quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O rabo da cachorra

Osorianas - parte 1            

No dia 25 de agosto de 1854 Francisco Barreto e Simão Antônio Marques assinaram a escritura de doação de terras para o patrimônio de Divino Espírito Santo. Barreto doou 62 alqueires e Simão 20 alqueires. A cidade de Barretos apareceu a partir daí. Na verdade nesta data eles não tinham a posse destas terras. A posse da Fazenda Fortaleza, dos Barreto, foi registrada nos assentos do capelão Justino Ferreira Rocha, em Jaboticabal no dias10 de abril e 29 de maio de 1856. A fazenda Monte Alegre, dos Marques, foi registrada junto ao mesmo capelão em 10 de abril de 1856. Nestes registros, em Jaboticabal, esteve presente José Francisco Barreto, filho de Francisco Barreto e genro de Simão Antônio Marques. José Francisco, na época, era casado com Mariana Cândida de Jesus (Mariana Librina).

Devido a esta posse até hoje, em Barretos, existe o “terreno foreiro ao Patrimônio do Divino Espírito Santo” com imposto em transações imobiliárias. O Divino fica com 2,5% do valor do imóvel.

Barretos (1854) é uma jovem cidade do século 19 assim como Jaboticabal (1828), Araraquara (1817), Frutal (1887), Batatais (1839), Bebedouro (1884), Campinas (1842), Ribeirão Preto (1856) e São José do Rio Preto (1852). Jovem se comparada a Jundiaí (1665), São Paulo (1554), Vitória do Espírito Santo (1551), Salvador (1549) e Rio de Janeiro (1565).

Conta Osório Rocha (no livro obrigatório Barretos de outrora, 1954) que Barretos em 1860 era um lugarejo amodorrado na pasmaceira e enervando-se na rotina. Nem a gente mais abastada tinha conforto, cultura, higiene e emoções artísticas. Para a maioria o cabo de enxada, da foice, do machado, sol a sol, ou lidas com o gado; alimentação ruim; mulheres fazendo sabão, azeite para as candeias, polvilho, laticínios rudimentares, torrando farinha, fiando, lavando roupas. O monjolo era a única máquina economizadora de trabalho. Nas povoações, os diz-que-diz-que, a politicagem rasteira, as conversas na botica e dos sórdidos botequins de cachaça, gazoza e cocada.

Mas nas décadas de 1860 e 70 ocorreram mudanças no amodorrado interior do Estado de São Paulo. A construção da ferrovia ligando Jundiaí a Campinas foi iniciada em 15 de março de 1861. Em agosto de 1875 inicia-se a construção da ferrovia (Companhia Mogiana) ligando Amparo, Jaguari e Mogi Mirim. O trem de ferro chegou a Barretos em 1909. E junto todos os benefícios e malefícios do capitalismo.
A geada de junho de 1870 devastou a região do Vale do Rio Grande. Nas palavras de Osório, quelque chose malheur est bom.  E assim vieram os rebanhos de gado e o café em alta pós-geada.
A rotina barretense na década de 1860 era de abertura de mais vendas e lojas além de muitas negociações de terras. Casamentos e batizados aconteciam aos montes. Mas tinha um problema: os padres vinham de fora da cidade. Vinham de Araraquara, Jaboticabal e Frutal.

Aí que vem a estória da cachorra do padre Sassi.

Segundo Osório Rocha em 16 de abril de 1874 ratifica-se a escolha do padroeiro da capela do Divino Espírito Santo. A paróquia foi canonicamente instituída em 2 de julho de 1887. O 1º casamento religioso foi de Manoel Francisco dos Santos e Maria Rosa de Jesus em 11 de julho e o 1º óbito foi de José Joaquim dos Passos em 15 de julho de 1887. Nesta época a capelinha em que estes ofícios se realizavam ficava próxima do local em que está, hoje, a Matriz. Ali na rua 18 entre as avenidas 19 e 21 no local em ficava a antiga Associação Rural do Vale do Rio Grande.
Mas só em 1º de setembro o padre Felipe Ribeiro da Fonseca Rangel, de Araraquara, lavrou o termo de abertura do respectivo livro, entregando-o ao padre Henrique Sassi . Os barretenses achavam esquisito o nome do padre. Sobre o nascimento do filho, o professor Ferreirinha anotou em seu diário, com a devida vênia, “foi baptisado pelo Padre Sacy”.

Padre Henrique Sassi foi vigário em Barretos de 1878 a 1880. Ele era muito amigo dos animais. Quando voltou para a Itália levou consigo muitos papagaios que já falavam algumas palavras em italiano. Tinha uma cachorra perdigueira de grande estimação. Quando a cachorra morreu o vigário teve o desatino de enterra-la no cemitério da avenida 21 (na verdade este cemitério localizava-se entre as avenidas 17 e 23 e entre as ruas 22 e 26).
Diz-se que o sacristão (e coveiro), de nome Marques, um dia no cemitério ouviu de cabelo em pé, uma voz vinda do túmulo da cachorra:
- Vocês me sepultaram em lugar sagrado. Agora, por castigo, Barretos vai afundar!
Marques saiu do cemitério aterrorizado. E não ficou por aí. Com o tempo o rabo da cachorra transformado em arvore cada vez mais grossa cresceu para os lados da igrejinha. Quando chegasse a tocar nos alicerces do templo, aí sim seria a desgraça.
Generalizou-se o pânico na cidade. Sem distinção de classe, o espanto estava entre lavadeiras, caipiras e gente abastada.
- Sá Mariana diz que o rabo da cachorra já tem três metros e está desta grossura!
- Valha-me Nossa Senhora das Dores! É castigo! Cruz credo, Ave Maria!


                                Edson Pereira Cardoso, novembro de 2012.


NB:
Nas palavras de Osório “naquele tempo, a semente das mais absurdas crendices e supertições achava terreno propício para germinar e propagava-se depressa na bisbilhotice das ruas do arraial. A população compunha-se em sua quase totalidade de analfabetos ou semialfabetizados nas escolas locais”.
É certo que em 1890 o analfabetismo atingia a cifra de 67,2% (Fernando de Azevedo). No interior do Brasil este índice, provavelmente, seria maior. Mas será que crendices tem relação direta com o analfabetismo? O DNA brasileiro é uma mistura de brancos, negros e índios. E junto toda a sua cultura. Somos a soma de mulatos (branco com negro), mamelucos (índio com branco) e cafuzos (índio com negro). Até hoje, sem distinção de classe, temos benzedeiras, mandingas, cartomantes, numerologia, amuletos e devotos (ateus) de São Jorge.
Enquanto existir cavalo São Jorge não anda a pé.

Para ilustrar transcrevo uma popular lenda indígena parente do causo da cachorra do padre Sassi.

