quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Parceria Público Privada

Falta de fiscalização em obra do metrô de SP põe em xeque modelo de PPP

THIAGO HERDY, UOL, 02/02/2022

Apresentada como exemplo de boa gestão e eficiência em gestões tucanas, a PPP (Parceria Público Privada) plena da linha 6 do metrô de São Paulo volta a ser colocada em xeque diante de problemas do tamanho da cratera que se abriu ontem em uma das principais vias da capital paulista. Há dez anos, o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), lançava o modelo em que o consórcio vencedor assume obra e operação de trens, como forma de garantir economicidade e agilidade à expansão do metrô paulistano.

Ao não prever corretamente os riscos de construção da nova linha a poucos metros de uma tubulação de esgoto de grandes dimensões, o consórcio que cuida da obra transformou economia em prejuízo imensurável para a cidade. "O Metrô tem expertise para fiscalizar e atuar junto aos contratados. Neste modelo de PPP, ele deixa de acompanhar isso diretamente, o que é um problema", explica o engenheiro civil Ivan Maglio, pesquisador e colaborador do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da Universidade de São Paulo (USP).

Prevenção 

Voz respeitada na academia e no mercado, Maglio entende que o acidente de terça poderia ter sido evitado, se considerado o caminho percorrido até a data em que o asfalto abriu. Pelo atual estágio da obra, a identificação de interferências no traçado e da distância segura para a passagem do novo túnel do metrô sem abalos deveria ser ponto superado.

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"A obra já havia obtido sua licença de instalação, ou seja, já deveriam ter sido apresentados planos para evitar riscos em sua área de influência e impactos", diz. O engenheiro lembra que o traçado do interceptor de esgotos atingido deveria ter sido identificado pelo consórcio junto à Sabesp, empresa que cuida da água e do esgoto da cidade.

Pelo seu raciocínio, paga-se o preço da condução de contrato por uma empresa privada diretamente com a secretaria de Transportes. Uma opção que abre mão de 50 anos de experiência acumulados pelo corpo técnico da Companhia do Metropoliano de São Paulo, o Metrô. "É um erro de execução. Alguma coisa falhou", resume. 

Histórico de dificuldades

As dificuldades do modelo de PPP com DNA tucano começaram lá atrás, com os atrasos na desapropriação de imóveis, diante do impasse que impedia um consórcio privado de realizar o procedimento. Driblado o problema, veio a Lava Jato e a revelação de estruturas de pagamento de propina envolvendo justamente as empresas que tinham assumido o consórcio: Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC.

Ninguém teve coragem de lhes oferecer financiamento. Elas abandonaram o projeto e ele só veio a ser retomado em 2020 pelo grupo espanhol Acciona.

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Problemas políticos e de projeto afetam quase metade das PPPs

Das 3.677 Parcerias Público-Privadas existentes, 1.189 estão paralisadas e outras 593 foram canceladas, mostra levantamento

Renée Pereira, O Estado de S.Paulo, 04 de abril de 2022

Em outubro de 2020, um consórcio formado pela italiana Enel X venceu o leilão da PPP de iluminação pública de Macapá (AP), com deságio de 61%. O grupo seria responsável pela modernização, expansão e manutenção da rede pública da capital do Amapá, investindo R$ 100 milhões. Mas, depois do leilão, houve eleições municipais e o novo prefeito mudou de ideia sobre o processo de parceria, modelado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Até hoje, o grupo vencedor tenta assinar o contrato com o poder público, mas sem sucesso. 

A PPP de Macapá está entre as 1.782 Parcerias Público-Privadas (PPPs) lançadas nos últimos anos e que ficaram pelo meio do caminho. Segundo um levantamento feito pela consultoria Radar PPP, hoje há 1.189 projetos paralisados e 593, cancelados. Juntos, eles representam quase metade de todas as parcerias lançadas no mercado e mais que o dobro daquelas efetivadas e contratadas. 

“O nível de sensibilidade política das parcerias é alta. Isso explica, em parte, a elevada mortalidade dos projetos que envolvem uma série de questões (políticas e econômicas)”, diz o sócio da consultoria Guilherme Naves. Segundo ele, um dos principais fatores para a mortalidade dos projetos é a falta de gestão dos governos, sobretudo das prefeituras. 

