A imagem que fala
"Está sem mulher, está sem discurso,
está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode ..."
Carlos Drummond de
Andrade
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
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Westworld, o filme de 1973 e a série de 2016 – 2022
No filme os robôs se rebelam devido a falhas no controle central. Na
série, os robôs de última geração (têm “sentimentos”) provocam uma rebelião e
tomam conta da estória.
Mas, o destaque é da série (imperdível) Love, Death & Robots da Netflix
e o episódio Automated Customer Service (S2.E1), direção Jennifer Yuh Nelson (supervising
director), John Scalzi e Tim Miller.
Neste episódio há uma revolta das máquinas de aspirar pó conectadas em rede. Um
gol bem mais interessante que Westworld.
Westworld: Onde Ninguém tem Alma, Westworld, 1973, Michael Crichton
https://www.imdb.com/title/tt0070909/
Westworld, Série de TV, 2016–2022 Lisa Joy e Jonathan Nolan (criação) – HBO Max
Sinopse da série
Westworld é um parque temático futurístico para adultos, dedicado
à diversão dos ricos. Um espaço que reproduz o Velho Oeste, povoado por
androides – os anfitriões –, programados pelo diretor executivo do parque,
o Dr. Robert Ford (Anthony Hopkins), para acreditarem que são humanos e vivem
no mundo real. Lá, os clientes – ou novatos – podem fazer o que
quiserem, sem obedecer a regras ou leis. No entanto, quando uma atualização no
sistema das máquinas dá errado, os seus comportamentos começam a sugerir uma
nova ameaça, à medida que a consciência artificial dá origem à "evolução
do pecado". Entre os residentes do parque, está Dolores Abernathy (Evan
Rachel Wood), programada para ser a típica garota da fazenda, que está prestes
a descobrir que toda a sua existência não passa de bem arquitetada mentira.
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Claudia e Brigitte, ícones do cinema, ainda vivem
Claudia Cardinale, 1938
Brigitte Bardot, 1934
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O que falar da escravidão no ambiente audiovisual: The
Underground Railroad, Watchmen e Alice
1. The Underground Railroad: Os Caminhospara a Liberdade, The Underground Railroad Minissérie de televisão, 2021 (Amazon)
The Underground Railroad resenha
2. Watchmen, Minissérie de televisão,2019 “Agora está na hora de matar um Deus” (HBO Max)
‘Watchmen’ leva 11prêmios e deixa claro que será lembrada para além do Emmy 2020
21 set 2020 | Por
Beatriz Sardinha
A minissérie Watchmen
(2019), da HBO, tem um elenco formidável e conta com Regina King, Yahya
Abdul-Mateen II, Louis Gossett Jr., Jovan Adepo, Jean Smart e Jeremy Irons,
todos indicados ao Emmy 2020, além de
outras 20 indicações. Dessa forma, a produção se torna a segunda mais indicada
da história.
A obra não apresenta
nenhum episódio “abaixo da média”, ainda que dois episódios foquem em
personagens específicos. Esses episódios focalizados foram ambos, inclusive,
indicados ao prêmio de melhor direção de minissérie ontem à noite. Watchmen é
certeira em praticamente tudo o que se propõe a realizar. A produção da HBO
bebe da obra-prima de Alan Moore e Dave
Gibbons na quantidade correta, adicionando novos elementos àquele
universo. A minissérie amplia seu
universo com sucesso ao incorporar as personagens e história da HQ com o
contexto contemporâneo, 34 anos depois.
A protagonista Angela
Abar, que rendeu o prêmio de melhor atriz de minissérie a Regina King, fala no
primeiro episódio de um suspeito que “cheira tanto a supremacia branca que
parece uma cândida”. Fazendo um trocadilho da fala da personagem com a palavra
cândido, pode-se dizer que um dos objetivos do criador da série e vencedor do
prêmio de melhor roteiro, Damon Lindelof, é o de expor aqueles que, até então,
eram os cândidos da sociedade, ainda que se mantivessem no anonimato.
O primeiro episódio
começa com o massacre da “Wall Street Negra” em 1921, na cidade de Tulsa. O
ocorrido corresponde a um acontecimento verídico, mas que se mostrou inédito
para muitos dos espectadores da série. Ainda que finalizada no início de 2019, a
produção era uma das mais atuais da edição da premiação Emmy 2020.