A lenda da Mandioca
Em épocas remotas, a filha de um poderoso tuxaua apareceu grávida. Quis ele punir o autor da desonra de sua filha e para isto empregou rogos, ameaças e castigos. Tudo foi em vão a filha dizia que nunca se ligara a homem algum. O chefe tinha deliberado mata-la quando lhe apareceu em sonho um homem branco que disse para não mata-la, pois ela era inocente. Passado o tempo da gestação, deu ela a luz a uma menina lindíssima e branca, causando isto tanta surpresa que todas as tribos vizinhas vinham  vê-la.  Deram-lhe o nome de Maní e ela andou e falou precocemente.  Passando um ano morreu a menina sem ter adoecido nem dado mostras de dor.  Enterraram-na própria casa , segundo o costume do povo, descobriram  a casa e regaram a  sepultura.  Algum tempo depois brotou da cova uma planta desconhecida e por isso não a arrancaram. Cresceu, floresceu e deu frutos.  Os pássaros que comeram os frutos se embriagaram e este fenômeno estranho, aumentou-lhes superstição pela planta. A terra fendeu-se afinal; cavaram-na e julgaram reconhecer no fruto que encontraram  o  corpo  de  Mani. Comeram-no e assim aprenderam  a  usa-lo. O fruto  recebeu  o nome de Mani-oka que significa casa de Mani. Que é a nossa Mandioca de hoje.
              
http://www.velhobruxo.tns.ufsc.br/Lenda002.html  em 15/11/2012

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A greve nas IFES



No dia 10 de setembro último a assembleia da Adufes decidiu pela manutenção da greve, mas deu indicativos de saída unificada após mais de 120 dias de greve. De um comunicado desta assembleia:

Em uma das assembleias da categoria mais participativa e acalorada, a votação massiva pela continuidade da greve – 100 a favor, 58 contra e apenas 5 abstenções – expressa a insatisfação dos professores com o não avanço das negociações e com a postura intransigente do Governo Dilma.
Até o próximo dia 13, todas as universidades do Brasil farão assembleias e indicarão para o Comando Nacional de Greve/Andes-SN os rumos da greve. A data para a saída unificada será definida pelo CNG, considerando as sugestões enviadas pelas assembleias.

Como saldo do movimento tem-se o PL 4368/12 enviado pelo governo ao congresso e postura intransigente deste governo em relação ao sindicato nacional, Andes-SN.

Algumas observações pessoais sobre o movimento:

1. O governo ignorou a proposta de reestruturação da carreira proposta pelo sindicato.
2. Houve vacilações do sindicato: durante a última mesa da negociação, em agosto, deveríamos formular uma contraproposta e não simplesmente negar a proposta do governo.
3. Do ponto de vista econômico houve ganho: considerando a remuneração atual, o PL dá ao docente Associado I reposição de 25 % até março de 2015; ao docente Adjunto I, neste período, dá 31,2%. De forma geral o governo apresentou o índice de 15 %, neste período, às outras categorias do serviço público federal.
4. O Proifes, braço governamental no movimento docente, foi derrotado nesta greve. Docentes de universidades como a UFRGS e UFMG (base deste braço) se rebelaram. Contra as decisões do Proifes participaram da greve e fizeram parte do comando de greve nacional do Andes-SN.
5. Hoje o esforço para se valer nossas propostas de reestruturação da carreira estão no Congresso Nacional.

Abaixo a última carta aberta do Comando de Greve Local da Adufes.

CARTA ABERTA
PORQUE OS PROFESSORES DA UFES PERMANECEM EM GREVE

Entramos em greve por duas questões centrais para o Magistério Superior:
a reestruturação do plano de carreira e melhoria das condições de
trabalho nas Universidades Públicas do País. Estas duas questões estão
intimamente relacionadas com a concepção de Universidade que defendemos
para o nosso País e, portanto, interessam diretamente a toda a população
brasileira.

Reestruturação da Carreira: Nossa proposta de Plano de Carreira foi
construída e aprovada desde as bases do ANDES - Sindicato Nacional,
entre os anos de 2010 e 2011. Uma proposta coerente e consistente e que
está claramente fundada em princípios democráticos que estimulam e
fortalecem a concepção de educação superior pública, gratuita, laica, de
qualidade e socialmente referenciada na classe trabalhadora. Que prima
pela autonomia do universo acadêmico, pelo desenvolvimento comum entre
os pares, pela noção de diretos preservada em toda estrutura da
carreira, pelo equilíbrio entre ensino, pesquisa e extensão, pela
natureza absolutamente pública da política de educação, pela importância
estratégica do investimento público em pesquisa e da valorização da
dedicação exclusiva, pelo reconhecimento e tratamento equânime das
diferenças regionais, pela paridade entre ativos e inativos, pela ideia
de fomento à formação permanente, etc.

Melhoria das condições de trabalho: Sofremos na Universidade com o
Reuni, programa de ampliação de vagas nas Universidades de forma
atabalhoada e sem planejamento, criação da Empresa Brasileira de
Serviços Hospitalares (EBSERH), uma empresa pública de direito privado
que (pré)privatiza os hospitais universitários, o Banco de Professor
Equivalente (BPE), que inibe as licenças para capacitação, saúde e
maternidade, responsabilizando os/as professores/as quando da ausência
de seus pares, as metas e os critérios de produtividade para o trabalho
docente reafirmando a sua precarização e intensificação, a
regulamentação da retribuição por projetos que ataca a dedicação
exclusiva ao incentivar professores a captarem recursos como forma de
complementação salarial, a falta de insumos básicos nos locais de
trabalho, ampliação na terceirização de serviços, a reposição dos
quadros remunerados e permanentes com professores voluntários, etc.
Estes são exemplos que trazem a essência de um projeto
precarizante-privatista conduzido pelo governo federal em subserviência
à grande burguesia nacional e internacional, distante dos interesses da
maioria da população brasileira.

O movimento docente vem denunciando há quase 4 meses de greve as
prioridades deste governo! A proposta imposta ao movimento pela
assinatura de um acordo com um Sindicato Fantasma não dialogou com
nossas reivindicações. O Governo Federal apresentou uma proposta que
nada mais era do que um golpe de marketing, divulgando aumentos entre
25% e 40%, quando na verdade não cobria a inflação passada e a futura,
reduzindo salários dos professores. Além disso, afirmou que gastaria
4,2 bilhões de reais para a reestruturação da carreira docente em três
anos. É uma quantia irrisória se comparada ao cancelamento sumário da
dívida de 17 bilhões de reais das entidades privadas de ensino superior,
aos 133 bilhões gastos a título de incentivo à privatização de auto
estradas e ferrovias, aos 155 bilhões previsto na LDO para o superávit
primário de 2013 (reservado para o pagamento parcial dos juros de uma
dívida pública que só faz crescer), bem como se considerados os   R$ 66,
bilhões  de recursos do Tesouro Nacional já repassados apenas este ano
ao BNDES para financiamento adicional de projetos de grandes empresas.

Continuamos em greve por que entendemos que a população brasileira
precisa de um novo projeto de universidade e somente a luta dos
professores junto com a comunidade pode impedir e reverter a implantação
deste projeto precarizante e privatista.

Comando Local de Greve

A GREVE É FORTE! A LUTA É AGORA!



