segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Pílulas 6

A imagem que fala

Carlos Drummond de Andrade - estátua em Copacabana Rio de Janeiro

"Está sem mulher, está sem discurso,

está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode ..."

Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?

Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?

E agora, José?

Sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio — e agora?

 Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas não há mais.

José, e agora?

 Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

Mas você não morre,

você é duro, José!

 Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para onde?

Simples poesia

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Westworld, o filme de 1973 e a série de 2016 – 2022

No filme os robôs se rebelam devido a falhas no controle central. Na série, os robôs de última geração (têm “sentimentos”) provocam uma rebelião e tomam conta da estória.

Mas, o destaque é da série (imperdível) Love, Death & Robots da Netflix e o episódio Automated Customer Service (S2.E1), direção Jennifer Yuh Nelson (supervising director), John Scalzi e Tim Miller. Neste episódio há uma revolta das máquinas de aspirar pó conectadas em rede. Um gol bem mais interessante que Westworld.

Westworld: Onde Ninguém tem Alma, Westworld, 1973, Michael Crichton

https://www.imdb.com/title/tt0070909/

Westworld, Série de TV, 2016–2022 Lisa Joy e Jonathan Nolan (criação) – HBO Max

Sinopse da série

Westworld é um parque temático futurístico para adultos, dedicado à diversão dos ricos. Um espaço que reproduz o Velho Oeste, povoado por androides – os anfitriões –, programados pelo diretor executivo do parque, o Dr. Robert Ford (Anthony Hopkins), para acreditarem que são humanos e vivem no mundo real. Lá, os clientes – ou novatos – podem fazer o que quiserem, sem obedecer a regras ou leis. No entanto, quando uma atualização no sistema das máquinas dá errado, os seus comportamentos começam a sugerir uma nova ameaça, à medida que a consciência artificial dá origem à "evolução do pecado". Entre os residentes do parque, está Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood), programada para ser a típica garota da fazenda, que está prestes a descobrir que toda a sua existência não passa de bem arquitetada mentira.


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Claudia e Brigitte, ícones do cinema, ainda vivem

Claudia Cardinale, 1938

Brigitte Bardot, 1934  

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O que falar da escravidão no ambiente audiovisual: The Underground Railroad, Watchmen e Alice

1. The Underground Railroad: Os Caminhospara a Liberdade, The Underground Railroad Minissérie de televisão, 2021 (Amazon)

The Underground Railroad resenha

2. Watchmen, Minissérie de televisão,2019 “Agora está na hora de matar um Deus” (HBO Max)

‘Watchmen’ leva 11prêmios e deixa claro que será lembrada para além do Emmy 2020

21 set 2020 | Por Beatriz Sardinha

A minissérie Watchmen (2019), da HBO, tem um elenco formidável e conta com Regina King, Yahya Abdul-Mateen II, Louis Gossett Jr., Jovan Adepo, Jean Smart e Jeremy Irons, todos indicados ao Emmy 2020,  além de outras 20 indicações. Dessa forma, a produção se torna a segunda mais indicada da história.

A obra não apresenta nenhum episódio “abaixo da média”, ainda que dois episódios foquem em personagens específicos. Esses episódios focalizados foram ambos, inclusive, indicados ao prêmio de melhor direção de minissérie ontem à noite. Watchmen é certeira em praticamente tudo o que se propõe a realizar. A produção da HBO bebe da obra-prima de Alan Moore e Dave Gibbons na quantidade correta, adicionando novos elementos àquele universo.  A minissérie amplia seu universo com sucesso ao incorporar as personagens e história da HQ com o contexto contemporâneo, 34 anos depois.

A protagonista Angela Abar, que rendeu o prêmio de melhor atriz de minissérie a Regina King, fala no primeiro episódio de um suspeito que “cheira tanto a supremacia branca que parece uma cândida”. Fazendo um trocadilho da fala da personagem com a palavra cândido, pode-se dizer que um dos objetivos do criador da série e vencedor do prêmio de melhor roteiro, Damon Lindelof, é o de expor aqueles que, até então, eram os cândidos da sociedade, ainda que se mantivessem no anonimato.

