segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Rafael Nadal

O maior Rafa, a maior vitória, o maior título

Alexandre Cossenza, UOL, 31/01/2022

Ao conquistar o bicampeonato do Australian Open o "21", Rafael Nadal tornou-se o maior campeão de slams em simples na história do tênis masculino. Um recorde que é quase secundário (eu disse "quase"!) diante de seu triunfo sobre Daniil Medvedev, que veio em cinco sets, 5h24min, por 2/6, 6/7(5), 6/4, 6/4 e 7/5. Para este jornalista, a maior vitória da carreira do ex-número 1 do mundo e que lhe valeu seu maior título. Uma exibição memorável do maior Rafa Nadal que o mundo já viu.

"Maior" é diferente de "melhor". Não, o Nadal de 2022 não tem o vigor físico do tenista que bateu Federer na final de 2009, também em cinco sets e vindo de uma semifinal de 5h contra Fernando Verdasco. Não, o Nadal deste domingo não manteve o nível altíssimo do espanhol que derrotou Federer na decisão de Wimbledon/2008 - um jogo considerado por muito como o melhor da história. E não, Rafa nem esteve perto daquele que amassou o suíço em Roland Garros/2008 ou bateu um bravo Djokovic em cinco sets em 2013, também em Paris.

O valor do Australian Open de 2022, que chegou ao fim já na segunda-feira (31/01/2022), em uma final que atravessou as 12 badaladas, não pode ser medido apenas por nível técnico, tempo em quadra ou colunas estatísticas. O tamanho do feito de Rafa ultrapassa tudo isso e, não por acaso, ele mesmo classificou este título como "o mais inesperado, sem dúvida" de sua vida. Tem a ver com um raro alinhamento de elementos que pesavam contra seu sucesso em Melbourne este ano.
A começar pela lesão crônica no pé. Nadal encerrou sua temporada 2021 em agosto na esperança de se recuperar. Não adiantou. Por muito tempo, os tratamentos não deram resultado. Rafa teve momentos e conversas difíceis. Disse que não saberia sequer se teria a chance de voltar ao circuito. Pela primeira vez, a aposentadoria forçada se insinuava e enviava nudes via DM.

Ainda assim, Nadal voltou a competir, mas teve covid em dezembro, após um evento de exibição em Abu Dhabi. Passou um tempo sem poder treinar. Sentiu os efeitos do vírus no corpo. A viagem à Austrália esteve em dúvida. O veterano e sua equipe, eventualmente, decidiram tentar a sorte. Melbourne seria uma espécie de primeiro passo competitivo nesse novo retorno.

Rafa navegou bem a primeira semana do Australian Open, mas logo ficou claro que, fisicamente, o obstáculo seria gigante. Nas quartas, diante de Denis Shapovalov, o ex-número 1 teve uma queda de rendimento grande a partir do terceiro set. No quinto, beirou a exaustão. Parecia perto da eliminação. Quiça de uma desistência. No entanto, entre toalhas geladas e o ventilador pessoal no banco, protagonizou um pequeno milagre. Mais na inteligência e no coração do que na técnica, levou a melhor sobre o rival 13 anos mais jovem e sobreviveu.

Veio Berrettini nas semifinais, e Nadal voltou a ter uma queda de rendimento a partir do terceiro set. Novamente, porém, encontrou uma maneira de seguir competitivo sem depender do seu auge físico e passou por mais essa barreira. Faltava ainda o maior dos obstáculos: Daniil Medvedev, 25 anos, campeão do US Open, tenista com os melhores resultados em quadra dura nos últimos seis meses, favorito ao título nas casas de apostas e dono de um tênis completo. Um pesadelo técnico, tático e físico para qualquer adversário. Nadal entraria na decisão como azarão.

Por dois sets, Medvedev deu respostas para tudo que Nadal tentou. Trocas longas, subidas à rede, slices, saque-e-voleio... Nada funcionava consistentemente. O russo abriu 2 sets a 0 e tinha o quesito físico a seu lado. Dez anos mais jovem que o veterano de 35, Daniil deveria - no papel - levar a vantagem se a partida se alongasse. Tudo apontava para mais um título de Medvedev, que se aproximaria perigosamente de Djokovic e teria a chance de tomar o posto de número 1 do mundo nas próximas três semanas.

Nadal não tinha vantagem técnica nem tática, mas lutava com coragem e coração. Não se entregou. Saiu de 2/3 e 0/40 no terceiro set para quebrar o saque do rival no nono game e forçar o quarto set. Foi aí que piscou a primeira luz no fim do túnel. Com a partida se aproximando das 4h de duração, Medvedev deu os primeiros sinais de cansaço. Depois de se defender espetacularmente por dois sets, o russo já não chegava tão inteiro nas bolas e cometia mais erros. Nadal viu a chance e transformou a fresta em janela. Agrediu mais, disparou mais winners, mudou a dinâmica da partida e forçou um quinto set.

Quando alcançou a parcial decisiva, Nadal já havia encontrado maneiras de driblar a lesão no pé, o condicionamento físico longe do ideal e o nó tático imposto por Medvedev no começo do jogo. Era ele, o espanhol, o melhor tenista em quadra. Ainda faltava, porém, ultrapassar uma barreira. Nas finais do Australian Open de 2012, contra Novak Djokovic, e de 2017, diante de Roger Federer, Rafa teve uma quebra de vantagem no quinto set e acabou derrotado.

Esse fantasma voltou para assombrá-lo neste domingo. O veterano sacou em 5/4 e 30/0, esteve a dois pontos do título, mas cedeu a quebra. Era mais um Australian Open perto de escapar. A história, desta vez, foi diferente. Rafa deixou para trás as memórias das derrotas doídas e acreditou. "Só tentei continuar acreditando. Já perdi algumas vezes aqui tendo vantagem no placar. Talvez hoje seja o meu dia", disse ao Eurosport após a conquista.

