domingo, 26 de maio de 2024

Pílulas 19

Contém

O perigo do alto consumo de ultraprocessados pelas crianças brasileiras

A enciclopédia é o mais bem-acabado subproduto do iluminismo

Sem ação sobre ditadura, Brasil será denunciado por Corte Interamericana

Quem tem boca ‘vaia Roma’

Mãe é mãe e vice-versa

Estudantes pró-palestinos acampam na maior universidade do México

 Filmes

A greve dos professores nas universidades federais é necessária? SIM

UFRJ caindo aos pedaços: professor cai em vão após piso de sala de aula ceder

A greve 24

Discos só para ver

Livro sobre Hermeto Pascoal vê como alagoano virou um dos maiores músicos do país

Palestina já

Antero Greco

A personagem viva

A estória de um homem que passou a vida inteira pensando que era corno (Dom Casmurro)

Eu me tornei a morte

Antero, Silvio e Apolinho deixam para trás um deserto - e muitas risadas

O poderoso chefão e a relação promíscua entre produção e a Máfia

Americana viraliza ao amar livro de Machado; por que livro é tão cativante?

Einstein visitou Brasil a contragosto e chamou cientista de 'macaco', mostram diários

Las Vegas em Pindorama

A forma do mundo surgiu

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O perigo do alto consumo de ultraprocessados pelas crianças brasileiras

Mariana Varella, VivaBem, 22/05/2024

O alto consumo de alimentos ultraprocessados entre as crianças brasileiras preocupa pediatras e especialistas em nutrição. Isso porque esses produtos estão associados a uma série de doenças, como obesidade, diabetes, alguns tipos de câncer e hipertensão, que levam à morte prematura cerca de 57 mil pessoas entre 30 e 69 anos no país.

Os dados são de um estudo* realizado por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo), Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e Universidade de Santiago de Chile, publicado no "American Journal of Preventive Medicine" em 2022. De acordo com os pesquisadores, diminuir o consumo de ultraprocessados em algo entre 10% e 50% poderia reduzir de 5.900 a 29.300 mortes por ano.

"Alimentos ultraprocessados não são propriamente alimentos, mas sim formulações de substâncias derivadas de alimentos, frequentemente modificadas quimicamente e de uso exclusivamente industrial, contendo pouco ou nenhum alimento inteiro e tipicamente adicionadas de corantes, aromatizantes, emulsificantes e outros aditivos cosméticos, para que se tornem palatáveis ou hiperpalatáveis", afirmou Carlos Augusto Monteiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) em entrevista ao Portal Drauzio.

Alguns exemplos desses produtos são refrigerantes e outras bebidas saborizadas artificialmente, biscoitos recheados, salgadinhos, barras de cereais, macarrão instantâneo, sopas de pacote, sorvetes e refeições congeladas prontas para consumo.

Os resultados do Enani (Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil), que ouviu 15 mil famílias de todo o país entre 2019 e 2020, mostram que as crianças pequenas também consomem enormes quantidades desses produtos. De acordo com o Enani, a prevalência de consumo de produtos ultraprocessados entre crianças de 6 meses a 23 meses de idade é de 80,5%. Aproximadamente 25% das calorias consumidas por crianças com menos de 5 anos vêm dos ultraprocessados. Entre as crianças com 2 a 5 anos, esse número sobe para 30%.

"Esse consumo não tem efeito agudo, mas de médio e longo prazo. Uma criança com obesidade tem cerca de 80% de risco de se tornar um adulto obeso. O consumo desses produtos está associado ao aumento de doenças cardiovasculares, de obesidade infantil e câncer, além da redução da amamentação e ao desmame precoce", explica o dr. Paulo Telles, pediatra pela SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).

Motivos para o alto consumo de ultraprocessados entre as crianças

Nas últimas décadas, houve mudanças significativas no comportamento dos brasileiros.

Primeiro, as mulheres passaram a ser parte importante do mercado de trabalho, sem que ocorresse, em contrapartida, uma divisão mais justa dos afazeres domésticos. Assim, a alimentação da família continuou a cargo das mulheres, embora elas hoje tenham menos tempo disponível para a função. Com isso, as famílias passaram a optar por refeições rápidas, feitas com produtos ultraprocessados, fora e dentro de casa.

Outro fator que favorece o consumo de ultraprocessados é o preço e a facilidade de acesso a esses produtos. Por outro lado, os alimentos in natura não são acessíveis a toda a população. A maior parte dos brasileiros vive nas periferias das grandes cidades e nos locais mais afastados das áreas rurais, nas regiões conhecidas como desertos alimentares, áreas em que há pouca oferta de alimentos in natura, como frutas, legumes e verduras.

O dr. Telles aponta outro problema que leva ao aumento dos ultraprocessados por parte das crianças: a propaganda apelativa desses produtos, voltada para o público infantil, sem que haja ações de marketing equivalentes que estimulem o consumo de alimentos saudáveis entre as crianças. "A OMS (Organização Mundial da Saúde defende o fim da publicidade de alimentos não saudáveis para as crianças, como forma de reduzir a obesidade infantil."

Embora vários dispositivos da legislação brasileira, como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o CAP (Código de Autorregulamentação Publicitária), o CDC (Código de Defesa do Consumidor) e o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e do Adolescente), estipulem normas para a publicidade que visam a proteger as crianças de propagandas abusivas, são inúmeros os exemplos de marketing da indústria alimentícia voltado para esse público.

Com os adultos fora de casa a maior parte do tempo e a facilidade de acesso aos ultraprocessados, fica mais difícil garantir que crianças fiquem longe desses produtos. "Crianças que consomem altas taxas desses produtos têm o paladar modificado. É mais difícil introduzir alimentos in natura para essas crianças", diz o dr. Telles.

Guia Alimentar para a População Brasileira

O Ministério da Saúde elaborou o Guia Alimentar para a População Brasil, que traz diretrizes para uma alimentação saudável.

O guia define quatro categorias de alimentos de acordo com o tipo de processamento empregado na sua produção:

Alimentos in natura ou minimamente processados: alimentos in natura são aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais (como folhas e frutos ou ovos e leite) e adquiridos para consumo sem que tenham sofrido qualquer alteração após deixarem a natureza. Alimentos minimamente processados são alimentos in natura que, antes de sua aquisição, foram submetidos a alterações mínimas. Exemplos incluem grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, raízes e tubérculos lavados, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado.

·        Produtos extraídos de alimentos in natura ou diretamente da natureza e usados pelas pessoas para temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias. Exemplos desses produtos são: óleos, gorduras, açúcar e sal.

·        Produtos fabricados essencialmente com a adição de sal ou açúcar a um alimento in natura ou minimamente processado, como legumes em conserva, frutas em calda, queijos e pães.

·        Produtos cuja fabricação envolve diversas etapas e técnicas de processamento e vários ingredientes, muitos deles de uso exclusivamente industrial. Exemplos incluem refrigerantes, biscoitos recheados, "salgadinhos de pacote" e "macarrão instantâneo".

O documento, elogiado por especialistas do mundo todo, afirma que os alimentos in natura ou minimamente processados devem ser a base da alimentação diária, enquanto deve-se evitar ao máximo os ultraprocessados.

"A cultura alimentar do brasileiro é diferente da de outros países que enfrentam altas taxas de obesidade e de doenças associadas a ela, como os Estados Unidos. Nesse sentido, temos vantagem, e o Guia Alimentar traz boas orientações", finaliza o dr. Telles.

estudo*

Premature DeathsAttributable to the Consumption of Ultraprocessed Foods in Brazil

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A enciclopédia é o mais bem-acabado subproduto do iluminismo

‘Barsa’ foi lançada às vésperas do golpe de 1964, que em nada afetou seu sucesso: a tiragem inicial (45 mil coleções) logo se esgotou

Por Sérgio Augusto, O Estado, 26/05/2024

Antes das trevas, veio a luz. Às vésperas do golpe de 64, foi lançada no Brasil a Enciclopédia Barsa, a primeira do gênero totalmente produzida aqui.

Não sei se o Clube Militar festejou, mesmo intramuros e sem alarido, a quartelada de 60 anos atrás; mas hoje, apesar do atraso, faço questão de brindar a chegada ao Bananão, naquele março fatídico, do mais bem-acabado subproduto do Iluminismo: a enciclopédia, o Livro dos livros, o pai, não dos burros, pois a estes já atendem os dicionários, mas o tutor dos ignorantes e curiosos.

