloid’s worth of celebrity names: I could choose a bedtime story read by Matthew McConaughey (one of the app’s more popular pieces), another recited by Harry Styles, or a multipart series from LeBron James about how his personal meditation journey has helped his success on the court. In addition to Liu, “A World of Calm” will feature narrations from stars with conveniently dulcet voices, among them Nicole Kidman, Mahershala Ali, Keanu Reeves, and Idris Elba. One episode even includes Oscar Isaac, who narrates a story about a noodle recipe passed down from generation to generation.

There is, of course, a deep contradiction running through phrases such as “star-studded meditation content” or “venture-funded meditation service.” Insofar as meditation is about solitude, peace, and the private tensions of an individual, it was never meant to be sold, let alone scaled. And there’s something especially perverse about how the world of corporate wellness has appropriated the practice; it’s turned mindfulness upside down, into a tool not just for self-discovery but for superhuman levels of productivity.

And yet, despite this broader, unsettling repackaging of meditation, “A World of Calm” demonstrates a great deal of restraint. There is absolutely nothing entertaining or titillating about it, by design. It will not make you better at your job, or less lonely, or more inclined to support LeBron James. The show has hints of A.S.M.R., the vast genre of Internet content designed to provoke a soothing sensation of “brain tingling.” (A closeup shot of coral reefs, in which tiny bubbles pop off the reef’s structure and into the open water, does, in fact, give one a pleasant buzz in the head.) “Calm” shares some DNA with canonical nature documentaries—“Planet Earth” or its Netflix spinoff, “Our Planet”— mostly in its astonishing cinematography, and in the way it moves from the small and the particular to the panoramic. But those documentaries delight in narrative tension, in underscoring the drama and grandeur of the wild. Violent death and extinction are a constant presence, as is environmental decay, which such series have begun to invoke with increasing urgency. “A World of Calm” skips over those sorts of menaces altogether. They are, after all, the kinds of things one loses sleep over.

Carrie Battan began contributing to The New Yorker in 2015 and became a staff writer in 2018.

T1.E1 ∙ The Coral City
qui., 1 de out. de 2020
This film transports us to the heart of the Coral Triangle, a place where evolution has run wild. Entering a magical underwater world, we explore the magnificent life that calls the coral neighbourhood home. Narrated by Lucy Liu.
T1.E2 ∙ The Glassmaker
qui., 1 de out. de 2020
This factual fairy tale follows the mesmerising process of glassmaker Bibi Smit as she attempts to sculpt a piece that can capture the movement of the wind in glass. Narrated by Zoe Kravitz.
T1.E3 ∙ The Bird's Journey
qui., 1 de out. de 2020
This film was inspired by the breathtaking footage from John Downer Productions and the BBC series Earthflight. It follows the epic migrations of birds across the globe. Narrated by Nicole Kidman.
T1.E4 ∙ Snowfall
qui., 1 de out. de 2020
An enchanting film that invites us into a winter wonderland. Starting with the birth of a single snowflake, we journey through a spectrum of snowscapes. Narrated by Cillian Murphy.
T1.E5 ∙ Living Among Trees
qui., 1 de out. de 2020
Master woodworker Rihards Vidzickis fulfills his boyhood dream, carving a dugout canoe from a single piece of wood. Set in Latvia, the beautiful and meditative process of building a canoe unfolds over many months. Narrated by Keanu Reeves.
T1.E6 ∙ The Great Beyond
qui., 1 de out. de 2020
A serene and spiritual journey from Earth to the outer reaches of the universe. From the first outpost on our voyage, the International Space Station, to the strange worlds of our solar system and far beyond. Narrated by Idris Elba.
T1.E7 ∙ Noodles
qui., 1 de out. de 2020
At the artful hands of Seattle resident and Japanese chef Mutsuko Soma, we watch the creation of a culinary gift - hand crafted soba noodles. Narrated by Oscar Isaac.
T1.E8 ∙ A Horse's Tale
qui., 1 de out. de 2020
This film transports us into the fascinating world of horses using footage from anthropologist turned filmmaker Niobe Thompson, and film director Richard Mullane. Narrated by Kate Winslet.
T1.E9 ∙ The Gift of Chocolate
qui., 1 de out. de 2020
Inspired by the ancient traditions of Central America, we capture the alluring alchemy of chocolate and its metamorphosis from tropical fruit to global delicacy. Narrated by Priyanka Chopra Jonas.
T1.E10 ∙ Water, Giver of Life
qui., 1 de out. de 2020
This film begins with rain and follows the course of water as it brings life to people, plants and animals across Africa, before returning to the sea. Narrated by Mahershala Ali.

14/10/23
Maomé - O Mensageiro de Alá, The Message, 1976, Moustapha Akkad

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The Message (filme) wiki

Enredo

O filme se inicia com os primeiros anos de Maomé como profeta de Alá, na cidade de Meca. Pelos insultos aos ídolos da Caaba e pelos seus ensinamentos, ele e os seus seguidores (os muçulmanos) são perseguidos, o que os faz imigraram para a cidade de Medina e, depois de conflitos e guerras, os muçulmanos retornam à Meca com trinfo. São descritos séries de acontecimentos, como a Batalha de Badr e a Batalha de Uude, e os personagens principais do filme são Hâmeza ibne Abdal Mutalibe (o tio de Maomé), Abu Sufiane (líder de Meca e patriarca do coraixitas) e sua esposa Hinde binte Utba (inimiga do Islão que, mais tarde, tornou-se muçulmana).