E foi. Na hora mais importante, Nadal fez seu patronus e afastou os dementadores. Quebrou Medvedev no 11º game e confirmou o saque em seguida. Desferiu o último golpe com um voleio. Game, set, match para um Rafa que passou longe da perfeição, não foi o mestre tático de sempre e não teve as pernas de outrora. Teve, sim, o coração e a inteligência emocional de um grande campeão. Um homem que, após o jogo, foi indagado sobre o que o carregou na Austrália e respondeu com sua simplicidade típica: "Amor pelo jogo, paixão, atitude positiva e espírito de trabalho. E as pessoas certas ao meu lado, ajudando todos os dias."

Um Rafa distante do ideal. Uma virada improvável. Uma conquista inesperada.  

O maior Rafa. A maior vitória. O maior título.


Nadal Wiki https://pt.wikipedia.org/wiki/Rafael_Nadal

Alexandre Cossenza
@saqueevoleio
Nadal ao @eurosport soltando um "fuck" e lembrado que também foi quebrado no quinto set quando tinha uma quebra de vantagem nas finais do #AusOpen em 2012 e 2017. Desta vez, teve final feliz.
https://twitter.com/i/status/1487893588864389130

Eurosport
@eurosport
The only male tennis player to win 2️⃣1️⃣ Grand Slam titles 🏆🐐
Which Rafa Nadal win is your favourite? 🤔
#AusOpen | @RafaelNadal
https://twitter.com/i/status/1487840531891826690

José Morgado
@josemorgado
Not normal.
https://twitter.com/i/status/1487728332896616449

 

EM TEMPO

1. Estatística da partida Nadal x  Medvedev (30/01/2022 - Austrália Open)

2. Os títulos de Rafael Nadal

 

O que Nadal fez na Austrália merece um livro de Norman Mailer

Faltam palavras à altura aos simples mortais para descrever o duelo dele com Medvedev

O espanhol Rafael Nadal tem 35 anos. O russo Daniil Medvedev é dez anos mais moço.

Quando começaram a decidir o Aberto da Austrália, em Melbourne, o moscovita era o favorito, segundo colocado no ranking, muito menos desgastado. Nadal havia se desidratado e perdido quatro quilos nas quartas de final, além de ter pegado Covid em dezembro último e de conviver com um problema crônico no pé esquerdo, responsável pela cirurgia que o manteve longe das quadras no segundo semestre de 2021.

Medvedev lutava pela segunda conquista de Grand Slam e Nadal pela 21ª, para superar os rivais Roger Federer e Novak Djokovic e se tornar o maior vencedor da história. Ambos vacinados, diferentemente da grande decepção sérvia, apelidado para sempre de Djocovid, sobre quem a cada dia se conhecem detalhes deprimentes, seja por suas preferências políticas, sempre pelos autoritários, seja por seus nebulosos negócios.

Medvedev fez 2 a 0 no jogo e, no sexto game do terceiro set, chegou a fazer 0/40 para quebrar o serviço do rival e, provavelmente, tornar a vitória inevitável. A manutenção do saque àquela altura serviu como senha para o Touro Miura se transformar em fera indomável.

O jogo havia começado às 5h30 da madrugada brasileira e, a partir dali, desafio maior que o dos dois tenistas só mesmo o de tentar dormir e deixar para ver o resultado ao acordar. Simplesmente impossível tirar os olhos da TV, embalado também pela transmissão sempre informativa, inteligente e bem-humorada da dupla de Fernandos, Nardini e Meligeni.

Ao cabo de 5 horas e 24 minutos, 15 mil privilegiados na Arena Rod Laver, e sabe-se lá quantos milhões de pessoas pelo mundo afora, se comoveram com a virada épica de Nadal, que empatou o jogo em 2 a 2 e buscou a vitória no quinto set, sempre com mais dificuldade para confirmar seus saques que o gigantesco adversário.

Foram 23 aces do russo, contra apenas três do espanhol, o derradeiro, porém, no penúltimo ponto da decisão. Demolidor!

Estivesse entre nós e o imortal papa do novo jornalismo, o americano Norman Mailer, escreveria outro "A Luta", o espetacular relato da decisão entre Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire, em 1974, pelo cinturão dos pesos-pesados do boxe mundial. Lançado no Brasil pela Companhia das Letras, são 272 páginas históricas sobre a chamada "Luta do Século".

Porque faltam palavras à altura aos simples mortais para descrever o duelo entre Nadal e Medvedev.

Pelo que este pobre jornalista se desculpa, não atribui a incapacidade à madrugada insone, e se limita a informar as parciais para a rara leitora e o raro leitor que exigem mais informação e menos literatura: 2/6, 6/7, 6/4, 6/4 e 7/5.

Depois de enfrentar tantas dificuldades, Nadal cogitou a hipótese de se aposentar: "Tive seis meses muito duros. Em termos de vida, não posso reclamar de nada, especialmente nos tempos que estamos enfrentando, com tantas pessoas morrendo ao redor do mundo. Meus meses não foram nada duros comparando com as famílias que perderam pessoas. Isso é duro na vida, não o que eu passei. Mas em termos pessoais, sim, porque todos dias foram uma questão por causa de problemas no pé. Tive dúvidas ainda aqui. Duvidei se estaria aqui", desabafou. Que diferença para Djocovid!

Melhor: na celebração do título, disse que esperava voltar no ano que vem.

 

 

sábado, 29 de janeiro de 2022

A volta às aulas com a ômicron em alta

Pais e escolas se preparam para volta às aulas em meio à alta de casos da ômicron 

ISABELLA MENON E ISABELA PALHARES

Em meio ao avanço da variante ômicron no Brasil e à alta de ocupações de UTI por pacientes com Covid, o retorno às aulas gera preocupações. A explosão de casos faz com que escolas mantenham protocolos de segurança rigorosos para evitar a propagação do vírus. Por um lado, os pais relatam medo da infecção ao mandar os filhos aos colégios. Ao mesmo tempo, reconhecem que o isolamento prejudicou tanto a aprendizagem quanto o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Para a maioria, não há outra alternativa a não ser mandar os filhos para a escola, já que os pais trabalham de forma presencial. É o que acontece com Iraci Alexandre de Almeida, 38, que trabalha em uma fábrica de roupas e mora na Brasilândia, zona norte de São Paulo. 