A ideia foi de uma empresária americana, naturalizada brasileira e casada com um diplomata do Itamaraty. Dorita Barrett era filha do editor executivo da Encyclopaedia Britannica no Brasil. Para coordenar o ambicioso projeto, Barrett convidou o lexicógrafo Antonio Houaiss, que, na década seguinte, cuidaria de outra empreitada bancada por ela, a enciclopédia Mirador.

Houaiss montou uma equipe de 257 colaboradores, com o máximo de estrelas da intelectualidade nativa dispostas e disponíveis na época. Sérgio Buarque de Holanda incumbiu-se do verbete sobre São Paulo (não o santo, claro), Jorge Amado escreveu sobre o cacau, Gilberto Freyre sobre o Recife, etc., consoante o modelo britânico original, lançado em 1768 e depois mantido por seus novos donos norte-americanos (Sears Roebuck, 1920, Universidade de Chicago, 1943).

Foto de coleção de enciclopédias Barsa em brechó no antigo centro de compostagem de lixo da Vila Leopoldina em foto de agosto de 2008. Foto: Sergio Castro/Estadão

Comprar os 32 volumes da Britannica foi um de meus sonhos de consumo tornado realidade. Consultava-os sem parar. Para tanto, precisava tirar a bunda da cadeira e ir até a estante, mas que prazer o mergulho naquela suma gnosiológica me proporcionava! Com a internet e o Google, a bunda sossegou – mas, e o prazer que se perdeu?

Voltemos, contudo, à nossa sessentona Barsa. O historiador e crítico de cinema Alex Viany, a quem coube a curadoria dos textos sobre cinema, me convidou para dividir com ele alguns verbetes. Caiu-me nas mãos a história do cinema alemão, que eu tinha fresca na cabeça por obra de duas recentes mostras retrospectivas nas cinematecas do MoMa e do MAM. Fiquei mais prosa do que besta com a proposta, e não me saí mal. Custei a passar pelo crivo de Otto Maria Carpeaux, um dos consultores de Houaiss; Antonio Callado era o outro. Carpeaux cismou com a minha avaliação do imenso talento, consensualmente aceito, de Leni Riefenstahl, a cineasta oficial da Alemanha nazista.

O sábio Carpeaux foi um dos intelectuais mais inflexíveis com quem convivi, em redações e na vida. Sempre nos demos maravilhosamente bem, mas sua birra com a Alemanha pós-Weimar e o que em parte lá se produziu em matéria de cultura me surpreendeu algumas vezes. Não chegamos a discutir muito por causa de Riefenstahl, mas só graças ao bom senso de Callado e Houaiss ela não foi banida da história do cinema alemão por mim resumida na enciclopédia.

O Golpe em nada afetou o sucesso da Barsa. Sua tiragem inicial (45 mil coleções) logo se esgotou.

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20/05/24

Sem ação sobre ditadura, Brasil será denunciado por Corte Interamericana

Jamil Chade, UOL, 20/05/2024

Imagem: Arquivo

O Brasil será denunciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por descumprir a sentença que obrigou o estado brasileiro a buscar os mortos e desaparecidos na ditadura militar (1964-1985). Uma audiência marcada para o dia 23 de maio, em Brasília, está causando constrangimento no governo que, apesar das repetidas promessas, jamais restabeleceu a Comissão de Mortes e Desaparecidos. Se até lá medidas não forem tomadas, membros do próprio Executivo já admitem que haverá uma decisão que deixará o país numa situação complicada diante dos organismos internacionais.

A obrigação do estado de agir constava de decisões tomadas há mais de uma década por parte da mesma Corte e que condenaram o Brasil pela ação do estado durante a repressão. A sessão promete lidar com diversos temas. Mas vai examinar o cumprimento da sentença, e se o Estado retomou as buscas dos mortos e desaparecidos na ditadura.

Esse era um trabalho que deveria ser realizado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos que havia sido criada em 1995. Mas, nos últimos dias do governo de Jair Bolsonaro, ela foi suprimida.

Pressionado pela sociedade civil, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva passou a debater o restabelecimento do órgão, que conta com a forte oposição do Exército. O Executivo tentou, de todas as formas, adiar qualquer gesto nesta direção, criando um decepção entre defensores de direitos humanos. A ordem do presidente de não permitir que a data dos 60 anos do golpe fosse lembrada ampliou a indignação entre os sobreviventes, parentes de pessoas mortas, ONGs e ativistas.

Mas, agora, a inação promete criar um problema legal ao estado brasileiro.

A decisão de realizar a sessão da Corte no Brasil ocorreu por um convite do STF. E a Corte, discricionariamente, resolveu pautar a supervisão da sentença do Araguaia e dos demais casos envolvendo a ditadura.

A previsão é de que a Corte emita uma resolução sobre o grau de cumprimento por parte do Brasil. Na pior das hipóteses, ela poderá constatar que o Brasil estaria "em desacato" em relação à sentença e isso ser incluído no relatório da Corte que é enviado à Assembleia Geral da OEA.

Ainda que isso não represente nenhum tipo de medidas concretas contra o Brasil, o gesto promete causar um constrangimento internacional, principalmente para um governo progressista e que assumiu o poder depois da gestão de um presidente que negava a existência sequer de um golpe de estado, em 1964.

Em documentos internos, a Corte destaca que vai lidar com a decisão de 24 de novembro de 2010, no caso Gomes Lund ou da condenação recebida pelo estado sobre a Guerrilha do Araguaia.

Naquelas decisões, o estado brasileiro foi declarado responsável pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal de 62 pessoas desaparecidas da Guerrilha do Araguaia, dentre outras violações.

Agora, a Corte espera receber "informação atualizada e detalhada do Estado e as observações dos representantes das vítimas e da Comissão Interamericana sobre o cumprimento das seguintes medidas de reparação".

O problema, segundo fontes do próprio governo, é que essas medidas não saíram do papel.

A Corte havia estipulado que:

O Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja.

O Estado deve realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vitimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares.

O Estado deve oferecer o tratamento médico e psicológico ou psiquiátrico que as vitimas requeiram

O Estado deve adotar as medidas necessárias para tipificar o delito de desaparecimento forcado de pessoas conformidade com os parâmetros interamericanos.

O Estado deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar.

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Quem tem boca ‘vaia Roma’

Quem tem boca ‘vaia Roma’ ou ‘vai a Roma’? Um caso clássico de expressão corrompida

‘Confusão’ proporcionada pelo tempo é do mesmo nível de ‘quem não tem cão, caça com gato’ e a tal ‘cor de burro quando foge’

Por Sérgio Augusto, O Estadão, 19/05/2024

Até agora a enxurrada de imagens terríveis do flagelo climático no Rio Grande do Sul só não me provocou pesadelos porque dormir não é meu forte. Persisto, pois, a sofrer acordado, de olhos abertos e com a consciência culpada por me deixar agastar com facilidade por contratempos comparativamente miúdos e desprezíveis. Para me preservar de emoções tóxicas, parei de acompanhar as tentativas de socorro a bichos e idosos. Ainda assim, algumas imagens aflitivas burlaram minha vigilância.

De repente, uma senhorinha, escapada das águas como o Boudu de Jean Renoir, sequestra minha atenção. Oh!, se não é minha avó materna esculpida em Carrara, à beira do Guaíba! Minha avó mais próxima e querida.

Dona Arminda (tive duas avós com esse nome, ambas portuguesas) era a soberana da casa, a mater familias. A exemplo de tantas avós e mães, foi quem celebrizou em nosso reduto o bordão “Vocês pensam que eu sou sócia da Light?”, infalível toda vez que via acesa uma lâmpada que deveria estar apagada, para não aumentar a conta da luz. Parecia viver movida a máximas, provérbios e adágios, uns de sua lavra, vários emprestados à Bíblia, outros enigmáticos e mesmo inalcançáveis por meu cérebro mirim.

Fiquei intrigado ao ouvi-la dizer pela primeira vez que fulano era “mais surdo que um portão de cemitério”. Surdo à súplica do defunto para “não entrar ali”, deduzi com razoável margem de acerto. Levei bem mais tempo para perceber que vovó não resmungava “o que no mato engorda...” e, sim, “o que não mata engorda” (sem os reticentes três pontinhos) – e só então, definitivamente liberado do supersticioso caveat imposto à mistura, fui tomar outro copo de vitamina de manga com leite.

Não tive paciência para explicar à vovó Arminda que a frase correta (ou original) é “Quem tem boca vaia Roma”, e não “vai a Roma”, embora esta faça muito, se não até mais, sentido para quem nunca viveu sob o jugo romano.