O primeiro episódio começa com o massacre da “Wall Street Negra” em 1921, na cidade de Tulsa. O ocorrido corresponde a um acontecimento verídico, mas que se mostrou inédito para muitos dos espectadores da série. Ainda que finalizada no início de 2019, a produção era uma das mais atuais da edição da premiação Emmy 2020.

Não é “mimimi”, é a minissérie colocando personagens – históricos ou fictícios – em seus devidos lugares. Não seria nenhum absurdo pensar que atualmente a figura de Rorschach fosse utilizada por um grupo supremacista, uma vez que, na obra original, muitas de suas reflexões divididas com o leitor apresentam convicções, no mínimo, problemáticas. É difícil não lembrar de nossa apropriação de símbolos problemáticos, como no caso das numerosas pessoas utilizando-se de maquiagens do Coringa em manifestações de 2019 e 2020.

O melhor episódio da minissérie é, sem questionamentos, o sexto. Este, que é uma das melhores horas do audiovisual produzidas nos últimos tempos, foi premiado nas categorias de melhor direção e de melhor ator coadjuvante para o trabalho primoroso de Jovan Adepo como o jovem Will Reeves, que assim como Angela, fazia justiça encapuzado. Ele é, inclusive, um dos personagens colocados em seu devido lugar de destaque e que, como tantas outras figuras negras de relevância, foram apagados da história.

Nos levemos a sério, aqueles que consideraram errada a escalação de Yahya Abdul-Mateen II vencedor por seu papel de Cal Abar, baseando-se apenas no argumento de que ia contra a obra original, além de exporem seu racismo, como muitos dos “cândidos” da série, não entenderam suas motivações e seu relacionamento com Angela.

Angela viveu em Saigon, no Vietnã, onde não havia muitas pessoas que se pareciam com ela, e percebemos o quanto o pertencimento é importante para a protagonista. Daí sua afeição pela personagem Sister Knight, que, na infância, era uma das únicas pessoas com quem tinha essa identificação. Cal, mais tarde, pergunta a Angela qual dos corpos ela deseja que ele incorpore, e ela escolhe aquele que traz a ela uma sensação maior de pertencimento. Esse traço da personalidade de Cal deve ser levado em consideração em seu desenvolvimento em Watchmen, e tornam ainda mais acertada a escalação de um ator negro para o papel. Em seu discurso de aceitação, Yahya comentou que “Watchmen foi sobre alguém que veio para a Terra dar amor para uma mulher negra, e ele fez isso no corpo de um homem negro, e sou muito orgulhoso disso. Eu dedico esse prêmio às mulheres negras na minha vida”.

O final da série não é conclusivo, pois não nos dá uma definição do que acontecerá com Angela. Mas talvez a incerteza seja realmente a melhor resposta. Assim como Calvin, a escolha pela incerteza lhe permitiu uma das mais belas jornadas.

Watchmen saiu da cerimônia do Emmy com 11 prêmios – sete técnicos e quatro em categorias principais, incluindo melhor minissérie – e com um legado para o conteúdo de super-heróis. Talvez esteja na hora de todos a conhecerem.

Tulsa há 100 anos 

Watchmen, HQ

Uma das Graphic Novels mais influentes de todos os tempos e um eterno bestseller, WATCHMEN só cresceu em estatura desde sua publicação original, como minissérie, em 1986. Esta edição de luxo, com capa dura, papel especial e formato diferenciado, traz a lendária saga escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, totalmente recolorida digitalmente por John Higgings, o colorista original. Não apenas isso, o volume de 460 páginas também apresenta uma quantidade de extras jamais vista no Brasil, trazendo trechos do roteiro original, esboços de Gibbons, comentários sobre os personagens, textos dos criadores e mais. Uma edição primorosa que não pode faltar na estante de nenhum colecionador. Uma edição primorosa que não pode faltar na estante de nenhum colecionador. O ano é 1985. Os Estados Unidos são uma nação totalitária e fechada, isolada do resto do mundo. A presença de arsenais nucleares e dos chamados super-heróis mantém um certo equilíbrio entre as forças do planeta... até que o relógio do fim do mundo começa a marchar para a meia-noite e a raça humana para um abismo sem-fim. A sombria e inigualável trama tem início com ilusões paranóicas do supostamente insano herói Rorschach, um dos Watchmen que patrulhavam os EUA décadas atrás. Mas ele estaria realmente insano ou na verdade teria descoberto uma sórdida conspiração para assassinar super-heróis -- ou, pior ainda, milhões de civis inocentes? Fugindo da lei, Rorschach junta-se a ex-companheiros do passado em uma desesperada tentativa de salvar suas próprias vidas... e o que acabam descobrindo, além de abalar suas estruturas, poderá alterar o próprio destino do planeta Terra! Seguindo duas gerações de heróis mascarados, desde a Segunda Guerra até os tensos anos da Guerra Fria, surge esta pioneira epopéia de ódio, amor, reencontros impossíveis, grandes reviravoltas e muita ação, como só a criatividade de Alan Moore e Dave Gibbons poderia conceber! WATCHMEN foi considerada pela revista TIME uma das cem melhores obras em língua inglesa de todos os tempos.