Produção

O diretor Mustafah Akkad enfrentou Hollywood para fazer um filme sobre as origens do Islão e teve que ir para fora do Estados Unidos para levantar o dinheiro da produção para o filme. Falta de dinheiro para a produção quase encerrou a produção do filme, até que o financiamento foi finalmente fornecido pelo, na época, chefe do Estado Líbio, Muammar al-Gaddafi. O filme foi feito na Líbia e em Marrocos e a produção teve quatro meses e meio para construir as cidades de Meca e Medina, como eram no tempo de Maomé.

O diretor do filme, Mustafah Akkad, viu o filme como uma forma de ponte entre o mundo ocidental e islâmico, declarando em uma entrevista de 1976:
“Eu fiz o filme porque é uma coisa pessoal para mim. Além de sua produção de valores como um filme, que tem a sua história, a sua intriga, o seu drama. Além de tudo isso, eu acho que foi algo pessoal, mesmo sendo sobre muçulmanos que viveram no Oriente, eu senti que era minha obrigação, meu dever, de dizer a verdade sobre o Islã. É uma religião que tem 700 milhões de seguidores, mas ainda é tão pouco conhecida e é isso que me surpreende. Achei que deveria contar a história que irá fazer esta abertura para o Ocidente.”

Akkad filmou uma versão árabe do filme (em que Muna Wassef interpreta Hinde binte Utba) com um elenco formado por atores árabes do Oriente Médio. Ele achava que a versão em inglês com uma dublagem em árabe não seria suficiente, sendo que os árabes agem diferente do estilo de Hollywood. Alguns atores fazem a versão inglesa e árabe, em algumas cenas. Tanto a versão inglesa quanto a versão árabe agora são vendidas em conjunto em alguns DVDs dos Estados Unidos da América.

Representação de Maomé

De acordo com as crenças muçulmanas sobre representações de Maomé, ele não foi retratado, nem sua voz foi ouvida. Esta regra foi também obedecida em relação às suas esposas, suas filhas, seus filhos (adotivos) e seus califas (Abacar, Ali, Omar e Otomão). Isso deixou o tio de Maomé, Hâmeza (Anthony Quinn/Abdullah Gaith) e seu filho adotivo Zaíde (Damien Thomas/Ahmed Marey) como personagens centrais. Durante as batalhas de Badr e Uude retratada no filme, Hâmeza estava no comando nominal, embora a luta de verdade foi liderada por Maomé.

Sempre que Maomé estava presente ou muito perto, sua presença foi indicada pela música de órgão. Suas palavras, como ele falou delas, foram repetidas por outras pessoas, como Hâmeza, Zaíde e Bilal (um escravo abissínio). Quando uma cena chamou para ele estar presente, a ação foi filmada de seu ponto de vista e outros estavam em cena para um diálogo inédito.

O mais próximo que o filme chegou a uma representação de Maomé ou de sua família imediata foi a opinião da espada de Ali "Zulfiqar" durante cenas de batalha, assim como o pessoal nas cenas na Caaba ou em Medina. 

16/10/23
Baile perfumado, 1996, Paulo Caldas & Lírio Ferreira

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Baile perfumado, Crítica, Eduardo Kaneco

O cinema revisita o cangaço em O Baile Perfumado.

O filme faz parte dos docudramas da Retomada do Cinema Brasileiro nos anos 1990. Tal subgênero teve Lamarca (1994) e Carlota Joaquina, a Princesa do Brasil (1995), como principais expoentes dessa fase. São filmes que reconstituem algum fato histórico com liberdades ficcionais.
Nesse sentido, Baile Perfumado conta a história de Benjamin Abrahão nos anos 1930. O negociante libanês foi a única pessoa que conseguiu filmar o cangaceiro Lampião. Com essa empreitada arriscada, ele pretendia ganhar dinheiro vendendo esse material exclusivo. Porém, o governo ditatorial de Getúlio Vargas proibiu a exibição dessas filmagens. Afinal, era uma humilhação mostrar que uma pessoa sozinha tinha conseguido localizar Lampião, enquanto centenas de soldados estavam à sua procura.

Lampião e Padre Cícero

Na verdade, Benjamin Abrahão abriu suas portas para esse feito porque havia sido secretário do famoso Padre Cícero. Assim, registrara uma foto do histórico encontro dessas duas figuras marcantes do cenário nordestino. Além de acompanhar o protagonista libanês, Baile Perfumado se preocupa em humanizar Lampião. Interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos, o filme não mostra apenas o cangaceiro violento e impiedoso com os inimigos. Conhecemos o Virgulino Ferreira da Silva como pessoa, e que gosta de dançar e de perfumes, e que até acompanha sua Maria Bonita em uma sessão de cinema em Recife. Aliás, essa abordagem coincide com a faceta que Lampião quer que Benjamin Abrahão filme. Por isso, se nega a permitir que registrem o seu pelotão em ação.