Coliseu, de Roma, visto de cima em foto dos anos 1990 Foto: Arquivo/Estadão

Este é um caso clássico de expressão corrompida, bastante comum no florilégio de provérbios, axiomas, anexins e afins. Do mesmo nível, por exemplo, de “quem não tem cão, caça com gato” (a versão que se difundiu de “quem não tem cão, caça como gato”) e também de “cor de burro quando foge”, que sempre quis dizer “corro de burro quando foge”. No império romano, a expressão “esculpida em Carrara” era sinônimo de cópia fiel, igualzinha, sem tirar nem pôr; ou seja, o carbono ou a xerox de um tempo em que as pessoas posavam para artistas que mais fielmente as reproduziam no mármore de Carrara. Restou-nos apenas a malsonante e nojenta “cuspida e escarrada”.

Ora, se fizeram isso com o reputado mármore de Carrara, quem sou eu para sugerir que a expressão “Abre-te, sésamo!” vire, entre os lusófonos, “Abre-te, gergelim!”?

(Se fiz o prezado leitor esquecer um pouco a tragédia nos pampas, cumpri minha missão.) l

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Mãe é mãe e vice-versa

A literatura, o teatro e o cinema não parecem ter as mães em alta conta. A música popular, sim

Ruy Castro, 04/05/2024, FSP

Em breve, o Dia das Mães. Eu sei, o comércio aviltou a data, mas assim é o comércio. O que importa é a mãe, não? Não para a literatura. Os poucos escritores que se ocuparam dela a viam como megera. Para que não se diga que isso é coisa de filhos ingratos, o exemplo clássico é a terrível Sra. Bennett, de "Orgulho e Preconceito" (1813), de Jane Austen. O teatro também não tem as mães em alta conta, vide a Medeia (431), de Eurípedes, e a Virginia de "Anjo Negro" (1946), de Nelson Rodrigues, ambas dadas a matar os filhos.

O próprio cinema já criou mães assustadoras, como a de James Cagney em "Fúria Sanguinária" (1949), velha e implacável quadrilheira por quem ele tem uma paixão incestuosa, e a monstruosa Rose, mãe de Gypsy Rose Lee em "Gypsy" (1962), que faz da filha uma estrela, mas não suporta seu sucesso.

A música popular, sim, principalmente a brasileira, criou mães inesquecíveis. Em "Mamãe" (1959), de Herivelto Martins e David Nasser, a filha tem saudade do passado: "Mamãe, mamãe, mamãe/ Eu te lembro o chinelo na mão/ O avental todo sujo de ovo/ Se eu pudesse, eu queria/ Outra vez, mamãe/ Começar tudo, tudo de novo."

Em "Coração de Luto" (1961), famoso como "Churrasquinho de Mãe", o gaúcho Teixeirinha chora: "O maior golpe do mundo/ Que eu já tive na minha vida/ Foi quando aos nove anos/ Perdi minha mãe querida// Morreu queimada no fogo/ Morte triste, dolorida/ Que fez a minha mãezinha/ Dar o adeus da despedida."

E "Coração materno" (1937), de Vicente Celestino? O filho mata a mãe pela mulher amada: "Chega à choupana o campônio/ Encontra a mãezinha ajoelhada a rezar/ Rasga-lhe o peito o demônio/ Tombando a velhinha ao pé do altar// Tira do peito, sangrando/ Da velha mãezinha o pobre coração/ E volta a correr proclamando/ ‘Vitória! Vitória! Tem minha paixão!’". E o coração ainda palpitante da velhinha o perdoa. Mãe é mãe e vice-versa.

 Mãe Teatrofilme Medeia, de Consuelo de Castro, com Bete Coelho - BR-116

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Estudantes pró-palestinos acampam na maior universidade do México

Os manifestantes montaram barracas de campanha e hastearam bandeiras em frente à reitoria da Unam

Dezenas de estudantes da Unam (Universidade Nacional Autônoma do México), a maior do país, acamparam nesta quinta-feira (2) em protesto contra a ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza e em solidariedade às manifestações estudantis nos Estados Unidos.

Estudantes erguem tenda em frente ao prédio da reitoria da Universidade Autônoma do México - Yuri Cortez/AFP

Os manifestantes montaram barracas de campanha e hastearam bandeiras palestinas em frente à reitoria da universidade, na capital mexicana, e pediram que o governo do país rompa os laços diplomáticos e comerciais com Israel.

"Estamos aqui para apoiar a Palestina, as pessoas que estão na Palestina, os acampamentos de estudantes nos Estados Unidos", disse à AFP Valentina Pino, estudante de 19 anos que cursa a faculdade de Filosofia e Letras. Jimena Rosas, 21, aluna da mesma faculdade, disse que a expectativa é de que a manifestação se propague para outras universidades do México.

Trinta universidades dos Estados Unidos foram palco de manifestações pró-palestinos nas últimas semanas.

As manifestações contra as ações de Israel em Gaza, que já mataram mais de 34 mil palestinos, segundo o Hamas, são parte da maior onda de protestos estudantis nos EUA desde as marchas contra o racismo, em 2020, em resposta ao assassinato de George Floyd.

Nesta quinta, centenas de policiais entraram na UCLA (Universidade da Califórnia, em Los Angeles) para desmontar o acampamento pró-Palestina atacado na véspera por apoiadores de Israel. Mais de 130 pessoas foram presas.

As manifestações de estudantes levantaram debates sobre liberdade de expressão, antissemitismo e censura, além de terem resultado em confrontos entre estudantes e forças de segurança em alguns casos.

Na quarta, 90 manifestantes foram presos na Universidade Dartmouth, em New Hampshire, segundo o Departamento de Polícia da cidade de Hanover. Eles foram acusados de invasão criminosa e resistência à prisão. Na noite do mesmo dia, policiais prenderam manifestantes no campus da Universidade Fordham, em Manhattan, onde um acampamento contra a guerra havia sido montado na véspera. Foi a terceira prisão em massa em uma universidade na cidade de Nova York em 24 horas.

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 Filmes

O Alfaiate, The Outfit, 2022, Graham Moore

O Idiota, Hakuchi, 1951, Akira Kurosawa

Kagemusha, a Sombra de um Samurai, Kagemusha, 1980, Akira Kurosawa

https://www.imdb.com/title/tt0080979/

Kagemusha (Kagemusha, a Sombra do Samurai) – 1980

CRÍTICA | KAGEMUSHA, A SOMBRA DE UM SAMURAI, por LUIZ SANTIAGO 17 de agosto de 2018

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A greve dos professores nas universidades federais é necessária? SIM

Parar é a maneira de buscar direitos e conservar os duramente conquistados

Patrícia Valim, 03/05/2024, FSP

Professora do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Docentes e técnicos administrativos estão em greve em mais de 70 universidades e institutos federais. Historicamente, a greve é o principal mecanismo de luta da classe trabalhadora para conquistar direitos: salário mínimo, 13º salário, jornada de 44 horas semanais, seguro-desemprego, férias, horas extras remuneradas, adicionais de insalubridade e periculosidade, aposentadoria.

Mas há também greves de caráter regressivo, isto é, para não perder direitos conquistados, como as que ocorreram durante o governo Jair Bolsonaro: foram 1.118 em 2019 (Dieese, 2020) e 1.067 em 2022, com o funcionalismo público responsável por 59,4% delas (Dieese, 2023).

Ato de professores e estudantes da Universidade Federal do Triângulo Mineiro nesta segunda-feira (15) - Luis Adolfo

O Andes-SN afirmou que, além da recomposição salarial, existe a necessidade de investimentos públicos nas instituições federais de educação, diante da corrosão desses investimentos no governo passado, sob Jair Bolsonaro (PL).

O MEC (Ministério da Educação) da gestão Lula (PT) diz que busca alternativas de valorização dos servidores da educação. No ano passado, o governo federal promoveu reajuste de 9% para todos os servidores, argumentou a pasta.

Docentes e outros servidores grevistas planejam fazer uma marcha em Brasília na quarta (17).

Equipes do MEC vêm participando, ainda segundo a nota, da mesa nacional de negociação e das mesas específicas de técnicos e docentes instituídas pelo MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) e da mesa setorial que trata de condições de trabalho.

Na última quinta-feira (11), o MEC realizou a primeira reunião da Mesa Setorial de Negociação Permanente. "A carreira de técnico-administrativos será reestruturada neste governo, mas dependemos do espaço fiscal que a junta orçamentária e o governo definirão", disse na ocasião o secretário executivo adjunto do MEC, Gregório Grisa.

Segundo balanço da Andifes (órgão que reúne reitores das universidades) no fim do dia, 18 universidades ainda farão assembleia para decidir sobre adesão e 12 decidiram por não aderir à greve. A organização diz que 15 universidades teriam decidido pela greve até agora: UFV, UFC, UFCA, UFPel, UnB, UFMA, UFCSPA, Unir, Ufop, UFV, UFPR, Unifesspa, UFTP, FURG e UFMG.

