Cerrado passa a Amazônia e vira bioma mais desmatado do país, aponta estudo
Carlos Madeiro, UOL, 28/05/2024
Durante o primeiro ano do governo Lula (PT), o cerrado ultrapassou a Amazônia e somou a maior área desmatada entre todos os biomas do país em 2023, segundo dados do novo RAD (Relatório Anual de Desmatamento) divulgados hoje (28) pela rede MapBiomas.
A organização — que reúne especialistas, entidades e universidades do Brasil no estudo da ocupação e uso do solo — informa que foi a primeira vez que a Amazônia não ocupou a primeira colocação nesse ranking. É o quinto ano consecutivo em que o levantamento é realizado.
A área desmatada no cerrado equivale a 61% de todo o desmatamento registrado no país no ano passado. Foram mais de 1,1 milhão de hectares devastados — mais de sete vezes o território da cidade de São Paulo (152 mil hectares ou 1,52 mil km²).
Se considerado todo o país, o desmatamento teve queda de cerca de 12%. No total, foram 1,8 milhão de hectares devastados. O desmatamento no cerrado aumentou 67,7% em 2023, na comparação com o ano anterior. A Amazônia teve queda de 62,2% no mesmo período.
Dos outros quatro biomas brasileiros, dois tiveram alta no desmatamento e dois, queda:
Pantanal - alta de 59%
Caatinga - alta de 43%
Pampa - queda de 50%
Mata Atlântica - queda de 60%
Horas após a divulgação da pesquisa, a MapBiomas realizou um encontro em Brasília para o qual estava convidada a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Entretanto, ela não compareceu e foi representada pelo secretário Extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial, André Lima. Ele disse que não tinha "mergulhado nos dados" e não quis comentar os números por bioma.
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia no foco
O estado que mais desmatou no ano passado foi o Maranhão — que pela primeira vez aparece no topo da lista. Foram 331,2 mil hectares suprimidos em 2023, aumento de 95,1%.
Em seguida aparecem dois estados que também tiveram muito cerrado destruído: Bahia (290,6 mil) e Tocantins (230,2 mil). Não é coincidência que os três estados fazem parte da região considerada o novo vetor de desmatamento no país, o Matopiba — que corresponde à área do cerrado dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Com 73 milhões de hectares, o Matopiba responde por aproximadamente 10% da produção de grãos e fibras no país, com destaque para soja, milho e algodão. Houve implantação de grandes empreendimentos do agro na região — que recebem licenças ambientais para desmatar.
"Temos que entender que não é porque a reserva legal é menor no cerrado que todo o desmatamento vai ser legal. Na realidade, precisamos sim ter claramente o número da ilegalidade para que as ações de comando e controle possam ser efetivas, assim como as ações de desestimulo a abertura de novas áreas também." Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia)
O Código Florestal prevê que a área de reserva legal no cerrado é de, no mínimo, 20% — ou seja, é o porcentual da propriedade em que a vegetação nativa deve ser mantida. Em imóvel situado na Amazônia Legal, em área de floresta, chega a 80%.
Formações savânicas e florestas
Também em 2023, pela primeira vez desde que o MapBiomas faz o levantamento, houve predomínio de desmatamento em formações savânicas (54,8%), que é aquele tipo de vegetação que se acomoda a climas secos, típicos da caatinga e do cerrado. As florestas, que lideraram em anos anteriores, responderam por 38,5% do total desmatado no país no ano passado.
Ainda segundo o RAD, o desmatamento por pressão da agropecuária responde por mais de 97% de toda a perda de vegetação nativa no Brasil nos últimos cinco anos.
Maioria de desmatamento parece ilegal
Segundo o estudo, 93% da área desmatada no Brasil em 2023 teve pelo menos um indício de ilegalidade, com a sobreposição a:
Áreas autorizadas para supressão da vegetação nativa;
Terras Indígenas ou Unidades de Conservação de proteção integral;
Reserva Legal ou APP (Área de Proteção Permanente);
Áreas de Planos de Manejo Florestal Sustentável;
Áreas embargadas.
Em 2023, o cerrado foi o bioma com maior aumento de área desmatada dentro de reservas locais, com 136% de aumento.
Contando entre 2019 e 2023, foram 8,5 milhões de hectares de vegetação nativa desmatados em todo o Brasil — sendo 52% deles na Amazônia e 39% no cerrado. A área total equivale a quase duas vezes o território do estado do Rio de Janeiro.
Para os pesquisadores, o desmatamento ocorre de forma mais livre no cerrado, o que impulsionou o desmatamento. Na Bahia, 51,8% de tudo que foi desmatado nos últimos cinco anos foi autorizado por órgãos ambientais. No Tocantins, essa média foi 47,7%. Para efeito de comparação, em Mato Grosso do Sul, o desmatamento autorizado foi de apenas 0,01%.
"Combater o desmatamento no cerrado se torna um desafio a mais em um contexto onde a legislação é permissiva no bioma. Por isso, precisamos ter mais transparência e controle sobre a questão da legalidade para que se possa aprimorar e desenhar politicas públicas e privadas, que acabem com o desmatamento ilegal e desincentive o desmatamento legal, visando uso mais eficiente das áreas já desmatadas." Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia)
O que disse o representante do Ministério do Meio Ambiente
"Vamos implantar CAR [Cadastro Ambiental Rural] como ferramenta de controle. Não é possível ter 1% dos cadastros respondendo por 90% do desmatamento. Vamos começar a registrar imóveis que não têm autorização de supressão [da vegetação]. A melhor ferramenta disso é conversa com os estados.