Direção

Baile Perfumado impressiona no estilo de filmagem de Paulo Caldas e Lírio Ferreira. Principalmente, no plano filmado do alto de um helicóptero acompanhando um rio no sertão nordestino. Ademais, a visão rejuvenescida dessa paisagem pela nova safra de realizadores pernambucanos, se alinha com a trilha sonora. A música que ouvimos nesse trecho é um rock pesado, do subgênero mangue beat, que também surgia na época.

Além disso, alguns planos fogem do enquadramento tradicional. Por exemplo, quando Benjamin Abrahão conversa com o investidor do seu projeto, a câmera filma de baixo para cima, dando uma impressão grotesca desses personagens. No mesmo sentido, numa das cenas finais, há um banho de sangue na morte do negociante libanês que exala mais violência que aquela vista quando Lampião executa suas vítimas. E, ainda preserva a incógnita sobre esse fim trágico desse inusitado empreendedor.

De forma similar, o filme foge da narrativa clássica. A intercalação dos pensamentos poéticos que Benjamin Abrahão escreve em seu caderno de anotações e a intercalação de vários trechos de flashback colaboram na construção de um longa com apenas um tom. A história não caminha para uma conclusão com um clímax dramático, dando a impressão que não sabemos para onde a trama nos levará. Nesse aspecto, fala mais alto o teor documental, que procura registrar os fatos, sem buscar a emoção do espectador. Aliás, tal qual os trechos filmados por Benjamin Abrahão.

Por fim, Baile Perfumado marca a estreia em longa de dois cineastas importantes para o cinema brasileiro. De um lado, o paraibano Paulo Caldas faria Deserto Feliz (2007) e País do Desejo (2012). Já, de outro, o pernambucano Lírio Ferreira dirigiria Árido Movie (2005) e o recente Acqua Movie (2019).

Chico Science & Nação Zumbi - Sangue de Bairro

Central do Brasil, 1998, Walter Salles

Central do Brasil 25 anos: A história real que inspirou o filme
Longa-metragem estrelado por Fernanda Montenegro, e que concorreu ao Oscar, estreou em 3 de abril de 1998 — há exatos 25 anos

Isabela Barreiros, 16/10/2019

Há exatos 25 anos, em 3 de abril de 1998, estreava o longa-metragem 'Central do Brasil', de Walter Salles. Estrelado por Fernanda Montenegro, a trama conta a história de Dora, uma professora aposentada que escrevia cartas ditadas por pessoas analfabetas.

O filme foi indicado ao Oscar na categoria de 'Melhor Filme Estrangeiro' no ano de 1999. Naquele ano, Montenegro também foi indicada como melhor atriz, mas perdeu a estatueta para Gwyneth Paltrow, que concorria pelo filme 'Shakespeare Apaixonado'. Ainda assim, Central do Brasil recebeu inúmeros outros prêmios internacionais como o Globo de Ouro e o BAFTA.
A produção teve e ainda tem um impacto enorme na cena audiovisual brasileira. "Em sua trajetória única, — mas longe de ter sido unânime —, Central do Brasil exerceu um papel fundamental no processo de reinserção do cinema no coração da sociedade brasileira. Com ele, o cinema brasileiro voltou a ser motivo de celebração", diz Pedro Butcher no livro 'Folha Explica— Cinema Brasileiro Hoje'.

Socorro Nobre

O primeiro rosto filmado em Central do Brasil é o de Socorro Nobre. Ela aparece ditando uma carta para Dora, a professora que se coloca como intermediária entre pessoas analfabetas e os destinatários das cartas. Mas a personagem de Fernanda Montenegro, na verdade, é a própria Socorro na vida real.
A mulher foi presa em 1986 e permaneceu sete anos na cadeia, condenada como cúmplice no assassinato do seu próprio irmão. Durante seu tempo no cárcere, Socorro ajudava detentas que não sabiam escrever a redigir suas próprias cartas.

"Na prisão, preenchia meu tempo trabalhando na cozinha e fazendo cursos profissionalizantes. Quando sobrava um tempinho, escrevia as cartas das colegas. Minha mãe era analfabeta e sempre me pedia para escrever cartas para nossos parentes", disse ela, como repercutido pela Folha de S.Paulo em 1999."
Em 1993, ao ler uma revista, ela encontrou uma reportagem sobre o escultor polonês Frans Krajcberg, que se naturalizou brasileiro durante sua estadia no país. Interessou-se por sua história e enviou-lhe uma carta. Ele respondeu. Os dois passaram a trocar correspondências por muito tempo e um dos bilhetes foi parar nas mãos do cineasta.
O contato de Salles com a história de Socorro transformou-se em um documentário, que leva o nome da mulher que escrevia cartas para as detentas: 'Socorro Nobre', lançado em 1995. E é aí que está a gênese de Central do Brasil.

"Foi uma homenagem a Socorro", diz o diretor do longa. A inspiração da personagem Dora está exatamente na ex-detenta. "Minha carta criou asas. Uma simples carta teve o valor de um bilhete premiado na Mega-Sena. Fico até assustada em perceber tudo o que essa carta fez. Ela abriu minhas portas, salvou minha vida — o Walter diz que mudou a vida dele também", revela Socorro, conforme repercutido pela Revista Época em 2010. 

