Lámen Shop, Qing qian la mian cha, 2018,
Eric Khoo
13 Assassinos, Jûsan-nin no shikaku, 2010,
Takashi Miike
Run for the high country, 2018, Paul
Winters
O Preço de um Covarde, Bandolero!, 1968
Andrew V. McLaglen
Arca Russa, Russkiy kovcheg, 2002,
Aleksandr Sokurov
Fiore gemello, 2018, Laura Luchetti
Rebel Ridge, 2024, Jeremy Saulnier
Fogo contra fogo, Heat, 1995, Michael Mann
Folhas de Outono, Kuolleet lehdet, 2023,
Aki Kaurismäki
Hiroshima, meu amor, Hiroshima mon amour,
1959, Alain Resnais
Pinguim, The Penguin, Minissérie de
televisão, 2024, Lauren LeFranc
Warriors - Os Selvagens da Noite, The
Warriors, 1979, Walter Hill
De repente, no último Verão, Suddenly, Last
Summer, 1959, Joseph L. Mankiewicz
No calor da noite, In the heat of the
night, 1967, Norman Jewison
Rastros de Vingança, Against a Crooked Sky,
1975, Earl Bellamy
O Vingador Silencioso, Il grande silenzio,
1968, Sergio Corbucci
Nos vemos no paraíso, Au revoir là-haut,
2017, Albert Dupontel
Cinco vezes Favela, 1962, Miguel Borges
("Zé da Cachorra"), Joaquim Pedro de Andrade ("Couro de
Gato"), Carlos Diegues ("Escola de Samba Alegria de Viver"),
Marcos Farias ("Um Favelado") e Leon Hirszman ("Pedreira de São
Diogo")
Arraial do Cabo, 1960, Mário
Carneiro&Paulo César Saraceni (curta)
Porto das Caixas, 1963, Paulo César
Saraceni
08/09/24
Lámen Shop, Qing qian la mian cha, 2018, Eric Khoo
Lámen Shop (2018): perdão, família e sabores
Falando sobre amor e perdão, este simples filme é uma deliciosa imersão na cultura oriental e toca em temas delicados que saem de foco para dar espaço a cenas na cozinha.
Quando o cinema e a culinária se juntam em uma aventura, tornam-se, quase sempre, um delicioso passatempo. Eric Khoo, conhecido cineasta de Cingapura e diretor de “Lámen Shop”, já havia produzido dois outros filmes do mesmo segmento e já está bem ambientado nesse cenário. Talvez, por isto, ele conseguiu dar uma leveza ao drama e retratar através de uma viagem à cultura oriental como um desentendimento atravessa e prejudica gerações.
O longa conta a história de Masato (Takumi Saitoh), que com seu pai, tem uma loja de lámen, prato típico considerado um dos mais famosos do Japão. Seu pai tem o trabalho como a prioridade de sua vida, esquecendo assim de cuidar do relacionamento com seu filho e até de si mesmo. Enfadado, seu pai acaba falecendo e deixa a loja e alguns pertences para Masato. Ainda inconformado com a morte do pai, ele decide revirar seus pertences e encontra um diário que pertencia à sua mãe, também falecida. É a partir daí que Masato começa sua jornada de autoconhecimento e em busca de respostas sobre o passado dos pais na sua cidade natal.
Com uma bela e fria fotografia e uma trilha sonora calma, o diretor deixa claro o tom do drama que deseja passar. Para os fãs de cultura oriental, o filme é um prato cheio. E trocadilhos à parte, a imersão na tradicional cultura japonesa é algo bonito de se ver aqui. Embora possa parecer confuso, Eric intercala flashbacks da história dos pais de Masato com as descobertas que ele faz sobre a história de sua família ao lado de sua amiga blogueira. E é nessas idas e vindas que Khoo aproveita para esbanjar toda a beleza oriental.
Um ponto muito gostoso de perceber é como Eric consegue aproveitar o gancho de ser um filme que fala sobre a cozinha local e utiliza cada novo passo da trama para nos apresentar uma nova receita ou um novo ingrediente. Inevitavelmente o filme se passa, por muito tempo, em cozinhas, bares ou restaurantes, sendo uma imersão total na culinária oriental. Ao mesmo tempo em que isso é interessante, afasta um pouco o foco do drama. O espectador pode ficar perdido quanto ao assunto principal do filme: seria aprender a cozinhar ou o conflito familiar?
“Lámen Shop” é um filme simples em questão técnica, mas mesmo assim vai conseguir encher seus olhos e sua boca de água. E embora segure por muito tempo o drama, o que faz com que o espectador pouco consiga se encaixar na história, o filme é bom de saborear. É certeiro ao falar sobre amor e perdão, faz com que você pense na vida e nos deixa uma dica: “Quando a vida fica pesada demais, a beleza da natureza pode ser um bom remédio”.
9/9/24
13 Assassinos, Jûsan-nin no shikaku, 2010, Takashi Miike
Koji Yakusho, 1956 (Dias perfeitos, 2023)
Samurai elegance in action star ratingstar rating, Roger Ebert, May 24, 2011
“13 Assassins” has what many action pictures need, a villain who transcends evil and ascends to a realm of barbaric madness. Against this creature and his private army, a band of samurai is mustered to end his terror. Their heroism against impossible odds is a last hurrah for the samurai code; the film is set in 1844, toward the end of the medieval Edo period, when true samurai warriors were growing rare.
The film is terrifically entertaining, an ambitious big-budget epic, directed with great visuals and sound by Takeshi Miike. The last 45 minutes are devoted to an inventive and ingenious battle scene, but it’s not the sort of incomprehensible mayhem we often find in recent actioners. It’s a lesson to the queasy-cam auteurs, because Miike choreographs the action to make it comprehensible — and, more important, has spent his first two acts establishing the characters. We know who the 13 samurai are, and we understand why many of them behave as they do under threat of death. The care taken with the screenplay and the shot composition deserves comparison with Kurosawa’s (even better) “Seven Samurai.”
The film opens with stark, bloody simplicity. A man kneels in a courtyard and disembowels himself in protest against Lord Naritsugu (Goro Inagaki), the half-brother of the shogun. This seppuku was inspired by Naritsugu’s cruelty, which we see demonstrated in appalling detail. He amputates some victims, kicks the severed heads of others across rooms and exercises the right to rape anyone in his domain. He isn’t a twisted caricature, but a preening narcissist; the shogun inexplicably plans to promote him.
To correct this evil in the land, Sir Doi (Mikijiro Hira) seeks the samurai Shimada (Koji Yakusho) and finds him peacefully fishing atop a ladder in the sea — but with his sword of course nearby. Shimada then seeks another dozen warriors to join him, and this process is familiar to us from countless other movies. Each of the recruits has his own personality and back story, some more elaborate than others, and of course there must be a little comic relief, although Koyata (Yusuke Iseya) grows more serious in the heat of battle.
The odds for these heroes seem impossible; they are only 13 and Lord Naritsugu fields at least 200 against them. Miike spares us the whimsy that 13 good men can defeat 200 evil ones, and has his samurai rig an entire village as a trap. It’s clear this is planned, but the details remain vague, and when the surprises begin, it would be logical, I think, to ask exactly how the assassins found the time and resources to marshal such an elaborate ambush. Logical, but not fair; you don’t ask questions like that in movies that require your belief.
Samurai films have a rich history, and Miike evokes it elegantly with traditional costumes, idealistic dialogue, sharp characterizations, and a gloriously choreographed fight sequence that must extend in one form or another for 40 minutes. I often find fight scenes in movies boring, because they substitute movement for drama. But in “13 Assassins,” characters are involved who we know and understand, and the general melee is broken down into structured vignettes. Hollywood action directors could study this film, especially in the way it focuses on story in the midst of violence.
There is a subtext in the film. The 13 assassins are essentially making a last stand for the traditional samurai code. Modern times are encroaching on Japan, and the shogunate is corrupt, decadent and a hive of nepotism. I was reminded in a lateral way of Yamata’s “Twilight Samurai” (2004), a very good film set in 1868, about a samurai who works for his clan as an accountant, and is forced to recall the code of his tradition.