"Tenho medo, mas preciso mandar porque não tenho outra saída. Entregamos nas mãos de Deus", diz ela, que é mãe do Hugo, 9, e Manoella, 1. Almeida afirma que não tem condições de pagar alguém para cuidar dos filhos. O mais velho, que estuda na rede pública, já recebeu a primeira dose da vacina contra a Covid-19 e retorna para a escola na semana que vem, enquanto a caçula passa o dia em uma creche.
A social mídia Licia Albuquerque, 33, tem duas filhas, Giovanna, 5, e Liz, 1 e vive com a família em Duque de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro. O início das aulas da mais velha, matriculada na rede privada, está previsto para o dia 7 de fevereiro, mas os pais ainda não sabem se vão levá-la à escola logo no início ou esperar alguns dias após ela receber a primeira dose da vacina. 

Giovanna, diz a mãe, adora ir para a escola e ficou animada quando soube do retorno às aulas presenciais em meados de 2021. Durante o período de isolamento, ela precisou de terapia.
Na hora de tomar uma decisão, a falta que o colégio faz à filha, no entanto, se mistura ao receio do adoecimento. "A gente sabe que o número de crianças graves é pequeno, mas mãe não precisa de vários casos para ficar com medo, basta um. Estou nervosa e a sensação é de não saber qual é a melhor decisão", afirma Albuquerque. 

Já a bióloga Kelly Cristina Santos Montanare, 36, é mãe de duas meninas, Pietra, 10, e Sarah, 5. As duas retornaram às aulas nesta semana, também da rede privada, em São Paulo. Como a caçula tem síndrome de Down e o pulmão mais sensível, ficou dois anos afastada das aulas presenciais.
A mãe afirma que está tranquila com a ida das meninas ao colégio e confia que, assim como ela, tanto os pais dos outros alunos quanto a escola seguem os protocolos de segurança. Apesar de o isolamento ter resguardado as filhas do vírus, elas sofreram consequências. "A Sarah regrediu no desenvolvimento da fala, e a parte emocional da Pietra ficou muito abalada", relata a mãe. Apesar do retorno às aulas ser recente, ela afirma que já nota melhora no desenvolvimento.

 Para Renato Kfouri, pediatra e diretor da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), as escolas devem fazer o possível para reduzir o risco de contaminação, com o reforço do distanciamento, uso de máscara e incentivo à testagem constante. Apesar da alta de casos, ele frisa que a falta das aulas presenciais traz um risco bem maior ao desenvolvimento dos pequenos. "As escolas não incrementam um risco na pandemia e as curvas não mudam com os colégios abertos ou fechados", diz ele. 

Kfouri descarta ainda o raciocínio de alguns pais que pensam em esperar 15 dias depois de o filho ser vacinado com a segunda dose da vacina para então ir à escola. "É uma bobagem. Se a criança receber a vacina da Pfizer [que tem intervalo maior entre as doses], vai retornar só em abril? Não faz sentido."
A fala do médico vai ao encontro da visão da Opas (Organização Pan-americana da Saúde). A entidade diz que a garantia do retorno seguro para as escolas no início deste ano é urgente e refuta a ideia de que, para isso, seja necessária uma alta taxa de vacinação contra a Covid-19 entre as crianças.

 A diretora executiva do Unicef, Henrietta Fore, também defende as aulas presenciais. "Mantenham as escolas abertas, crianças não podem esperar", disse ela. O órgão defende que as crianças devem ser imunizadas, mas isso não deve ser um pré-requisito para o ensino presencial. 

De acordo com um levantamento realizado pela Unesco em 24 de janeiro, a maioria dos países do mundo estão com as escolas abertas. Ao todo, 135 estão com aulas presenciais. A organização destaca que países como Canadá, França, Reino Unido e Itália implementaram a política de testes rápidos em massa para a permanência nos ambientes escolares.

 No Brasil, não existe uma política de testagem semelhante. Quanto à vacinação, as escolas têm se organizado para realizar um mapeamento, perguntando se os alunos se vacinaram contra a Covid-19. Entretanto, apenas seis estados anunciaram que vão solicitar o cartão de vacinação aos estudantes para checar as doses contra o coronavírus, ainda que a falta de imunização não seja um impeditivo para frequentar as aulas na rede estadual. São eles Bahia, Ceará, Pará, Paraíba, Piauí e São Paulo.
Em São Paulo, até o momento, a maioria dos colégios particulares decidiu não cobrar o comprovante da vacina da Covid aos alunos. A exigência só vale para os professores e funcionários. É o caso do colégio Bandeirantes, na Vila Mariana, na zona sul da capital. 

Outras escolas decidiram que vão fazer uma consulta às famílias para identificar os vacinados, como o Colégio Anglo São Paulo, na região central da capital. Vinícius de Paula, coordenador da unidade, afirma que, ao identificar alunos não vacinados, fará um trabalho de convencimento com as famílias sobre a importância da imunização. 

No Colégio Santa Cruz, no Alto de Pinheiros, na zona oeste, onde as aulas começaram nesta quarta (26), a direção também decidiu fazer uma enquete para identificar o nível de cobertura vacinal entre os alunos. "Todos os funcionários foram vacinados e apresentaram o comprovante. Para os alunos não podemos obrigar, mas recomendamos fortemente", diz o diretor, Fabio Aidar. 

Para este ano letivo, a direção não vai mais aceitar que alunos usem máscaras de pano. Todos devem usar máscaras do tipo PFF2, N95 ou cirúrgica. "Estudos comprovaram que a máscara de pano não é segura. Entendemos que as famílias devem se adequar às recomendações científicas para nos ajudar a ter um ambiente mais seguro."

O colégio recebeu reclamações de pais em relação à nova exigência. Algumas famílias alegam não encontrar as máscaras desses modelos no tamanho infantil. Por isso, a direção decidiu vender as máscaras dentro da unidade. A Escola Mais, que possui oito unidades, orienta o uso da PFF2, N95 ou cirúrgica, mas não obriga. A instituição também não exige a vacinação e, se apenas uma criança for infectada, a turma não é mandada para casa. Já a partir de dois alunos com Covid-19, a classe passa a ter aulas online. 