Outras histórias de Central do Brasil

O filme conta com outras histórias que, como a de Socorro, fazem parte de acontecimentos da vida real. Muitas pessoas narraram seus depoimentos a Dora, mas foi Salles quem levou as cartas aos correios tentando, de fato, entregar as palavras aos seus destinatários.
Em uma dessas correspondências, o diretor colaborou para um encontro de pai e filho. José Ferreira da Silva contou como seu filho havia sumido depois da sua mudança de Arcoverde, em Pernambuco, para Castanhal, no Pará. "Já faz quatro anos que ele saiu", diz o homem. "E não tem notícias, é isso?", pergunta Dora. "Não tem notícias", conclui Silva. 

O depoimento, através de Central do Brasil, chegou até o único cinema da cidade em que o garoto morava — e a carta enviada por Salles também. Reconhecendo o pai nas telonas e emocionado com o bilhete, o menino resolveu visitar o pai. O caso tornou-se reportagem na Revista Época naquele período.

18/10/23
A Arma Divina, Diamante Lobo, 1976, Gianfranco Parolini

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Sam Clayton (Jack Palance) e sua gangue dominam uma pequena cidade. Johnny (Leif Garret) e o padre John (Lee Van Cleef) enfrentam os criminosos e o padre é assassinado. Johnny parte a procura do irmão gêmeo do padre, um pistoleiro também interpretado por Van Cleef. Eles voltam com a missão de derrotar os bandidos, e, assim, vingar a morte do sacerdote divino.


19/10/23
A Bailarina, Ballerina, 2023, Chung-Hyun Lee (Netflix)

A Bailarina (2023), Uma balé de violência estilizada, por Ritter Fan, 13 de outubro de 2023

Filmes de sobrevivência e filmes de vingança têm a vantagem de poder ter elencos e durações enxutas e, mais importante do que isso, orçamentos diminutos. Não é uma regra absoluta, mas é nessa linha. E A Bailarina é mais um exemplar do segundo subgênero, desta vez vindo da Coréia do Sul, país que já há muitos anos vem oferecendo obras que retrabalham com muita originalidade e energia padrões hollywoodianos, algo que se tornou mais frequente com o surgimento dos serviços de streaming.

O grande problema da proliferação desses tipos de filme é que, como a premissa normalmente é básica e, via de regra, ganha pouco ou nenhum verdadeiro desenvolvimento dramático pelo roteiro, que prefere focar na pancadaria e na contagem de corpos, quase todo o atrativo da obra repousa sobre seus artifícios visuais, levando as categorias a serem eminentemente estilo sobre substância. E, vejam bem, não há nada de intrinsecamente errado nessa composição, pois volta e meio estilo é tudo o que é necessário para trazer frescor narrativo, vide a franquia John Wick. Mas, claro, há uma tendência a se criar belíssimos vazios que resultam naquele bom e velho entretenimento descartável.

A Bailarina é um desses casos de estilo sobre substância que bebe de diversas fontes visuais, talvez especialmente o estilo economicamente selvagem de Oldboy (o original, obviamente) e a pegada neon-noir do cinema sensorial de Nicolas Winding Refn. No longa, uma ex-guarda-costas recebe uma ligação de sua melhor amiga, uma bailarina, e, ao chegar para visitá-la, encontra-a morta em uma banheira, com um críptico recado manuscrito pedindo que ela seja vingada. Começa, então, a investigação de uma silenciosa e raivosa Jang Ok-ju (Jeon Jong-seo ou Rachel Sun na ocidentalização do nome que faz bem o papel mesmo que ele não exija quase nada dela) que não demora a localizar uma rede de escravização sexual de mulheres.

Não existe nada de particularmente sofisticado na forma como a protagonista vai do ponto A ao ponto B e assim por diante. Aliás, muito ao contrário, tudo é um pouco simples e direto demais, com Jang basicamente acertando logo de primeira, sem que o roteiro invista em rodeios para chegar logo ao ponto. Mesmo assim, curiosamente, entre uma cena de ação e outra, cenas essas que, mesmo em um filme curto como esse, são bem poucas para a média do que vemos por aí, o tal do “vazio” que mencionei mais acima se manifesta como barrigas narrativas que freiam o ritmo narrativo por vezes demais sem haver boas justificativas para isso. Claro que a relativa lentidão desses momentos mais, digamos, contemplativos, contribui para o fortalecimento da atmosfera da fita, algo que é amplificado e contrastado pelos flashbacks claros e alegres de Jang com sua amiga em um artifício para lá de clichê, mas que não deixa de ser simpático, só que há um descompasso sensível demais que atravanca a fluidez e, por vezes até, tenta complicar o que deveria ser simples, inclusive com a adição de uma segunda personagem na missão de vingança que quase nada acrescenta ao todo.

Por outro lado, as cenas de ação, apesar de curtas, são muito boas e diferentonas, além de variada. Logo no começo, na loja de conveniência em que somos apresentados à letalidade da protagonista e, depois, em toda a sequência do motel que, diria, é o money shot da fita, o trabalho de câmera da direção, que acompanha os movimentos de Jang em uma escolha que inicialmente desnorteia, mas depois diverte muito, é excelente, com a fotografia e a trilha sonora envolvendo as cenas em uma tecitura audiovisual que mais parece uma daquelas embalagens extravagantes de lojas caras.

