Sete erros no caso Jefferson revelam Bolsonaro vacilante
José Roberto de Toledo, UOL, 24/10/2022
Bolsonaro cometeu uma sucessão de erros após o ataque armado de seu fiel escudeiro Roberto Jefferson aos policiais federais que foram prendê-lo no domingo. Os erros revelam os buracos no plano de jogo de Bolsonaro a uma semana do segundo turno. O presidente está mais despreparado e vacilante do que tenta fazer parecer. Os 20 tiros de fuzil e as duas granadas atiradas por Jefferson pegaram tanto os policiais quanto Bolsonaro de surpresa. Feriram ambos. Os policiais foram parar no hospital; Bolsonaro, na berlinda.
Acuado, Bolsonaro cometeu erros em série:
1) O atentado violento contra a Justiça, a polícia e a ordem foi improvisado. Se a pretensão era usá-lo como isca para atrair outros militantes violentos a imitarem Roberto Jefferson, foi um fracasso. Não houve revolta muito menos desordem que justificasse intervenção militar. O bando de arruaceiros que se aglomerou perto da casa do dono do PTB aplaudiu-o, agrediu um cinegrafista e ficou nisso. E daí? Não se dá golpe de improviso. Bolsonaro sempre negou essa sua intenção, mas ameaçava de quando em vez sair das quatro linhas da Constituição para coagir o Supremo Tribunal Federal e a oposição. Ficou claro que era blefe.
E daí? Não se dá golpe de improviso. Bolsonaro sempre negou essa sua intenção, mas ameaçava de quando em vez sair das quatro linhas da Constituição para coagir o Supremo Tribunal Federal e a oposição. Ficou claro que era blefe.
2) Sem saber como reagir ao atentado, Bolsonaro tentou ganhar tempo. Mandou seu ministro da Justiça negociar com o aliado, o que retardou em cinco horas a reação óbvia da Polícia Federal de prender o bandido que, por pouco, não assassinara um delegado e uma agente.
E daí? Com uma ordem, Bolsonaro desmoralizou o ministro e a Polícia Federal. Constrangido, o ministro cumpriu a ordem pela metade. Não deu as caras na cena do crime e negociou por telefone. A federação que representa os policiais reagiu indignada à demora. Envolver o ministro colocou o governo no centro do atentado.
3) Bolsonaro não soube coordenar sua matilha digital. A primeira manifestação do presidente sobre o caso foi tão dúbia que aliados próximos como o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) tuitaram que Bolsonaro convocaria as Forças Armadas para ajudar Jefferson. Em seguida, Bolsonaro negou que houvesse foto dele com Jefferson. As fotos apareceram imediatamente, com o bandido dando tapinhas em sua barriga. Cada bolsonarista atirou para um lado. Acertaram os pés uns dos outros.
E daí? Bolsonaro e Jefferson perderam a batalha nas redes. No Twitter, 60% das manifestações no domingo sobre o caso foram contra a dupla, segundo a Arquimedes. Nos 15 mil grupos públicos de WhatsApp monitorados pela Palver, o atentado teve grande repercussão negativa. As palavras mais associadas a Roberto Jefferson foram "Bolsonaro" e "polícia".
4) Após cinco horas de procrastinação, sem saber direito o que fazer, Bolsonaro gravou vídeo chamando Jefferson de bandido. A vacilação demonstrou a falta de liderança de Bolsonaro para comandar um golpe. O presidente agiu a reboque e apenas quando percebeu que a batalha para tentar transformar Jefferson em vítima estava perdida.
E daí? Outros aliados que simpatizam com a ideia de quebra da ordem democrática sabem agora que não podem contar com o presidente se a coisa apertar. Bolsonaro pode se voltar contra eles ao primeiro sinal de dificuldade. Não é confiável. O silêncio dos militares da ativa também foi eloquente.
5) O atentado cometido por um "bandido de bem" contra policiais que cumpriam ordem da Justiça para capturá-lo deixou evidente que a liberação de armas para a população é uma ameaça aos policiais.
E daí? O fuzil com mira laser e as granadas guardados por um criminoso em prisão domiciliar mostram o total descontrole da circulação de armas supostamente legais. Os tiros e explosões abriram 22 buracos no principal discurso bolsonarista sobre segurança pública.
6) O vídeo do sorridente policial federal que estava lá para prendê-lo dizendo a Roberto Jefferson "o que senhor precisar, a gente faz" projetou a imagem de que o governo Bolsonaro é mole com bandido.
E daí? Não importa que o policial estivesse bancando o negociador e tentando desarmar Roberto Jefferson em todos os sentidos. Não importa que essa é a melhor técnica para evitar mortes. A percepção de quem assiste ao vídeo é de tibieza. Divulgar o vídeo foi outro tiro no pé do governo e da polícia.
7) A onda bolsonarista perdeu ímpeto. Aliados cruciais como o presidente da Câmara, Arthur Lira, foram obrigados a condenar o atentado e as ameaças à democracia.