O colégio Santa Maria, na zona sul, também não exige a apresentação do comprovante. Para tentar aumentar a cobertura vacinal entre seus alunos, a unidade pediu à prefeitura a instalação de um posto de vacinação dentro da escola. 

Para a rede municipal de ensino, a prefeitura de São Paulo informou que as unidades escolares solicitaram a carteirinha de vacinação durante a matrícula e rematrícula dos alunos, mas a falta de apresentação não impede que o estudante frequente as aulas. De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, uma nota técnica sobre os protocolos para escolas e creches está sendo atualizada e será publicada em breve.

 Já a rede estadual decidiu determinar que os alunos apresentem o comprovante de vacinação contra Covid a partir dos cinco anos. Nenhum estudante será barrado, segundo a gestão, mas, se a documentação não for mostrada em até 60 dias, deverá ser feita notificação ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público e às autoridades sanitárias. 

Quanto às escolas privadas que funcionam no estado, o governo diz que elas podem seguir a mesma determinação, mas são autônomas para definirem um prazo.

Brasil bate recorde com mais de 257 mil casos de Covid; 779 mortes foram registradas
País chega a 11º dia com maior média de casos da pandemia; média de mortes agora é de 472 por dia, aumento de 221
28 de janeiro de 2022

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Não vacinados na UTI e 600 mortes por covid em 24 horas

No Rio, não vacinados e pessoas com dose atrasada são 88% de internados

Lola Ferreira, UOL, no Rio, 27/01/2022 

A ocupação de leitos destinados ao tratamento de covid-19 na rede municipal de saúde da cidade do Rio de Janeiro saltou de 1,7% para 65% nas últimas três semanas em meio à onda da variante ômicron.
Pouco mais de um ano após o início da campanha de vacinação, 46% dos 821 internados com a doença não tomaram nenhuma dose da vacina contra o coronavírus — há duas semanas, esse índice era de 38%. A proporção alcança atualmente 88% dos internados quando considerados também pacientes que não completaram o esquema vacinal, ou seja, que estão com a segunda ou a terceira dose em atraso.

Na capital fluminense, 82,1% da população já tomou as duas doses. Considerando apenas os maiores de 18 anos, esse índice sobe para 97,8%. Isso significa que, embora os não vacinados sejam minoria entre a população, eles representam quase metade dos internados. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que vê aumento da ocupação de leitos em todo o país, aponta que a rede pública de saúde é pressionada por "uma parte considerável da população que ainda não recebeu a dose de reforço e outra parcela nem foi vacinada". A vacinação incompleta afeta principalmente os idosos: pessoas a partir de 60 anos que não tomaram as três doses têm 17 vezes mais chance de serem internadas, segundo dados mais recentes da SMS (Secretaria Municipal de Saúde).

O índice de internação de idosos sem vacina e vacinação incompleta é de 429 por 100 mil habitantes na capital —a taxa cai para 25 quando considerados idosos internados com dose de reforço. A cidade do Rio de Janeiro já registrou 207.192 casos de covid neste mês e se aproxima do total verificado em todo ano passado (293.193). Segundo especialistas em saúde, o avanço da vacinação impede que essas infecções evoluam para óbitos — foram 135 mortes nos primeiros 25 dias do ano (taxa de letalidade de 0,1%). Atualmente a cidade tem 82,1% da população total com duas doses da vacina, e 33% com a terceira dose.

'Arrependimento' de não vacinados 

Roberto Rangel, diretor médico do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla —centro de referência para tratamento da doença na capital fluminense—, disse que vê um "sentimento de arrependimento" entre não vacinados. "Os que estão internados e não se vacinaram estão pedindo pelo imunizante, com a ideia ansiosa de que podem melhorar instantaneamente. Depois que a pessoa vivencia a doença e vê o que ela pode causar, é comum que mudem de ideia sobre a vacinação", afirmou o médico em entrevista à BBC Brasil.

Idosos com vacinação incompleta têm 27 vezes mais chance de morrer do que aqueles que tomaram as três doses (taxa de 79 contra 2,9 por 100 mil habitantes). Até agora, ninguém com menos de 60 anos que tenha tomado as três doses da vacina morreu na capital. A ocupação de leitos na cidade do Rio vem crescendo exponencialmente —no dia 5, eram 29 internados; uma semana depois, 190 (38% sem qualquer dose da vacina), e hoje 821.

RJ tem tendência de alta nas UTIs

A Fiocruz observou seis estados e o Distrito Federal com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados. O estado do Rio de Janeiro não está na zona crítica, mas o aumento da demanda é detectado. Em 5 de janeiro, havia 130 pessoas internadas em UTIs no estado. Ontem, eram 869 internados em estado grave (ocupação de 62%).


Na capital, o número saltou de 10 para 376 internados em leitos de UTI —a capacidade é de 488 vagas. Em nota técnica, pesquisadores da Fiocruz afirmam que "a situação está nitidamente piorando, embora o avanço da vacinação ajude a desenhar um quadro diferente do de outros momentos mais críticos da pandemia" e que a transmissibilidade da ômicron "gera números expressivos que pressionam o sistema de saúde" e com pacientes que necessitam de internação em UTIs.

 

Terceira onda 'mais leve' já mata mais de 600 pessoas por covid em 24 horas

Leonardo Sakamoto, UOL, 27/01/2022

O Brasil registrou, nesta quarta (26/01/2022), 606 mortes por covid-19 em 24 horas. No dia anterior, haviam sido 489. Quando isso aconteceu na primeira e na segunda ondas da pandemia, entramos em estado de alerta. O que está longe de acontecer agora. 

Nesta terceira onda (chamemos as coisas pelo seu nome), nosso comportamento mudou pelo cansaço de quase dois anos vivendo sob a sombra da doença e pela constatação de que, apesar das sabotagens de Jair Bolsonaro, quase 70% da população está com, ao menos, duas doses da vacina.