While watching “13 Assassins,” I was sure CGI effects must have been used, but I was rarely able to notice them. That’s the point, as it always was in traditional special effects: to deceive the eye, not insult it. Most of the movement here is at least somewhat plausible in terms of the real world. Too often CGI is an excuse for what amounts to live-action cartoons. Here is a film that could be studied for its lessons by the manufacturers of Friday night action blockbusters.
10/09/24
Run for the high country, 2018, Paul Winters
Um experiente marechal dos EUA é emboscado ao rastrear um bando assassino de foras-da-lei ao longo da fronteira sul dos Estados Unidos. Deixado para morrer, o marechal é salvo por um menino navajo perdido com quem ele forma uma amizade improvável. Leva todas as habilidades de sobrevivência do Marechal para protegê-los enquanto levam o menino de volta para o país Navajo em Monument Valley.
11/09/24
O Preço de um Covarde, Bandolero!, 1968 Andrew V. McLaglen
No iutubi aqui
“O Preço de Um Covarde”, de Andrew V. McLagen
Por Octavio Caruso -24 de julho de 2016
O Preço de Um Covarde (Bandolero! – 1968)
Dois irmãos fogem da justiça em território infestado de bandoleiros e são perseguidos por xerife que quer resgatar garota que eles levaram como refém.
Sabe quando você lê muitas críticas negativas sobre um filme obscuro, comentários que te sugerem desprezar a obra, material que te faz postergar a sessão por vários anos? Isto aconteceu comigo com relação a “O Preço de Um Covarde”.
Na época em que estava caçando todos os filmes com o James Stewart, achei que este não valia o esforço do garimpo, não havia saído em VHS, não encontrava completo na internet, o diretor Andrew V. McLagen não me inspirava simpatia pelos trabalhos já vistos, acabei me focando em outras produções mais elogiadas da fase final do ator.
Só fui conhecer quando a distribuidora Classicline lançou pela primeira vez em DVD por volta de 2005. E fico feliz que ela esteja relançando agora com uma cópia de ótima qualidade, o filme merece.
Este foi daqueles casos de amor à primeira vista, eu não sabia se tinha sido a riqueza psicológica dos personagens, a fantástica trilha sonora de Jerry Goldsmith que fiquei cantarolando por dias, a beleza hipnótica de Raquel Welch, o carisma matador de James Stewart e Dean Martin, o cantor na melhor atuação de sua carreira cinematográfica, ou o desenrolar fascinante da trama.
A ideia divertida envolvendo Stewart disfarçando-se de carrasco foi copiada de “Estigma da Crueldade”, mas, no geral, a história abraça terrenos pouco explorados, com a competência usual de Hal Needham coordenando as sequências de ação.
O xerife, vivido por George Kennedy, disposto a cruzar sozinho o perigoso caminho dos bandoleiros para resgatar uma enigmática mulher que o despreza, uma viúva que é muito mais valente do que todos os personagens masculinos.
Ela, inicialmente uma refém indefesa, aspecto já realçado no material de divulgação, acaba desorientando o seu sequestrador, vivido por Martin, um sujeito desencantado com o amor, em luta constante com seus valores familiares, e que é redimido ao final pela persistência de seu irmão, mais um grande momento de Stewart no gênero.
O desfecho é lindo, a força da mulher confortando o irmão que acaba de perder aquilo que era mais precioso em sua vida: o filho pródigo que tomba iluminado finalmente pela réstia de esperança que sempre buscou.
E esta redenção faz com que o irmão moribundo, que havia sido seduzido a pisar na trilha do erro, roubando um banco, reúna suas últimas forças para o ato derradeiro, segundos antes de falecer: entregar o dinheiro na mão do xerife.
12/09/24
Arca Russa, Russkiy kovcheg, 2002, Aleksandr Sokurov
Crítica | Arca Russa por Luiz Santiago 17 de agosto de 2016
Arca Russa foi filmado em um único dia, pouco antes do solstício de inverno de 2001 e em um único e histórico plano-sequência de 96 minutos. Através dele, Aleksandr Sokúrov, que antes de ser cineasta é historiador, metaforiza a passagem bíblica do dilúvio e da Arca de Noé para nos fazer rememorar 300 anos de História da Rússia em um passeio pelo Museu Hermitage, o complexo monumental que inclui o famoso Palácio de Inverno dos Romanov e que serve como reflexão sobre a literatura, escultura, artes plásticas, música, arquitetura, teatro e, de maneira metalinguística e na ponta do iceberg, o cinema da “Grande Mãe” através dos tempos.
O filme é conhecido por seu pioneirismo técnico [notem que a ideia de plano-sequência não era inédita no cinema, mas nunca houvera sido feita com 96 minutos sem cortes com essa proposta narrativa — um filme de longo plano chamado Time Code, quase com a mesma duração, mas com proposta narrativa diferente, menor elenco e espaço, já tinha sido realizado dois anos antes], pela tremenda e admirável logística de filmagem pelo Museu, lidando com 2 mil atores, passando por 33 salas, filmando 3 orquestras em três diferentes ocasiões e, no plano conceitual, refletindo sobre a questão russa a partir da visão cultural e “disputa” com os medalhões europeus, tais como França, Itália, Alemanha, Áustria…
O filme é uma metáfora a duas arcas bíblicas, à já citada Arca de Noé, e também à Arca da Aliança, que era uma espécie de “museu ambulante” para o povo hebreu, carregando as coisas mais valiosas para sua identidade e prova dos milagres que Deus havia realizado para eles. Desse modo, o Hermitage tanto flutua sob as águas do dilúvio da História, arrastado pela memória, mas também mantido vivo por ela; quanto é simbolicamente carregado pelo povo russo, pois contém em seu interior algumas das mais valiosas realizações humanas, vindas de diferentes lugares e épocas.
Para aproveitar bem o filme, o espectador deve entender que Arca Russa é um exercício cinematográfico e histórico, uma viagem no tempo exposta de forma semidocumental e guiada por dois personagens, um cineasta do século XXI perdido no tempo (o próprio Sokúrov, cuja visão subjetiva é o foco da câmera) e Marquês de Custine, também chamado de O Estrangeiro e O Europeu. Desde a chegada de Sokúrov ao passado e o início de sua viagem temporal, onde cada grupo de salas representa décadas ou séculos diferentes (uma justaposição de tempos, pois o conteúdo artístico exposto nas salas é, na maioria das vezes, mais antigo do que o tempo histórico mimetizado nas cenas), vemos que um dilema é destacado: a europeização da Rússia, questão tão conhecida dos escritores nacionais no século XIX.
A partir da metade da obra, esse dilema vai aos poucos ganhando cores políticas e o diretor faz duras mas disfarçadas críticas ao comunismo e sua “arte para as massas” — talvez venha dessa interpretação o apontamento de que o filme seja reacionário e maneirista, o que evidentemente é uma bobagem — e fala sobre as mortes em massa no país, durante a invasão da Alemanha, na 2ª Guerra Mundial, e durante todo o período Stalinista (a sala dos caixões é um misto de terror e humor negro que traz isso à tona).
Os diálogos se dividem em pequenas frases, discussões ou acertos vistos de maneira solta, todos caraterísticos de sua época, a começar pelo Czar Pedro, o Grande (1672 – 1725), que é visto batendo em um General, logo no começo do filme, e terminando com o último baile dado no Palácio de Inverno (1913), quatro anos antes da Revolução Russa, evento que acabaria por depor e assassinar a família Romanov, da qual vemos um pequeno (e esteticamente belo) momento, logo antes do baile, quando se reúnem à mesa.
Entre esses dois extremos, o filme escorre por um ensaio de uma peça de teatro, assistido pela Czarina Catarina II, a Grande (1729 – 1796) e que mais à frente, já velha, vemos correr pelos jardins suspensos; à recepção do Embaixador da Pérsia feita pelo Czar Nicolau I (1796 – 1855), na Sala São Jorge do Hermitage, onde em 1906 se reuniria a Duma, no início da fragilidade da monarquia russa; a um momento com a família do Czar Nicolau II (1868 – 1918), onde também é destacada a mais travessa de suas filhas, a Princesa Anastásia; e, como um ponto histórico fora da curva, projetado para um “futuro próximo”, a citação ao Cerco de Leningrado (1941 – 1944).