Saiba o que Alan Mooredisse sobre todas suas HQs adaptadas para filmes


3. Alice, 2022, Krystin Ver Linden



SINOPSE: Alice (Keke Palmer) é uma escrava que passa os dias em uma plantação na área rural do estado da Geórgia. Querendo liberdade, um dia ela briga com o seu patrão e dono do local, Andrew (Jonny Lee Miller). Fugindo para não ser morta, Alice se depara com uma estrada de cimento e logo descobre que o ano é 1972. Ela é logo resgatada por um ativista, Frank (Common) também negro, que a ajuda a se orientar e descobrir as mentiras que seu antigo patrão a falou.

ALICE | OFFICIALTRAILER | 2022 

Créditos finais do filme

Dedicado aos afro – americanos que foram escravizados durante o século XX e àqueles que foram oprimidos em todo o mundo.

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Joanne e Paul

As Últimas Estrelas doCinema, The Last Movie Stars, Série de TV, 2022 – Ethan Hawke (HBO Max)

Paul e Joanne

O destaque: a figura de JoanneWoodward, 1930 

Quando era jovem, eu queria atuar. E admito que não permitia que nada me atrapalhasse ... até ter filhos. Espero que elas entendam que, apesar de tê-las amado, se tivesse que fazer tudo de novo, talvez não teria filhos. Atores não são bons pais.” (Joanne Woodward, no final do episódio 2)

Sobre Paul Newman (1925–2008) 

Relação de 50 anos entre o ator de 'A Cor do Dinheiro' e Joanne Woodward, 1930  é destrinchada em 'As Últimas Estrelas do Cinema'

Mauricio Stycer, 17/08/2022, FSP

No início da década de 1990, o ator Paul Newman, morto em 2008, encomendou ao amigo Stewart Stern, roteirista de filmes como "Juventude Transviada", que escrevesse a sua biografia. Stern gravou dezenas de entrevistas, mas Newman desistiu do projeto antes que ele começasse a escrever o livro.

Perto do fim da vida, o ator colocou fogo nas fitas gravadas por Stern. Mas, não se sabe por quê, preservou as transcrições —cerca de 15 mil páginas. Em 2007, dias depois que a atriz Joanne Woodward (In 1987: "Acting is like sex. You should do it, not talk about it.") foi diagnosticada com Alzheimer, Newman soube que estava com um câncer terminal. Morreu no ano seguinte e nunca mais se falou da biografia. Em 2019, as filhas do casal encontraram as transcrições escondidas na lavanderia no porão da casa da família em Westport, no estado americano de Connecticut. E decidiram fazer algo em homenagem à mãe, ainda viva.

Encarregado de realizar um documentário com base neste material, mas isolado em casa por causa da pandemia de coronavírus, o ator Ethan Hawke teve a ideia brilhante de convidar atores para lerem as transcrições das entrevistas em gravações feitas por Zoom.O resultado, imperdível, é uma série em seis episódios, "As Últimas Estrelas do Cinema", ou as últimas estrelas de cinema, disponível na HBO Max. Ainda que muitas vezes pareça realmente uma "canonização festiva" do casal, como disse Richard Brody na New Yorker, é um documentário complexo, com muitas camadas.

Para quem vive no universo artístico, ou admira este mundo, "As Últimas Estrelas do Cinema" oferece um curso compacto sobre nuances da arte da interpretação. Tanto Newman quanto Woodward estudaram no Actors Studio, em Nova York, sob a batuta de Lee Strasberg e o seu famoso "método".