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A era do écran, a internet e o vício

Estranha esta dependência dos écrans. Como espécie, começamos a passar o tempo todo a olhar para os écrans. Não olhamos uns para os outros. Vamos à casa da família para jantar e o rapaz tem um Black Berry, a rapariga tem outro, o pequenino está a fazer os deveres no computador, o marido está a ver um jogo de hóquei e a mulher está a ver a Oprah. Vivemos em paralelo. Não olhamos uns para os outros, mas juntos para o écran. John Calley (1)

Vivemos na estranha era do écran, da imagem em tela plana. A charge abaixo do Miguel Paiva para o artigo Ger@ç@o vici@d@ (Ana Cláudia Guimarães, O Globo de 22/07/2012) mostra bem esta era.


Porque a tela plana do computador, da TV, do iPhone, Black Berry, do Tablet e outras bugigangas tecnológicas seduzem a geração do século XXI?  Nossos olhos vêm em 3D o mundo real. O écrans, em 2D, nos transportam para um mundo, virtual ou não, mais fácil para nossos olhos. Será?
Estamos na década 10 deste século. A novidade desta década é o acesso à internet não mais com o laptop residencial fixo, mas seu acesso via dispositivos móveis (wireless) como o iPhone, que não deixa de ser um computador. Por isso da cena, hoje comum, em restaurante: a família toda dialogando, em silêncio, com seus respectivos écrans como previu John Calley.

Você conhece pessoas viciadas em internet? Claro que conhece. É o vício contemporâneo. No artigo de O Globo, acima citado, o coordenador do Núcleo de Saúde Mental do Pró-Cardíaco, Rio de Janeiro, o psiquiatra Luiz Antônio Martins diz que esses pequenos viciados em tecnologia são como dependentes químicos e têm duas vezes ou mais chances de ter depressões e se tornarem reclusos: existe uma tendência que vem com a própria pessoa. É um adicto, um escravo do computador. São pessoas compulsivas.

Já convivi com viciados em drogas lícitas e ilícitas. Prazer e inferno convivem como irmãos. E uma característica peculiar: estes irmãos vivem num sem fim. Não existe limite enquanto não acabar a droga. O cara começa às 10 da noite de um dia e vai até às 10 da noite do outro dia. O fim acontece quando acaba a droga (cerveja, uísque, cocaína, maconha etc.) ou com a taquicardia.

Sobre o vício internet, uma pesquisa da Academia de Ciências de Wuhan, China, relata:
Os efeitos da Internet Addiction Disorder - IAD, ou Distúrbio pelo Vício da Internet -, que já é reconhecida pelos órgãos de saúde ao redor do planeta, reconhecendo como doentes aquelas pessoas que usam a internet de forma excessiva. Os cientistas analisaram o cérebro desses internautas, e descobriram que o vício em internet pode romper fiações nervosas no cérebro, causando assim um nível de dano cerebral semelhante ao que vemos nos viciados em drogas.
Durante os testes, alguns usuários tinham o seu acesso aos computadores negado. Eles experimentaram angústias e sintomas de abstinência, incluindo tremores, pensamentos obsessivos e movimentos involuntários dos dedos - como se estivessem digitando em um teclado imaginário.
Os cientistas utilizaram uma técnica de ressonância magnética por imagem, para olhar os efeitos do vício na internet na estrutura do cérebro. Os estudos foram realizados com 16 adolescentes que usam a internet de forma moderada, e outros 17 internautas que passam muito tempo conectados. Os resultados foram comparados caso a caso. Esse tipo de pesquisa, explorando as diferenças entre o cérebro normal e o cérebro de um indivíduo que sofre de vício de internet é algo inovador, já que os resultados mostram um impacto neural semelhante àqueles que sofrem de outros vícios. Isso mostra que as alterações sofridas em determinadas áreas do cérebro não são causadas apenas pelo consumo de substâncias externas, mas também por fatores comportamentais. (2)

Stanley Kubrick e Arthur C. Clark são os responsáveis pelo filme 2001 uma odisseia no espaço de 1968. Estão lá temas como exploração do espaço, inteligência artificial, naves e estações interplanetárias e a existência ou não de outros seres na via láctea. E, importante, a interferência das tecnologias na evolução dos seres humanos.
Kubrick tem uma obra cinematográfica com marcas no antibélico e no pessimismo em relação à humanidade e seu futuro. Os primeiros 20 minutos do filme mostram a evolução de uma comunidade de macacos desde seu início como herbívoros até os hábitos carnívoros e a descoberta das armas (ossos de animais abatidos) que utilizam em defesa de seus territórios.




A nave espacial é controlada por um computador de nome Hal (Heuristically programmed ALgorithmic computer). Os astronautas dialogam em viva voz com Hal o tempo todo. Num certo momento da estória tem início os conflitos da tripulação com a máquina. Hal é desligado após a morte de um astronauta devido a sua influência. A máquina nasce, vive e morre como os seres vivos.

O vilão do filme é Hal, o computador. Será profecia?

Citações

(1)    Depoimento de John Calley (1930-2011), produtor de filmes (como Closer – perto de mais de 2004) para o documentário Vision of a Future Passed: The Prophecy of 2001 de 2007 sobre o filme 2001, uma odisseia no espaço de Stanley Kubrick.

(2)    http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2012/01/viciados-em-internet-sofrem-danos-cerebrais-semelhantes-ao-efeito-de-drogas.html em 12/06/2012

(3)    2001, uma odisseia no espaço (1968), Stanley Kubrick, Blu-ray Disc, Videolar, 2007. O documentário citado em (1) consta deste DVD.

terça-feira, 24 de julho de 2012

A morte


De Luis Fernando Verissimo
Em O Estado de São Paulo, de 12 de Julho de 2012

A morte não terá domínio

Li que Samuel Beckett dizia que quem morria passava para outro tempo. Não queria dizer outro mundo, com um presumível outro clima. Referia-se ao tempo do verbo. Entre todas as mudanças provocadas pela morte havia essa: o morto passava irremediavelmente ao pretérito. Era bom pensar assim. A morte acontecia no mundo antisséptico das palavras e das regras gramaticais, nada a ver com a decomposição da carne. O "é" transformava-se em "era" e "foi", e pronto. A migração do morto, em vez de ser da vida para o nada, era só entre categorias verbais.
A vida vista como uma narrativa literária nos protege do horror incompreensível da morte. Podemos nos imaginar como protagonistas de uma trama, que mesmo quando não é clara indica alguma coerência, em algum lugar. O próprio Beckett só escreveu sobre isso: a busca de uma trama, qualquer trama, por trás do aparente absurdo da experiência humana. E um enredo, ou um sentido que faça sentido, só pode ser buscado na narrativa literária, no encadear de palavras que leva a uma revelação, mesmo que esta não explique nada, muito menos a morte. E se falar, falar, falar sem cessar, como fazem os personagens do Beckett na esperança de que aflore algum sentido não der resultado, pelo menos está-se fazendo barulho e mantendo a morte afastada. A literatura tem essa função, a de uma fogueira no meio da escuridão da qual a morte nos espreita. Ou de uma matraca contra o silêncio final. Vale tudo, mesmo a garrulice incoerente de um personagem do Becket, contra a escuridão e o silêncio.
Num poema que fez sobre seu pai moribundo Dylan Thomas o insta a reagir ferozmente contra o esvaecer da luz - "Rage, rage against the dying of the light" - e a não se entregar à morte sem uma briga. Não sei se o Beckett encontrou o consolo que procurava pelos seus mortos na ideia de que tinham apenas mudado de tempo de verbo mas imagino que, como Dylan Thomas na sua poesia inconformada, tenha recorrido à literatura como um meio de negar à morte o seu triunfo. Ninguém morre. Há apenas uma revisão na narrativa da sua vida para atualizar o tempo dos verbos. Outra vez Dylan Thomas: "And death shall have no dominion", e a morte não terá domínio.
Diz-se que quem morreu "já era", o que é o mesmo que dizia o Beckett com mais sensibilidade. Mas Beckett queria dizer mais. Os personagens de narrativas literárias mudam do tempo presente para o tempo passado mas continuam no mundo, mesmo que no mundo restrito dos livros e das estantes. Salvo, talvez, os cupins e as traças, nada ameaça a sua perenidade. "São" eternamente.