A Andifes representa todas as 69 universidades federais e dois centros federais de educação tecnológica. Em nota, a organização diz que acompanha de perto as reivindicações e tem conversado com representantes dos sindicatos.

Já o Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica) ainda não tinha balanço completo sobre a adesão nos institutos federais.

Na semana passada, o presidente Lula (PT) cobrou maiores negociações do governo mas defendeu o direito à greve ao comentar sobre as reivindicações salariais dos servidores públicos. Lula disse que a ministra Esther Dweck (Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) está "fervilhando de problemas", por suas negociações com servidores públicos.

"Ela [Esther] está fervilhando de problemas. Acho até que não devia ter deixado ela vir para cá, devia ficar negociando antes que a gente receba de presente as greves", disse. "A gente pode até não gostar, mas [greves] são direito democrático dos trabalhadores. Não tenho moral para falar contra greve, nasci das greves. Então sou obrigado a reconhecer."

Instituições que já estão em greve, segundo o Andes-SN*

Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) - campi Pouso Alegre e Poços de Caldas;

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – campus Rio Grande;

Universidade Federal do Rio Grande (FURG;

 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG);

 Instituto Federal do Piauí (IFPI);

 Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB);

 Universidade Federal de Brasília (UnB);

 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF);

 Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP);

 Universidade Federal de Pelotas (UFPel);

 Universidade Federal de Viçosa (UFV);

 Universidade Federal do Cariri (UFCA);

 Universidade Federal do Ceará (UFC);

 Universidade Federal do Espírito Santo (UFES);

 Universidade Federal do Maranhão (UFMA);

 Universidade Federal do Pará (UFPA);

 Universidade Federal do Paraná (UFPR);

 Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB);

 Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa);

 Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR);

 Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Com indicativo/construção de greve aprovada sem data de deflagração

 Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI);

 Universidade Federal da Paraíba (UFPB);

 Universidade Federal de Pernambuco (UFPE);

 Universidade Federal do Piauí (UFPI);

 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB);

 Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE);

 Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

Deflagração/indicativo de greve após 15/04

 Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ);

 Instituto federal do Rio Grande do Sul (IFRS) - campi Alvorada, Canoas, Osório, Porto Alegre, Restinga, Rolante e Viamão;

 Universidade Federal de Sergipe (UFS);

 Universidade Federal de Uberlândia (UFU);

 Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA)

Em estado de greve

 Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD);

 Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ);

 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO);

 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ);

 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM);

 Universidade Federal do Pampa (Unipampa);

 Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA);

 Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

*Outras universidades não ligadas ao sindicato também podem parar

E mais

Greve 2024 

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21/05/24

UFRJ caindo aos pedaços: professor cai em vão após piso de sala de aula ceder

Universidade precisa de uns R$ 750 milhões para reformar suas instalações

Por Ancelmo Gois, 18/05/2024, O Globo

O piso de uma das salas do Centro de Ciências da Saúde, da UFRJ, no Fundão, cedeu esta semana durante a aula e o professor caiu no vão. Por sorte, ele não se feriu.

Um estudo mostra que a universidade precisa de mais de R$ 750 milhões para recuperar seus prédios, muitos tombados.

Até agora, o governo federal acenou com R$ 50 milhões através do PAC das Universidades. Vai fazer cosquinha!

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21/05/24

A greve 24

O governo federal apresentou nova proposta no dia 15 de maio de 2024 e informou que seria a última. O Secretário de Relações de Trabalho, José Lopez Feijó, deu a entender na ocasião que assinaria o termo de acordo “com qualquer um” no dia 27 de maio.

Provavelmente o José está se referindo “com qualquer um” ao Proifes. Que em 2012 era denomindo "Sindicato Fantasma". Hoje, "Sindicato Patronal do Governo."

Abaixo alguns detalhes sobre a greve de 2012. Está pintando um Déjà vu. Mas temos diferenças: a greve atual  atingiu mais de 550 campi dos Institutos Federais (Sinasefe), 47 Universidades Federais (Andes) e Técnicos Administrativos (Fasubra).

Sobre a greve de 2012

(Greve: 2012, de 17/05 a 17/09), 125 dias, 60 IFE em greve

Algumas observações pessoais sobre o movimento:

1. O governo ignorou a proposta de reestruturação da carreira proposta pelo sindicato.

2. Houve vacilações do sindicato: durante a última mesa da negociação, em agosto, deveríamos formular uma contraproposta e não simplesmente negar a proposta do governo.

3. Do ponto de vista econômico houve ganho: considerando a remuneração atual, o PL dá ao docente Associado I reposição de 25 % até março de 2015; ao docente Adjunto I, neste período, dá 31,2%. De forma geral o governo apresentou o índice de 15 %, neste período, às outras categorias do serviço público federal.

4. O Proifes, braço governamental no movimento docente, foi derrotado nesta greve. Docentes de universidades como a UFRGS e UFMG (base deste braço) se rebelaram. Contra as decisões do Proifes participaram da greve e fizeram parte do comando de greve nacional do Andes-SN.

5. Hoje o esforço para se valer nossas propostas de reestruturação da carreira estão no Congresso Nacional.

A greve nas IFES(2012) 

Greves nasUniversidades Federais 

Greve 24: Como mentircom estatísticas 

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Discos só para ver

A volta do vinil não provocou grande venda de toca-discos. Ele já não existe em função da música

Ruy Castro, FSP, 05/05/2024

Leio no New York Times que o novo disco de Taylor Swift, "The Tortured Poets Department", além de sair em streaming, CD e cassete, terá uma edição em vinil. Mas não uma edição comum. Serão LPs em diversas versões (ainda não se sabe quantas, para manter os colecionadores na ponta dos pés), cada qual com uma atração exclusiva —faixas-bônus, fotos, capas em cores diferentes, vinil idem em várias cores, ímã de geladeira, camiseta autografada e sabe-se lá. Talvez saia também em forma de pizza. O céu é o limite.

Estuda-se ainda o lançamento, em tiragem ultralimitada, de uma caixa contendo, além do LP, uma página arrancada do diário íntimo de Taylor, com sua caligrafia à caneta, e um fio de seus cílios postiços e uma unha de acrigel usada retirados por suas próprias mãos. O problema é que, pelo preço estratosférico, teme-se uma onda de suicídios entre as fãs impossibilitadas de comprar a caixa. E isto será apenas um grão na esperada venda de 1 milhão de vinis.

É formidável. Só me pergunto por que, com a volta triunfal dos LPs, a venda de toca-discos não parece compatível com tal estouro. Digo isso porque, nas lojas que ainda vendem discos, vejo jovens mergulhados nas gavetas de vinis, salivando sobre aqueles LPs lacrados e caríssimos, mas não ouço uma palavra sobre toca-discos.

No tempo em que o LP era a grande mídia musical, seus compradores sabiam tudo sobre cápsulas, agulhas, cristais, pré-amplificadores e válvulas, e passavam boa parte do tempo discutindo sobre isso nas lojas. O objetivo, óbvio, era chegar ao máximo de perfeição sonora na reprodução da música.

Esta é a diferença. Não se vendem tantos toca-discos porque o disco, hoje, não é comprado em função da música. Não precisa ser tocado. É uma peça de colecionador — o importante é ter uma versão que ninguém tenha. E sua capa, pelo tamanho, formato e beleza, é só um pôster de luxo.

Taylor Swift

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Livro sobre Hermeto Pascoal vê como alagoano virou um dos maiores músicos do país

Biografia de Vitor Nuzzi conta trajetória do multi-instrumentista autodidata dono de uma obra livre e original

André Barcinski, FSP, 05/05/2024

Demorou 88 anos, mas um dos maiores músicos brasileiros de todos os tempos —aliás, do mundo — finalmente ganha uma biografia. Em 15 de maio, sai, pela editora Kuarup, "Quebra Tudo! A Arte Livre de Hermeto Pascoal", do jornalista Vitor Nuzzi.

O multi-instrumentista Hermeto Pascoal se apresenta durante o Phono 73, festival de música realizado no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo, em maio de 1973 - Claudine Petroli Estadão Conteúdo/AE/Reprodução

Resultado de seis anos de pesquisa e mais de 50 entrevistas, incluindo um longo depoimento do próprio Hermeto, "Quebra Tudo!" conta a saga de um menino albino e estrábico, com problemas de visão e autodidata em música, que nasceu em 1936 em Olho D’Água, pequeno povoado de Lagoa da Canoa, na região de Arapiraca, em Alagoas, para ganhar o mundo com sua música livre e genial.

