O desconforto com a greve nas universidades federais
Boa parte dos funcionários federais se veem como apoiadores do petismo
Gustavo Alonso, FSP, 26/04/2024
Ao menos 52 universidades e 79 institutos federais encontram-se em greve. Como campo de batalha, a greve é ao mesmo tempo justa e problemática, especialmente em meio a um governo supostamente de esquerda, de origem sindical e trabalhista.
Para quem vive o cotidiano universitário é visível o desconforto de muitos colegas com a greve. Na Universidade Federal de Pernambuco, onde trabalho, a votação digital sinalizou um quase empate. A iniciativa da paralisação ganhou por pouco na semana passada.
Em governos tucanos ou bolsonarista, era comum ver a universidade em peso contrária ao governo, mas com o PT é diferente.
Um componente do drama particular desta greve é que parte da burocracia federal sindicalizada é claramente contra o movimento. O petismo, forjado no cotidiano do mundo do trabalho, ainda tem forte penetração em vários sindicatos e em muitas reitorias espalhadas pelo país, que estão pressionando o movimento grevista com ameaça de corte de ponto e estimulando o denuncismo de colegas.
As razões para não fazer a paralisação são muitas. Alguns consideram que não é o momento de acirrar os ânimos e radicalizar a política já tão polarizada. Outros argumentam que nenhum sindicato da classe ousou fazer greve contra Bolsonaro, que constantemente atacou e depreciou a categoria. Por que deveriam fazer greve agora, sob um governo supostamente de esquerda?
O que pega para muitos professores e técnicos das universidades e escolas técnicas é que o apoio eleitoral dado a Lula parece não ter nenhum valor político mais pragmático. Historicamente, boa parte dos funcionários federais se veem como apoiadores do petismo. Funcionários públicos são quase sempre associados a uma espécie de voto seguro, um tipo de apoio que jamais penderá para o lado bolsonarista.
Um dado que ajuda a complexificar o embate é que setores tidos pelo PT como "golpistas" tiveram aumentos consideráveis e foram cortejados por Lula. Auditores fiscais, policiais, setores do Judiciário: todos ganharam seu naco através da postura conciliatória do governo federal. Esperava-se que Lula acenasse também em direção a seus aliados tradicionais e não apenas buscasse cooptar setores adversários com benesses populistas. Mas isso não aconteceu, o que gerou insatisfação de muitos. Como sintetizou uma amiga minha, professora universitária: "A gente tem corte no salário, corte no orçamento, corte na pesquisa. Alguma coisa boa tem que ter pra nós. Não se pode cortar tudo".
Mas o governo não pensa assim. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já declarou que não há margem para conceder o desejo dos servidores. O paradoxo é que meses atrás o mesmo governo, que agora diz não haver dinheiro, bateu bumbo para proclamar que o Brasil tinha voltado a crescer acima do esperado e que conseguimos voltar ao ranking das dez maiores economias do mundo. E houve recorde de arrecadação de impostos. Dinheiro há. Então quais são as prioridades do governo? E, sobretudo, qual é o projeto de esquerda para a educação pública nacional?
É preciso colocar os pingos nos is. A greve não luta por aumento de salário. Mais de 30% dos salários de professores e técnicos federais estão defasados em relação à inflação. O que se quer é que esse fosso seja diminuído. Esse é o lado justíssimo da greve. Pede-se também a reestruturação da carreira, de forma a resgatar direitos. Aí há alguns impropérios, frutos da falta de bom senso. Um exemplo é a demanda pelo fim do registro de ponto eletrônico para docentes do ensino básico, técnico e tecnológico.
Uma greve educacional é sempre muito ruim. Diferentemente de uma fábrica, onde a produção perdida não pode ser recuperada, nas universidades e escolas técnicas o período perdido têm que ser reposto. O que acarreta verões com aulas e alunos com três semestres letivos por ano. Mas, diante do desleixo do governo com seus apoiadores, qual alternativa resta?
Embora favorável à greve, penso que haveria alguns contextos que me forçariam a votar contra ela. Se acaso o governo estivesse minimamente preocupado com uma revolução da educação básica nacional, me veria forçado a pisar no freio das demandas universitárias.
Se Lula e o PT estivessem interessados em reformar as universidades, eu também seria contrário à greve. Desde 2002 o petismo sempre agiu como se o único problema da universidade brasileira fosse a necessidade de expansão física e numérica. E nenhuma reforma burocrática consistente foi realizada. Qualquer um que vive a universidade sabe que, mesmo sem dinheiro, há muito o que fazer.
Por fim, se o governo estivesse usando o discurso de "aperto dos cintos" com todas as categorias, não haveria do que reclamar.
Diante desse quadro, a greve é justa. Embora sempre inconveniente. É uma casca de banana para um presidente que nasceu politicamente tendo a greve como principal instrumento político.
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