É esse cenário histórico, sonhador, simbólico, metafórico, artístico e, por que não, caótico e confuso, que Sokúrov mergulha e manipula com maestria. Ele se desloca como um cineasta do século XXI (filmando Arca Russa em 2001) para o século XIX, sem saber aparentemente como, e retrocede para o século XVIII, avançando no tempo a partir daí, conhecendo personalidades históricas, encontrando-se com o Marquês de Custine e balbuciando, repetindo ou negando muitas das conclusões negativas que o Marquês faz sobre a Rússia.
A ambivalência narrativa aumenta e se torna mais deslocada — como em um verdadeiro exercício de memória, onde as coisas se confundem e as falas se tornam uma bagunça mista de lembrança e invenção — ao sabermos que as falas de Custine foram retiradas do conjunto de livros La Russie en 1839, escritos pelo Marquês após o período em que esteve na Rússia.
Passado, presente e perspectivas de futuro, sob diferentes pontos de vista, são pinçados no filme tendo obras de arte e salas do museu como motivadores críticos. Isto pode até afetar a experiência do público no início e travar um pouco a sessão no miolo da obra, que é menos incisiva do que o restante, mas se olharmos o filme como um fluxo físico da memória de uma nação, é natural que tenhamos, em trezentos anos, momentos vivos e momentos de bastidores; silenciosos e musicais; claros e escuros a serem considerados e representados.
A “Rússia de ontem” e a “Rússia de hoje” são espelhadas e geram perguntas, pessimismo e uma tomada de consciência sobre o que se é a necessidade de avançar na História, não parar no tempo, prosseguir. Isto é aplicado tanto ao contexto sociopolítico do filme quanto à maneira de fazer cinema de Sokúrov, com seu virtuosismo estético e o fato de aqui, optar filmar com câmera digital (em 2001, o formato metia medo na maioria dos diretores e havia a polêmica do “cinema pasteurizado” que o digital geraria), uma que ele mesmo mandou construir para poder suportar o armazenamento de material em disco rígido, tudo isso em um aparato que se ligava à steadicam diretor de fotografia Tilman Büttner, que baila pelo Hermitage contornando sombras, capturando diferentes nuances de luz natural e bem organizadas intervenções de luz da própria produção e fazendo de cada sala-e-época uma diferente experiência visual para o espectador.
Com um intenso trabalho de toda a equipe técnica e setores que precisaram fazer pesquisas diferentes para cada espaço visitado pela câmera (figurinos, cabelo e maquiagem, principalmente), Arca Russa termina com o limite do “futuro a ser descoberto”, como o mar cheio de monstros que os navegadores do final do século XV um dia enfrentaram. Amedrontador e cercando todo o Museu, o mar é a própria encarnação do tempo, isolando o passado em um [quase] inacessível lugar para o qual retornar é impossível, a não ser através da lembrança. Arca Russa é a máxima exposição dessa lembrança. Filmada em um único fôlego, fluindo como o tempo, a película se sagra não apenas como um memorável tour de force técnico, mas também como uma reflexão sobre a História da Arte durante um certo período da História da Rússia. Inegavelmente uma obra dirigida por um historiador. Um dos filmes mais interessantes do início do século XXI.
Arca Russa (Russkiy kovcheg) — Rússia, Alemanha, Japão, Canadá, Finlândia, Dinamarca, 2002
Direção: Aleksandr Sokúrov Roteiro: Aleksandr Sokúrov, Anatoli Nikiforov
Elenco: Sergey Dreyden, Mariya Kuznetsova, Leonid Mozgovoy, Leonid Mozgovoy, Mikhail Piotrovsky, David Giorgobiani, Aleksandr Chaban, Lev Eliseev, Oleg Khmelnitsky, Alla Osipenko, Artyom Strelnikov, Tamara Kurenkova, Maksim Sergeev, Natalya Nikulenko, Elena Rufanova, Yelena Spiridonova
12/09/24
Fiore gemello, 2018, Laura Luchetti
Anna é uma menina adolescente que está sendo perseguida incansavelmente por um homem em busca de manter seu segredo longe de ouvidos públicos. Ela encontra refúgio na companhia de Basim, um refugiado do oeste da África que quer ir para o norte da Europa. Viajando juntos, eles fogem das terríveis forças que controlaram seu passado e buscam a oportunidade de construir uma nova vida. Adorocinema
13/09/24
Rebel Ridge, 2024, Jeremy Saulnier
Rebel Ridge | Novo filme da Netflix tem quase 100% de aprovação; conheça
Longa é estrelado por Aaron Pierre e Don Johnson
André Zuliani, 06.09.2024
A Netflix estreou nesta sexta-feira (6) o drama de ação Rebel Ridge, estrelado por Aaron Pierre (Tempo) e Don Johnson (Watchmen). O filme tem incríveis 93% de aprovação dos críticos no site Rotten Tomatoes, uma das melhores avaliações de filme em 2024.
Na trama, Terry Richmond (Aaron Pierre) chega a Shelby Springs com uma missão simples, mas urgente: pagar a fiança do primo e salvá-lo do perigo. Mas depois que as economias de Terry são confiscadas injustamente, ele precisa encarar o delegado Sandy Burnne (Don Johnson) e seus policiais prontos para a agressão.
Terry recebe a ajuda inesperada da oficial de justiça Summer McBride (AnnaSophia Robb), e os dois se envolvem em uma conspiração que toma conta da cidade. Correndo cada vez mais riscos, Terry precisa apelar ao seu passado misterioso para liberar a comunidade do domínio da polícia, fazer justiça para a própria família e ainda proteger Summer.
Rebel Ridge é descrito como "um suspense dinâmico e muito humano que analisa a corrupção e a moral, sempre com muita ação, tensão e reviravoltas." A direção é de Jeremy Saulnier, que comandou filmes como Sala Verde e Noite de Lobos.
14/09/24
Fogo contra fogo, Heat, 1995, Michael Mann
Crítica | Fogo Contra Fogo (1995) por Fernando Campos 27 de janeiro de 2017
Certas pessoas parecem ter nascido predestinadas a realizar algo em sua vida. Seja um hobby, emprego ou mero talento, alguns indivíduos simplesmente não conseguem viver sem determinada ocupação. No entanto, às vezes, esse sentimento pode ser tão forte que consome tudo a nossa volta, impedindo-nos de dedicar a devida atenção à outras áreas, como um relacionamento, por exemplo. Fogo Contra Fogo apresenta-nos justamente a dois homens, interpretados pelas lendas Al Pacino e Robert De Niro, que são absorvidos totalmente pelas funções que exercem, sobrando migalhas para os que estão ao seu redor.
O longa mostra logo no início um assalto no qual são roubados US$ 1,6 milhão de títulos ao portador e três policiais são mortos no assalto. Assim, um detetive da Divisão de Roubo e Homicídio (Al Pacino) assume o caso. Apesar de contar com poucas pistas, de estar lidando com o profissional Neil (Robert De Niro) e sua quadrilha e de ter problemas em sua vida pessoal, ele tenta impedir que esta quadrilha continue operando.
A fotografia utilizada por Michael Mann, com uma paleta de cores baseada no preto e azul, apresenta-nos ao universo obscuro e solitário dos protagonistas, uma vez que, mesmo estando em lados opostos da lei, ambos convivem diariamente com o crime, um executando e o outro impedindo. Aliás, a ótima edição do filme intercala as ações dos dois personagens justamente para destacar o quão semelhantes suas vidas são: um fracasso nos relacionamentos, sem nenhuma família para apoiar, mas implacáveis em suas profissões. Portanto, o roteiro, também escrito por Mann, foge do clichê mocinho e bandido presente em filmes de assalto, pelo contrário, ele desenvolve Vincent e Neil com a mesma atenção, fazendo com que o público se importe com ambos e elevando a trama para além da investigação e ingressando em uma esfera mais intimista da história.
Suas semelhanças resultam até em uma admiração mútua, como pode ser visto no maravilhoso diálogo que ocorre no café, um dos poucos entre eles dentro do filme mas extremamente bem construído e significativo para a trama. Quando os dois conversam, suas semelhanças ficam mais expostas ainda, a ponto de pedirem conselhos, como se eles tivessem consciência que apenas o homem a sua frente entenderia sua situação. Em determinado momento, Vincent pergunta “você nunca quis ter uma vida normal?” e ouve como resposta de Neil que a monotonia do mundo jamais se igualará a emoção que passam, algo que somente eles entendem dentro daquele universo, igualando-os ainda mais. Apesar do respeito que desenvolvem, os dois deixam claro como não hesitarão em matar o outro caso seja necessário, ressaltando como suas profissões sempre estarão sempre a frente da empatia por alguém e qualquer tentativa para alcançar isso, como os casamentos do detetive, por exemplo, acaba sendo frustrada.