E daí? A avaliação do governo vinha melhorando por causa dos bilhões de reais despejados no consumo na reta final da eleição e, por isso, Bolsonaro vinha crescendo nas pesquisas. A onda criava uma impressão de virada importante para conquistar eleitores volúveis. O atentado e o envolvimento do governo criaram um constrangimento para quem cogitava mudar de voto.
Síntese. Por sua reação vacilante, Bolsonaro enfraqueceu o blefe do golpe. Sobra-lhe a urna. Ele pode não perder eleitores por causa do atentado, mas ficou mais caro para Bolsonaro conquistar novos votos.
POR QUE ROBERTO JEFFERSON TOCOU O TERROR vídeo
Roberto Jefferson é indiciado pela PF por quatro tentativas de homicídio
Bolsonarismo tenta se descolar de seu candidato a mártir, Roberto Jefferson
Madeleine Lacsko, UOL, 24/10/2022
Numa eleição que será decidida pela rejeição dos indecisos, o quase mártir do bolsonarismo, Roberto Jefferson, é um material radioativo. A tentativa de instaurar o caos e se oferecer em sacrifício pela liberdade de expressão foi bem até ele atirar na Polícia Federal. A campanha de Jair Bolsonaro poderia simplesmente ter surfado no fato político criado pela retirada de conteúdos online, que levou a uma febre de protestos contra a censura. Agora vai passar a última semana tentando convencer moderados de que não apóia terrorismo e barbárie.
Por mais violento e absurdo que seja, o episódio de Roberto Jefferson não abala o bolsonarismo raiz. Aliás, esta ala já tem narrativas interessantíssimas para explicar o absurdo ocorrido no final de semana. O presidente Jair Bolsonaro calou de forma eloquente diante do vídeo de quinta categoria xingando a ministra Cármen Lúcia de tudo quanto é nome.
Ironia do destino, essa foi a razão de levar Roberto Jefferson novamente à prisão. Poderia ter sido o arsenal de armas e explosivos que um preso em regime domiciliar guarda na própria residência. Inacreditável que não tenha sido, desnuda a esculhambação em que nos convertemos. Depois de ameaçar diversas vezes fazer ações armadas e mostrar as armas, o ex-deputado acabou em regime de prisão domiciliar. Ficou lá sentado num arsenal sem que ninguém mexesse um dedo. Não fosse o vídeo, estaria lá até agora. Pior, até o dia das eleições.
Jair Bolsonaro jogou Roberto Jefferson debaixo do ônibus. Chamou de bandido com todas as letras. Foi a senha para o início de narrativas bolsonaristas que descolem os dois. A primeira e mais óbvia é a de que se trata de um infiltrado petista na campanha. Digo óbvia não porque tenha algum sentido, mas porque é a mais fácil de mandar adiante. Ela segue junto com uma foto de Jefferson, Lula e José Dirceu.
Já faz parte da cultura das redes sociais avaliar uma pessoa por meio de qualquer foto. Diante de qualquer situação sobre uma pessoa, vai lá um perfil com uma foto antiga e pronto. Todos os Sherlock Holmes de Whatsapp já sentem que desvendaram um mistério. Há uma outra narrativa, ainda mais intrincada. Nela, Alexandre de Moraes e Roberto Jefferson estariam num conluio para derrubar Jair Bolsonaro, o único que ameaça o sistema, o establishment.
Parece absurdo e é. Parece impossível que adultos acreditem nisso, se você não conhece a dinâmica dos grupos de fanáticos políticos. São pessoas que arriscaram a própria vida tomando remédio de piolho no lugar de vacina. Ali, não há fatos que contrariem argumentos.
O Brasil está dividido em três, segundo as urnas. São 57 milhões de eleitores que querem Lula. Outros 51 milhões querem Bolsonaro. Entre quem quer outros candidatos, brancos, nulos e abstenções, temos 48 milhões. São esses últimos que darão o veredito no próximo domingo.
Quem rejeita o lulismo e o bolsonarismo geralmente é contra radicalização política. Para esses eleitores, o efeito Roberto Jefferson é uma bomba. A violência ultrapassou completamente o aceitável e preocupa o incentivo que o episódio pode representar para outros militantes radicais. É o temido "efeito Capitólio". O evento pode fazer com que antipetistas dispostos a tapar o nariz e votar em Bolsonaro pensem se realmente vale a pena sair de casa para votar. Também pode fazer com que antibolsonaristas decididos a lavar as mãos no segundo turno se animem a tapar o nariz e votar em Lula para virar oposição a ele no minuto seguinte.
Contra o petista nessa história, só a militância do tipo abraço de afogado, que já está xingando a polícia federal. A esquerda cirandeira virou especialista em negociação e está dizendo que foi amistosa demais. Vício em superioridade moral é fogo. Iniciamos uma semana tensa e histórica em que há apenas uma certeza: independentemente do vencedor no domingo, o Brasil continuará dividido.
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