Célebre por usar, além de instrumentos tradicionais como teclado, flauta e violão, itens inusitados como água, xícaras, sua própria barba e outras bugigangas que inventa e improvisa, Hermeto se comunicava desde criança com o mundo natural, tendo pássaros, peixes e sapos o primeiro público.

Autor do livro sobre Geraldo Vandré, "Uma Canção Interrompida", finalista do prêmio Jabuti, Nuzzi conta a história de Hermeto desde a infância em Olho D’Água.

"Fui para lá, ainda é um lugar muito ermo", diz o autor. "Conversei com parentes e pessoas que conheceram Hermeto e a família dele, e as histórias são incríveis. O pai de Hermeto tocava sanfona, mas o menino basicamente aprendeu tudo sozinho. E se Olho D’Água ainda é um lugar isolado hoje em dia, imagina em 1936?"

Nuzzi conta que o sobrenome da família era Da Costa, mas o menino ganhou, no cartório, o nome de Hermeto Pascoal porque o pai se chamava Pascoal da Costa. "Não sei se foi um erro do cartório ou uma confusão com os nomes", diz Nuzzi, "mas o fato é que o cartório registrou o nome dele como Hermeto Pascoal. O irmão mais velho de Hermeto, Zé Neto, tem o sobrenome Da Costa".

Hermeto Pascoal - Quebrando Tudo 

Aos 14 anos, Hermeto e Zé Neto, também albino, foram tentar a sorte como músicos em Recife e logo atraíram a atenção de outro gênio musical — e também albino —, Sivuca, que disse sobre Hermeto: "Assim que o vi, percebi que ele tinha dentro dele o fogo sagrado da música".

Do Recife, Hermeto foi para o Sudeste, onde tocou em muitas boates e gravou discos no Rio e em São Paulo. Formou vários grupos, sendo um dos mais famosos o Quarteto Novo, ao lado de Airto Moreira, Heraldo do Monte e Theo de Barros.

No Rio de Janeiro, a família se instalou numa casa no então remoto bairro Jabour, na Grande Bangu, zona oeste do Rio. A casa logo se tornou um ponto de encontro para músicos e local de experimentação sonora para Hermeto.

Nuzzi acredita que o grande salto criativo na carreira de Hermeto ocorre na virada dos anos 1960 para os 1970, quando ele passa dois ou três anos nos Estados Unidos, a convite do casal Airto Moreira e Flora Purim e volta com a ideia de libertar cada vez mais a sua música das amarras do comercialismo. "A mudança é nítida", diz Nuzzi.

"Antes desse período nos Estados Unidos, Hermeto usava cabelo curto, parecia tímido. Lá, ele mergulha no jazz, grava com Miles Davis e outros músicos geniais e retorna transformado. Tanto que, em 1973, de volta ao Brasil, grava um disco absolutamente fundamental, ‘A Música Livre de Hermeto Pascoal’. Ali o Hermeto se encontra".

Outros momentos marcantes da carreira do músico no período são, segundo o biógrafo, o show no Festival Internacional de Jazz realizado em 1978, em São Paulo, quando Chick Corea, John McLaughlin e Stan Getz fizeram questão de dar uma "canja", e o concerto em 1979 no Festival de Montreux, na Suíça, que resultou não só no álbum "Hermeto Pascoal Montreux Ao Vivo", como numa participação improvisada e antológica com Elis Regina.

Acompanhada apenas por Hermeto ao piano, Elis interpretou três canções clássicas da música brasileira —"Asa Branca", "Corcovado" e "Garota de Ipanema"— que depois foram incluídas no álbum "Elis Regina: Montreux Jaz Festival", lançado em março de 1982, logo após a morte da cantora.

"Essa noite com a Elis foi um presente que ganhei da vida", diz Hermeto. Nuzzi conta que Hermeto foi literalmente empurrado ao palco por Claude Nobs, organizador do Festival de Montreux.

Além de um relato fascinante sobre a criação do universo musical de Hermeto Pascoal, que resultou em seus memoráveis shows e gravações com sons de animais e da natureza, "Quebra Tudo!" conta a história de vida de um artista que batalhou muito para poder chegar ao estágio de ter total liberdade criativa sobre sua arte.

Quebra Tudo! A Arte Livre de Hermeto Pascoal

Quando Lançamento: em 15/5 no Bourbon Street. Às 19h, sessão de autógrafos com o autor Vitor Nuzzi, seguido por um show, às 21h30, com Hermeto Pascoal

Onde: Bourbon Street - r. dos Chanés, 127, São Paulo. Preço R$ 50 (280 págs.)

Autoria: Vitor Nuzzi. Editora Kuarup

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Palestina já

Biden pode dar derrota fragorosa a Netanyahu após ato de embaixador na ONU

Wálter Maierovitch, UOL, 11/05/2024

Israel acaba de cometer um desatino na Assembleia da ONU. O seu embaixador Gilad Erdan colocou na máquina trituradora de papéis a Carta constitucional da ONU, elaborada em 1945.

O chilique aconteceu após aprovação de um documento que reconhece a Palestina como qualificada para se tornar país membro das Nações Unidas. Foram 143 votos a favor e 9 contra. Com isso, alertam os jornais europeus de hoje, os EUA poderão ratificar o documento na reunião do Conselho de Segurança da ONU,. A aprovação é quase certa, segundo a mídia da Europa, onde está este colunista.

Será uma derrota fragorosa de Benjamin Netanyahu na guerra que mantém com Joe Biden, o presidente norte-americano.

Biden já advertiu que irá cortar o auxílio financeiro e o envio de armas caso aconteça invasão israelense a Rafah. O presidente norte-americano reconheceu que Israel utilizou bombas vendidas pelos EUA em explosões resultantes na morte de civis na Faixa de Gaza.

Quando se deu a Constituição que criou o estado de Israel, a história revelou a meta de criação de duas nações, para dois povos. À época, Israel aceitou. Agora, com Netanyahu no governo e sob forte pressão interna da direita radical israelense, o premiê não aceita e, ainda, não controla o seu embaixador na prática de ato de desrespeito à ONU e, evidentemente, a todos os estados membros.

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Antero Greco

Mauro Cezar Pereira, UOL, 11/05/2024

Numa noite no começo de 2005 eu dirigia de volta para casa quando o celular tocou. Era a querida Ana Cristina Freitas, que me ligou perguntando se eu poderia retornar à redação da ESPN.

Antero Greco Imagem: Divulgação ESPN

O Antero Greco estava com um probleminha e ela precisava que eu o substituísse na bancada do SportsCenter ao lado de Paulo Soares, o Amigão.

Me senti como o jogador recém-contratado que repentinamente é chamado para substituir o craque do time.

Que responsabilidade.

Que honra.

Antero é muito mais do que aquele cara que nos divertia no fim de noite.

Antero é um puta jornalista, grande companheiro, além de homem culto, educado, leitor voraz, dono de ótimo texto e uma pessoa extremamente bem humorada.

Como se percebia ao lado do incomparável Paulo Amigão Soares.

No dia 1° de janeiro enviei a ele uma mensagem de feliz ano novo. Recebi um áudio carinhoso no qual ele retribuía os votos e me lembrava que estávamos por marcar um café dia desses. "Para falar coisas sérias e algumas besteirinhas", completou.

Ouvi o áudio novamente depois de receber a mensagem do Amigão que Juca Kfouri reproduziu em seu blog. Chorei.

Obrigado, Antero, pela parceria e por estar ao nosso lado na caminhada. Agora vou procurar vídeos seus arrancando gargalhadas do Amigão.

Vai permanecer a lembrança de sua amizade, nossos longos e ótimos papos sobre assuntos além do futebol e das risadas e ensinamentos que nos proporcionou.

A mensagem do Amigão que Juca Kfouri reproduziu em seu blog

POR PAULO SOARES, o Amigão

Amigos, infelizmente o meu grande amigo e de todos nós, Antero Greco, está em seus dias finais. Tumor cerebral. Lutou desde junho de 22, mas agora não há mais o que fazer. Está no Mirante da Beneficência Portuguesa. Dorme um sono profundo, sereno. Não acorda e não fala mais. Se alimenta por sonda. Sinais vitais ainda respondem bem. Família presente, apenas Cris, que vive em Paris, ainda não está. Chega na terça. Hoje fui com Alex Tseng, João Simões e Roberto Salim, me despedir dele. Muito triste e dificil. Imaginávamos ainda voltar a bancada do SportsCenter. Nosso sonho acabou. Vamos enviar luz e paz para que seja uma passagem tranquila. Um amigo doce, querido, divertido e muito inteligente. Antero, my friend, seu cabeçudo, acorda!!!!