O desmatamento legal também é um enorme de desafio. Eu diria que a gente tem de vencer a resistência do Congresso para que não tenha mais retrocesso." André Lima, secretário no MMA (Ministério do Meio Ambiente)
Exportação de soja para a China puxa desmatamento no Cerrado
Rafael Neves, UOL, 29/05/2024
Acelerada nas últimas duas décadas, a exportação de soja para a China tem estimulado a expansão do agronegócio no Cerrado, o bioma mais desmatado do Brasil em 2023.
O que aconteceu
Um relatório apontou ontem (28) que o Cerrado superou a Amazônia e se tornou o bioma mais desmatado do país. Segundo a rede Mapbiomas, autora do estudo, a região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), dedicada ao agronegócio para exportação, concentrou 47% de todo o desmatamento registrado no Brasil no ano passado.
A expansão do agronegócio no Matopiba é estimulada pelo mercado internacional. Dados da plataforma Agrostat, do Ministério da Agricultura, apontam que os quatro estados da região mais que dobraram sua participação nas exportações do agro brasileiro. Em 2004, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia respondiam juntos por 4,15% do valor exportado. No ano passado, a fatia foi de 9,6%.
Em 20 anos, a China se tornou a maior compradora do agro brasileiro. Em 2004, segundo a Agrostat, o país asiático respondia por 7,61% das exportações brasileiras do setor, contra 14,75% dos EUA e 32,64% da União Europeia. Em 2023, a fatia chinesa subiu para 36,17%, enquanto a da União Europeia caiu para 12,93%, e a dos EUA recuou para 5,9%.
A China se consolidou como a principal compradora de soja do Matopiba. Os quatro estados juntos exportaram, em 2004, 2 milhões de toneladas do grão para a União Europeia e apenas 186 mil toneladas para a China. Em 2023, o panorama se inverteu: foram 3 milhões de toneladas para a Europa, contra 11,4 milhões de toneladas para o mercado chinês, quase o quádruplo.
A regulação mais fraca é um dos motivos para a preferência pela China. Leis mais rígidas da União Europeia em relação à soja transgênica, por exemplo, têm ajudado a direcionar as exportações brasileiras para a China.
"O Brasil já exportou muito para a União Europeia no passado, mas o mercado consumidor se tornou mais crítico e vem impondo restrições sobre as questões ambientais e sociais da produção agropecuária. E são restrições que a China não tem. Hoje os chineses se consolidaram como os maiores compradores de produtos como soja, milho e algodão do Matopiba." Vicente Eudes Lemos Alves, professor do instituto de geociências da Unicamp.
Matopiba: Nova fronteira agro do país lidera em desmate e expulsa moradores
A maior parte do desmatamento do Matopiba ocorre de forma legal. Isso acontece porque o Cerrado, que abriga mais de 90% da área do Matopiba, tem leis de proteção mais fracas que outros biomas. Enquanto o Código Florestal obriga produtores rurais a preservar 80% da vegetação em suas propriedades na Amazônia, essa taxa é de 20% no Cerrado.
O desmatamento no Matopiba mais que triplicou nos últimos cinco anos, segundo o Mapbiomas. Em 2019, a plataforma detectou o desmatamento de 273 mil hectares na região, quase o dobro da área da cidade de São Paulo. No ano passado, a taxa saltou para 859 mil hectares, o que representa mais de cinco vezes a capital paulista.
Dos estados mais desmatados do Brasil em 2023, três são do Matopiba. Maranhão (1º), Bahia (2º) e Tocantins (3º) ultrapassaram Pará (4º) e Mato Grosso (5º), que tradicionalmente ocupavam os primeiros lugares da lista. De 2022 para 2023, o Tocantins foi o estado que mais acelerou o desmatamento — aumento de 177,9%, de acordo com o Mapbiomas.
"A expansão do agro nessa região se explica porque as terras, há cerca de vinte anos, eram ainda muito mais baratas que em regiões com o agronegócio já consolidado. Por ter muitas áreas planas, em que é fácil praticar a agricultura mecanizada, essa é uma região de grande interesse de grandes empresas." Vicente Eudes Lemos Alves, professor do instituto de geociências da Unicamp.
Desmatamento caiu em área crítica da Amazônia
Os dados do Mapbiomas indicam um deslocamento no eixo do desmatamento no Brasil. O maior foco de preocupação nos últimos anos foi a região chamada de Amacro, em torno da divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia.
De 2019 a 2022, o desmatamento havia quase dobrado nessa região, o que atraiu mais atenção da fiscalização ambiental. Ao contrário do Matopiba, onde a perda de vegetação costuma acontecer em áreas legalizadas, a Amacro é marcada por crimes ambientais como pecuária ilegal e extração de madeira.
Em 2023, o desmatamento nessa região caiu 74% em relação ao ano anterior, segundo o Mapbiomas. De 390 mil hectares de vegetação perdida em 2022, quase três vezes a cidade de São Paulo, a área desmatada caiu para 102 mil hectares — cerca de dois terços da área da capital paulista — no ano passado.
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