Não é “mimimi”, é a
minissérie colocando personagens – históricos ou fictícios – em seus devidos
lugares. Não seria nenhum absurdo pensar que atualmente a figura de Rorschach
fosse utilizada por um grupo supremacista, uma vez que, na obra original,
muitas de suas reflexões divididas com o leitor apresentam convicções, no
mínimo, problemáticas. É difícil não lembrar de nossa apropriação de símbolos
problemáticos, como no caso das numerosas pessoas utilizando-se de maquiagens
do Coringa em manifestações de 2019 e 2020.
O melhor episódio da
minissérie é, sem questionamentos, o sexto. Este, que é uma das melhores horas
do audiovisual produzidas nos últimos tempos, foi premiado nas categorias de
melhor direção e de melhor ator coadjuvante para o trabalho primoroso de Jovan
Adepo como o jovem Will Reeves, que assim como Angela, fazia justiça
encapuzado. Ele é, inclusive, um dos personagens colocados em seu devido lugar
de destaque e que, como tantas outras figuras negras de relevância, foram
apagados da história.
Nos levemos a sério,
aqueles que consideraram errada a escalação de Yahya Abdul-Mateen II vencedor
por seu papel de Cal Abar, baseando-se apenas no argumento de que ia contra a
obra original, além de exporem seu racismo, como muitos dos “cândidos” da
série, não entenderam suas motivações e seu relacionamento com Angela.
Angela viveu em
Saigon, no Vietnã, onde não havia muitas pessoas que se pareciam com ela, e
percebemos o quanto o pertencimento é importante para a protagonista. Daí sua
afeição pela personagem Sister Knight, que, na infância, era uma das únicas
pessoas com quem tinha essa identificação. Cal, mais tarde, pergunta a Angela
qual dos corpos ela deseja que ele incorpore, e ela escolhe aquele que traz a
ela uma sensação maior de pertencimento. Esse traço da personalidade de Cal
deve ser levado em consideração em seu desenvolvimento em Watchmen, e tornam
ainda mais acertada a escalação de um ator negro para o papel. Em seu discurso
de aceitação, Yahya comentou que “Watchmen foi sobre alguém que veio para a
Terra dar amor para uma mulher negra, e ele fez isso no corpo de um homem
negro, e sou muito orgulhoso disso. Eu dedico esse prêmio às mulheres negras na
minha vida”.
O final da série não é
conclusivo, pois não nos dá uma definição do que acontecerá com Angela. Mas
talvez a incerteza seja realmente a melhor resposta. Assim como Calvin, a
escolha pela incerteza lhe permitiu uma das mais belas jornadas.
Watchmen saiu da
cerimônia do Emmy com 11 prêmios – sete técnicos e quatro em categorias
principais, incluindo melhor minissérie – e com um legado para o conteúdo de
super-heróis. Talvez esteja na hora de todos a conhecerem.
Tulsa há 100 anos
Watchmen, HQ
Uma das Graphic Novels
mais influentes de todos os tempos e um eterno bestseller, WATCHMEN só cresceu
em estatura desde sua publicação original, como minissérie, em 1986. Esta
edição de luxo, com capa dura, papel especial e formato diferenciado, traz a
lendária saga escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, totalmente recolorida digitalmente por John
Higgings, o colorista original. Não apenas isso, o volume de 460 páginas também
apresenta uma quantidade de extras jamais vista no Brasil, trazendo trechos do
roteiro original, esboços de Gibbons, comentários sobre os personagens, textos
dos criadores e mais. Uma edição primorosa que não pode faltar na estante de
nenhum colecionador. Uma edição primorosa que não pode faltar na estante de
nenhum colecionador. O ano é 1985. Os Estados Unidos são uma nação totalitária
e fechada, isolada do resto do mundo. A presença de arsenais nucleares e dos
chamados super-heróis mantém um certo equilíbrio entre as forças do planeta...