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13/05/24

A personagem viva

- Ela está viva, não é?

Ele (Luo Ji) assentiu com a cabeça e se sentou.

- Rong (Bai Rong), eu achava que a personagem de um livro era controlada pelo criador, que ela seria o que o autor desejasse e que faria tudo o que ele mandasse, que nem Deus faz com a gente.

- Ledo engano... - respondeu ela, levantandos-se e começando a andar pelo quarto. - Agora você percebe que estava errado. Essa é a diferença entre um escritor e um artista. Uma criação literária atinge o nível mais alto quando as personagens ganham vida na mente do autor, que não tem nenhum controle e talvez nem consiga prever o gesto seguinte delas. O máximo que podemos fazer é observar, fascinados, e registrar os mínimos detalhes da vida das personagens, como um voyeur. É assim que nasce um clássico.

- Então, no fim das contas, a literatura é um ato de perversão.

- Era assim para Shakespeare, Balzac e Tolstói, pelo menos. As imagens clássicas que esses gênios criaram nasceram do ventre mental. Mas as pessoas que praticam literatura hoje em dia perderam essa criatividade. A mente delas só é capaz de gerar fragmentos arruinados e monstrengos, cujo cujos breves sopros de vida não passam de espasmos incompreensíveis destituidos de razão. Depois elas jogam todos esses fragmentos dentro de um saco e fecham com um rótulo de "pós-modernidade" ou "desconstrucionismo" ou "simbolismo" ou "irracionalidade".

Cixin Liu, A floresta sombria, tradução: Leonardo Alves, pp. 77 e 78, 1ª edição, Suma, 2012

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14/05/24

A estória de um homem que passou a vida inteira pensando que era corno (Dom Casmurro)

Estória contada por Ignácio de Loyolla Brandão no Podcast do Thunder "Um dia fui junto com Antônio Torres, colega da ABL, numa escola em Juiz de Fora. Percebi que os alunos de uma classe de literatura estavam lendo Dom Casmurro. Disse ao professor: nossa! como conseguiu isto? O professor: a gente sempre faz uma lista de livros e passa para eles uma sinopsinha de cada livro. Escolheram o livro do Machado. Que beleza! Mas qual foi a sinopse que vocês colocaram? "A estória de um homem que passou a vida inteira pensando que era corno." Ganhou ali e gostaram do livro."

Podcast do Thunder (40:45)

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15/05/24

Eu me tornei a morte

- Eu me tornei a morte, o destruidor dos mundos! - exclamou Allen

- O que?! - Rey Diaz virou a cabeça de repente, como alguém tivesse disparado em suas costas.

- Oppenheimer proferiu essas palavras quando viu a primeira explosão nuclear. Acho que é uma frase do Bhagavad Gita.

O disco no leste se expandiu rapidamente, lançando uma teia dourada de luz sobre a Terra. O mesmo Sol estava presente naquela manhã em que Ye Wenjie sintonizara a antena da Costa Vermelha, e antes, muito antes, o mesmo Sol havia iluminado a poeira baixando após a primeira explosão nuclear. Os australopiteco de um milhão de anos atrás e os dinossauros de cem milhões de anos atrás haviam voltado seus olhos ignorantes para o mesmíssimo Sol, e antes, muito antes, a luz difusa que havia penetrado a superfície do oceano primitivo e fora sentida pela primeira célula viva fora emitida pelo mesmo Sol.

- E então - continuou Allen - um homem chamado Bainbridge rebateu a declaração de Oppenheimer com outra, que não tinha absolutamente nada de poética: "Agora nós somos todos uns filhos da puta".

Cixin Liu, A floresta sombria, tradução: Leonardo Alves, p. 135, 1ª edição, Suma, 2012

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Antero, Silvio e Apolinho deixam para trás um deserto - e muitas risadas

Alicia Klein , UOL, 16/05/2024

Ídolos decepcionam. Referências ensinam.

De ontem para hoje, perdemos três delas no jornalismo esportivo. Um campo já árido, com tão poucas inspirações, ficou ainda mais estéril. Chato. De personalidades vazias. Sem graça.

Apolinho e suas tantas expressões, que hoje repetimos sem saber de onde vieram.

Silvio Luiz, um dos pilares da Santíssima Trindade da narração esportiva do século que passou.

Antero Greco, o homem que desafiou a grande máxima de Nelson Rodrigues. O cara que conseguiu ser unanimidade, como profissional e pessoa. Que era gentil no mais hostil dos ambientes. Que, trajando um sisudo terno e gravata, saudava a quinta série que habita todos nós. Inteligente, doce e humilde. A prova viva de que dá para fazer rolar de rir sem ser escroto com ninguém.

Não os conheci pessoalmente. Pelo X/Twitter troquei mensagens e retuítes com Anterito e Silvio, também companheiros alviverdes. Pensava: pelo amor dos meus filhinhos, eles sabem que eu existo! E isso era muito.

Silvio, pela referência da voz que animou minha infância. Antero, por buscar um dia alcançar sua fineza. A personificação de um jornalismo que abraça. Que informa e acalma. Aquela companhia por quem esperávamos, quando a notícia não estava em toda parte. A visita que a gente não queria nunca ver partir.

Mas ele partiu. Os três partiram, nos deixando terrivelmente sós. Ainda bem que Milton Caraglio, Louis Picamoles e Rolão Preto estão aí para nos fazer rir em meio às lágrimas.

Amigão, Juca Kfouri e José Trajanoprestam homenagem a Antero Greco | SportsCenter especial 

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17/05/24

O poderoso chefão e a relação promíscua entre produção e a Máfia




Revi esta série The Offer (primevideo) hoje. Ela conta estória da produção do filme "O poderoso chefão 1" e a relação promíscua entre produção e a Máfia de Nova Iorque.

Diálogo entre Bettye e Brando

Bettye McCartt: Sabe do que mais tenho gostado nesse filme? Observar você. Você faz tudo com paixão. Aproveita cada momento. Nem parece atuação, são verdades.

Marlon Brando: Você entende bem dessa arte. Uma vez perguntaram

a Michelangelo: "Como esculpe pedras em tamanha beleza?" Sabe o que ele disse? Ele disse: "Eu não esculpo nada." "Eu vejo a verdade imersa na pedra e tiro todo o resto."

The offer

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Morre Albert Ruddy, produtor de 'O Poderoso Chefão', aos 94 anos

O canadense é um dos nove produtores que já ganharam mais de um prêmio de melhor filme no Oscar 

Redação, FSP, 28/05/2024

Morreu no último sábado (25) o produtor Albert S. Ruddy, Albert S. Ruddy(1930-2024) aos 94 anos. Ruddy é um dos nove produtores que já ganharam mais de um Oscar de melhor filme, tendo vencido o prêmio com "O Poderoso Chefão", em 1973, e "Menina de Ouro", em 2005.


O produtor Albert Ruddy - imyourkid/Instagram

Ruddy estreou como produtor em 1965 com o filme "Vítima de um Pecado", de Brian G. Hutton. Ele foi responsável por outros filmes de baixo orçamento até chamar a atenção de Charles Bludhorn, então à frente da Paramount Pictures, que o convidou para produzir "O Poderoso Chefão", de Francis Ford Coppola.

Além das duas estatuetas no Oscar, o produtor também ganhou um Globo de Ouro de melhor comédia por "Golpe Baixo", de 2005, dois prêmios César e dois David di Donatello. Foi ainda reconhecido pelo conjunto de sua obra no Festival Internacional de Cinema de Xangai, e presidiu o júri do Festival de Cinema de Zurique em 2007.

Em 2022, Ruddy foi retratado na série "The Offer", que conta sobre a produção de "O Poderoso Chefão".

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Americana viraliza ao amar livro de Machado; por que livro é tão cativante?

Rafaela Polo, Splash, 20/05/2024

Uma influencer literária americana viralizou no TikTok ao dizer o quanto se apaixonou pelo livro "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. Courtney Henning Novak faz desafio de ler um clássico por país. A publicação ultrapassou 700 mil visualizações.

Velha conhecida da lista de pré-vestibulares, muita gente tem preconceito com a obra. Mas se engana quem acha que vai se deparar com uma "chatice". Machado de Assis era, no mínimo, criativo, e sabia muito bem despertar a curiosidade do leitor.

Veja seis motivos para, assim como a americana, encantar-se com o livro:

O protagonista/narrador já morreu

A gente sabe que o livro é sobre memórias póstumas, mas quem escreve é ninguém menos que o próprio protagonista depois de sua morte. Não à toa, ele começa a história dedicando-a "ao verme que roeu as frias carnes do meu cadáver".