sábado, 14 de julho de 2012

A greve

A greve dos docentes do sistema federal de ensino superior está rolando desde 17/05/2012. Finalmente em 13 de julho o governo fez uma proposta.

A seguir (1) o comunicado do Comando Nacional de Greve do Andes – SN, em 13 de julho e (2) um artigo do Prof. Roberto Leher, de 27/05/2012, para o Jornal Dia Dia.


O secretário de Relações do Trabalho, Sergio Mendonça, apresentou na tarde desta sexta-feira (13), às entidades do movimento docente, uma proposta que envolve tabelas e tópicos com aspectos conceituais sobre a carreira docente. Ao mesmo tempo em que o CNG/ANDES-SN tomava conhecimento das tabelas, no outro lado da Esplanada dos Ministérios, os ministros Aloizio Mercadante e Miriam Belchior davam uma entrevista coletiva falando do impacto orçamentário da proposta, que seria implementada entre 2013 e 2015.

A reunião no Ministério do Planejamento começou com os representantes do governo apresentando as tabelas. Imediatamente, os representantes do CNG/ANDES-SN pediram explicações e esclarecimentos. Ao invés de esclarecer, as falas do governo geraram mais dúvidas, e, por isso, houve a solicitação de que o governo apresentasse as respostas por escrito. A reunião foi suspensa e recomeçou cerca de uma hora depois com a entrega do documento. Como encaminhamento final, ficou agendada a realização de nova reunião no dia 23 de julho, às 14h. O Comando Nacional de Greve fará uma análise preliminar da proposta do governo para subsidiar as deliberações das assembléias gerais. Essa análise será concluída neste sábado.




Roberto Leher (UFRJ)

A longa sequencia de gestos protelatórios que levaram os docentes das IFES a uma de suas maiores greves, alcançando 48 universidades em todo país (28/05), acaba de ganhar mais um episódio: o governo da presidenta Dilma cancelou a reunião do Grupo de Trabalho (espaço supostamente de negociação da carreira) do dia 28 de maio que, afinal, poderia abrir caminho para a solução da greve nacional que já completa longos dez dias. Existem algumas hipóteses para explicar tal medida irresponsavelmente postergatória:

(i) a presidenta – assumindo o papel de xerife do ajuste fiscal – cancelou a audiência pois, em virtude da crise, não pode negociar melhorias salariais para os docentes das universidades, visto que a situação das contas públicas não permite a reestruturação da carreira pretendida pelos professores;
(ii) apostando na divisão da categoria, a presidenta faz jogral de negociação com uma organização que, a rigor, é o seu espelho, concluindo que logo os professores, presumivelmente desprovidos de capacidade de análise e de crítica, vão se acomodar com o jogo de faz de conta, o que permitiria o governo Dilma alcançar o seu propósito de deslocar um possível pequeno ajuste nas tabelas para 2014, ano que os seus sábios assessores vindos do movimento sindical oficialista sabem que provavelmente será de difícil mobilização reivindicatória em virtude da Copa Mundial de Futebol, "momento de união apaixonada de todos os brasileiros", e
(iii) sustentando um projeto de conversão das universidades públicas de instituições autônomas frente ao Estado, aos governos e aos interesses particularistas privados em organizações de serviços, a presidenta protela as negociações e tenta enfraquecer o sindicato que organiza a greve nacional para viabilizar o seu projeto de universidade e de carreira que ‘resignificam’ os professores como docentes-empreendedores, refuncionalizando a função social da universidade como organização de suporte a empresas, em detrimento de sua função pública de produção e socialização de conhecimento voltado para os problemas lógicos e epistemológicos do conhecimento e para os problemas atuais e futuros dos povos.

Em relação a primeira hipótese, a análise do orçamento 2012[1] evidencia que o gasto com pessoal segue estabilizado em torno de 4,3% do PIB, frente a uma receita de tributos federais de 24% do PIB. Entretanto, os juros e o serviço da dívida seguem consumindo o grosso dos tributos que continuam crescendo acima da inflação. Com efeito, entre 2001 e 2010 os tributos cresceram 265%, frente a uma inflação de 90% (IPCA). Conforme a LDO para o ano de 2012, a previsão de crescimento da receita é de 13%, porém os gastos com pessoal, conforme a mesma fonte, crescerá apenas 1,8% em valores nominais. O corte de R$ 55 bilhões em 2012 (mais de 22% das verbas do MCT) não é, obviamente, para melhorar o Estado social, mas, antes, para seguir beneficiando os portadores de títulos da dívida pública que receberam, somente em 2012, R$ 369,8 bilhões (até 11/05), correspondente a 56% do gasto federal[2]. Ademais, em virtude da pressão de diversos setores que compõem o bloco de poder, o governo Federal está ampliando as isenções fiscais, como recentemente para as corporações da indústria automobilística, renúncias fiscais que comprovadamente são a pior e mais opaca forma de gasto público e que ultrapassam R$ R$ 145 bilhões/ano. A despeito dessas opções em prol dos setores dominantes, algumas carreiras tiveram modestas correções, como as do MCT e do IPEA. Em suma, a hipótese não é verdadeira: não há crise fiscal. Os governos, particularmente desde a renegociação da dívida do Plano Brady (1994), seguem priorizando os bancos e as frações que estão no núcleo do bloco de poder (vide financiamento a juros subsidiados do BNDES, isenções para as instituições de ensino superior privadas-mercantis etc.). Contudo, os grandes números permitem sustentar que a intransigência do governo em relação a carreira dos professores das IFES não se deve a falta de recursos públicos para a reestruturação da carreira. São as opções políticas do governo que impossibilitam a nova carreira.

Segunda hipótese. De fato, seria muita ingenuidade ignorar que as medidas protelatórias objetivam empurrar as negociações para o final do semestre, impossibilitando os projetos de lei de reestruturação da carreira, incluindo a nova malha salarial e a inclusão destes gastos públicos na LDO de 2013. O simulacro de negociações tem como atores principais o MEC, que se exime de qualquer responsabilidade sobre as universidades e a carreira docente, o MPOG que defende a conversão da carreira acadêmica em uma carreira para empreendedores e, como coadjuvante, a própria organização pelega que faz o papel dos truões, alimentando a farsa do jogral das negociações.