até que o relógio do fim do mundo começa a marchar para a meia-noite e a raça
humana para um abismo sem-fim. A sombria e inigualável trama tem início com
ilusões paranóicas do supostamente insano herói Rorschach, um dos Watchmen que
patrulhavam os EUA décadas atrás. Mas ele estaria realmente insano ou na
verdade teria descoberto uma sórdida conspiração para assassinar super-heróis
-- ou, pior ainda, milhões de civis inocentes? Fugindo da lei, Rorschach
junta-se a ex-companheiros do passado em uma desesperada tentativa de salvar
suas próprias vidas... e o que acabam descobrindo, além de abalar suas
estruturas, poderá alterar o próprio destino do planeta Terra! Seguindo duas
gerações de heróis mascarados, desde a Segunda Guerra até os tensos anos da
Guerra Fria, surge esta pioneira epopéia de ódio, amor, reencontros
impossíveis, grandes reviravoltas e muita ação, como só a criatividade de Alan
Moore e Dave Gibbons poderia conceber! WATCHMEN foi considerada pela revista
TIME uma das cem melhores obras em língua inglesa de todos os tempos.
Saiba o que Alan Mooredisse sobre todas suas HQs adaptadas para filmes
3. Alice, 2022, Krystin
Ver Linden
SINOPSE: Alice (Keke Palmer) é uma escrava que passa os dias em uma plantação na área rural do estado da Geórgia. Querendo liberdade, um dia ela briga com o seu patrão e dono do local, Andrew (Jonny Lee Miller). Fugindo para não ser morta, Alice se depara com uma estrada de cimento e logo descobre que o ano é 1972. Ela é logo resgatada por um ativista, Frank (Common) também negro, que a ajuda a se orientar e descobrir as mentiras que seu antigo patrão a falou.
ALICE | OFFICIALTRAILER | 2022
Créditos
finais do filme
Dedicado aos afro – americanos que foram escravizados durante o século XX e àqueles que foram oprimidos em todo o mundo.
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Joanne e Paul
As Últimas Estrelas doCinema, The Last Movie Stars, Série de TV, 2022 – Ethan Hawke (HBO Max)
Paul e JoanneO destaque: a figura de JoanneWoodward, 1930
“Quando era jovem, eu queria atuar. E admito que não permitia que nada me atrapalhasse ... até ter filhos. Espero que elas entendam que, apesar de tê-las amado, se tivesse que fazer tudo de novo, talvez não teria filhos. Atores não são bons pais.” (Joanne Woodward, no final do episódio 2)
Sobre Paul Newman (1925–2008)
Relação de 50 anos
entre o ator de 'A Cor do Dinheiro' e Joanne Woodward, 1930 é destrinchada em
'As Últimas Estrelas do Cinema'
Mauricio Stycer, 17/08/2022, FSP
No início da década de 1990, o ator Paul Newman, morto em 2008,
encomendou ao amigo Stewart Stern, roteirista de filmes como "Juventude
Transviada", que escrevesse a sua biografia. Stern gravou dezenas de
entrevistas, mas Newman desistiu do projeto antes que ele começasse a escrever
o livro.
Perto do fim da vida, o ator colocou fogo nas fitas gravadas por Stern. Mas, não se sabe por quê, preservou as transcrições —cerca de 15 mil páginas. Em 2007, dias depois que a atriz Joanne Woodward (In 1987: "Acting is like sex. You should do it, not talk about it.") foi diagnosticada com Alzheimer, Newman soube que estava com um câncer terminal. Morreu no ano seguinte e nunca mais se falou da biografia. Em 2019, as filhas do casal encontraram as transcrições escondidas na lavanderia no porão da casa da família em Westport, no estado americano de Connecticut. E decidiram fazer algo em homenagem à mãe, ainda viva.
Encarregado de realizar um documentário com base neste material, mas
isolado em casa por causa da pandemia de coronavírus, o ator Ethan Hawke teve a
ideia brilhante de convidar atores para lerem as transcrições das entrevistas
em gravações feitas por Zoom.O resultado, imperdível, é uma série em seis
episódios, "As Últimas Estrelas do Cinema", ou as últimas estrelas de
cinema, disponível na HBO Max. Ainda que muitas vezes pareça realmente uma
"canonização festiva" do casal, como disse Richard Brody na New
Yorker, é um documentário complexo, com muitas camadas.
Para quem vive no universo artístico, ou admira este mundo, "As
Últimas Estrelas do Cinema" oferece um curso compacto sobre nuances da
arte da interpretação. Tanto Newman quanto Woodward estudaram no Actors Studio,
em Nova York, sob a batuta de Lee Strasberg e o seu famoso "método".