A rabugentice

Pela maneira como narra a história, Brás Cubas parece ser alguém bem rabugento, que viveu cercado por poucas pessoas por não ter "paciência com quem está começando". Esse seu comportamento dá uma pitada cômica à história.

O livro é uma conversa

Machado não narra a vida de Brás Cubas de forma poética, mas sim cria uma conversa entre o autor e o leitor. É como se estivéssemos sentados, tomando um café, ouvindo um velho senhor contar seus causos.

É quase uma história de mistério

Logo no primeiro capítulo Brás Cubas explica a causa de sua morte: pneumonia. Mas garante que a doença não é a única culpada. E por acreditar que o leitor não levará a sério sua teoria, diz que vai explicar ao longo da história (o que ele faz) o que o levou ao óbito. Antes mesmo do sucesso dos thrillers, Machado de Assis já criava um final que promete uma reviravolta na história.

Tem traição também

Machado, não dá para negar, gostava dessa história de traição. Toda a trama de "Dom Casmurro" deixa nas entrelinhas uma possível infidelidade de Capitu. Mas no caso de Brás Cubas, ele era o amante. Solteirão, ele teve por anos um caso com uma namorada da juventude que era casada com um político importante —que reaparece para lhe fazer companhia no leito da morte.

Os capítulos são bem curtinhos

A linguagem do livro não é das mais fáceis, mas você não precisa se preocupar com longos capítulos cheios de narração. Brás Cubas vai direto ao ponto sobre o que ele quer explicar. Quase como se não tivesse tempo a perder, sabe? O que sempre deixa quem está lendo com vontade de saber mais.

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Einstein visitou Brasil a contragosto e chamou cientista de 'macaco', mostram diários

Livro inédito relata viagem do físico alemão à América do Sul em 1925 e explicita como ele se filiou ao racismo científico

Diogo Bercito, FSP, 25/05/2024

No início de 1925, a América do Sul esperava, ansiosa, a chegada de Albert Einstein. Ele tinha uma viagem marcada para Argentina, Uruguai e Brasil. O alemão, por outro lado, não compartilhava o entusiasmo dos seus anfitriões. A um amigo, reclamou por carta: "Não tenho vontade de encontrar índios semi-aculturados usando smoking".

Mais tarde, já no Rio de Janeiro, Einstein se encontrou com Aloysio de Castro, chefe da Faculdade de Medicina. Podemos imaginar o que significou para o brasileiro conhecer o pai da teoria da relatividade naquele momento. Sobre Castro, porém, o cientista escreveu: "legítimo macaco".

Einstein no Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro em 8 de maio de 1925 - Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz

São pouco lisonjeiros os relatos reunidos no livro "Os Diários de Viagem de Albert Einstein: América do Sul". Os textos revelam alguns pensamentos racistas dessa figura tão celebrada. Expõem outra coisa também, diz Ze’ev Rosenkranz, que editou o volume: a sua humanidade.

"Esses escritos apresentam uma imagem mais completa de Einstein, evidenciando seus limites", afirma. O alemão foi capaz de revolucionar a física. Mas ele adotou, também, algumas ideias do racismo científico. "Isso acaba nos incentivando a repensar nossos próprios preconceitos."

Nascido na Austrália, Rosenkranz trabalha com os diários e cartas de Einstein desde 1988. Foi curador desse material na Universidade Hebraica de Jerusalém e é hoje editor sênior no Einstein Papers Project do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Casou-se com uma brasileira e acabou de se mudar para São Paulo, onde conversou com a reportagem.

Os diários da viagem de 1925 estão entre os documentos mais "autênticos" de Einstein, afirma. Isso porque tinham um público limitado: o cientista não pensava em publicar os textos. No máximo, compartilharia as suas ideias com alguns amigos e familiares quando voltasse a Berlim.

Uma das coisas que transparecem no relato é que Einstein foi para a América do Sul quase contra a sua vontade. Decidiu ceder após uma longa insistência das comunidades científicas e judaicas da região. Teve também uma motivação pessoal, ao que parece: queria se distanciar da secretária com quem tinha um caso e de quem agora tentava se separar.

De março a maio, Einstein visitou Argentina, Uruguai e Brasil, reunindo-se com outros cientistas, judeus e alemães. Escreveu —de modo sucinto e desconjuntado — 43 páginas de um caderno pautado. O estilo é o provável resultado do pouco tempo que teve entre encontros.

Einstein no Observatório Nacional no Rio de Janeiro em 9 de maio de 1925 - Acervo do Arquivo de História

Suas impressões do Rio de Janeiro são complexas. Há, de um lado, o impacto deixado pelo cenário tropical. Uma noite, pelado no quarto do hotel, olhando pela janela, anotou que estava aproveitando "a vista da baía, com incontáveis ilhas rochosas, verdes e parcialmente desnudas".

A natureza o encantava. Já as pessoas, nem tanto.

Ao escrever sobre seus anfitriões, Einstein reciclou algumas ideias racistas do determinismo geográfico e biológico. Isto é, sugeria que o clima tinha afetado de maneira negativa as habilidades cognitivas dos brasileiros. Tinham sido "amolecidos pelos trópicos", nas suas palavras.

"O racismo é parte de sua visão biológica do mundo", diz Rosenkranz, que descreve Einstein como "um homem do século 19". Também em uma viagem ao Sri Lanka, em 1922, o cientista relacionou coisas como calor e umidade à capacidade das pessoas de pensarem claramente.

É um pouco desconfortável ler os escritos particulares de Einstein, dado que ele não cogitava ter a nós como leitores. Historiadores debatem o valor de expor esse tipo de material. Rosenkranz, porém, diz que do ponto de vista intelectual seria impossível fazer vista grossa aos diários.

Concentrar-se apenas no racismo de Einstein, porém, é uma maneira simplista de tratar sua biografia. Na Alemanha, ele foi também vítima de preconceito por ser judeu, razão pela qual se mudou para os Estados Unidos em 1933. Foi ali que, mais tarde, aderiu ao movimento antirracista.

O cientista participou, por exemplo, de movimentos em prol dos direitos civis nos Estados Unidos, incluindo a NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, na sigla em inglês). Posicionou-se de maneira contundente contra a segregação racial existente no país.

Seu apoio ao sionismo, em um momento anterior à criação do Estado de Israel em 1948, também aparece nos diários. Sua identidade norteou a recepção que teve na América Latina. A comunidade judaica o celebrou —enquanto os alemães, em especial na Argentina, o trataram com frieza.

Já circulava, afinal, o antissemitismo que culminaria no Holocausto de 6 milhões de judeus pela Alemanha nazista. Einstein se via mais como judeu do que como alemão, diz Rosenkranz.

De modo surpreendente, a questão científica está em segundo plano nos diários. Pesquisadores disseram, no passado, que Einstein tinha feito a viagem para divulgar a teoria da relatividade e travar contatos com outros físicos. Seus escritos de 1925, no entanto, quase não tratam disso.

Apenas a Argentina tinha naquele momento uma comunidade bem estabelecida de físicos. No Brasil, Einstein sentia que não tinha interlocutores. Havia defensores da relatividade no Brasil, diz Rosenkranz, como o matemático Manuel Amoroso Costa. Mas muitos se opunham à teoria, em especial os seguidores do positivismo.

O último dia de compromissos no Rio foi 11 de maio de 1925, quando o alemão assistiu a um filme sobre o marechal Cândido Rondon, que mais tarde indicou ao Nobel da Paz. Jantou com o embaixador de seu país. Ao final da refeição, escreveu o que serve talvez de resumo da sua viagem: "finalmente livre".

Os Diários de Viagem de Albert Einstein: América do Sul, 1925

Preço R$ 79,90 (288 págs.), Autoria Albert Einstein (org. Ze'ev Rosenkranz)

Editora Record, Tradução Alessandra Bonrruquer

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Las Vegas em Pindorama

Vício em apostas vira problema em empresas: 'Estão pedindo adiantamento'

Carlos Madeiro, UOL, 26/05/2024

Apostas esportivas têm crescido no BrasilImagem: Reprodução

O vício em apostas em sites e jogos online está levando trabalhadores a perder dinheiro e pedir ajuda financeira a seus empregadores para cobrir dívidas e pagar contas domésticas.

Dono de empresas com cerca de 2.000 funcionários em Alagoas, Rio Grande do Norte e Mato Grosso, o alagoano Rafael Tenório divulgou um vídeo alertando sobre o problema entre seus funcionários, em 3 de maio. A postagem viralizou, com outros empregadores citando situações semelhantes Brasil afora.