Portanto, Mann não poderia ter escolhido uma dupla de atores melhor do que Pacino e De Niro, uma dupla que por si só já faz o filme valer. Al Pacino consegue transmitir perfeitamente a dedicação de seu personagem pelo trabalho, a persistência excessiva em desvendar seus casos, utilizando até mesmo métodos controversos, no entanto, a mesma força não é vista tendo que lidar com problemas em casa. Já De Niro não está abaixo e constrói com precisão em Neil um ser solitário, calculista e incomodado com a situação atual de sua vida.
Além dos dois protagonistas, o filme também dá um tratamento especial aos coadjuvantes, principalmente Chris, interpretado de forma competente por Val Kilmer, apresentando suas famílias e mostrando seu lado humano, dando um peso ainda maior à história, uma vez que, caso ocorra a morte de algum personagem, ela será mais sentida pelo público.
Se não bastasse a bela trama, Michael Mann ainda nos presenteia com uma de suas grandes direções na carreira, abusando de planos gerais e planos de ambientação, combinados com a fotografia sombria, para criar uma Los Angeles magnética e repleta de obscuridade, como se corrompesse cada um de seus personagens. Além disso, a direção de arte é precisa em destacar a solidão de Neil, através de sua casa vazia e sem móveis; enquanto o misancene, colocando Vincent e Justine em lados opostos do quadro, estabelece os problemas conjugais deles.
Somente pelo aguardado encontro entre Al Pacino e Robert De Niro (que estiveram juntos em O Poderoso Chefão Parte 2, mas não contracenaram), o filme já valeria a pena. No entanto, a interação entre os dois atores é apenas um detalhe frente ao grande filme que Michael Mann nos entrega em Fogo Contra Fogo, um poderoso estudo de personagem sobre dois homens que, consumidos totalmente por seus trabalhos, acabam influenciando tudo a sua volta.
16/09/24
Folhas de Outono, Kuolleet lehdet, 2023, Aki Kaurismäki
‘Folhas de Outono’ explora a busca pelo amor em meio às decepções da sociedade industrial
Indicado ao Globo de Ouro, 'Folhas de Outono', novo filme do finlandês Aki Kaurismäki, é um exemplo comovente do legado minimalista de seu diretor.
por Paulo Camargo 20 de dezembro de 2023
Ocineasta finlandês Aki Kaurismäki é figura emblemática do cinema contemporâneo, reconhecido por seu estilo minimalista, consistente ao longo das últimas décadas. O brilhante Folhas de Outono, vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2023, é um testemunho cativante desse legado muito especial.
A produção, indicada ao Globo de Ouro de melhor filme internacional, está em cartaz nos cinemas brasileiros e apresenta detalhes intrigantes, como uma cena em que a protagonista usa um computador com se fosse algo exótico à sua existência. A trama gira em torno dessa personagem, Ansa (Alma Pöysti, também indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz). Após perder o emprego em um supermercado, onde é acusada de estar levando para casa comida com prazo de validade vencido, ela aluga um laptop em busca de novas oportunidades de emprego.
A atmosfera nostálgica, com calculadoras retrô e um rádio dos anos 1960, contrasta no filme de modo fascinante com uma suposta modernidade. Helsinque, capital da Finlândia, é retratada como uma cidade retrô, quase deserta, onde o ritmo cotidiano não parece convidar à sociabilidade, ao encontro, e sim à solidão. A trama se passa em um futuro próximo: o ano de 2024.
A interação entre Holappa (Jussi Vatanen), um operário pobretão, e Ansa é bastante singular, marcada por diálogos bem-humorados, mas também lacônicos. O relacionamento entre eles, foco central da trama, é desenvolvido com muita delicadeza, refletindo a essência reservada, tímida, da classe trabalhadora finlandesa.
O filme destaca o primeiro encontro do casal no cinema, revelando a solidão da protagonista por meio de uma compra simples: um novo prato, já que ela vive sozinha – é sutil, porém tocante, a homenagem de Kaurismäki ao clássico Desencanto, do britânico David Lean, presente no cartaz finlandês do filme da década de 1940 e na premissa dos encontros fugidios entre os protagonistas, traço em comum com a história de Folhas de Outono. O apartamento de Ansa é austero, com um aparelho de rádio que emite apenas notícias sobre a guerra na Ucrânia, trazendo um toque contemporâneo e algo trágico ao enredo.
O cerne do enredo reside no dilema do alcoolismo de Holappa. Embora não seja explicitado, seu conflito com a bebida é evidente. Ansa confronta essa situação, forçando-o a escolher entre ela e o álcool.
As demissões de ambos, por motivos como beber em horário de trabalho, e consumo de produtos fora da validade, refletem ocupações sem perspectivas, tema recorrente na obra de Kaurismäki. Isso o aproxima do estilo engajado e proletário do cineasta britânico Ken Loach. Os filmes de Kaurismäki capturam os resquícios da classe média-baixa, explorando a busca pelo amor em meio às decepções da sociedade industrial.
Folhas de Outono, como outras obras de Kaurismäki, exala um encanto simples, algo excêntrico. Na era da fragmentação, suas produções imutáveis são como viagens de máquina do tempo de volta a um passado não determinado, melancólico, mas que, ainda assim, permite otimismo e redenção.
"Folhas de Outono": a discreta bruxaria de Aki Kaurismäki
18/09/24
Hiroshima, meu amor, Hiroshima mon amour, 1959, Alain Resnais
Crítica | Hiroshima Meu Amor por Luiz Santiago 26 de junho de 2018
A concepção de Hiroshima Meu Amor (1959), última obra cinquentista da Nouvelle Vague, veio para o diretor Alain Resnais como um documentário sobre as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Ao pensar em como deveria representar isso, o diretor se viu aprisionado. Ao mesmo tempo que não queria repetir a linha narrativa do holocausto abordada em Noite e Neblina (1956), o diretor não queria deixar o aspecto da destruição de lado, tendo já a ideia de trabalhar a passagem do tempo, a reconstrução das cidades e a forma como as pessoas foram deixando de falar de Hiroshima e Nagasaki, com o “retorno à vida normal“. Foi aí que ele encontrou solo fecundo para plantar a semente que seria o longa: uma mescla de dimensões históricas e emotivas, alteradas e perturbadas constantemente pelos caprichos da memória.
O fato de ser um já experiente documentarista antes de filmar Hiroshima Mon Amour deu a Resnais a clara noção de que representar memória e emoção em tela, tendo como temas adicionais um evento histórico de peso + a discussão sobre destruição e reconstrução, exigia um elemento que a realidade em si (a matéria-prima do documentário) não fornecia por completo. Daí a opção por não criar um documentário e sim uma ficção que parecesse um documentário. Para a tarefa, o cineasta convidou ninguém menos que Marguerite Duras, uma das principais vozes da literatura feminina na Europa, tendo iniciado sua carreira com Os Imprudentes, em 1943. Duras fazia parte do movimento literário Nouveau Roman, uma quebra com o estilo e características do romance psicológico, baseando-se no fluxo de consciência dos personagens, recusando-se a descrevê-los, tratando-os como objetos sujeitos ao espaço e a outros indivíduos-objetos, moldando-se a partir daí. Até aquele momento, apenas um dos livros de Duras havia sido adaptado para o cinema, em Terra Cruel (1957), de René Clément.
A abertura do filme é uma poesia visual de negação de palavras que nos tira completamente o chão. Corpos cobertos de areia, corpos suados, corpos em posição de morte e sexo, corpos vivos e aparentemente mortos, livres e soterrados… corpos são mostrados enquanto ouvimos um jogo de palavras entre Ele (Eiji Okada) e Ela (Emmanuelle Riva), os personagens sem nome que, ao final do filme, tornam-se eles mesmos a face da mutação do corpo, das ideias, da vida: tornam-se cidades. Cenas do filme Hiroshima (1953), de Hideo Sekigawa, também são mostradas nesse início e o horror da guerra, os impactos da destruição e as muitas versões da história se aglutinam em cada uma das imagens que vemos, assim como no diálogo inicial, entre a afirmação, a negação, a revisão e emenda do que alguém afirma ter sentido ou vivido.