Terceira hipótese. É a que possui maior lastro empírico. As duas hipóteses anteriores podem ser compreendidas de modo mais refinado no escopo desta última hipótese. De fato, o modelo de desenvolvimento em curso aprofunda a condição capitalista dependente do país, promovendo a especialização regressiva da economia. Se, em termos de PIB, os resultados são alvissareiros, a exemplo dos indicadores de concentração de renda que alavancam um seleto grupo de investidores para a exclusiva lista dos 500 mais ricos do mundo da Forbes, o mesmo não pode ser dito em relação a educação pública.

Os salários dos professores da educação básica são os mais baixos entre os graduados[3] e, entre as carreiras do Executivo, a dos docentes é a de menor remuneração. A ideia-força é de que os docentes crescentemente pauperizados devem ser induzidos a prestar serviços, seja ao próprio governo, operando suas políticas de alívio à pobreza, alternativa presente nas ciências sociais e humanas ou, no caso das ciências ditas duras, a se enquadrarem no rol das atividades de pesquisa e desenvolvimento (ditas de inovação), funções que a literatura internacional comprova que não ocorrem (e não podem ser realizadas) nas universidades[4]. A rigor, em nome da inovação, as corporações querem que as universidades sejam prestadoras de serviços diversos que elas próprias não estão dispostas a desenvolver pois envolveriam a criação de departamentos de pesquisa e desenvolvimento e a contratação de pessoal qualificado. O elenco de medidas do Executivo que operacionaliza esse objetivo é impressionante: Lei de Inovação Tecnológica, institucionalização das fundações privadas ditas de apoio, abertura de editais pelas agencias de fomento do MCT para atividades empreendedoras. Somente nos primeiros meses deste ano o Executivo viabilizou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, um ente privado, que submete os Hospitais Universitários aos princípios das empresas privadas e aos contratos de gestão preconizados no plano de reforma do Estado (Lei nº. 12.550, 15 de dezembro de 2012), a Funpresp (Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais), que limita ao teto de R$ 3.916,20, medida que envolve enorme transferência de ativos públicos para o setor rentista e que fragiliza, ainda mais, a carreira dos novos docentes, pois, além de não terem aposentadoria integral, não possuirão o FGTS, restando como última alternativa a opção pelo empreendedorismo que ilusoriamente (ao menos para a grande maioria dos docentes) poderia assegurar algum patrimônio para a aposentadoria. Ademais, frente à ruina da infraestrutura, os docentes devem captar recursos por editais para prover o básico das condições de trabalho. Por isso, nada mais coerente do que a insistência do Executivo em uma carreira que converte os professores em empreendedores que ganham por projetos, frequentemente ao custo da ética na produção do conhecimento[5].

Os operadores desse processo de reconversão da função social da universidade pública e da natureza do trabalho e da carreira docentes parecem convencidos de que já conquistaram os corações e as mentes dos professores e por isso apostam no impasse nas negociações. O alastramento da greve nacional dos professores das IFES, o vigoroso e emocionante apoio estudantil a essa luta sugerem que os analistas políticos do governo Federal podem estar equivocados. A adesão crescente dos professores e estudantes ao movimento comprova que existe um forte apreço da comunidade acadêmica ao caráter público, autônomo e crítico da universidade. E não menos relevante, de que a consciência política não está obliterada pela tese do fim da história[6]. A exemplo de outros países, os professores e os estudantes brasileiros demonstram coragem, ousadia e determinação na luta em prol de uma universidade pública, democrática e aberta aos desafios do tempo histórico!

Rio de Janeiro, 27 de maio de 2012




sexta-feira, 13 de julho de 2012

Mulher inacessível


Thais, 36, é professora de matemática e leciona 34 horas semanais em duas escolas, uma pública e outra privada, na cidade de São Paulo. Seu salário é de R$ 1.700. Para complementar, vende cosméticos que lhe rende R$ 1.000 em dez horas de trabalho por semana. Ela é casada com o João Carlos, 42, funcionário de uma concessionária de automóveis. O casal tem dois filhos: João de 7 anos e Carla de 5.
A rotina de Thais é infernal. Acorda às 5 horas, arruma o café da manhã dos meninos que tomam o ônibus para a escola às 06h30min horas. As 7 sai de casa para o trabalho docente nas duas escolas em que tem aulas. Tudo isso de ônibus e metrô. Nas quartas e sábado vende cosméticos. No domingo descansa? Negativo. Neste dia prepara aulas e corrige testes de seus alunos e alunas. E João e Carla? Conversa com eles nos intervalos (no recreio) desta maratona. A sorte deles é o pai que tem mais tempo livre.
Thais está entre os 266 mil docentes da educação básica do país que possuem uma segunda ocupação, um “bico” fora do ensino segundo a Folha de São Paulo de 07/11/2011. Este número representa 10,5% do magistério nacional, índice bem acima da população brasileira (3,5% tem uma segunda ocupação).
João Carlos vive com Thais há dez anos. Ela sempre na maratona diária. Ele, mais tranquilo, tem uma rotina apenas alterada no fim do mês: a maldita meta de venda de automóveis da empresa.
Carla aniversaria dia no dia 28 de setembro. Naquele ano esta data, seu 6º niver,  foi num sábado. Os pais resolveram, junto com a filha, comemorar no McDonald. É a terceirização da festa já que pelas atividades da mãe foi impossível sua organização no condomínio onde moram. Foram convidadas as colegas, os colegas de escola, os parentes e agregados, cerca de 30 convivas.
No convite para a meninada dizia início da festa às 18 horas. João Carlos levou os filhos. E cadê Thais? Trabalhando. A turba convidada estava se esbaldando no tobogã e nos outros brinquedos do McDonald. 19 horas e nada de Thais. Às 20 horas o pai deliberou por cantar os parabéns e cortar o bolo. Às 20h05min chegou a esbaforida Thais no meio do parabém para você. Pode?
- Desculpe filha, mamãe saiu tarde do shopping de vendas. Meus parabéns, disse Thais beijando e abraçando Carla.
- Problema não mãe, já estou acostumada, disse a resignada filha.
Denise Alvarez em seu ótimo livro (e um belo título) tem o diagnóstico disto aí: “... fica clara esta mistura entre tempo social e tempo profissional, pois não é mais a vida profissional que interfere na vida social e sim o inverso, a vida social é que se infiltra na vida profissional, “atrapalhando” seu desempenho. Daí a afirmação que os aniversários – data única na vida de uma pessoa, que acontece uma vez por ano – têm o hábito de se concentrar em datas inconvenientes. Exemplo claro da relação entre temporalidade ergológica e tempo vivido nas relações sociais, pois não temos dois corpos: um dedicado ao trabalho e outro à vida social. O que há é uma fusão permanente entre valores que aí são tecidos e reelaborados. (Denise Alvarez, Cimento não é concreto, tamborim não é pandeiro, pensamento não é dinheiro! Para onde vai a produção acadêmica? Myrrha, Rio de Janeiro, 2004). Thais faz parte daquelas pessoas infectadas pelo trabalho.
 Thais precisa do trabalho para ajudar a pagar as contas da família? Sim. É a realidade da profissão professora no contexto desta droga malhada chamada educação brasileira. Mas também conheço pessoas que faz do trabalho uma fuga. Dizem: trabalho muito para não pensar em meus problemas pessoais. Nestes casos só Freud mesmo para explicar. Não tenho dados para afirmar que seja o caso de Thais. Mas relato a seguir o que aconteceu numa noite.
João Carlos chegou do trabalho mais tarde do que o normal. Encontrou os filhos dormindo e Thais no computador preparando aula. Constrangido resolveu confessar.
- Thais preciso te dizer uma coisa muito séria.
Thais na frente do computador.
- Será que você está prestando atenção?
E Thais continua no computador.
Já revoltado com a cena João Carlos finalmente disse:
- Hoje de noite fui para um motel com uma colega de trabalho.
Thais na frente do computador.
 - E você não vai me dizer nada? disse o marido.
Thais sem tirar os olhos da tela do computador respondeu:
- Tá bom João, agora vai dormir que preciso terminar minha aula.
João foi para a cama e Thais pensou: Deus sabe o que faz.
A vida continuou para os dois. Há coisas que não tem explicação, tem existência.