E, quando digo que as escolhas são variadas, quero dizer que o diretor e roteirista Lee Chung-hyun faz esforço para não simplesmente repetir suas fórmulas. Sim, ele obviamente mantém uma assinatura estilística firme, característica e una, não poderia esperar diferente, mas ele procura mudar, escalando a pancadaria como é o “padrão da indústria”, mas sem fazer só o mais do mesmo. Isso fica evidente na grande sequência final no haras que faz vezes de fábrica de drogas (ou seria o contrário?), em que o visual muda completamente com um cenário mais amplo, com iluminação azulada e até mesmo o frenesi da câmera acompanhando os movimentos da protagonista ganha mais suavidade, mas sem perder o vigor.

Um passatempo ligeiro e descompromissado que consegue oferecer belos visuais e sequências de ação de qualidade, A Bailarina é mais um bom exemplar da ultra explorada subcategoria de filmes de vingança. Lee Chung-hyun floreia competentemente o básico e navega a premissa batida diligentemente, mesmo que peque aqui e ali com uma claudicância narrativa que cria vazios narrativos entre as sequências de ação repletas de energia.

20/10/23
Lydia Bailey, A Feiticeira do Haiti, Lydia Bailey, 1952, Jean Negulesco

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Um jovem advogado americano viaja para o Haiti para tratar sobre a herança da bela Lydia Bailey. A ilha está devastada pelo conflito entre o presidente negro e os franceses, que tentam novamente apoderar-se do país. Para se disfarçar entre os nativos, o advogado e Lydia usam um corante marrom. É grande o conflito entre negros e brancos enquanto a guerra acontece.

REVOLUÇÃO HAITIANA

Hollywood Imagines Revolutionary Haiti: the Forgotten Film Lydia Bailey (1952)

Lydia Bailey wiki

21/10/23
O Espião que Saiu do Frio, The Spy Who Came in from the Cold, 1965, Martin Ritt

“O Espião Que Saiu do Frio”, de Martin Ritt

Por Octavio Caruso, 14 de abril de 2023

O Espião Que Saiu do Frio (The Spy Who Came in from the Cold – 1965)
Durante a Guerra Fria, o espião britânico Alec Leamas (Richard Burton) é enviado à Alemanha Oriental para servir como agente duplo. Mas à medida que ele avança no círculo de espionagem alemão, começa a suspeitar que está sendo manipulado pelos companheiros.
O livro original de John Le Carré, na edição de capa branca, da coleção “Grandes Sucessos”, da Abril Cultural, fez parte da minha infância, pegava frequentemente na estante, tentava ler, mas só fui realmente aproveitar a experiência plenamente na adolescência, quando levei na mochila para me fazer companhia na hora do recreio da escola.

Eu reli recentemente e, para a minha surpresa, gostei ainda mais, o livro é verdadeiramente um page-turner, terminei as primeiras 100 páginas nas primeiras horas da manhã e devorei o restante no final do dia. O autor ainda trabalhava na época para o MI6 como oficial de inteligência, logo, a autenticidade na abordagem do tema da espionagem é palpável, por conseguinte, há real senso de perigo. E, sim, os diálogos contribuem mais neste sentido do que qualquer sequência de ação.
“- (sobre a mentalidade esquerdista) Esta ideologia justifica o roubo de vidas humanas? Justifica a bomba num restaurante cheio de gente? … 

– Para nós sim, eu próprio mandaria pôr uma bomba num restaurante se soubesse que isso nos permitiria avançar na estrada que percorremos. Depois faria o balanço: tantas mulheres, tantas crianças e tantos metros de avanço na estrada. Mas os cristãos – e a sua, Leamas, é uma sociedade de cristãos – não fariam tal balanço… Vocês acreditam na santidade da vida humana, acreditam que todos os homens possuem uma alma que pode ser salva, acreditam no sacrifício.”  (Trecho do capítulo 13 da obra)
A adaptação cinematográfica, dirigida com extrema segurança por Martin Ritt, roteirizada por Paul Dehn e Guy Trosper, é bastante fiel em letra e espírito, auxiliada pela entrega sempre competente de Richard Burton e pela fotografia de Oswald Morris que, realçando os tons de cinza da amoralidade neste jogo sujo, capta com precisão cirúrgica o tom deste denso thriller.

O desafio da obra era facilitar para o espectador a imersão emocional, impedir que a trama complicada, envolvendo personagens que você não consegue definir se são leais, já que não se sabe exatamente para qual lado trabalham, causasse repulsa ao invés de fascínio. Graças ao desempenho de Burton, inteligentemente minimalista, o esforço é bem-sucedido.
“O que diabos você acha que são os espiões? Filósofos morais medindo tudo o que fazem contra a palavra de Deus ou Karl Marx? Nada disto! Eles são apenas um bando de bastardos miseráveis ​​e esquálidos como eu: homenzinhos, bêbados, maridos dominadores, funcionários públicos brincando de cowboys e índios para alegrar suas vidinhas podres. Você acha que eles se sentam como monges, equilibrando o certo contra o errado?”