"_ Você não viu nada em Hiroshima. Nada
__ Eu vi tudo. Eu vi o hospital, tenho certeza disso. O hospital que existe em Hiroshima. Como eu não poderia tê-lo visto?
__ Você não viu um hospital o Hiroshima. Você não viu nada em Hiroshima."
Em As Estátuas Também Morrem (1953) e Toda a Memória do Mundo (1957), Resnais já havia trabalhado os caminhos da construção da História cultural/oral também a partir de versões, de percepções e de sentimentos. Em Hiroshima, seus personagens simplesmente são afogados pela memória, cada um encarnando um elemento básico de recriação do espaço, de segundas e terceiras versões de um fato acontecido. Ele é o “arquiteto ligado à política”. O homem que projeta construções junto aos que detêm o poder. Ela é atriz e está rodando um filme sobre a paz naquela cidade — uma muitíssimo bem colocada linha metalinguística na película. Em todo o tempo, vemos o romance de um dia entre esses indivíduos se descortinar, revelar coisas novas (a traição de ambos) e memórias d’Ela (aquela que representa) para Ele (aquele que projeta). A linguagem é forte, parcialmente enigmática e abarrotadas detalhes, boa parte deles representados de forma pioneira por Resnais, em um uso inovador (e não só para a época!) do flashback como ponto de partida e chegada para o “passado malvado” d’Ela, quando se apaixonou, aos 18 anos, por um oficial nazista.
Em alguns momentos do filme há um certo vazio ou estranheza de ações que mancham essa jornada pessoal dos protagonistas, começando das risadas editadas com distância incômoda dos diálogos, o estranho tapa, a porta aberta do hotel, o fato d’Ele estar o tempo todo presente, seguindo os passos d’Ela de maneira que não nos parece orgânica — culminando na massacrante cena final, uma despedida para ambos, agora soltos no mundo. Do presente, como indivíduos de memória alterada e ressentida, eles pensam em um futuro em que são todas as memórias e ressentimentos de duas cidades.
Ali, firma-se o tipo de memória que, como Hiroshima e Nevers, ou como a música minimalista e densa de Georges Delerue e Giovanni Fusco, ou ainda, como a fotografia de Michio Takahashi e Sacha Vierny, passam, transformam-se e criam outras atmosferas dependendo do que vão enfrentar a partir desse momento. Como som e luz, os sentimentos, as memórias e as cidades se destroem mais uma vez, no coração da dupla, para então renascerem, como se nenhum deles tivesse visto ou vivido nada, embora ambos conservem essa memória alterada do que um dia viveram, condenados a mudar de reação diante do que se lembram. Exatamente como aconteceu com todas as cidades destruídas por todas as guerras. E todas as cidades reconstruídas em seguida, para um dia, talvez, serem destruídas novamente, com base em algo que transpassa o horror. Não o sentimento-atriz. Mas o sentimento-arquiteto. O amor.
02/10/24
Pinguim, The Penguin, Minissérie de televisão, 2024, Lauren LeFranc
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04/10/24
Warriors - Os Selvagens da Noite, The Warriors, 1979, Walter Hill
Crítica | Os Selvagens da Noite (The Warriors) [1979]
Victor Martins 11/07/2018
Às vezes, um filme começa mostrando um fato histórico real, que servirá como base para a história a ser contada na projeção. Logo, no início de “The Warriors”, ao vermos um breve relato sobre uma batalha ocorrida na Grécia, para, nas próximas 1h33 não vermos nada de relacionado a esta, nem a coragem que foi dada como o ponto de ligação, o público pode pensar que está para ver algo incrivelmente pretensioso.
Mas não é o caso desse filme, felizmente. Dirigido por Walter Hill e lançado no ano de 1979, a história contada é a da gangue Warriors. Ao serem convocados por uma reunião pelo líder da maior gangue de Nova York e por presenciarem, junto com os outros grupos, o assassinato desse líder, os Warriors viram quem foi o criminoso em questão, mas eles são os acusados do fato. Assim, eles começam uma jornada para voltar ao seu território de origem, com todas as gangues de Nova York e a polícia em seu encalço.
A projeção tem como grande qualidade a estruturação de seu roteiro e de suas sequencias de ação, sempre muito movimentadas, mas sem a velocidade exagerada de muitos filmes por aí, mesmo aqueles que apresentam uma temática similar e ambientados no futuro.
Na montagem, os cortes são muito bem encaixados, dando tempo igual de tela para os nove integrantes dos Warriors, assim, o espectador percebe que a gangue é formada por pessoas completamente diferentes umas das outras, unidas apenas por sua igual imaturidade e necessidade de identificação social, tem o líder, o inteligente, os que não querem nada com nada e claro, o metido e prepotente que se acha imbatível mesmo com todos os erros e crimes que comete.
Além desses cortes, o estilo de mostrar a história como se fossem histórias em quadrinhos é interessante e adequado para a obra, já que a Nova York mostrada é uma cidade sitiada e dominada pelo caos criado pelas gangues das diferentes áreas e bairros da metrópole.
Em suas cenas de ação, o filme sabe como explorar bem todos os personagens envolvidos, sem esquecer de nenhum, nem dos Warriors e nem das gangues rivais, todos os envolvidos nas brigas são participantes iguais, sem distinção de personagens principais dentro das sequencias, isso se deve muito pelos cortes bem encaixados citados acima.
Apesar disso, muitos dos diálogos do filme são bobos e sem nenhuma lógica dentro da história que está sendo contada, assim como o “romance” entre Swan – líder dos Warriors – e uma moça que eles encontram no meio da jornada, esse segmento secundário não convence e se tivesse sido cortado o filme seria mais coeso.
Logo, “The Warriors” é um filme muito fácil de ser assistido, graças a uma estrutura perfeita e a uma história que prende a atenção do público, por ter várias cenas de ação e por mostrar uma Nova York que quase não é vista.
The Warriors: Os SEGREDOS e POLÊMICAS do MELHOR filme de gang da história!
13/10/24
De repente, no último Verão, Suddenly, Last Summer, 1959, Joseph L. Mankiewicz
Roteiristas: Tennessee Williams&Gore Vidal&Isabelle Kloucowski
De Repente, no Último Verão por Sérgio Alpendre em 11 de abril de 2020
O que mais me espanta nesse filme cruel de Joseph L. Mankiewicz, realizado em 1959 em preto e branco, é o transtornado Montgomery Clift como um neurocirurgião especialista em lobotomias.
Suas falas com tremores, sua feição de psicopata, seu olhar de suicida em potencial, informam que não foi fácil contracenar mais uma vez com Elizabeth Taylor, a paixão de sua vida desde, que eu lembre, Um Lugar ao Sol (1951), o grande melodrama noir de George Stevens.
Nessa escolha de elenco reside a crueldade do filme, que se torna ainda mais estranho ao mostrar que a pessoa mais perto do normal de todo o filme é justamente aquela que é acusada de louca, e a mais perturbada é aquela que deve cuidar profissionalmente dessa louca. Não me parece um acidente.
Ilustrador de roteiro, cineasta da palavra, cineasta sem olhar… Já ouvi falar essas coisas e muitas mais de Mankiewicz, que aqui parece enfrentar diretamente essas acusações fazendo um filme que, muitas vezes, parece cair direitinho nelas. Afinal, as palavras de Tennessee Williams e Gore Vidal têm um peso ameaçador e é difícil um cineasta se libertar delas e ainda confrontar a máquina hollywoodiana.
Mas é só ilusão. O olhar vivo de Taylor se cruza com o olhar perturbado de Clift sob a vigilância do olhar tenebroso de Katharine Hepburn. E temos assim a melodia de olhar de que falava Nicholas Ray. E Mankiewicz mostra que sua direção ainda é plenamente cinematográfica, capaz de resistir até às pressões de uma megaprodução como Cleópatra (1963).