Edson Pereira Cardoso, julho de 2012.

Este texto foi inspirado por uma palestra de Denise Alvarez realizada na UFES.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Carlos Reichenbach: tradução cinema

Carlos Reichenbach, cineasta, faleceu no último dia 15 de junho aos 67 anos. Deixou órfãos cinéfilos a dar com pau. Dirigiu 22 filmes. Lembro-me de alguns: Anjos do arrabalde (1986), Alma corsária (1993), Dois córregos (1999) e Garotas do ABC (2004).

"Reichenbach parecia gostar dos marginais, dos inconformados. Sempre fez e defendeu um cinema autoral. Preferia um fracasso arriscado à mediocridade inofensiva. Para ele, cinema sem risco era cinema menor. Carlão foi uma figura fundamental do cinema marginal brasileiro e da Boca do Lixo. Depois, consagrou-se como um dos maiores autores de nosso cinema, dono de um estilo próprio que misturava erudição com uma busca constante pela comunicação com o público. Ele defendia que o bom cinema deveria ser para todos." André Barcinski (Folha de São Paulo, 15/06/2012).

Além de cineasta era um amante do cinema. Acompanhei de perto seus caminhos cinéfilos. Conheci algumas pérolas lendo seus blogs. Eis algumas: Dementia, John Parker (1955). Filme mudo, sem diálogos, mas com trilha sonora. Genial. Eraserhead (1977). A partir deste filme me interessei mais pela obra de David Linch.

Foi graças a Reichenbach que me tornei um conhecedor dos filmes de Anthony Hickox (a fina flor dos filmes de ação) tais como Knife edge (2009), Blast (2004), Marcados pela máfia (2002) e Invasion of privacy (1996). Idem para Cristhian Duguay de Caça ao terrorista (1997), Cilada (2002), Desafio radical (2002), Hitler: the rise of evil (2003), A ilha – uma prisão sem grades (2008) e os Scanners 2 e 3 (1991 e 1992).

E tem mais: os filmes de Samuel Fuller, Roger Corman e alguns faroestes spaghetti.

Das minhas últimas garimpagens no blog do Reichenbach conheci: Quando os Brutos se Defrontam (Faccia a Faccia, 1967), Sergio Sollima; Terror in Texas Town (1958), Joseph H. Lewis e Sick Nurses,2007, filme tailandez dirigido por Piraphan Laoyont.

Estamos órfãos, mas Carlos Reichenbach vive.

Veja lá em http://www.olhoslivres.com/links.htm

sábado, 9 de junho de 2012

Pai

Uma lembrança marcante que tenho de meu pai era a sua habilidade em datilografia. Ele era um exímio datilógrafo. Daqueles em que batia no teclado sem o ver; era capaz de escrever com os olhos fechados e usava os dez dedos da mão. Por outro lado era um escrevinhador de dar inveja. Tinha uma caligrafia de professora.

Meu pai foi um contador competente. Formou-se em ciências contábeis e trabalhava na serraria da família paterna, mas teve passagem, como contador, em outros locais. Finalmente passou a trabalhar como agricultor. Foi pai de oito filhos e filhas. Faleceu aos 66 anos, depois de 40 anos de casamento.

Convivi com meu pai em duas fases distintas. A primeira, na infância e adolescência. A segunda, como adulto. Na infância lembro-me das botinas e do corte de cabelo tipo meia tigela como o Cascão dos quadrinhos do Maurício de Sousa. Na adolescência e juventude tive os maiores conflitos com meu pai. Estávamos na década de 1960 e eu era Rolling Stones e não era Beatles. Era minha sedução primitiva pela guitarra, pelo rock.

Apesar da timidez já sabia na época o que eu não queria. E o que eu queria? Sei lá!

Meu pai sabia o que queria: o controle total sobre a formação dos filhos e filhas. Por isso o diálogo era zero. Era seu estilo. E para isto usava da violência. Levei surras homéricas do meu pai. Não tinha conversa: contrariado extravasava sua ira com um cinto ou laço de couro de boi.

Quando adolescente gostava muito de futebol. Numa manhã de domingo fui, na carroceria de caminhão, assistir o meu time de várzea num bairro distante de minha casa. Meu pai soube onde fui. Na volta tive que sofrer uma das surras mais inesquecíveis da minha vida. Por que, deuses! Gostava de futebol e torcia feliz pelo meu time.

Hoje me revolto quando presencio um pai usar de crueldade no tratamento com filhos. Este pai certamente não opta pela conversa, pelo convencimento e pela amabilidade. Usa o antigo método de domar cavalos. Antigo sim, pois atualmente existem métodos não violentos para treinar estes animais.

Talvez pelo que passei, um tema que me mobiliza muito hoje é a violência contra a criança. O Brasil é um dos campeões mundiais neste quesito. E mais de 60 % desta violência contra a criança ocorre no interior das famílias.

Às vezes penso como será esta criança (violentada) mais tarde como pai. Nem todos têm uma crítica sobre a educação que teve do pai e mãe. Aqueles sem a crítica reproduzem, como pai, o que sofreu como filho. "Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui..." é o que responderia mais tarde? É como na estória atribuída a Einstein (Como nasce um paradigma) que reproduzo no final deste texto. Será que meu pai está neste contexto? O que sei é que o seu pai (meu avô) tinha com os filhos uma relação marcada pela ira e pela violência.

Em tempo: meu bisavô paterno aos 13 anos, em Portugal, brigou com outro menino. Com medo de represália em casa fugiu e foi arrebanhado num porto e embarcado num navio com destino ao Brasil. Este meu bisavô homenageou seus descendentes com os nomes de seus avós maternos contrariando os costumes vigentes na época. Ele nunca voltou a Portugal. O que será que ele pensava do pai?