Também há o entendimento de que a variante ômicron mata proporcionalmente menos infectados que suas predecessoras. E aí reside o perigo. Em quem está triplamente vacinado, ela deve provocar um quadro mais suave na maioria dos casos. Mas como ela contamina muito mais (chegamos, nesta quarta, a 219.878 infecções registradas em 24 horas, um novo recorde claramente subdimensionado pela falta de testagem), mesmo que a taxa de fatalidade seja menor, ela acaba também produzindo muitos óbitos.

Há nas redes sociais e grupos de aplicativos de mensagens uma discussão que usa a taxa menor de conversão de doentes em mortos para justificar que podemos relaxar. Mas tente explicar para uma família que perdeu um ente querido que a sua morte foi uma irrelevante estatisticamente falando. Ao menos sete estados estão com uma taxa de ocupação de mais de 80% dos leitos de UTI pediátricos para tratamento de crianças de covid-19. Isso é consequência direta do comportamento criminoso adotado por Bolsonaro e por seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que retardaram o início da vacinação infantil para agradar o naco negacionista dos fãs do presidente em ano eleitoral.

E há a questão dos não-vacinados. Parte deles deixou-se levar pela desinformação provocada pelos negacionistas e tomou apenas a primeira dose do imunizante, o que não garante proteção. Parte deles tem se mostrado inimputável mediante a insanidade do que defende e, portanto, também deveria provocar compaixão. Como diria o Evangelho de Lucas, capítulo 23, versículo 34: Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem. (Outra parte são antivax apenas no discurso, com objetivos políticos. Muitos acabam se imunizando e defendendo que os outros fujam da vacina e tomem cloroquina, como o presidente da República. Ou alguém tem dúvida que ele se vacinou, apesar de dizer que não? Tanto que decretou sigilo sobre sua carteira de vacinação.)

Do total de internados por covid-19 em UTIs do Distrito Federal, 90% não receberam nenhuma dose de vacina. E um levantamento da Secretaria de Saúde de Minas Gerais apontou que o risco de morte dos não imunizados é 11 vezes maior do que quem recebeu duas doses. No Rio, 88% dos internados são pacientes que não completaram o esquema vacinal. São vidas afetadas ou perdidas diante de nossa incapacidade como sociedade de frear o avanço da estupidez.

Uma médica que trabalha com pacientes de covid-19 no Hospital das Clínicas, principal centro de referência em São Paulo, contou-me, exausta, que a situação está caótica. Não há equipes para cuidar de tantos pacientes que chegam em situação muito ruim. A quantidade de intubados é menor do que em outros momentos de pico da pandemia, mas o volume de internados é tão grande que eles não estão conseguindo dar conta do atendimento. Ao mesmo tempo, segundo ela, a alta taxa de contaminação de profissionais de saúde reduz ainda mais a quantidade de braços para a tarefa. E os efeitos disso já se fazem sentir, como aconteceu antes, no atendimento aos estão com outros problemas de saúde, condições escanteadas pela covid-19.

O objetivo aqui não é soar as trombetas do apocalipse. A expectativa é de que esta onda passe mais rapidamente que as outras duas, mas vai deixar seus mortos. A vacinação e o uso de máscaras garantem proteção, mas precisam ser levadas a sério para que possamos manter um cotidiano minimamente normal.

Nunca foi tão importante campanhas voltadas aos pais para levarem seus filhos e suas filhas para se imunizarem. Nunca foi tão relevante conversar com pessoas desinformadas para explicar a elas que foram enganadas e que precisam ir tomar suas doses. Nunca foi tão imprescindível explicar que a vacina não impede que você fique doente, mas reduz os sintomas e a chance de que você morra.

Um dos legados do pouco apreço que Jair Lamento-Mas-A-Morte-É-O-Destino-De-Todo-Mundo Bolsonaro demonstrou à vida humana é um país mais embrutecido e indiferente à vida. Neste momento em que caminhamos para a barreira simbólica de mil óbitos por dia, precisamos mostrar ao presidente que toda a estupidez que ele plantou não vai gerar frutos.



segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Unicef: covid e as perdas na aprendizagem

Unicef: Covid gerou 'erosão' do ensino no Brasil e retrocesso de uma década

Jamil Chade, 23/01/2022, UOL

Dez por cento dos alunos jamais voltarão à escola, estudantes aprenderam apenas um quarto do que teriam nas aulas presenciais e o progresso no ensino de matemática e português em certas séries regrediu em mais de uma década. Num informe que revela a dimensão do impacto da pandemia de covid-19, o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) aponta que uma geração inteira será profundamente afetada pelo fechamento de escolas nos últimos dois anos no mundo e que as perdas são "quase irrecuperáveis".

O alerta, publicado hoje (23/01/2022), ainda destaca um cenário devastador na educação brasileira. Usando dados de instituições nacionais, o Unicef aponta uma "erosão" no ensino e um impacto "severo". "Um estudo de São Paulo mostra que, em média, os alunos aprenderam apenas 28% do que teriam nas aulas presenciais e o risco de desistência aumentou mais do que três vezes", disse o informe. Os exames estaduais de São Paulo em 2021 mostram perdas de aprendizado em todos os níveis, com os alunos pontuando abaixo das provas de 2019 em cada série, com maiores perdas para os alunos mais jovens.

Matemática e português

O Unicef destaca ainda como houve uma regressão de mais de uma década em algumas das principais matérias. No caso dos exames de matemática, os resultados foram equivalentes ao que existia há 14 anos. Nas provas de português, a regressão foi de dez anos. "Estes resultados são particularmente impressionantes, pois ilustram como o choque eliminou uma década ou mais de progresso constante no aprendizado", diz. Para chegar a essas conclusões, o Unicef usou estudos da Seduc-SP, Fundação Lemann, o Instituto Natura e o Datafolha.

Covid afeta leitura "Para além de São Paulo, em um grupo de estados brasileiros, a proporção de alunos da segunda série que estão fora do caminho para se tornarem leitores fluentes aumentou de 52% para 74%, apoiando a noção de que a crise de aprendizagem pré-pandêmica se agravou durante o fechamento de escolas", disse o Unicef. Ou seja, de cada quatro alunos, três estão abaixo de seus níveis no que se refere à leitura.