De Repente, No Último Verão, como bem apontou Angélica Garcia Manso em seu ótimo livro El Cine Frente al Espejo, sobre a obra de João César Monteiro, apresenta uma série de paralelismos com À Flor do Mar (1986), do grande cineasta português. Segundo a autora,
“quando Laura instala Robert no quarto que serviu de atelier de pintura de seu finado marido Virgílio, o náufrago interroga a sua anfitriã quando se deu a morte de seu marido, Laura responde com a expressão ‘Suddenly, last summer’, o que constitui indubitavelmente, uma referência explícita” (p. 78).
Há também uma relação entre os mortos presentes nos dois filmes, Sebastian Venable no filme de Mankiewicz, Virgílio no de Monteiro. Ambos ligados à produção artística. Poeta, o primeiro, pintor, o segundo. E há ainda outros fatores que ligam os dois filmes, expostos no trabalho da investigadora, incluindo frames comparativos, quando possível.
Prefiro outros longas de Mankiewicz: O Fantasma Apaixonado (1947), Quem é o Infiel? (1949), A Malvada (1950), A Condessa Descalça (1954). Até, dependendo do dia, Eles e Elas (1955). Mas não há, entre seus filmes, um mais cruel e doente que De Repente, No Último Verão.
14/10/24
No calor da noite, In the heat of the night, 1967, Norman Jewison
Crítica | No Calor da Noite (1967) por Ritter Fan 14 de abril de 2020
"Eles me chamam de SENHOR Tibbs!
– Tibbs, Virgil"
Em meio ao calor úmido da cidadezinha fictícia de Sparta, no Mississipi (filmada na cidadezinha real de Sparta, em Illinois), o negro “vestido de branco” Virgil Tibbs é preso sob suspeita de assassinato unicamente por ser a única pessoa “de cor” em local em tese suspeito em uma região onde o racismo escorre de cada poro e ecoa em cada palavra. Seguindo silencioso para a delegacia, onde o chefe de polícia, feliz com a resolução quase instantânea do crime – já que é óbvio que foi o negro que matou a vítima branca – Tibbs então revela que é um policial da Filadélfia de passagem por ali em razão de uma visita à sua mãe.
Não existem dúvidas em No Calor da Noite. Não existem nuances sobre o racismo ou hesitação em tratar o racismo. Em plenos anos 60, no ponto alto do caldeirão racial que foi – e é – o movimento de direitos civis nos EUA, um filme como esse não só ter sido lançado, como ter obtido sucesso avassalador (que gerou não uma, mas duas continuações em 1970 e 1971, além de uma longeva série de TV) e, mais ainda, ter sido indicado a sete estatuetas do Oscar e tendo levado cinco, inclusive a de Melhor Filme, é uma vitória impressionante que merece ser reconhecida para além de suas qualidades intrínsecas.
Tibbs, vivido de maneira elegante por Sidney Poitier quatro anos depois de seu trabalho em Uma Voz nas Sombras que lhe valeu o Oscar de Melhor Ator e no mesmo ano do tematicamente semelhante Adivinhe Quem Vem para Jantar (que também concorreu ao Oscar de Melhor Filme), não é um homem de movimentos e atitudes bruscas que evidenciam sua raiva interior. Muito ao contrário, Tibbs é a calma em pessoa, mas uma calma falsa que Poitier revela ser assim por seus olhares, por suas reações faciais às situações mais terríveis que ele é exposto e não exatamente esfriam quando ele é revelado não só como policial, mas também como o maior especialista em homicídios de sua cidade, o que o leva, muito a contragosto, a permanecer em Sparta para ajudar a incompetente força policial local a resolver o misterioso crime.
Muito ao contrário, a cunha racial é cravada ainda mais profundamente quando os conhecimentos de Tibbs são empregados em deduções até óbvias que os caipiras brancos que deveriam saber fazer seu trabalho não só não captam, como respondem com raiva e desdém. Sim, é bem verdade que, em Sparta, pouco ou nada de tão grave acontece, mas a incompetência policial ultrapassa qualquer nível de razoabilidade e todas as atitudes de Tibbs, por mais simples que pareçam, literalmente jogam luz na mais completa boçalidade local.
Mas o “whodunit” procedimental, ou o mistério sobre a morte do industrial Phillip Colbert que há pouco tempo passara a investir fortemente na cidade, não é o foco da narrativa. Na verdade, esse aspecto do roteiro é simplório, com a investigação de Tibbs repleta de achismos e de conveniências que não funcionariam bem se o filme fosse só isso. O que realmente interessa é como o caminho investigativo liderado por um afro-americano em uma cidade em que os negros só podem ser subservientes mexe com os habitantes locais e força uma relação hesitante e desconcertante de buddy cop entre Tibbs e o chefe de polícia Bill Gillespie, vivido espetacularmente por Rod Steiger, que, como de costume, desaparece no papel.
Sofrendo xingamentos de todos os lados e agressões físicas de um grupo de jovens caipiras com direito a carros com placas da bandeira que eles acham que era dos Confederados – grupo esse que tem uma entrada um tanto aleatória na trama e não é bem resolvido, por sinal – Tibbs usa sua expertise não só para resolver o crime como para dar uma lição em todos, ainda que seu objetivo maior seja sair daquela sufocante cidade o mais rapidamente possível. Nesse contexto, a ação é rápida e não perde tempo com minúcias, com Norman Jewison usando muito mais o visual do que o roteiro de Stirling Silliphant, por sua vez baseado em romance de John Ball de dois anos antes, para impulsionar a narrativa. Nesse cenário, a fotografia quente de Haskell Wexler (Quem Tem Medo de Virgina Woolf?, Um Estranho no Ninho) é chave para passar o desconforto geral e a opressão do lugar, com muito cuidado, pela primeira vez que se tem notícia na Sétima Arte depois da adoção de cores, com a iluminação da pele escura de um afrodescendente, evitando o brilho excessivo que tende a esmaecer os detalhes principalmente do rosto.
No Calor da Noite é um filme que, em um mundo ideal, não seria realmente nada espetacular não fosse os inegáveis destaques para as atuações de Poitier e Steiger. Mas, inserido em seu contexto histórico e considerando a forma direta, sem firulas e visualmente chocante com que aborda os horrores do racismo, ele merece todo o destaque possível, especialmente sabendo que o vemos acontecer em Sparta repete-se, de uma forma ou de outra, com maior ou menor intensidade, praticamente em todo lugar mesmo depois de tantas décadas.
21/10/24
Rastros de Vingança, Against a Crooked Sky, 1975, Earl Bellamy
No iutubi aqui
The eldest daughter of a pioneer family is kidnapped by a mysterious Indian tribe and the eldest son pursues. In order to win back his sister's freedom, he must sacrifice his own life by passing the test of "Crooked Sky" and shield his sister from an executioner's arrow. Along the way, he recruits a broken down, drunk prospector to help him track down the unknown tribe and rescue his sister
22/10/24
O Vingador Silencioso, Il grande silenzio, 1968, Sergio Corbucci
Nos vemos no paraíso, Au revoir là-haut, 2017, Albert Dupontel
Critica por Rodrigo de Oliveira
Já nos primeiros minutos, Nos Vemos no Paraíso se revela uma produção de personalidade. Com uma câmera criativa, que passeia por trincheiras de guerra agilmente enquanto persegue um cão, o diretor Albert Dupontel (que também assina o roteiro e estrela o longa) diz, de bate-pronto, que nas próximas duas horas nos dará um belo e inteligente passatempo. Adaptando a obra de Pierre Lemaitre, Dupontel se viu ganhando seu segundo César na categoria Melhor Roteiro e ainda venceu, pela primeira vez, a disputada estatueta de Melhor Diretor. Ao todo, foram cinco prêmios na prestigiada festa francesa, com mais oito indicações, transformando o filme em um dos mais lembrados de 2018. Não é pouco para este belíssimo trabalho, falho apenas em alguns pontos do seu roteiro.
