domingo, 28 de agosto de 2022

Marte um

"Marte um" é um filme sensível sobre sonhos

Luiz Carlos Merten, 28/08/2022 O Estadão

Cinéfilo de carteirinha não esquece a frase final de Quanto Mais Quente Melhor, quando Jack Lemmon se revela como homem para Joe E. Brown e o eterno Boca Larga lhe diz: "Ninguém é perfeito". A frase tornou-se emblemática do cinema do grande Billy Wilder. No desfecho de Marte Um, face ao que parece uma dificuldade intransponível, o pai, feliz de haver reencontrado a família, diz algo como: "A gente dá um jeito". Dar um jeito está na vocação de vida do brasileiro, não importam as dificuldades. Com afeto, tudo se torna possível. Marte Um!

O GAROTO E O FUTEBOL. Tudo começou com uma imagem a perseguir o diretor Gabriel Martins. Um garoto, num campo de futebol, olhando para o céu. Parece pouco para dar origem a um filme tão rico e emocionante, mas foi assim. O garoto que tenta carreira no futebol, o pai e a mãe, a irmã. Foram crescendo - a história e o roteiro.

De fundo, logo no início, a eleição de Jair Bolsonaro. Marte Um estreou nesta quinta-feira, 25, nos cinemas brasileiros, depois de passar pelos festivais de Sundance, em janeiro, e Toulouse, em março e abril. Desde o debate no Festival de Brasília, quando o repórter levantou publicamente a questão, já se falava em Marte Um como um candidato do Brasil a uma vaga no Oscar de melhor filme internacional de 2023.

CONTAGEM NO MUNDO. A empresa mineira Filmes de Plástico colocou Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, no mapa do cinema mundial. O dinheiro é curto, a criatividade, imensa. Desde a boa acolhida a Marte Um em Sundance, a ideia era chegar logo às salas.

"Queríamos que o filme fosse lançado antes do acirramento do processo eleitoral. Daqui a pouco não vai se falar em outra coisa no Brasil. A polarização arrisca a parar tudo. O 25 de agosto pareceu a data ideal", explica o produtor Thiago Macêdo Correia. Em Gramado, muito se falou sobre o humor do filme. Mas não se trata de uma comédia rasgada. Talvez uma dramédia. O elemento melodramático é muito forte.

Havia gente chorando - monte de gente - no final da apresentação oficial do filme no festival. "Superou a expectativa. É um filme sobre sonhos e o nosso era trazer o filme a Gramado. Já havíamos escolhido a data de estreia antes mesmo de saber que Marte Um estaria na seleção", explica o diretor-roteirista. "Histórias de família podem ser universais e esse é o nosso jeito de contar história, com personagens diferentes e uma família potente", acrescenta Martins.

Resumindo: a família é preta, periférica. O pai, ex-alcoólatra, é porteiro de um prédio de classe média alta; a mãe é doméstica e, vítima de uma pegadinha, passa a agir como se tivesse perdido o eixo. A filha está embarcando numa relação que não é a sonhada pelos pais e o filho - o garoto - está dividido.

O desejo de ser astro de futebol - no Cruzeiro! - é do pai, não de Deivinho. Seu sonho é ser astrofísico, para embarcar num programa da Nasa - o Marte Um - que promete levar terráqueos ao chamado Planeta Vermelho. Qual é a chance de isso ocorrer com um garoto brasileiro e periférico? "A chave do filme é a empatia, e a potência vem da possibilidade de identificação, que já testamos com as plateias de Sundance, Toulouse e Gramado. Eu adoro o cinema iraniano, conheço a periferia de várias cidades e países através do cinema e, apesar das diferenças culturais enormes, consigo entender e me identificar com esses personagens distantes só pelo olhar deles sobre as coisas."

É o primeiro longa solo de Gabriel, após No Coração do Mundo, que fez com Maurílio Martins. Ele credita a empatia de Marte Um ao próprio roteiro - "É feito de muitos detalhes que vão construindo com solidez a história da família, mas não seria a mesma coisa sem o nosso elenco. Os atores foram muito inteligentes na forma de comunicar as emoções".