Além da incapacidade para planejar um projeto dessa natureza, há também falha na comunicação das PPPs no mercado. A população precisa entender o propósito da parceria e também que se trata de um compromisso de longo prazo. Sem essa comunicação correta, a sociedade começa a pressionar e desvirtuar o projeto. Naves conta que houve um caso de um parque em que a população entendeu que a parceria era para aumentar tarifa. Isso provocou o engavetamento do projeto devido ao desgaste político.

Prejuízo

O prejuízo desse vaivém é enorme, seja para a sociedade, que fica sem a melhora no serviço, ou para os cofres públicos. Um projeto de PPP tem custos. Como a maioria das prefeituras – e até de Estados – não tem capacidade para fazer os estudos necessários para o processo, eles contratam empresas especializadas no assunto e isso envolve custos. Ou seja, dinheiro gasto à toa. Um caso clássico vem do governo federal, com o famoso trem-bala. Depois de muitos estudos e recursos despendidos, o empreendimento foi para a gaveta.

No passado, diz Naves, os governos abusaram das PMIs (Procedimento de Manifestação de Interesse) para compensar a falta de capacidade para fazer projetos. Nesse processo, uma empresa faz os estudos/ modelagem e, quando há o leilão, o vencedor paga a conta. Mas, com tantos cancelamentos, a iniciativa privada começou a ficar com os prejuízos. Hoje, as empresas estão mais criteriosas para fazerem esses serviços, exigindo um sinal maior das prefeituras para aceitarem o trabalho.

Mas também tem o outro lado, diz o sócio da Una Partners Daniel Keller. Algumas vezes, os governos contratam empresas que fazem projetos falhos e de baixa qualidade. O resultado é que o empreendimento não consegue ser licitado ou o leilão dá vazio, sem interessados. Isso também pode levar a um processo de judicialização, comprometendo a continuidade do projeto. 

Outro prejuízo é que, ao desistir das PPPs, muitos governos optam pelo caminho mais fácil e rápido. O problema é que nem sempre é o mais barato para a população. De uma forma ou de outra, a sociedade sai prejudicada. 

Planejamento estratégico

Para Daniel Keller, a origem desses problemas está na crônica falta de planejamento estratégico do País. Mas alguns Estados têm conseguido resultados importantes, estruturando equipes para tocar projetos e parcerias. “Em São Paulo, há um time eficiente e experiente que resolve essa lacuna. Minas Gerais também tem feito um trabalho interessante, com êxito em alguns projetos. Mas isso não é para todos. É difícil contratar e ter bons times para a estruturação.”

Por esse motivo, BNDES e Caixa têm feito um trabalho nesse sentido, estudando e modelando projetos Brasil afora, diz João Pedro Cortez, sócio da Vallya. “Eles estão com boa estrutura para reduzir a mortalidade das parcerias. Além disso, deixam os projetos mais sérios, com comprometimento financeiro.” O problema é que, sozinhos, não dão conta da enorme demanda do País, com mais de 5 mil municípios. “É preciso ter uma ação estruturada que atenda aos pequenos municípios.”

Ele destaca que muitas vezes o poder público, sem informações adequadas sobre o processo, acaba iniciando um projeto por impulso, sem saber a viabilidade real da parceria. Aí, no meio do caminho, depois de gastar recursos públicos, descobre que não dá para levar o empreendimento adiante. 

Na avaliação dos especialistas, embora haja um fator político difícil de ser controlado, é preciso dar um apoio técnico, especialmente às prefeituras, para lançar projetos mais estruturados, e não somente intenções. “O problema da mortalidade das PPPs não vai acabar, mas há caminhos para reduzir os números.”

A Prefeitura de Macapá não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem. Em nota, a Enel X afirmou que entregou todos os documentos e cumpriu todas as etapas e precedentes para a assinatura do contrato de concessão. "A empresa aguarda agora a sinalização do município para dar prosseguimento à assinatura do contrato."

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