Na trama, boa parte ambientada no início dos anos 20, na França, acompanhamos o soldado Albert Maillard (Dupontel) em sua trajetória após a Primeira Grande Guerra. Tendo a vida salva pelo amigo Edouard Péricourt (Nahuel Pérez Biscayart), que ficou terrivelmente desfigurado após o conflito, Albert tem uma dívida enorme com o rapaz e resolve ajudá-lo a esconder sua situação do pai, o austero Marcel (Niels Arestrup). Na farsa, o sargento culpado por tê-los colocado naquela situação de morte, o cínico Henri Pradelle (Laurent Lafitte), acaba ajudando, meio sem querer. De volta à sua terra natal, Albert e Edouard começam a bolar um plano para ganhar dinheiro fácil, virando golpistas de arte. Mas, o passado tem um jeito curioso de alcançá-los.
Com senso de humor notável, Dupontel conta esta história dramática de forma leve. Aqui temos a guerra, cicatrizes tanto físicas quanto sentimentais, mas o clima do filme não deixa que esses assuntos sejam conduzidos de maneira séria demais. Isso não significa, no entanto, que o longa seja leviano ou raso. É muito mais uma questão do talento do cineasta para realizar algo lúdico, quase cartunesco em dados momentos. Guardadas as proporções, mais ou menos como Roberto Benigni fez muito bem em A Vida é Bela (1998). Embora aqui, a guerra seja bem mais um pano de fundo que dá o start às ações das figuras principais.
Dupontel é destaque no elenco, construindo um personagem adorável, por sua vontade de alegrar o irmão de armas num momento dos mais difíceis. Biscayart, por sua vez, capricha na pantomima para construir seu Edouard, homem que perdeu seu maxilar na guerra e que utiliza máscaras das mais criativas para transmitir seu humor. Niels Arestrup, Melánie Thierry e Laurent Lafitte mantém o elenco em alto nível, todos indicados ao César nas categorias de atuação (junto de Dupontel). Biscayart poderia muito bem ter sido lembrado também.
Algo que incomoda no roteiro – e, imagina-se, seja um tanto culpa do livro – são as coincidências da história. A ligação dos personagens não faz tanto sentido, com a suspensão de descrença do espectador precisando estar no máximo para acreditar em alguns encontros. Nem a história de moldura funciona – Albert conta o que aconteceu com ele a um homem da lei, com toda a ação do filme sendo um grande flashback. O twist do final é mais uma gigantesca coincidência, que tira pontos valiosos do longa-metragem. Felizmente, a trama vinha sendo bem contada anteriormente, com boas performances do elenco, fazendo com que não levemos em tamanha conta esses pecadilhos do roteiro.
26/10/24
Cinco vezes Favela, 1962, Miguel Borges ("Zé da Cachorra"), Joaquim Pedro de Andrade ("Couro de Gato"), Carlos Diegues ("Escola de Samba Alegria de Viver"), Marcos Farias ("Um Favelado") e Leon Hirszman ("Pedreira de São Diogo")
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Título original: “Cinco Vezes Favela”. Ano: 1962. Direção: Marcos Farias (episódio “Um Favelado”), Miguel Borges (episódio “Zé da Cachorra”), Joaquim Pedro de Andrade (episódio “Couro de Gato”), Carlos Diegues (episódio “Escola de Samba Alegria de Viver”) e Leon Hirszman (episódio “Pedreira de São Diego”). Roteiro: Marcos Farias ( “Um Favelado”); Miguel Borges (“Zé da Cachorra”); Joaquim Pedro de Andrade e Domingos de Oliveira (“Couro de Gato”); Carlos Diegues e Carlos Estevão (“Escola de Samba Alegria de Viver”); Leon Hirszman e Flávio Migliaccio (“Pedra de São Diego”). Elenco: Flávio Migliaccio, Valdir Fiori, Waldir Onofre, João Angelo Labanca, Claudio Bueno Rocha, Peggy Aubry, Jandira Aguiar, Paulinho, Sebastião, Damião, Napoleão, Ayrton, Milton Gonçalves, Cláudio Correia e Castro, Oduvaldo Viana Filho, Abdias Nascimento, Maria da Graça, Jorge Coutinho, Glauce Rocha, Sadi Cabral, Francisco de Assis, Joel Barcellos, Cecil Thiré. País: Brasil. Produção: Centro Popular de Cultura da UNE, Instituto Nacional do Livro, Saga Filmes, Tabajara Filmes, Marcos Farias, Leon Hirszman, Paulo César Saraceni. Fotografia: Mário Carneiro, George Dusek, Özen Sermet. Música: Carlos Lyra, Hélcio Milito, Mário Rocha, Geraldo Vandré.
Sinopse: Antologia de cinco contos sobre os habitantes das favelas do Rio de Janeiro. No primeiro, um homem endividado (Migliaccio) é levado a participar de um crime. Na segunda parte, o despejo de uma família resulta no embate de forças entre um líder comunitário (Onofre) e o grileiro que se apossou do local (Labanca). No terceiro conto, meninos precisam caçar gatos pela cidade, para vendê-los como matéria-prima de tamborins. No quarto, os preparos de uma escola de samba para o carnaval afetam a vida dos moradores do morro. Por fim, trabalhadores de uma pedreira percebem que as casas da favela em que eles mesmos moram serão ameaças pelo empreendimento.
“Cinco Vezes Favelas” é um documento histórico em mais de um aspecto. É um marco da cultura, tendo reunido vários jovens realizadores do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE. Integrantes do Cinema Novo, os autores de “Cinco Vezes Favela” buscavam obcessivamente a aproximação dos artistas e do público das camadas mais pobres da população. Entre esses jovens idealistas, encontramos nomes que fariam história no cinema nacional, como Cacá Diegues e Leon Hirszman. O filme é também um retrato das favelas cariocas de mais de cinquenta anos atrás, já com problemas que, nas décadas seguintes, a cidade não poderia mais ignorar. Por fim, há o valor artístico da obra em si, cuja mensagem permanece forte. Todos os episódios retratam pessoas cuja vida é marcada pela pobreza e pela luta constante pela simples sobrevivência. As saídas encontradas para os limites financeiros variam de episódio para episódio: podem ser criativas, desesperadas ou conformistas. Podem, até mesmo, ser lúcidas e construtivas de uma coletividade mais forte que os indivíduos. E, por vezes, a solução encontrada é dolorosa, reveladora da responsabilidade que jamais deveria recair sobre os ombros de uma criança. O mais jovem protagonista do filme é o menino que, apenas em outra realidade, poderia ter uma amizade duradoura com seu gato. “Couro de Gato”, sublime trabalho primordial de Joaquim Pedro de Andrade, é o melhor segmento, dando ao filme um caráter universal que transcende até mesmo seu riquíssimo valor histórico.
Elenco
Flávio Migliaccio, Waldir Fiori, Isabella Cerqueira Campos, Alex Viany, Maria Lúcia Lessa, Álvaro Costa e Silva, Carlos Estevão, José Henrique Montes, Armando Costa, Paulo C. Barroso, Cosme dos Santos, Waldir Onofre Labanca, Peggy Aubry, Cláudio Bueno Rocha, Jandira Aguiar, Vicente Severino da Silva, Vera Santana, Marina Carvalho, Paulo Henrique, Ubirajara Ramos, Manoel Gomes, José Gonçalves Cantídio Neves, Francisco de Assis, Riva Nimitz, Henrique César, Milton Gonçalves, Napoleão Muniz Freire, Cláudio Corrêa e Castro, Paulinho Sebastião, Aylton Damião, Oduvaldo Vianna Filho, Abdias Nascimento, Maria da Graça, Jorge Coutinho, Creston Portilho, Glauce Rocha, Sadi Cabral, Procópio Mariano, Joel Barcellos, Haroldo de Oliveira, Zózimo Bulbul, Cecil Thiré, Andrey Salvador, Joaquim Santana Filho, Jair Bernardo, Adolfo Souza, Osvaldo Frazão
CINCO VEZES FAVELA(1962) E CINCO VEZES FAVELA-AGORA POR NÓS MESMOS(2010):
ANÁLISE COMPARATIVA DOS DISCURSOS FÍLMICOS
Anne Caroline Fernandes Alves Lima
27/10/24
Arraial do Cabo, 1960, Mário Carneiro&Paulo César Saraceni (curta)
Com fotografia deslumbrante de Mário Carneiro, que co-dirige o filme, e texto do jornalista Claudio Mello Souza, o documentário mostra as transformações sociais e as interferências nas formas primitivas de vida de pescadores do vilarejo de Arraial do Cabo, no litoral do Estado do Rio de Janeiro. A Fábrica Nacional de Álcalis, que se instalou no local, causa a morte dos peixes, o que faz com que muitos integrantes da comunidade partam em busca de trabalho. Os modos tradicionais de produção se chocam com os problemas da industrialização. Gravuras de Oswaldo Goeldi abrem o filme. filmeow
Arraial do Cabo (1960), de Paulo César Saraceni e Mario Carneiro
Arraial do Cabo: um filme antinaturalista por vocação
Uma reportagem ou pesquisa, invariavelmente, sempre tem no horizonte avançar, aprofundar – o máximo possível – no tema, cenário e personagens nos quais se debruça. Parece ser o movimento oposto o que propõem Mario Carneiro e Paulo César Saraceni em Arraial do Cabo (1959). O que nos desconcerta é todo o mundo fora de campo, preservado em sua dialética e complexidade – seria por escrúpulo e fina autoconsciência dos realizadores?