Ao UOL, Tenório diz que foi procurado pelo setor de recursos humanos do seu grupo, que avisou sobre um aumento incomum na quantidade de trabalhadores pedindo adiantamento.

Vimos que pessoas estavam pedindo adiantamento de férias, de 13º salário, ou mesmo empréstimo. Outros chegaram a pedir para fazer acordo para serem demitidos e sacar o FGTS. Foram muitos funcionários; então começamos a atuar e descobrimos pela família e pelo funcionário que ele estava envolvido com apostas e jogos eletrônicos. Isso ocorre em todas as empresas do grupo. Rafael Tenório

Tenório diz nunca ter vivido uma situação com essa em 42 anos atuando como empresário.

No vídeo, ele conta feito uma experiência: colocou R$ 20 em créditos para seu funcionário apostar no chamado "jogo do tigrinho." "Ele fez [o jogo] na minha frente, perdeu tudo em 1 minuto e 15 segundos", diz.

Após a publicação, Tenório afirma ter sido procurado por outros empresários, que relataram a mesma preocupação. "Um deles me disse que tem uma fazenda onde se chega de burro, e o caseiro, que mora em um local isolado, estava enfrentando o mesmo problema, endividado".

Também ouviu relatos de trabalhadores que estão devendo para bancos e até para agiotas, porque estavam comprometendo suas rendas com jogos.

Tem relatos de pessoas que afirmaram pensar em tirar a vida. Percebemos que é muito mais grave do que se imaginava e tínhamos de agir, ajudar essas pessoas. Rafael Tenório

Baixa no rendimento

Tenório conta que há trabalhadores usando até os celulares da empresa, que ficam com eles, para jogar. Muitas vezes, de madrugada.

Começamos a perceber um baixo rendimento de alguns funcionários que usam celular da empresa e fomos verificar: muitos deles ficavam jogando até as 2h, 3h da manhã. Havia um prejuízo emocional e, claro, no rendimento.  Rafael Tenório

O empresário convocou uma reunião com todos os gestores para o início de junho. Em julho, diz que vai fazer um evento aberto para debater o tema com psicólogos, psiquiatras e gestores de recursos humanos.

"Eu tenho um caso de uma pessoa com 25 anos de empresa, alto salário e carro da empresa. No mês passado, nos procurou desesperada pedindo para ser transferida porque não aguentava mais as cobranças de dívidas. Tinha gastado em jogos. Rafael Tenório

Lojistas vão incluir apostas em pesquisa sobre hábitos de consumo

Daniel Sakamoto, gerente executivo da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), afirma que a preocupação dos empresários com os jogos já é perceptível.

Muitos lojistas do varejo nos fazem relatos sobre o problema, mas não temos dados. A sensação é que isso tem aumentado no mercado de trabalho, afetando não só a saúde financeira, mas também a mental. Daniel Sakamoto

O setor de apostas esportivas online movimentou entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões no Brasil no ano passado, de acordo com um estudo realizado pela XP Investimentos. A pesquisa diz que as pessoas de baixa renda gastam, em média, R$ 58 mensais em apostas online, o que corresponderia a 20% da renda que sobra após pagarem as contas.

Existe uma preocupação clara com esse aumento, que impacta no consumo das famílias. Vemos que o próprio governo tem tomado muitas medidas, como restringir cartão de crédito como meio de pagamento. Daniel Sakamoto

Ele se refere a uma portaria publicada pelo Ministério da Fazenda em abril, determinando que o pagamento de jogos online só pode ser feito por meio de transferência eletrônica, como Pix. Portanto, sem uso de dinheiro em espécie, cartão de crédito, cheques, criptomoedas ou boletos, por exemplo.

Sakamoto cita a mais recente pesquisa de inadimplência CNDL/SPC Brasil. Ela mostra que o número de brasileiros com alguma dívida em atraso subiu em abril, atingindo 69 milhões. "Esse número não é à toa."

Pelo volume financeiro que está sendo movimentado nesse mercado, paralelamente a esse nível de endividamento individual, a gente conclui, sem medo de errar, que existe um impacto social dessas apostas. Temos visto isso tanto no mercado de trabalho como no endividamento das famílias. Daniel Sakamoto

Diante disso, Sakamoto diz que a entidade vai incluir, na próxima pesquisa de hábitos de consumo, os jogos online como opção de resposta para a pergunta "para onde está direcionando gastos?." "Aí vamos saber se as pessoas já admitem isso e qual é o impacto."

Dependência em jogos de azar

O Ministério da Saúde explica que, por se tratar de um problema atual, ainda não há dados precisos sobre o aumento do número de pessoas buscando ajuda na rede pública. Por ser uma questão de saúde mental, o SUS recepciona casos através da Rede de Atenção Psicossocial (Raps).

O tratamento para dependência em jogos de azar não tem uma política específica no âmbito do SUS. No entanto, essa questão pode ser abordada no contexto mais amplo da saúde mental, uma vez que o referido hábito pode estar relacionado a causas como compulsões e depressão, por exemplo. Como o hábito pode estar ligado a outras condições de saúde mental, não é possível calcular o número de pessoas tratadas exclusivamente por esse motivo. Ministério da Saúde.


Viciado na ilusão das bets, Brasil ignorou ressaca da jogatina on-line

Leonardo Sakamoto, UOL, 26/05/2024

Cassinos ainda são proibidos no Brasil devido ao impacto negativo à saúde mental do vício no jogo. Com a chegada das casas de apostas esportivas e do joguinhos on-line que prometem enriquecimento rápido, essa proibição foi praticamente contornada. E o Estado brasileiro, admitindo o fato consumado, aprovou a cobrança de impostos dessas empresas.

Hoje, times de futebol e coberturas esportivas na imprensa são bancados com a grana das bets, artistas e influenciadores recebem milhões para promover jogos de azar e, como aponta reportagem de Carlos Madeiro, neste domingo (26), trabalhadores estão se endividando até com empregadores, perdendo o dinheiro da própria sobrevivência.

Quem diria que uma sociedade com milhões de pessoas com pouco dinheiro no bolso e despreparada para a jogatina se viciaria na promessa de dinheiro fácil, não é mesmo?

Anos atrás, na época da febre dos bingos, muita gente faliu. Conheço pessoas que perderam, carro, casa e família para as cartelas. A jogadinha travestida de brincadeira foi proibida, mas vieram as bets e os jogos on-line com ilusões de enriquecimento, com impacto muito maior, pois ao alcance do celular.

Se as chances de ficar rico fossem realmente gigantes como os anúncios na TV, no rádio e nas redes fazem crer, não haveria tanta empresa brasileira e estrangeira oferecendo seus serviços de apostas. Ou vocês, acham que elas fazem assistência social? Pipocam como Gremlins na chuva exatamente porque sabem que o dinheiro vem fácil. Para elas.

A questão deveria ser tratada como um problema de saúde pública, tal como o uso abusivo de drogas. Mas o Brasil prefere encarar o porte de psicoativos como crime (se você é negro e pobre, claro) e o vício na jogatina on-line como uma brincadeira inofensiva. Ou, pior, como uma chance de ascensão social.

Publicidade de casas de apostas deveriam ser obrigadas a trazer os mesmos grandes avisos estampados pelos maços de cigarro. E, ao invés do alerta do risco de câncer, o aviso de problemas de saúde mental.

Governos deveriam alertar para os riscos de bets e dos joguinhos on-line em amplas campanhas de informação, mostrando o que acontece com quem transforma a aposta eventual em vício.

Por fim, comunicadores e veículos de comunicação que estão sendo bancados com grana da jogatina on-line, deveriam fazer uma reflexão sobre o seu papel na saúde pública.

Não está se discutindo aqui a proibição de nada, até porque seria praticamente impossível, tal como a proibição das drogas. A situação trazida pela reportagem de Carlos Madeiro é apenas o começo. Tudo ainda vai piorar bastante até que o país perceba a ressaca.

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26/05/24

A forma do mundo surgiu

Escuridão. Antes da escuridão não havia nada além do nada, e o nada não tinha cor. Não havia nada no nada. A escuridão indicava que, pelo menos, havia espaço. Logo apareceram agitações na escuridão do espaço, penetrando tudo como uma brisa suave. Era a sensação do passar do tempo, pois não havia tempo no nada, mas agora o tempo tomava forma em um descongelamento glacial. Só muito mais tarde houve luz, no início apenas uma mancha luminosa amorfa e, após outra longa espera, a forma do mundo surgiu gradualmente.
Cixin Liu, A floresta sombria, tradução: Leonardo Alves, p. 283, 1ª edição, Suma, 2012
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

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