Brasil vai terminar 2022 mais pobre do que era há uma década, mostra levantamento
Segundo estudo da Tendências Consultoria, as classes D/E representam hoje 55,4% da população; há dez anos, eram 48,7%
Por Fernanda Trisotto, O Globo, 15/10/2022
Para não perder o emprego em 2019, o agora economista Lucas Matos, de 31 anos, aceitou uma redução salarial de 50% — então de R$ 2,4 mil — na empresa em que trabalha, prestando serviços ao governo federal. Em 2020, sua família sofreu com a perda do pai por Covid-19 e, além da tristeza, viu a renda diminuir ainda mais, fazendo com que eles migrassem de classe social.
— Foi bem difícil ajustar os gastos em casa. Os primeiros cortes foram os itens supérfluos, a pizza e o hambúrguer do fim de semana, a saída com os amigos. Mas nas compras do mês também precisamos pensar no que levaríamos e o que deixaríamos para o próximo. Os reajustes dos preços não param de acontecer — conta o morador de Taguatinga, no Distrito Federal.
A situação da família do economista é um retrato do Brasil, que vai terminar 2022 mais pobre do que há uma década. Um levantamento da Tendências Consultoria aponta que as classes D/E, com rendimentos familiares mensais de até R$ 3,1 mil, representam 55,4% da população. Há dez anos, esse grupo somava 48,7%.
— Como a classe média é muito dependente do rendimento do trabalho, a conjuntura econômica do Brasil na última década acabou jogando os mais vulneráveis deste grupo para a camada mais pobre da população — explica o economista Lucas Assis, analista da Tendências e especializado em mercado de trabalho e estudos regionais de classes.
Na pesquisa, a Tendências considerou, para estimar a renda, ganhos com trabalho, previdência, programas de transferência de renda, investimentos, juros e aluguéis. A classe A, por exemplo, tem renda mensal domiciliar superior a R$ 23,2 mil.
O aumento de brasileiros mais pobres é reflexo, segundo Assis, de uma classe média que minguou após enfrentar a recessão de 2015-2016 e os efeitos da pandemia, que fragilizaram o mercado de trabalho e diminuíram a renda.
— Houve migração das famílias de classe média para as classes mais baixas. O Brasil, assim como outros países de economia emergente, tem uma parte da classe média muito próxima da situação de pobreza. Estavam na classe média, mas eram vulneráveis. Voltam por causa de saúde, desemprego, aposentadoria. São famílias à mercê dos ciclos econômicos — afirma Assis.
Foi o que aconteceu com Sérgio Barbosa, de 56 anos, que está desempregado há cinco anos. Com ensino médio completo e curso técnico de secretariado, ele tem vivido de bicos, e é o salário da esposa a garantia de renda dos dois. Como a renda da família caiu à metade — hoje são cerca de R$ 2,5 mil mensais —, a solução foi economizar. Eles trocaram a casa em Brasília por Planaltina de Goiás, a 57 quilômetros da capital federal, e reduziram o consumo.
— Devido à idade, está difícil achar emprego. Já distribuí currículos por tudo que é lugar, mas não sou chamado. Até os bicos diminuíram. A perda da renda afeta tudo: não tem mais saída, não tem mais cinema. Moramos em um bairro mais perigoso, então tenho de buscar e levar minha mulher na parada de ônibus porque tem assalto. A perda é geral: financeira, cultural, emocional. É tudo — desabafa.
Renda em queda
Nem mesmo o Auxílio Emergencial ou o reforço do Auxílio Brasil, turbinado nos últimos meses num esforço eleitoral do governo Jair Bolsonaro, adiantaram. As camadas mais pobres da população brasileira cresceram também durante essa gestão — passaram de 50,6% em 2018 para 55,4% agora.
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E casos como o do motorista Alcides da Silva, de 62 anos, se repetem. Ele perdeu o emprego na pandemia, não conseguiu qualquer ajuda governamental e viu sua vida mudar completamente.
— Até o início da pandemia eu estava empregado, trabalhando e tinha renda. Quando a pandemia começou, fui demitido. Até o momento não consegui emprego e estou fazendo bicos para me manter, mas as coisas estão difíceis porque o custo de vida está ficando muito alto — diz o morador de Samambaia, no Distrito Federal, que pretende vender o carro para ficar em dia com o INSS e garantir a aposentadoria.
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Além de serem mais numerosos, esses brasileiros mais pobres ganham menos hoje. Há dez anos, as famílias das classes D e E recebiam, em média, R$ 2.756 mensais, em valores já corrigidos pela inflação. Agora, ganham R$ 2.675 — uma queda de 2,93% no período. A Tendências estima que levará uma década para a massa de renda dessas classes superar o patamar anterior, o que pode ocorrer só em 2031.
A desigualdade do Brasil fica evidente quando se avalia a renda. Apesar de a proporção de brasileiros na classe A ter diminuído — passou de 3,7% para 3,1% em dez anos — os mais ricos estão ganhando mais. A renda mensal média da classe A avançou 19,1% no período. Em 2012, eles recebiam R$ 54,1 mil mensais. Neste ano, o rendimento é de R$ 64,2 mil, em média. Esse montante é 24 vezes a renda dos mais pobres.
No governo Bolsonaro, este aumento da pobreza se manteve. Em 2018 — último ano do governo Temer — 50,6% da população estavam nas classes D e E, e 31,7%, na C. Já neste ano, segundo a Tendências, além dos 55,4% nas classes D e E, 28,8% estão na C.
Procurado, o Ministério da Economia não retornou até o fechamento desta edição.
Indicadores piores no Nordeste
As regiões Nordeste e Norte foram as que registraram maior inchaço das classes D/E nos últimos dez anos, de acordo com o levantamento da Tendências. O Nordeste é a região que tem mais domicílios com ganhos até R$ 3,1 mil mensais: 75,2%, ante 69,6% há dez anos, indicadores que estão acima da média nacional.
Em relação à média nacional, a renda dessas famílias é ainda menor: R$ 2.125,40 este ano, quase o mesmo montante de 2012, quando registrava R$ 2.088,67. Já a renda da classe A nordestina cresceu 30,1%, passando de R$ 49.930,64 para R$ 64.943,57.
No Norte, a quantidade de domicílios nas classes D/E pulou de 59,3% para 67% em uma década. E o rendimento médio da classe A mais que dobrou, passando de R$ 44.582,30 para R$ 93.520,10.
Na avaliação da Tendências, essa quantidade de domicílios nas camadas mais baixas e vulneráveis da população vai impactar a mobilidade social do país nos próximos anos, que tende a ser mais lenta. Já os ganhos de renda das classes mais ricas devem persistir.
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Em 2022, a Região Sul é a que concentra menos domicílios das camadas mais pobres: 41,1% do total. Já o Sudeste e Centro-Oeste têm a maior quantidade de moradores classe A, proporcionalmente: 4,3% e 4,2%, respectivamente.
Para o economista Lucas Assis, da Tendências, a educação não revertida em produtividade é o maior entrave para a estagnação da renda das camadas mais pobres, mas só o ingresso no mercado de trabalho não é suficiente para a superação da pobreza.
“Nos próximos anos, a gente deve ver uma mobilidade social no Brasil muito reduzida, algo típico de países com alta desigualdade de renda. O mercado de trabalho brasileiro deve ainda seguir com baixas remunerações, elevadas desigualdades, altas taxas de informalidade e uma marcante heterogeneidade entre os setores produtivos”, diz ele.
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