Num festival marcado por mães sofredoras, de filhos desaparecidos ou jurados de morte - em A Mãe, de Cristiano Burlan, e Noites Alienígenas -, o afeto que emerge de Marte Um, a esperança, levou a que muita gente torcesse por Carlos Francisco e Rejane Vieira, o Wellington e a Tércia. Nenhum dos dois ganhou o Kikito, mas vão ficar na memória do público que vir o longa mineiro. Cícero Luca e Camilla Damião, que fazem os irmãos, não são menos admiráveis. E se o filme realmente for para o Oscar? "Daremos um jeito", palavra do produtor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Marte Um | Trailer Exclusivo vídeo

Oscar 2023: Brasil pode quebrar tabu de 24 anos com Marte Um; entenda

Filme nacional foi escolhido para representar o país na maior premiação do cinema, mas Brasil não emplaca indicado desde 1999

André Zuliani, 06.09.2022

Representante do Brasil no Oscar 2023, Marte Um (2022) pode quebrar um tabu que assombra o país tupiniquim há mais duas décadas. Desde 1999, com Central do Brasil (1998), o brasileiro não torce por um título nacional na maior premiação da indústria do cinema. Na ocasião, o longa dirigido por Walter Salles fez história. Não apenas Central do Brasil foi indicado a melhor filme internacional, como Fernanda Montenegro (A Vida Invisível) se tornou a primeira atriz latino-americana a ser lembrada na categoria de melhor atriz.

Caso Marte Um esteja entre os cinco títulos que vão disputar a estatueta dourada de melhor filme internacional do ano que vem, o longa dirigido pelo mineiro Gabriel Martins irá quebrar um tabu de 24 anos. Uma meta difícil, mas não impossível. A longa “seca”, no entanto, corresponde apenas à categoria de melhor filme internacional. No Oscar 2004, Cidade de Deus (2002) também fez história ao conquistar nada menos do que quatro indicações: diretor, roteiro adaptado, fotografia e edição.
Em 2016, o elogiadíssimo O Menino e o Mundo (2013) esteve entre os nomeados a melhor animação, enquanto Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa, foi indicado a melhor documentário em 2020. O segundo, inclusive, está disponível na Netflix.

Brasil no Oscar

Em toda a história do Oscar, o Brasil emplacou apenas quatro títulos na disputa pela estatueta dourada de melhor filme internacional. O primeiro foi o clássico O Pagador de Promessas (1962), longa comandado por Anselmo Duarte (1920-2009) e única produção nacional a vencer a cobiçada Palma de Ouro no Festival de Cannes.

A segunda indicação veio apenas 33 anos depois, com O Quatrilho (1995). Dirigido por Fábio Barreto, o longa tinha no elenco nomes como Gloria Pires, Patricia Pillar, José Lewgoy (1920-2003), Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), Cláudio Mamberti (1940-2001), Cecil Thiré (1943-2020) e Bruno Campos, brasileiro que fez carreira em Hollywood com trabalhos em Nip/Tuck (2003-2010), A Princesa e o Sapo (2009) e Plantão Médico (1994-2009).

Já a terceira aconteceu em 1998, quando O Que É Isso, Companheiro? (1997), de Bruno Barreto, foi escolhido para buscar a glória no Oscar. A história do embaixador norte-americano sequestrado por guerrilheiros brasileiros em plena Ditadura Militar (1964-1985) tinha o astro Alan Arkin (Pequena Miss Sunshine) no elenco, além de Selton Mello, Pedro Cardoso, Fernanda Torres, Luiz Fernando Guimarães, Matheus Nachtergaele, Cláudia Abreu e Marco Ricca. 

Além dos títulos citados, há algumas produções internacionais que disputaram –e até venceram– prêmios no Oscar e tinham sangue brasileiro nos bastidores. Orfeu do Carnaval (1959), longa francês que levou a estatueta de melhor filme internacional em 1960, se passa no Rio de Janeiro, conta com trilha sonora de Tom Jobim (1927-1994) e Luiz Bonfá (1922-2001) e é inspirado em uma peça de Vinícius de Moraes (1913-1980).

Já o clássico O Beijo da Mulher-Aranha (1986) é uma coprodução entre EUA e Brasil indicada a quatro estatuetas –inclusive melhor filme. Dirigido por Hector Babenco (1946-2016), cineasta argentino e naturalizado brasileiro, o longa rendeu o Oscar de melhor ator a William Hurt (1950-2022) e tinha no elenco nomes como Herson Capri, Milton Gonçalves (1933-2022) e Sonia Braga. A atriz não disputou uma estatueta dourada, mas esteve entre as indicadas ao Globo de Ouro do mesmo ano.

Marte Um Adorocinema


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