A negação ao estímulo fazia parte do estilo de meu pai. A ordem era exigir ao máximo do filho. Caso eu fizesse uma coisa boa lá vinha um desestímulo. Você fez pouco e fez errado. A tática era anular para se impor. É claro que isto me revoltava. Era visceralmente contra este comportamento dele. O ser do contra me marcou pelo resto da vida.

Na fase adulta o comportamento do meu pai mudou. Tínhamos alguns raros diálogos. Ele já tinha netos e netas com os quais se relacionava completamente diferente. Mudou da água para o vinho. Será que ele, na época, se autocriticou? Duvido! Para ele a relação com os filhos e filhas foi a correta. O ser severo fazia parte da educação que sempre aprendeu com seu pai e antepassados. Era o seu paradigma.

Somos humanos complexos. Veja esta. Lembro-me de uma passagem dele com um cunhado. Este fazia o gênero novo rico prepotente. Não sei por que, mas um dia ele ameaçou meu pai de forma quase humilhante. Não houve reação à ameaça. Meu pai não era covarde, apenas não gostava de briga. Muito tempo depois este cunhado estava à míngua, pobre, abandonado e doente. E quem o ajudou providenciando aposentadoria e outros auxílios? Meu pai. Uma de suas virtudes era sua capacidade de perdoar.

Outra lembrança que tenho de meu pai: sentado pensativo e imóvel em sua mesa de trabalho. Remoia seus papéis com as dívidas não pagas. E pior, sem como salda-las. Esta situação não se modificou até a sua morte. Como agricultor teve bons e maus momentos. Estes últimos fizeram com que vendesse as terras. Voltou a trabalhar com contabilidade.

A solidão era a marca que o acompanhava. Sofria só, consigo mesmo. A solidão o corroia, pois não dividia as responsabilidades com a família. Não tínhamos a menor ideia de seus negócios. Guardava a sete chaves todos os seus movimentos contábeis e não tinha a menor vontade em compartilhar com as pessoas próximas. A responsabilidade era só dele e mais ninguém.

Sinceramente não tenho mágoas congeladas em relação a meu pai. Apesar das lembranças ruins da adolescência e juventude guardo comigo boas heranças. A honestidade, o senso de responsabilidade e a humildade para com as pessoas foram legados adquiridos através da convivência em comum com meu pai. Ele tinha mais certezas do que dúvidas, mas também não congelava mágoas.



"Na época isso foi só um pequeno começo, mas esse sentimento de nulidade que frequentemente me domina (aliás, visto de outro ângulo, um sentimento nobre e fecundo) deriva, por caminhos complexos, da sua influência. Eu teria precisado de um pouco de estímulo, de um pouco de amabilidade, de um pouco de abertura para o meu caminho, mas ao invés disso você obstruiu, certamente com a boa intenção de que devia seguir outro".

(Franz Kafka, Carta ao pai)


Edson Pereira Cardoso
Junho de 2012


NB


Como nasce um paradigma

Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro puseram uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros o enchiam de pancadas.

Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas. Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que o surraram.
Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não mais subia a escada. Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, da surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído. Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam batendo naquele que tentasse chegar às bananas.
Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria:
"Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui...".

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Caravaggio

Caravaggio está no Brasil.

A partir de 15 de julho próximo a mostra "Caravaggio e seus seguidores" acontecerá em Belo Horizonte na Casa Fiat de Cultura. A seguir vai para São Paulo, no Masp, de 26 de julho a 30 de setembro. São seis obras do pintor e mais 14 quadros de pintores caravaggescos. Imperdível!

Nesta mostra estará o quadro São Jerônimo que escreve. Só por ele vale a visita.


São Jerônimo que escreve (1605-1606)

Em 1606 Caravaggio matou um jovem durante uma briga e foge de Roma com a cabeça a prêmio. A caveira no quadro São Jerônimo é um símbolo da morte. Segundo o curador italiano Giorgio Leone o crânio é uma espécie de espelhamento do rosto do santo que está inacabado. "Creio que ele não conseguiu terminar a face porque teve que fugir de Roma (1)".

O crânio volta a aparecer no quadro São Francisco em meditação.


São Francisco em meditação (1606)

São Francisco "feito já em fuga" (exílio) segura a caveira na mão, como se tivesse a consciência de seu fim, segundo Leone.

É desta fase A morte da virgem. Novamente a preocupação com a morte.


A morte da virgem (1605-1606)

Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) nasceu em Milão em 28 de setembro de 1571 e morreu em Porto Ercole em 18 de julho de 1610. Normalmente é identificado como um pintor barroco. O século XVII é século do barroco nas artes. A arte dos seiscentos.

"Sua vida foi marcada pelos mais variados acontecimentos, seja na esfera pessoal seja na publica, sua ligação para com a igreja não o impedia de adentrar no submundo existente na realidade presente em suas obras, os ladrões, mendigos e prostitutas presentes em seus quadros não são somente oriundos de sua imaginação fundada na realidade que o mesmo observa o artista italiano além de observar esta realidade como artística ele a viveu como homem (2)"

Para o pintor a presença divina se faz através dos humildes e dos necessitados. O realismo tem presença marcante em sua obra. A morte está presente em Caravaggio não como algo distante e sim como algo real. Foi assim em sua vida.

Medusa Murtola (1597)

O enfrentamento da realidade traz em seus quadros não heróis, trazem vítimas. É por essas e outras que Caravaggio transcende ao barroco.

O barroco é o estilo internacional do século XVII. A arte barroca está ligada à contra-reforma, um período histórico em que a igreja católica estimulou nas artes a volta dos símbolos religiosos. Do ponto de vista cultural é o início da liquidação da herança renascentista baseada nos princípios da tolerância.

Se o espaço é estático na renascença, no barroco é fragmentado. Se a luz é uniforme e equilibrada na renascença, no barroco caracteriza-se pela tensão e contração. No barroco tem a presença do movimento, da mobilidade. Caravaggio tinha a luz a serviço do drama e visava chocar e comover. Ele estava interessado a dramatizar o sagrado.

Conversão de São Paulo (1600)

As ideias barrocas têm suas marcas não apenas nas artes plásticas. Estão presentes na literatura, na música, na arquitetura etc.

Padre Antônio Vieira e sua eloquência é barroco. Cervantes idem. Lope de Vega e Macbeth de Shakespeare são barrocos.

Na música a polifônia de Bach e Haendel é barroca. A ópera é um gênero barroco por excelência.

Almodovar namora o barroco. Ana Costa analisa o filme Fale com ela: "No filme, a narrativa almodovariana é barroca: corpos em sofrimento, formas que se transmutam e se superpõem. A arte barroca tem a propriedade de transformar o padecimento em gozo, onde entra a apresentação da paixão. A paixão almodovariana se desdobra no drama, esticando até seu limite de suportabilidade (3)".
 

São João Batista jovem (1600)

Outro que namora o neobarroco: Glauber Rocha. "Quando consideramos "barrocos" os filmes e os textos de Glauber, e também as obras de diversos autores contemporâneos, isso não significa que já não se toma o barroco como um estilo artístico de determinada época, datado, fixo e morto" (4).

O filme Caravaggio de Derek Jarman (1986) retrata uma biografia do pintor com suas nuances conhecidas: a relação com a igreja, suas brigas, seu exílio, sua bissexualidade e seus métodos de trabalho.