Cinco anos mais nova que o marido, Woodward sempre foi considerada mais
talentosa do que ele. Em 1957, ainda na primeira fase da carreira, ganhou o
Oscar de melhor atriz por "As Três Faces de Eva". A certa altura,
reduziu o ritmo de trabalho para cuidar dos filhos, sendo injustamente relegada
a um lugar menor, enquanto Newman se transformava num tipo icônico de Hollywood
—foi indicado ao Oscar dez vezes e só ganhou por "A Cor do Dinheiro",
em 1987.
George Clooney encarnou Newman, enquanto Laura Linney leu as falas de
Woodward. Vários outros atores, roteiristas e diretores participam da série
lendo depoimentos de figuras importantes na vida do casal. As falas se
sobrepõem a cenas de filmes dos dois, cuidadosamente escolhidas, além de
imagens antigas, públicas e privadas, do casal.
A série aborda, sem passar pano, o alcoolismo de Newman e expõe claramente a culpa que sentia pela morte, por overdose, do único filho homem, o também ator Scott Newman. Os depoimentos da primeira mulher, Jackie Witte (na voz de Zoe Kazan), são duríssimos, até cruéis, com o ex-marido. Por outro lado, Ethan Hawke é benevolente com a série de filmes ruins ou caça-níqueis que Paul Newman fez, como "Inferno na Torre", por exemplo, mas não deixa de registrar que são de qualidade duvidosa.
Newman e Woodward foram, ainda, importantes ativistas políticos e doaram
centenas de milhões de dólares — com a ajuda da venda de molho de salada Newman —
para benemerência.
Mais que tudo, as seis horas da série celebram um casamento de 50 anos, um amor profundo, ainda que enfrentando chuvas e trovoadas, com cumplicidade total, em casa e nos estúdios — fizeram 16 filmes juntos, alguns sob a direção dele.
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Dez anos sem Carlos
Reichenbach, e sua obra ainda é um eco do Brasil
Diretor que estrela
mostra no Rio de Janeiro tinha generosidade infinita para se relacionar com o
cinema e os seus autores
Inácio Araújo, FSP, 24.jun.2022
É impossível para mim
falar de Carlos Reichenbach de uma maneira que não seja estritamente pessoal.
Agora, que a mostra
"Uma Década sem Carlão", organizada por Ruy Gardnier na Cinemateca do
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, homenageia a obra do cineasta no
momento em que se completaram dez anos de sua morte — em 14 de junho —, me ocorre
lembrar de como era difícil o tirar da rua para que começássemos a escrever um
roteiro ou argumento de filme. À medida que caminhava era interrompido por
amigos, conhecidos, críticos, outros cineastas. E a cada pessoa que o abordava
e perguntava de coisas do cinema ele se detinha, respondia, iniciava uma
conversa.
Essa capacidade quase
infinita de se relacionar com qualquer coisa que dissesse respeito a cinema era
uma característica que nunca vi semelhante em outra pessoa. Não distinguia
entre os que pensavam como ele ou não, os mais importantes ou menos, os de
direita ou de esquerda. Havia nele um movimento de enorme gentileza e outro de
curiosidade, de atenção ao que se dizia.
Não era diferente com
os filmes. Gostava mais de gostar dos filmes dos outros do que dos dele próprio
— uma característica bem
rara na categoria. Por isso foi um professor de uma ou duas gerações de pessoas
talentosas. Não impunha seus gostos, nunca. Apenas os expunha. Chega a ser
curioso que muitos diretores o temessem como diretor de fotografia de seus
filmes, pensando que ele poderia interferir na feitura do filme. Nada mais
equivocado. Quando fotograva um filme, Carlão queria ver a expressão do
pensamento do outro, do diretor. Suas ideias ele sabia quais eram, e as exporia
em seus próprios filmes. Vejamos as obras de um cineasta com que colaborou com
frequência, como Jean Garrett —não têm nada a ver com os filmes de Reichenbach.
Não admitia palpite em
seu trabalho, mas deixava os colaboradores à vontade para contribuírem. Era
preciso entender, no entanto, que isso devia se dar por aproximação às ideias
dele, isto é, do autor. Foi um adepto sem restrições da ideia de que os filmes
têm um autor, como os livros ou as pinturas.