“O Espião Que Saiu do Frio” é simplesmente um dos filmes mais importantes da década de 60.

22/10/23
Raymond & Ray, 2022, Rodrigo García


Os últimos 40 minutos é de doer de bom. A cenas do cemitério são inspiradíssimas. "Algo que meu irmão fazia para se manter sóbrio era encontrar novas fontes de prazer, pois, pro bem ou pro mal as drogas eram prazerosas." Kiera (Sophie Okonedo). Filme dirigido por Rodrigo Garcia, filho do Gabriel, aquele Garcia Marquez.

Raymond e Ray – Ethan Hawke e Ewan McGregor em Ácida Comédia Dramática na AppleTV+
Janda Montenegro, 13 De Novembro De 2022

Muitas culturas buscam o encerramento – uma cerimônia, um gesto, um acontecimento que possa, de alguma forma, marcar e dar fim a um período, e, consequentemente, dar início a uma nova fase. O ser humano precisa desses rituais para conseguir seguir em frente, emocional e psicologicamente, sendo este um recurso bastante utilizado, inclusive, em tratamentos psiquiátricos e terapias para superação de traumas. Entretanto, é difícil assumir a necessidade de se precisar desse encerramento, pois nem sempre é fácil falar disso em voz alta. Essa é o tema de ‘Raymond e Ray’, nova comédia dramática que teve sua estreia antecipada durante o Festival do Rio esse ano e que chegou recentemente aos assinantes da AppleTV+.

Raymond (Ewan McGregor) é um homem separado da esposa e cujo filho está longe, no exército estadunidense. Ele recebe a notícia de que seu pai, Harris (Tom Bower) acaba de falecer, e, como seu último desejo, gostaria que seus filhos atendessem ao seu funeral e o enterrassem pessoalmente, cavando sua cova. Por isso Raymond vai até a casa de seu meio-irmão Ray (Ethan Hawke), um ex-músico meio falido a quem não vê há muito tempo e com quem passou parte de sua infância quando o pai violento não estava batendo neles. Então, Raymond e Ray partem de carro numa viagem amarga até a cidade onde o pai morava para enterrá-lo, mas, uma vez lá, descobrirão que o homem a quem costumavam odiar era uma pessoa bem diferente diante dos olhos dos moradores locais. E, nesse dia, muitos segredos serão revelados, ao mesmo tempo em que, mesmo morto, o pai continua conseguindo desestruturá-los emocionalmente.

Em uma hora e quarenta e cinco de duração, ‘Raymond e Ray’ busca fazer um retrato sobre as frustrações humanas diante da vida e da morte – e, especialmente, as frustrações diante do mau caratismo do ser humano, afinal nem todo mundo é boa gente. Escrito e dirigido por Rodrigo García, o roteiro parte da morte para inserir uma série de elementos que comprovam que ninguém conhece ninguém a fundo de verdade, e nem mesmo a morte é capaz de suavizar os mais profundos rancores. Nesse viés, mesmo as situações cerimoniais, vistas com bastante deferência socialmente, são incontroláveis quando os verdadeiros sentimentos vêm à tona, dando liberdade à obrigatoriedade do luto às pessoas que decidem não perdoar.

Com maestria e acidez, ‘Raymond e Ray’ retira as máscaras convencionais às quais todos confortavelmente adequam-se para conviver com as pessoas – as boas e as ruins. Isso inclui as novas companhias que ganhamos no caminho e velhos conhecidos que, de uma hora para outra, podem se transformar em desconhecidos. Produzido por ninguém menos que o oscarizado Alfonso Cuarón e numa vibe meio Irmãos Coen, Rodrigo García explora o talento de Ethan Hawke, como um galanteador decadente, e de Ewan McGregor, obrigado a esconder suas emoções até o quarto final do longa, para dar rosto ao fracasso humano de tentar só ver o lado bom das coisas o tempo todo, mesmo quando referido às pessoas odiáveis.

Encabeçado por dois grandes talentos hollywoodianos e com uma história ácida-provocativa em um humor dramático que conduz os personagens ao limite das performances cotidianas em prol da sobrevivência, ‘Raymond e Ray’ é um filme único, hilário a seu modo, que tensiona os nervos e flerta com o absurdo até sua catarse final. Tal como a vida, incontrolável e imprevisível.

22/10/23
Arroz Amargo, Riso amaro, 1949, Giuseppe De Santis

Calvino, 100 e Arroz amargo, o filme

Arroz Amargo, 1949

Sinopse:
Todos os anos, na Primavera, no norte de Itália, milhares de mulheres se reúnem para a sazonal apanha do arroz. Num desses campos Silvana (Silvana Mangano) vê juntar-se-lhe como companhia, Francesca (Doris Dowling), uma mulher em fuga após um roubo de jóias que perpretou com o seu cúmplice Walter (Vittorio Gassman). Silvana começa por não compreender Francesca, pensando denunciá-la, mas acaba seduzida por Walter que lhe promete as jóias, se esta o ajudar. A luta de vontades entre Silvana e Francesca vai então confundir-se na labuta diária dos campos de arroz