A entidade lembra como, com o apoio de organizações da sociedade civil, Secretarias de Educação de dez estados brasileiros decidiram participar de uma avaliação das habilidades fundamentais dos alunos da segunda série. O principal objetivo deste exercício foi definir a linha de base para a recuperação à medida que as escolas reabrem e usar essas informações para definir estratégias para mitigar as perdas de aprendizagem. "O estudo mostrou que 74% dos alunos da segunda série são pré-leitores (ou seja, só podem ler um máximo de 9 palavras por minuto); esta proporção é muito maior do que em 2019, onde 52% dos alunos da segunda série foram classificados como pré-leitores", disse.

Ao lado de México e Uganda, estudos também indicaram que no Brasil houve uma maior perda em matemática do que em leitura. "Uma razão potencial pode ser a menor exposição à matemática do que a leitura na vida diária fora da escola, outra pode ser que os cuidadores são menos capazes de apoiar os alunos em matemática do que em leitura", disse.

 Também ficou constatado que qualquer reabertura das escolas é melhor do que fechamentos contínuos. "Evidências do Brasil sugerem que abrir escolas, mesmo que parcialmente, resultou em menor perda de aprendizado para os alunos do ensino fundamental e médio do que quando as escolas permaneceram totalmente fechadas", disse.

Impacto na participação de estudantes 

Outra constatação do Unicef é que, no Brasil, o Enem teve o menor número de candidatos desde 2007.  "Quatro milhões de estudantes se inscreveram para fazer o exame, em comparação com mais de seis milhões em 2020. O número de estudantes negros, pardos ou indígenas diminuiu como parte do número total de candidatos, correndo o risco de exacerbar as desigualdades existentes em admissões universitárias", apontou.

De forma geral, o Unicef ainda destaca estudos realizados no Brasil que mostram que o êxodo das escolas pode ter um impacto profundo. Enquanto as escolas estavam fechadas, um a cada dez estudantes entre 10 e 15 anos não planejavam voltar para as salas de aula quando a reabertura ocorresse.
635 milhões de crianças continuam fora das escolas
A crise do ensino não é uma exclusividade brasileira. No mundo, o Unicef estima que a escala de perda de educação é "quase intransponível". "Mais de 635 milhões de alunos continuam sendo afetados pelo fechamento total ou parcial de escolas", afirmou.

"Em março, marcaremos dois anos de interrupções da educação global relacionadas à covid -19. Estamos olhando para uma escala quase intransponível de perdas na escolaridade das crianças", disse Robert Jenkins, chefe de Educação do Unicef.
"Embora as interrupções no aprendizado devam terminar, não basta reabrir escolas. Os alunos precisam de apoio intensivo para recuperar a educação perdida. As escolas também devem ir além dos locais de aprendizagem para reconstruir a saúde mental e física, o desenvolvimento social e a nutrição das crianças", defendeu.

De acordo com a entidade, as crianças perderam as habilidades básicas de matemática e alfabetização. "Globalmente, a interrupção da educação significou que milhões de crianças perderam significativamente o aprendizado acadêmico que teriam adquirido se estivessem na sala de aula, com as crianças mais jovens e mais marginalizadas enfrentando a maior perda", estimou a agência.
"Em países de baixa e média renda, as perdas de aprendizado para o fechamento de escolas deixaram até 70% das crianças de 10 anos incapazes de ler ou entender um texto simples, acima dos 53% pré-pandêmicos", disse.

Além do exemplo brasileiro, o Unicef aponta para dados assustadores em diversas partes do mundo:

Na Etiópia, estima-se que as crianças da escola primária tenham aprendido entre 30% a 40% da matemática que teriam aprendido se tivesse sido um ano escolar normal. 

Nos EUA, foram observadas perdas de aprendizagem em muitos estados, incluindo Texas, Califórnia, Colorado, Tennessee, Carolina do Norte, Ohio, Virgínia e Maryland. No Texas, por exemplo, dois terços das crianças da 3ª série foram testadas abaixo de seu nível escolar em matemática em 2021, em comparação com a metade das crianças em 2019. 

Na África do Sul, as crianças em idade escolar estão entre 75% e um ano escolar completo atrás de onde deveriam estar. Entre março de 2020 e julho de 2021, cerca de 400.000 a 500.000 alunos abandonaram a escola.

Ansiedade e depressão 

Mas os problemas vão muito além do currículo. "As consequências do fechamento das escolas estão aumentando. Além da perda de aprendizado, o fechamento de escolas tem afetado a saúde mental das crianças, reduzido seu acesso a uma fonte regular de nutrição e aumentado seu risco de abuso", aponta o Unicef. "Um conjunto crescente de evidências mostra que a covid-19 tem causado altos índices de ansiedade e depressão entre crianças e jovens, com alguns estudos descobrindo que meninas, adolescentes e aqueles que vivem em áreas rurais têm maior probabilidade de experimentar estes problemas", estima.

Além disso, mais de 370 milhões de crianças em todo o mundo perderam as refeições escolares durante o fechamento das escolas, o que era a única fonte confiável de alimentos e nutrição diária.

sábado, 22 de janeiro de 2022

Elza Soares

Eu sou, eu vou até o fim cantar

Por Mauro Ferreira , 21/01/2022 

Elza Soares deixa discografia que sintetiza 60 anos de música brasileira em 35 álbuns

De Lupicínio Rodrigues a Romulo Fróes, obra fonográfica da cantora segue a cadência do samba e chega aos sons do século XXI.

Seguindo primordialmente a cadência do samba, mas extrapolando rótulos e gêneros musicais em trajetória fonográfica que totalizou 63 anos, Elza da Conceição Soares (23 de junho ou 22 de julho de 1930 – 20 de janeiro de 2022) sintetizou os caminhos da música brasileira nas últimas seis décadas em discografia iniciada em 1958 e encerrada – em vida – em dezembro de 2021.