Talvez “generosidade” seja a palavra mais apropriada para nos aproximarmos dessa experiência de desnaturalização do real. Reconhecer a limitação do registro, a representação como um olhar que se abre e se projeta sobre a natureza e o homem, sem nunca aspirar sua captura, o mero flagrante da realidade. É um procedimento rosselliniano: esbarrar-se com a beleza, o fluxo cotidiano em seu pormenor e surpresa. Mas, é bom que se frise, não há nada de aleatório em tal carpintaria de imagens.
Arraial do Cabo é, no fundo, antinaturalista por vocação. Trata-se de pensar e compor, antes de se apropriar da geografia, das histórias e silhuetas sócio-políticas de uma gente, de um lugar. Logo no primeiro plano, é como se ouvíssemos a orientação dos cineastas: “pegue o copo, beba o café, vá até a porta!”. O gesto, diante do dispositivo cinematográfico, é sempre “posado”, então Carneiro/Saraceni exploram o potencial dramatúrgico, quase ficcional, que impõe a simples presença de uma câmera. Por outro lado, ao expor o “comando”, orientar a ação, libera o personagem de “falsear” o que é, o que faz… É um caminho para se encontrar algo de imprevisível, franco, pessoal – esse é o trabalho da arte.
Assim, quando entramos no mundo industrial – e aqui estamos numa vila de pescadores em travessia para o ambiente fabril – não é o olhar do recém-operário, subjugado pela “modernidade”, que encontramos. É um olhar épico, imponente e arquetípico, que se constrói em cada estágio de um assombroso plano de ascensão, imantado num volúvel contra-plongée a nos lembrar, o tempo todo, da instabilidade de qualquer perspectiva prévia. Temos, aí sim, a certeza de que a oposição, o paradoxo entre dois regimes de trabalho, será abordado fora da dualidade reducionista (o bom selvagem versus o automatismo assalariado).
Se há tanto a absorver e mapear, através dos nossos sentidos e vivências, no decorrer de menos de 20 minutos de projeção, é porque o espectador também é instado, aqui, a participar da conversa, ocupar seu espaço no discurso (estruturado como um diálogo) e, no meio desse trajeto, criar novos e atemporais vínculos com aquele momento histórico. Quer dizer: agora, qual a nossa distância de Arraial do Cabo? Bem que poderia ser a mesma que separa o mar, a fábrica, do bar, para o qual todos convergem, no filme, após o trabalho.
Em certo sentido, a eleição desse espaço comum, festivo, representa a recusa do pragmatismo temático, do mero engajamento ideológico, em favor da poesia, da digressão certificada. No fim das contas, são os “desvios” que conferem maior perenidade ao relato, é aquilo que não passa, que não é passado, mas subsiste em nossas relações, a “etnografia da amizade” a que se refere o também cineasta Ricardo Miranda ao revisitar a obra de Saraceni em outro documentário.
Bem, Arraial do Cabo é a pedra de toque desse projeto cinematográfico, o ponto de partida de “uma etnografia da amizade” – a liga que une Saraceni a Carneiro, e eles aos habitantes dali, à nós, depois de tantos anos e sempre que reencontramos o filme. De todas as utopias que o cinema (novo, velho ou atual, documental e de ficção) alguma vez ousou conjurar, essa espécie de comunhão é a que ainda persiste e nos refugia. E isso está documentado.
28/10/24
Porto das Caixas, 1963, Paulo César Saraceni
No iutubi aqui
Vestígios de um abandono
Porto das Caixas (1962) é um filme que assimila muito bem a sua temática com sua abordagem estética. A pobreza e a desolação, presentes como um pano de fundo definidor na história, são mediadas por uma construção minimalista de espaços ausentes e contrastes sombrios. Uma composição pictórica rigorosa que contou com o essencial talento de Mário Carneiro, exímio diretor de fotografia que também dedicou parte da vida à pintura.
O filme de Paulo César Saraceni situa a pequena cidade de Porto das Caixas a partir de uma atmosfera espectral: poucos passantes, espaços inóspitos, uma constante impressão de abandono. A personagem de Irma Álvarez deambula pelo ambiente como se fosse a única pessoa com vida.
Consciente do seu corpo – e invariavelmente dos seus desejos – em meio a um âmbito angustiante e vertiginoso. Oprimida pelo marido, a mulher busca, ao mesmo tempo, satisfazer certa ânsia por um mínimo contato físico como também encontrar outro homem que esteja disposto a tirá-la daquela situação, matando seu atual esposo.
Se existe uma tradição do cinema moderno em que o drama se funda pelo espaço – e aí podemos pensar de Rossellini a Antonioni -, onde é a superfície que faz primeiro brotar seus personagens e trata aqueles corpos numa dupla relação de consequência-dependência do ambiente em que se encontram, Porto das Caixas é dos exemplos mais poderosos.
É a partir de um apuro narrativo que equilibra a abordagem política com a construção tensional do périplo da protagonista que o filme faz da condição da personagem a definição do seu entorno.
Por onde Irma Álvarez passa, existe uma desolação que se articula simultaneamente como contexto social deflagrado (a pobreza, a cidade esquecida, as falsas promessas dos políticos) e atmosfera psicológica atordoante, absolutamente melancólica tanto em sua ordem material como existencial.
Existe uma transparência que é tanto bruta, espontânea e mesmo documental no caminhar da personagem e em seus encontros, como estilizada, precisa ao propor muito abertamente um jogo sombrio, uma imanência tétrica que se revela a essência daquele universo.
Nas sequências na pequena casa da protagonista o tom é de um constante pesadelo claustrofóbico. Internas escurecidas onde o espaço é muito pouco preenchido, dando lugar a um jogo de corpos e luzes, de enfrentamentos entre marido e mulher que reiteram não só uma frustração física (a falta de contato, a incomunicabilidade constante), como um estranhamento afetivo, um tormento que nunca encontra a solidariedade no próximo.
A fotografia de Mário Carneiro intui muito bem essa dinâmica opressiva em que o espaço vai engolindo seus habitantes. Na cena em que Irma Álvarez se deita com o personagem de Reginaldo Faria nos trilhos do trem, em plena noite, tudo ao redor do casal é absolutamente escuro. Uma luz pontual, que na lógica da cena vem apenas de uma lamparina, recorta a figura de ambos enquanto eles se afundam na escuridão.
A sequência salienta o relevo dos corpos enquanto torna todo o fundo do quadro vazio, desestabilizando uma dependência figurativa da superfície e dos entornos, ressaltando uma maleabilidade plástica ao mesmo tempo que situa os personagens em uma cena de amor sepulcral – eles se beijam como se fossem se enterrar na escuridão.
Além disso, a maneira como diretor e fotógrafo abordam as locações sempre nivela uma aproximação estética estimulante com uma representação simbólica de iconografia propícia: a fábrica em ruínas, o trem como elemento propulsor de um imaginário cinematográfico, os arredores da cidade como esse não-lugar. O filme opera, em vários sentidos, um rigor entre a evidência da realidade e uma concepção visual simbólica.
Este primeiro longa de Paulo César Saraceni é revelador dos procedimentos que o diretor iria adotar ao longo da carreira. Uma investigação cinematográfica que, à parte o seu claro interesse social e cultural pelo nosso país, concebe uma dinâmica imagética moderna à sua maneira.
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