Cena de Caravaggio, filme de Derek Jarman, 1986

Em algumas cenas deste filme há uma mistura de figurinos do século XX com os do século XVII, como na figura mostrada acima. Algo me diz que Jarman quis mostrar o Caravaggio atemporal. Caravaggio atual. A rebeldia, a insatisfação com a realidade em que vive e a manifesta tradução de sua personalidade em sua obra são as marcas desta grande personagem.

Caravaggio é punk!


 
Baco (1596)

Narcisuss, 1599



Pieta, 1499


Citações:

As reproduções dos quadros que estão neste texto estão disponíveis em http://www.caravaggio-foundation.org/

(1) http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,mostra-reune-obras-de-caravaggio-e-de-seus-discipulos,876259,0.htm 25/05/2012

(2) http://tribunasnalcova.wordpress.com/2009/09/07/caravaggio-e-o-barroco 25/05/2012

(3) Ana Costa, A arte de Almodovar, disponível em
http://www.psicanaliseebarroco.pro.br/portugues/revista/leitura.asp?CodObra=116&CodRev=10 30/05/2012

(4) Jair Tadeu da Fonseca, Alegoria, barroco e neo barroco em Lezama Lima e Glauber Rocha. Disponível em http://www.sumarios.org/sites/default/files/pdfs/58885_6799.PDF 30/05/2012

(5) Beyond Caravaggio page   14/02/2017


 

terça-feira, 22 de maio de 2012

Meias


Ela tinha uma sensualidade especial, era reservada de um jeito que a fazia diferente das demais mulheres, e o segredo de sua atratividade era uma mistura de passividade e distinção. Parecia que escondia em seu interior uma misteriosa qualidade, que a fazia permanecer como alguém distanciada, sempre com seu tranquilo sorriso, inclusive quando se entregava ao desejo febril de seu esposo. Ele gostava daquele olhar distante, daqueles olhos claros que sorriam e da maneira tão peculiar de abandonar-se a si mesmo. (1)

Samantha é uma mulher singular. Vivia, com Arthur, um casamento de 20 anos. Em harmonia, sem muita surpresa. Ela considerava o marido um líder. Fazia o que ele pedia. Todo santo dia, antes de ir para o trabalho, Arthur pedia para Samantha colocar em seus pés as suas meias e depois o sapato. Quem fazia o prato de comida para ele no almoço? Samantha, claro. E sem misturar o arroz com o feijão!

Samantha, apesar das meias, tem boas lembranças de seu casamento. Ela nasceu em Indaiatuba, cidade do interior de São Paulo, de família tradicional. Estudou em colégio de freiras e teve a formação clássica de que mulher para ser mulher tem que ser uma boa esposa e uma boa mãe. Aos 21 anos casou-se com Arthur e desta relação apareceram dois filhos que foram criados em Campinas onde o casal passou a residir.

Samantha sempre foi do lar. Cuidava dos filhos, da casa e do marido com esmero e dedicação.

Boa cozinheira servia os seus com a competência de uma Roberta Sudbrack. Samantha tem um livro com recortes de receitas muito bem organizado. Arthur e filhos consideravam imbatíveis a torta de limão e o rosbife com nhoque ao sugo feitos por Samantha.

Nossa personagem é uma libertina na cama. E o Arthur? Às vezes era líder na cama. Às vezes não. Nestas horas ela não gostava. Ela gosta de homens com liderança agressiva. Ela esperava o prazer de Arthur. Quando isto não acontecia, o Arthur passivo, Samantha se frustrava.

É como escreveu Anais Nim em seus diários: A vontade dele, o prazer dele, o desejo dele, a vida dele, o trabalho dele, a sexualidade dele como medida, comando – como centro da minha órbita. Não me importa trabalhar, ter meu espaço intelectual como artista; mas como mulher, ah, Deus, como mulher eu quero ser dominada. Não me importa se me disserem que tenho de andar com minhas próprias pernas, ser independente – eu posso fazer isso – mas eu serei caçada, penetrada, possuída pela vontade de um homem na hora que ele quiser, ao seu comando.

Anais Nin foi uma mulher plural. Escritora viveu na primeira metade do século XX, uma vida agitada. Na época em que escreveu o que citei acima vivia (em Paris) numa dúvida entre três homens e uma mulher com os quais tinha uma intensa relação amorosa. Anais, além de uma intelectual incrível, foi uma libertária e uma libertina. Como o diabo gosta.

Numa época da vida Samantha como dona-de-casa teve uma decisão sui generis: se embrenhar pela literatura de Clarice Lispector. Até hoje seu livro de cabeceira é Perto do coração selvagem. Os dilemas de Clarice passaram a serem os de Samantha: a mulher, o casamento, o desassossego, o humano e outras questões sempre não lineares da autora. Mais tarde veio a conhecer Virgínia Wolf e Anais Nim.

Cá pra nós, ninguém passa impune por essas mulheres.

Recentemente Arthur teve problemas graves de saúde. Câncer no cérebro descoberto tardiamente. Faleceu seis meses após a descoberta da doença. Samantha sentiu muito a perda do marido. Afinal foi um casamento bem vivido de mais de vinte anos.

Para ela uma situação contraditória como se fosse uma mistura da dor de perder com a sensação de liberdade de deixar alguém partir (Elizabeth Bishop).

Passado o período de luto Samantha encontrou-se com uma amiga. E esta curiosa perguntou sobre como a amiga conviveu tanto tempo com Arthur na situação de submissão. Citou a estória das meias. Respondeu Samantha:

- Sabe o que é amiga, fazemos isso para que os homens pensem que mandam e que são superiores. E soltou um tímido sorriso maroto.

Epílogo

Cinco anos antes de Arthur morrer Samantha conheceu um homem. Passaram a se encontrar com frequência. Tornaram-se amantes. Sim, ela traia o marido.

Até hoje este homem tem sobre ela uma liderança amorosa e libidinosa. Ela continua com sua sensualidade especial misturando atratividade e distinção.

Mas calçar meias e fazer o prato no almoço para ele nunca mais.


Citação:

(1) Javier Moro, sobre Dona Leopoldina e Dom Pedro I em O Império é você, p. 96, Planeta, 2012.


NB: a ideia inicial deste texto veio da crônica Essas mulheres e suas histórias, de Joaquim Ferreira dos Santos em O Globo de 7 de novembro de 2011.

De Isabela Guerreiro: “O marido de uma amiga minha chega a pedir que ela lhe coloque as meias. Num dia, ela desabafou: ‘Se um dia fosses pra guerra, criatura, quem iria colocar as balas no teu revólver?’ Felizmente esse tipo de relação está cada vez mais raro hoje em dia, ou eu estou sendo ingênua?” Isabela, marido é gente folgada e assim continuará sendo, por definição e índole, até o fim dos tempos, cada vez mais próximo, dessa bizarrice que é o casamento. Conheço homem que não passa manteiga no pão porque considera isso uma prenda do lar e diz que o faz por respeito, por não querer invadir o espaço da patroa. Ô raça.

Essasmulheres-2