De Lupicínio Rodrigues (1914 – 1974), ícone do samba-canção amargurado dos anos 1940 e 1950, a Romulo Fróes e Kiko Dinucci, nome de ponta da cena musical paulistana do século XXI, passando por Jorge Ben Jor, Caetano Veloso, Chico Buarque, Cazuza (1958 – 1990), Seu Jorge e Pedro Luís, Elza Soares deu voz a um Brasil sincopado, país de riquezas artísticas e naturais, mas carcomido pela miséria humana.

Construída com longos intervalos a partir dos anos 1980, por contingências do mercado, a obra fonográfica da cantora carioca foi do disco de 78 rotações por minuto até os singles e álbuns editados em formato digital, passando por LPs, compactos simples e duplos – como eram chamados no jargão fonográfico brasileiro os singles com duas ou quatro músicas editados dos anos 1960 aos anos 1980 – e por CDs.

Em vida, a discografia de Elza Soares compreende 35 álbuns. O primeiro, Se acaso você chegasse, foi lançado em maio de 1960 pela gravadora Odeon no embalo do single editado em dezembro de 1959 com a gravação do samba-título de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins (1904 – 1980) apresentado ao Brasil em 1938 na voz do cantor Cyro Monteiro (1913 – 1973).

O último álbum, Elza Soares & João de Aquino, saiu em 10 dezembro de 2021 pela gravadora Deck com o até então inédito registro da sessão que juntou a cantora e o violonista em estúdio da cidade do Rio de Janeiro (RJ), presumivelmente em 1996.

Voz de Elza Soares e violão de João de Aquino se harmonizam na liberdade de álbum inédito gravado nos anos 1990. Entre um álbum e outro, Elza Soares gravou discografia em que, ao longo da década de 1970, transitou pelo sambalanço – gênero pautado pelo ritmo sinuoso, prato cheio para a cantora exercitar a manemolência da voz rouca e cheia de ginga – e pelo samba-canção, além de ter posto veneno no cancioneiro da bossa nova e de ter contribuído para a popularização do samba-enredo na segunda metade dos anos 1960.

Após discos gravados com Miltinho (1928 – 2014), Wilson das Neves (1934 – 2017) e com o então debutante Roberto Ribeiro (1940 – 1996), Elza foi induzida a investir em sambas de temática afro-brasileira, tendência dos anos 1970 por conta do estouro da cantora Clara Nunes (1942 – 1983).

Em 1980, década em que se sentiu perdida, a cantora abriu o leque estético após ser resgatada por Caetano Veloso, que a convidou para a gravar o samba-rap Língua (Caetano Veloso) no álbum Velô (1984). No embalo dessa ressurreição (a primeira de muitas), Elza sintetizou jazz, blues, soul e samba em álbum, Somos todos iguais (1985), que ampliou as fronteiras do repertório da cantora.

Em 1988, a artista se conectou no álbum Voltei com a geração de sambistas projetados nos anos 1980 – como Arlindo Cruz, Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008), Pedrinho da Flor e Sombrinha – com a autoridade de ter lançado Jorge Aragão em 1976 com a gravação de Malandro, samba de Aragão com Jotabê.

Com direito a dueto com Zeca Pagodinho na regravação do samba Sinhá Mandaçaia (Almir Guineto e Luverci Ernesto, 1981), a conexão com a geração do Cacique de Ramos foi refeita no álbum seguinte, Trajetória (1997), único disco gravado em estúdio pela cantora nos anos 1990, outra década difícil para Elza.

Em 2002, Elza renasceu de novo com álbum, Do cóccix até o pescoço, que deu início ao processo de atualização do som da artista. Foi neste álbum gravado com produção musical de Alê Siqueira, sob a direção artística de José Miguel Wisnik, que Elza se apropriou de A carne (Seu Jorge, Marcelo Yuka e Wilson Cappellette, 1998), música lançada pelo efêmero grupo Farofa Carioca. Do cóccix até o pescoço tinha textura eletrônica ampliada por Elza no álbum seguinte, o arrojado Vivo feliz (2003), disco moderníssimo, feito para a pista. mas de pouca repercussão.

De volta ao samba, mas com o toque do Rap da felicidade (Julinho Rasta e Kátia, 1995) no encerramento, Elza rebobinou sucessos no álbum ao vivo Beba-me (2007), primeira gravação de show da cantora a ser editada em DVD (uma segunda sairia em 2016 com o registro de show feito em tributo ao centenário de nascimento do compositor Lupicínio Rodrigues e uma terceira foi feita em 17 e 18 de janeiro deste ano de 2022, em São Paulo, dois dias antes da morte de Elza).

A consagração definitiva de Elza Soares veio com o apocalíptico álbum A mulher do fim do mundo, lançado em setembro de 2015. A mulher do fim do mundo fez jorrar lágrima sobre o choro da cuíca, ouvido entre guitarras distorcidas. A lágrima escorreu no esquema do samba noise que conectou a cantora a artistas paulistanos como Kiko Dinucci e Rodrigo Campos. Produzido por Guilherme Kastrup sob a direção artística de Romulo Fróes e Celso Sim, o álbum A mulher do fim do mundo revitalizou a bossa negra de Elza, mulher da pele preta, entidade que reeditou o vigor e contundência do disco de 2015 no álbum seguinte, Deus é mulher (2018), feito com a mesma turma paulistana.

Em 2019, o álbum Planeta fome repôs a cantora em órbita carioca, roçando a contundência dos dois discos anteriores com canto dessa voz do samba e do morro que transcendeu estilos e latitudes com a bossa negra de alcance universal.