Análise:
“Arroz Amargo” (em italiano “Riso Amaro”, que também pode significar “Riso Amargo”) foi o terceiro filme de Giuseppe De Santis. Tal como o seu “Caccia Tragica”, mostrou a propensão do autor em filmar temas relacionados com a ruralidade italiana. Depois da reforma agrária era a vez dos campos de arroz, numa história de maior cariz dramático e pessoal.
De facto, De Santis, com argumento escrito em colaboração com Carlo Lizzani e Gianni Puccini, construiu um filme que, apesar de seguir a regra máxima do Neo-realismo, que é o olhar comprometido com a consciência social, torna essa realidade rural um pano de fundo sobre o qual decorre uma história de pessoas singulares. E esta é uma história de paixões, cobiças, e lutas pela redescoberta e redefinição pessoais.

Tudo se passa durante a sazonal apanha do arroz, que, como nos é narrado em voz off, todos os anos, na Primavera, atrai mulheres de todos os pontos do norte de Itália. Estas são agricultoras, operárias em fábricas, costureiras, ou simples domésticas, que durante algumas semanas se sujeitam a um trabalho mais pesado em troca de um salário extra, no geral pago em arroz.
É um trabalho exclusivamente de mulheres, pela necessidade da delicadeza das mãos femininas no tratamento de uma planta sensível. Tal coloca a ênfase no papel da mulher, símbolo de vida e nascimento, símbolo de uma luta primordial e de alegria interna. Por isso, o filme, visto pela perspectiva feminina dos ritmos do trabalho, pautados pelos cantares, que marcam os bons e maus momentos, numa linguagem e beleza muito próprias.

Símbolo de vida, de alegria (mostrada na dança, quase num paralelo de antigas danças rituais de sagração da Primavera) e de feminilidade, é Silvana (Silvana Mangano). Exalando sensualidade a cada movimento, Silvana é o pólo de atracção que define os acontecimentos. É ela quem marca os estados de espírito no campo (por exemplo a luta entre as “regulares” e aquelas que surgiram sem contrato), quem põe a ladra Francesca (Doris Dowling) a repensar a sua vida, e quem é o alvo da atenção dos dois homens, Marco (Raf Vallone) e Walter (Vittorio Gassman).

Começando como uma história de crime (a fuga de dois ladrões após um roubo de jóias no Grand Hotel), o filme é absorvido pela força de Silvana. O filme torna-se então quase um veículo para Silvana Mangano. Sedutora nas suas danças (repare-se como marcam os dois encontros com Walter, que definem as mudanças no rumo da história), inocente de um modo juvenil nas ideias e sonhos, confusa com a realidade que tem perante a si (por exemplo no destino a dar a Francesca), fácil de seduzir e de ludibriar, são sempre os seus passos que conduzem cada novo desenvolvimento.

Francesca (Doris Dowling, com dobragem de voz de Andreina Pagnani) é o contraponto de Silvana, a mulher de passado duvidoso, que busca a redenção. É no vigor do trabalho e no companheirismo do campo que Francesca procura merecer a sua redenção. Pelos olhos de Silvana, Francesca vê os erros passados, e decide a mudança, que se concretiza ao mudar o seu afecto de Walter para Marco.

Num mundo de mulheres, são as acções dos homens que acabam por ditar o destino de cada uma. Como se cada mulher (Silvana e Francesca) fossem marcadas pelo homem que escolheram. Neste sentido, Marco (o ex-militar, de boa consciência) é o homem leal, capaz de trazer a felicidade, e Walter a promessa de sonhos impossíveis, escondidos em desilusão, e catalizadores da desgraça.

Com um filme todo ele filmado em cenários naturais, Giuseppe De Santis presta homenagem às mulheres, e ao trabalho rural, não dispensando a caracterização das condições (por vezes trágicas) por elas vividas. Seja nos cantares, nas danças de campo, no ritmo de trabalho, ou nas suas preocupações diárias, a história é uma explosão de vitalidade e feminilidade pura, sem sofisticações artificiais.
Pelo seu enredo de conflitos passionais mesclados com uma história de crime, o filme foi um dos maiores sucessos internacionais do cinema italiano da época, e o primeiro filme neo-realista a ser verdadeiramente aclamado em Itália. Apresentado no Festival de Cannes, “Arroz Amargo” foi ainda nomeado aos Oscars de Hollywood.

Curiosamente, Silvana Mangano, que De Santis considerava a Rita Hayworth italiana, não usa a sua própria voz no filme, sendo dobrada por Lydia Simoneschi, que no total a dobraria em 10 filmes. A verdadeira voz de Silvana Mangano pode no entanto ser ouvida nas sequências de canto. Na versão inglesa, a actriz é dobrada por Bettina Dickson.