Imaginou, mais de uma
vez, virar produtor. Quando comprou a Jota Filmes, empresa de publicidade, há
50 anos, foi com a ideia de usar sua estrutura na produção de filmes baratos,
rodados rapidamente, à maneira do que fazia Roger Corman nos Estados Unidos. A
ideia era propiciar aos amigos e às pessoas em quem reconhecesse afinidade a
oportunidade de filmar. Não deu certo. Ele tentaria outra vez, em 1989, quando
juntou um grupo de amigos na Casa de Imagens.
A generosa capacidade
de escuta, na rua, no set de filmagem, na sala de projeção fez dele também um
mestre para mais de uma geração de cinéfilos e cineastas. Sabia escutar, mas
também apontar as virtudes que via em certos filmes e cineastas de quem pouco
se ouvia falar ou se lia na crítica, mais ocupada com os "grandes
nomes".
Foi, em parte, o que
prejudicou a compreensão de sua obra. Podia ser, por muitos, aceito como o
"bom sujeito" simpático. Mas, se ousasse contratar um ator conhecido
para um filme, não faltava quem o classificasse de "comercial"
—trabalhou com Cauã Reymond, Betty Faria, Carlos Alberto Riccelli entre outros.
Longe disso. Queria
que seus filmes fossem vistos e tentou, desde o fim do século passado, se
adaptar a um regime de produções mais caras e cuidadas. Nem por isso abriu mão
de suas ideias. Que se reveja seu "Garotas do ABC", capaz de
antecipar a onda fascista e a decadência da atividade sindical no Brasil, sem
abrir mão do humor e do caráter multifacetado da maioria de seus filmes.
Carlão foi antes de
tudo um cinéfilo. Sabia admirar Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Orson Welles,
Luiz Sergio Person (que foi seu professor), com a mesma paixão que dedicava a
Samuel Fuller — então pouco
conhecido — ou Jesús Franco. Jesús Franco? Ele é horrível — tentei certa vez argumentar. É sim, ele respondia.
"Ele é capaz de fazer cem filmes, 97 são péssimos, mas os outros três,
geniais." Entendia o cinema como uma arte popular, que devia ser apreciada
por todos, sem preconceito. Por isso não se esquivava das cenas de sexo ou de
violência. Ao contrário –tudo que fazia parte do repertório popular de seu
tempo era caro a ele.
Como repudiava a
convenção, usava esse repertório como ponto de partida para explorar os
clichês, sem nunca se submeter a eles. Sua rejeição às convenções, ao
moralismo, ao atraso da sociedade brasileira o levaram a ter a obra catalogada
como "marginal", junto com Sganzerla, Julio Bressane, Andrea Tonacci
e outros tantos igualmente vitimados por nosso conservadorismo.
Poucos críticos se
atreveram a levar sua obra a sério, como João Carlos Rodrigues. O primeiro prêmio
que recebeu, um "especial pela integridade da obra", foi pessoalmente
conquistado por Walter Lima Júnior, presidente do júri no Festival de Gramado
de 1984, depois da polêmica sessão de "Extremos do Prazer", de que
parte dos jurados se retirou antes mesmo do final do filme. O reconhecimento
seguinte veio de Catherine Chicot e Hubert Bals, assistente e diretor,
respectivamente, do Festival de Roterdã. Estranhamente, foi mais rápida e fácil
a aceitação de seu trabalho no exterior, onde encontrou defensores
especialmente entre os críticos do jornal Libération, Serge Daney e Louis
Skoreki, e, em menor escala, dos Cahiers du Cinéma.
Também não é estranho
que a atual mostra do MAM tenha como curador Ruy Gardnier, um dos fundadores da
revista eletrônica Contracampo, que iniciou uma espécie de revolução na crítica
cinematográfica no Brasil desde o fim dos anos 1990 e tirou do limbo alguns dos
melhores cineastas brasileiros. No mesmo dia 14 de junho, data de sua morte,
Carlos Reichenbach completaria agora 77 anos. Não é o caso de lamentar a morte
prematura —Carlão disse o que tinha a dizer. Mas resta muito ainda a
compreender e absorver da tremenda riqueza de sua personalidade, isto é, de sua
obra.
Carlos Reichenbach: tradução cinema
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