Cinco anos mais nova que o marido, Woodward sempre foi considerada mais talentosa do que ele. Em 1957, ainda na primeira fase da carreira, ganhou o Oscar de melhor atriz por "As Três Faces de Eva". A certa altura, reduziu o ritmo de trabalho para cuidar dos filhos, sendo injustamente relegada a um lugar menor, enquanto Newman se transformava num tipo icônico de Hollywood —foi indicado ao Oscar dez vezes e só ganhou por "A Cor do Dinheiro", em 1987.

George Clooney encarnou Newman, enquanto Laura Linney leu as falas de Woodward. Vários outros atores, roteiristas e diretores participam da série lendo depoimentos de figuras importantes na vida do casal. As falas se sobrepõem a cenas de filmes dos dois, cuidadosamente escolhidas, além de imagens antigas, públicas e privadas, do casal.

A série aborda, sem passar pano, o alcoolismo de Newman e expõe claramente a culpa que sentia pela morte, por overdose, do único filho homem, o também ator Scott Newman. Os depoimentos da primeira mulher, Jackie Witte (na voz de Zoe Kazan), são duríssimos, até cruéis, com o ex-marido. Por outro lado, Ethan Hawke é benevolente com a série de filmes ruins ou caça-níqueis que Paul Newman fez, como "Inferno na Torre", por exemplo, mas não deixa de registrar que são de qualidade duvidosa.

Newman e Woodward foram, ainda, importantes ativistas políticos e doaram centenas de milhões de dólares — com a ajuda da venda de molho de salada Newman — para benemerência.

Mais que tudo, as seis horas da série celebram um casamento de 50 anos, um amor profundo, ainda que enfrentando chuvas e trovoadas, com cumplicidade total, em casa e nos estúdios — fizeram 16 filmes juntos, alguns sob a direção dele.

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Dez anos sem Carlos Reichenbach, e sua obra ainda é um eco do Brasil

Diretor que estrela mostra no Rio de Janeiro tinha generosidade infinita para se relacionar com o cinema e os seus autores

Inácio Araújo, FSP, 24.jun.2022

É impossível para mim falar de Carlos Reichenbach de uma maneira que não seja estritamente pessoal.

Agora, que a mostra "Uma Década sem Carlão", organizada por Ruy Gardnier na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, homenageia a obra do cineasta no momento em que se completaram dez anos de sua morte — em 14 de junho —, me ocorre lembrar de como era difícil o tirar da rua para que começássemos a escrever um roteiro ou argumento de filme. À medida que caminhava era interrompido por amigos, conhecidos, críticos, outros cineastas. E a cada pessoa que o abordava e perguntava de coisas do cinema ele se detinha, respondia, iniciava uma conversa.

Essa capacidade quase infinita de se relacionar com qualquer coisa que dissesse respeito a cinema era uma característica que nunca vi semelhante em outra pessoa. Não distinguia entre os que pensavam como ele ou não, os mais importantes ou menos, os de direita ou de esquerda. Havia nele um movimento de enorme gentileza e outro de curiosidade, de atenção ao que se dizia.

Não era diferente com os filmes. Gostava mais de gostar dos filmes dos outros do que dos dele próprio — uma característica bem rara na categoria. Por isso foi um professor de uma ou duas gerações de pessoas talentosas. Não impunha seus gostos, nunca. Apenas os expunha. Chega a ser curioso que muitos diretores o temessem como diretor de fotografia de seus filmes, pensando que ele poderia interferir na feitura do filme. Nada mais equivocado. Quando fotograva um filme, Carlão queria ver a expressão do pensamento do outro, do diretor. Suas ideias ele sabia quais eram, e as exporia em seus próprios filmes. Vejamos as obras de um cineasta com que colaborou com frequência, como Jean Garrett —não têm nada a ver com os filmes de Reichenbach.

Não admitia palpite em seu trabalho, mas deixava os colaboradores à vontade para contribuírem. Era preciso entender, no entanto, que isso devia se dar por aproximação às ideias dele, isto é, do autor. Foi um adepto sem restrições da ideia de que os filmes têm um autor, como os livros ou as pinturas.

