Mario Prata
Na noite anterior havia trabalhado feito um mouro.
Acordei e estava um verdadeiro calor senegalês. Depois de tomar uma boa duma ducha escocesa, quase dormitar num banho turco, fazer a minha ginástica sueca, passar a minha água de colônia, vesti meu terno azul turquesa de casimira inglesa (que fora um presente de grego de uma amante argentina), cuidei do meu pastor alemão, do pequinês, do dinamarquês, do meu gato siamês e, com uma pontualidade britânica, deslizando sobre o tapete persa, sai para fazer um negócio da china.
Logo voltei. Deveria ter saído com a minha refrescante bermuda, minhas sandálias havaianas e o autêntico chapéu panamá. Evitaria o calor, aquela tortura chinesa que só um bom sorvete de creme holandês refrescaria.
Ou teria sido melhor o terno príncipe de Gales, para evitar uma gripe espanhola ou uma febre asiática? A polaca gostaria mais.
Foi bom ter voltado. Meu periquito australiano e o meu canário belga, famintos, pediam semente de maconha colombiana. E minha galinha de angola, o resto da linguiça calabresa, resquício de um sanduíche americano com um pouco de salada russa e molho inglês, cortado com o meu afiado canivete suíço. Hambúrguer, nem pensar, que é para inglês ver.
Acabei me atrasando, chupei uma mexerica (ou era uma tangerina ou, ainda, uma bergamota?). Brinquei de sombra chinesa e quase dormi.
Para acordar, ligo a televisão, vejo um pouco do esporte bretão, descasco uma lima da pérsia, fico em dúvida entre o pão sírio e o pão francês, conto até dez em algarismos romanos e depois em algarismos arábicos e resolvo fazer um filé a parmegiana. Abro a janela veneziana, preparo um uísque paraguaio e ali, numa autêntica noite americana, tal e qual um tigre asiático, dou um sorriso amarelo, brinco com o porquinho da índia de porcelana inglesa e me sirvo à francesa.
Depois, balanço na poltrona de cana da índia com a cuba libre. Mas, como o pato vai ser à Califórnia, com pimenta malagueta ou pimenta-do-reino, misturado com arroz marroquino (ou à grega?), preparo a milanesa e tudo bem. Vai cravo da índia? Será que o melhor mesmo não seria um filé à cubana, para depois enfrentar uma montanha russa, arrotando couve-de-bruxelas?
Com a chave inglesa abro a porta emperrada, levo no bolso o meu soco igualmente inglês e saio ao encontro da minha cidade, do meu Brasil paraguaio.
Coisa de primeiro mundo.
Estadão, 08/05/1996
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