Eis, em ordem cronológica, os 35 álbuns lançados por Elza Soares entre 1960 e 2021:

1. Se acaso você chegasse (Odeon, 1960)

2. A bossa negra (Odeon, 1960)

Elza Soares - Trajetória (Álbum Completo Oficial - 1997)

3. O samba é Elza Soares (Odeon, 1961)

4. Sambossa (Odeon, 1963)

5. Na roda do samba (Odeon, 1964)

6. Um show de Elza (Odeon, 1965)

7. Com a bola branca (Odeon, 1966)

8. O máximo em samba (Odeon, 1967)

9. Elza, Miltinho e samba (Odeon, 1967) – com Miltinho

Elza Soares e Miltinho - Samba do Zirigidum - 1997 

10. Elza Soares, baterista: Wilson das Neves (Odeon, 1968) – com Wilson das Neves

11. Elza, Miltinho e samba – vol. 2 (Odeon, 1968) – com Miltinho

Pot-pourri 2 - Elza Soares & Miltinho

12. Elza, carnaval & samba (Odeon, 1969)

13. Elza, Miltinho e samba – vol. 3 (Odeon, 1969) – com Miltinho

14. Samba & mais sambas (Odeon, 1970)

15. Elza pede passagem (Odeon, 1972)

16. Sangue, suor e raça (Odeon, 1972) –com Roberto Ribeiro

17. Elza Soares (Odeon, 1973)

18. Elza Soares (Tapecar, 1974)

19. Nos braços do samba (Tapecar, 1975)

20. Lição de vida (Tapecar, 1976)

21. Pilão + Raça = Elza (Tapecar, 1977)

22. Senhora da terra (CBS, 1979)

23. Elza negra, negra Elza (CBS, 1980)

Elza Soares e Ney Matogrosso - Tem Que Rebolar 

24.Somos todos iguais (Som Livre, 1985)

25. Voltei (RGE, 1988)

26. Trajetória (Universal Music, 1997)

27. Carioca da gema – Ao vivo (Edição independente, 1999)

28. Do cóccix até o pescoço (Maianga, 2002)

Elza Soares - Do Cóccix Até O Pescoço (Álbum Completo Oficial - 2002) 

29. Vivo feliz (Reco-Head / Tratore, 2003)

30. Beba-me – Ao vivo (Biscoito Fino, 2007)

Elza Soares Ao Vivo | Beba-me (Show Completo) 

31. A mulher do fim do mundo (Circus, 2015)

32. Elza canta e chora Lupi (Coqueiro Verde Records, 2016)

A Cigarra - Elza Sores feat. Letícia Sabatella (Video Oficial) 

33. Deus é mulher (Deck, 2018)

34. Planeta fome (Deck, 2019)

35. Elza Soares & João de Aquino (Deck, 2021)

CAETANO E ELZA SOARES- LÍNGUA- PROGRAMA CHICO E CAETANO 

caetanoveloso

Elza Soares foi uma concentração extraordinária de energia e talento no organismo da cultura brasileira. Tendo sido fã de sua voz e musicalidade desde os meus anos de ginásio, tive a honra de ser procurado por ela quando de sua iminente decisão de abandonar a carreira e/ou o Brasil. Fui capaz de convencê-la a ficar porque entendi que aquilo era uma espécie de pedido de socorro. Compus o samba-rap "Língua" e a convidei para cantar a parte melódica. Assim ela voltou a cantar e a receber atenção. Voltou à televisão e, depois, figuras tão díspares quanto Lobão e Zé Miguel Wisnik fizeram questão de trabalhar com ela. Recentemente jovens músicos paulistanos (e ao menos um carioca que vive em Sampa) têm feito com ela o que ela merece. Morreu na glória a que fazia jus, numa idade respeitável, afirmando a grandeza possível do Brasil. ♥️🌹

Corpo de Elza Soares é enterrado com muita emoção e coro: 'A pele preta é a minha voz' 

Elza morreu exatamente 39 anos após Garrincha 

As muitas sobrevidas de Elza

Um dia, ela disse: Agora eu posso morrer. Tinha 43 anos. Mas não morreu. Chegaria, invicta, aos 91

Ruy Castro, Folha de São Paulo, 22/01/202

Na noite de 19 de dezembro de 1973, Elza Soares chegou ao último andar do Maracanã e viu lá de cima o anel do estádio tomado. Eram 131.555 pessoas. Suspirou e disse para um amigo: "Agora eu posso morrer". Ali se realizava seu sonho: um jogo de despedida para Garrincha, o homem que ela amava e a quem o Brasil devia duas Copas do Mundo e um milhão de alegrias —o Jogo da Gratidão, entre a seleção de 1970 (com o já simbólico Garrincha no ataque) e um combinado de craques estrangeiros. Nunca um jogador recebera tal homenagem no Brasil.

Elza Soares gravou DVD dois dias antes de morrer e tem disco político inédito 

Fora dela a ideia e, graças à sua luta, reunindo ex-jogadores, jornalistas, cartolas e políticos, ele iria acontecer. Fora dela também a exigência de que parte da renda se destinasse a comprar um apartamento e abrir uma poupança para cada uma das oito filhas de Garrincha —até para que cessasse a perseguição a eles. Foi sua primeira vitória sobre a intolerância, o moralismo e a hipocrisia. Daí ela achar que já "podia morrer".

Fora dela a ideia e, graças à sua luta, reunindo ex-jogadores, jornalistas, cartolas e políticos, ele iria acontecer. Fora dela também a exigência de que parte da renda se destinasse a comprar um apartamento e abrir uma poupança para cada uma das oito filhas de Garrincha — até para que cessasse a perseguição a eles. Foi sua primeira vitória sobre a intolerância, o moralismo e a hipocrisia. Daí ela achar que já "podia morrer".

Mas Elza não morreu. Tinha então 43 anos e viveria outros 48, suficientes para mais uma ou duas vidas. Nenhuma outra artista brasileira teria tantas sobrevidas. Basta somar os dramas, tragédias, declínios, voltas por cima e novos apogeus que ela experimentaria até quinta-feira (20), quando finalmente partiu.

A trajetória de Elza foi ainda mais dura do que se tem dito nos obituários e programas a seu respeito. Ela passou décadas escondendo a idade. Dava a entender que a menina que fora ao programa de rádio de Ary Barroso dizendo ter vindo do "Planeta Fome", em 1953, era uma adolescente. Não era. Já tinha 23 anos, porque nascera em 1930. E ainda levaria outros seis até ser descoberta por Sylvia Telles na boate Texas, no Leme, em 1959, e levada à consagração na gravadora Odeon.

​Sua vida, portanto, começou aos 29 anos. Foi o tempo que lhe custou para se tornar a Elza Soares que chegaria, invicta, aos 91