Cineasta Carlos Reichenbach na rua do Triumpho, em foto feita pelo cineasta e fotógrafo Ozualdo Candeias - Ozualdo Candeias/Reprodução

Imaginou, mais de uma vez, virar produtor. Quando comprou a Jota Filmes, empresa de publicidade, há 50 anos, foi com a ideia de usar sua estrutura na produção de filmes baratos, rodados rapidamente, à maneira do que fazia Roger Corman nos Estados Unidos. A ideia era propiciar aos amigos e às pessoas em quem reconhecesse afinidade a oportunidade de filmar. Não deu certo. Ele tentaria outra vez, em 1989, quando juntou um grupo de amigos na Casa de Imagens.

A generosa capacidade de escuta, na rua, no set de filmagem, na sala de projeção fez dele também um mestre para mais de uma geração de cinéfilos e cineastas. Sabia escutar, mas também apontar as virtudes que via em certos filmes e cineastas de quem pouco se ouvia falar ou se lia na crítica, mais ocupada com os "grandes nomes".

Foi, em parte, o que prejudicou a compreensão de sua obra. Podia ser, por muitos, aceito como o "bom sujeito" simpático. Mas, se ousasse contratar um ator conhecido para um filme, não faltava quem o classificasse de "comercial" —trabalhou com Cauã Reymond, Betty Faria, Carlos Alberto Riccelli entre outros.

Longe disso. Queria que seus filmes fossem vistos e tentou, desde o fim do século passado, se adaptar a um regime de produções mais caras e cuidadas. Nem por isso abriu mão de suas ideias. Que se reveja seu "Garotas do ABC", capaz de antecipar a onda fascista e a decadência da atividade sindical no Brasil, sem abrir mão do humor e do caráter multifacetado da maioria de seus filmes.

Carlão foi antes de tudo um cinéfilo. Sabia admirar Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Orson Welles, Luiz Sergio Person (que foi seu professor), com a mesma paixão que dedicava a Samuel Fuller — então pouco conhecido — ou Jesús Franco. Jesús Franco? Ele é horrível — tentei certa vez argumentar. É sim, ele respondia. "Ele é capaz de fazer cem filmes, 97 são péssimos, mas os outros três, geniais." Entendia o cinema como uma arte popular, que devia ser apreciada por todos, sem preconceito. Por isso não se esquivava das cenas de sexo ou de violência. Ao contrário –tudo que fazia parte do repertório popular de seu tempo era caro a ele.

Carlos Reichenbach 

Como repudiava a convenção, usava esse repertório como ponto de partida para explorar os clichês, sem nunca se submeter a eles. Sua rejeição às convenções, ao moralismo, ao atraso da sociedade brasileira o levaram a ter a obra catalogada como "marginal", junto com Sganzerla, Julio Bressane, Andrea Tonacci e outros tantos igualmente vitimados por nosso conservadorismo.

Poucos críticos se atreveram a levar sua obra a sério, como João Carlos Rodrigues. O primeiro prêmio que recebeu, um "especial pela integridade da obra", foi pessoalmente conquistado por Walter Lima Júnior, presidente do júri no Festival de Gramado de 1984, depois da polêmica sessão de "Extremos do Prazer", de que parte dos jurados se retirou antes mesmo do final do filme. O reconhecimento seguinte veio de Catherine Chicot e Hubert Bals, assistente e diretor, respectivamente, do Festival de Roterdã. Estranhamente, foi mais rápida e fácil a aceitação de seu trabalho no exterior, onde encontrou defensores especialmente entre os críticos do jornal Libération, Serge Daney e Louis Skoreki, e, em menor escala, dos Cahiers du Cinéma.

Também não é estranho que a atual mostra do MAM tenha como curador Ruy Gardnier, um dos fundadores da revista eletrônica Contracampo, que iniciou uma espécie de revolução na crítica cinematográfica no Brasil desde o fim dos anos 1990 e tirou do limbo alguns dos melhores cineastas brasileiros. No mesmo dia 14 de junho, data de sua morte, Carlos Reichenbach completaria agora 77 anos. Não é o caso de lamentar a morte prematura —Carlão disse o que tinha a dizer. Mas resta muito ainda a compreender e absorver da tremenda riqueza de sua personalidade, isto é, de sua obra.

Carlos Reichenbach: tradução cinema


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