23/10/23
O Túnel de Pombos, The Pigeon Tunnel, 2023, Errol Morris

John le Carré (1931-2020) 

John le Carré wiki

Documentário (Apple TV +) ótimo sobre John le Carre. Ele narrando sobre sua vida de espião e escritor. Sobre sua relação com o pai, Ronnie.
" Você amava Ronnie? Eu não sei o que é amor. Devo ter amado quando eu era criança. Mas as consequências da vida dele ficaram clara para mim. Mais tarde, quando ele queria tudo o que eu tinha, como o meu dinheiro, eu consegui encerrar esta relação. Eu conseguia sentir carinho por ele, ser indiferente e, secretamente odiá-lo.
Essas coisas existem, na verdade, entre todas as relações entre pai e filho. São como estações. Eu precisei reunir todo o ódio para escapar dele."
‘O Túnel dos Pombos’: as confissões de John Le Carré, espião que virou pop
Novo documentário acompanha a surpreendente vida do escritor que narrou os absurdos da Guerra Fria e suas consequências

Por Raquel Carneiro, Veja, 20 out 2023 

Mestre do romance de espionagem, o inglês John le Carré — pseudônimo de David Cornwell — foi um caso célebre de escritor com conhecimento de causa. No início da Guerra Fria, e antes de se tornar um autor mundialmente conhecido, ele foi espião do MI5 e do MI6, agências do serviço secreto britânico. Nas experiências que viveu no ofício, as consequências da mentira nas relações humanas o marcaram profundamente — seja na pele do impostor ou de quem é traído. No início dos anos 1950, na caça às bruxas contra comunistas, ele se infiltrou entre estudantes de Oxford e dedurou os “amigos” que flertavam com o marxismo. (...)

23/10/23
Surrounded, 2023, Anthony Mandler (Prime vídeo)


Surrounded, by Peyton Robinson, June 19, 2023 

Mo Washington (Letitia Wright) is a freedwoman. She has been free for five years since the end of the Civil War, even if she has nowhere to exercise that freedom. She has a deed for land in Colorado, but when her stagecoach is ambushed by marauders, her plan and property are stuck in limbo. Posing as a man, the only power she has to mobilize is that she’s in possession of a wanted outlaw named Tommy Walsh (Jamie Bell), whom she holds hostage as leverage on her path West.
Washington's story unfolds on a landscape that becomes an integral character in director Anthony Mandler’s “Surrounded.” The expanse of open plains and mountainous terrain promises possibility and lawlessness alike. Gunfire reverberates, and the earth itself swirls in the air—dirt and dust permanently kicked into view. The hazy horizons and warmth of the Wild West lend to stunning cinematography, but the bones of the visuals are not enough to support the film. Mandler’s direction is effective for the genre, but there’s a fatiguing number of posed cowboy-against-the-horizon shots that begin to feel kitschy on account of their frequency.

Debut feature writers Andrew Pagana and Justin Thomas are ambitious in taking on a poignant story in “Surrounded,” but ultimately fail the character of Mo Washington. There is a characterless quality that occurs from boiling down her identity to her plight alone. Her ambitions, and obstacles in achieving them, are no doubt empathetic, but the writers fail to align enough background to make her character feel deep. We’re given crumbs as to how she arrived, dressed as a man, on the back of stagecoach out west, but not nearly enough to consider Mo a fully-realized person.
Tommy is afforded a greater depth of character than the film’s hero, and consequently, is much more interesting. Mo Washington is mostly wordless, acting on moments of stiffened apprehension and tough-as-nails sharpshooting defense. Bell’s Tommy is the one with the running jaw, bouncing between big shows of ego, waxing poetic on the realities of life on the fringe, and crafting laser focused schemes to try and get Mo on his side.

Wright and Bell have good rapport as performers, but Bell takes too much of the spotlight. Where Wright fails to maintain consistency in her performance, hopscotching believability, Bell maneuvers the spectrum of Tommy’s dispositions gracefully. This may partly be due to more thorough writing on his end, but Wright also never truly feels like she’s committing and tends to lose momentum when her scene partner isn’t steering the ship.

“Surrounded” is much like a play, monologues and all, but lacks narrative drive to keep the film trucking along. The pacing sputters in cycles, with a few minutes of intense action devolving into dialogue-heavy droning and then back again. However, the film’s most effective sequence is a nail biter. In his final role, the late great scene-stealing Michael K. Williams approaches Mo and Tommy in the nighttime, and whether or not he can be trusted is as much of a mystery to them as it is to the viewer.
The film builds tension and executes effective action sequences, but these moments are fleeting. The meat of the film is meant to be a battle of wits (and brawn) between Mo and Tommy. The looming threat of his henchmen is mentioned, but not felt. The thesis of “Surrounded” is most confusing. A sizable chunk of the script is dedicated to collating Mo’s social exile as a Black freedwoman to Tommy’s banishment on account of a life of crime and spuriously included detail that his wife and child were Native. As a viewer, we recognize the inequity of these comparisons, but the film’s stance doesn’t feel as clear. 

“Surrounded” values resilience and honors the realities of what being “free” meant in the time of freedmen, yet its value is diluted by the film’s incessant practice of reiterating its takeaways through dialogue. The visuals are often stunning, and the performances of the supporting cast uplift its entertainment value. But emotional intricacies are simply not there, and in a narrative that relies so heavily on support for its hero, they’re greatly missed. Base human empathy is not enough to inspire investment, and the “we’re more alike than we think” position negates much of the film’s emotional credibility. Mo is a motivating hero, but she winds up an accessory to her own story.

Peyton Robinson is a freelance film writer based in Chicago, IL.












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