Sob Bolsonaro, autorizações para exploração de nióbio explodem na Amazônia. Agência de Mineração concedeu 64 avais para pesquisa, que passam por nove assentamentos e por bordas de duas terras indígenas; Incra diz que não há vedação, e Funai não comenta
Vinicius Sassine, Folha de São Paulo, 06/02/2022
As autorizações para exploração de nióbio na Amazônia mais do que dobraram no governo de Jair Bolsonaro (PL), um entusiasta e divulgador do metal antes e depois da chegada à Presidência da República.
As áreas com pesquisas autorizadas pela ANM (Agência Nacional de Mineração) incluem nove assentamentos de reforma agrária, sem evidências de que os assentados tenham sido consultados, e franjas de duas terras indígenas e de uma unidade de conservação federal. Bolsonaro usa o nióbio como argumento para a defesa de mineração em áreas conservadas na Amazônia, em especial em terras indígenas, o que é vedado pela Constituição Federal. Em 2020, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que busca regulamentar autorizações para exploração mineral em terras indígenas. O projeto não avançou.
Amazônia sob Bolsonaro: Nióbio de Tolo
O presidente repete o discurso sobre o nióbio frequentemente — já o levou até mesmo à Assembleia-Geral da ONU, no tradicional discurso de abertura da conferência anual feito pelo líder do Brasil. O chefe do Executivo ignora nas falas que o país já é o principal produtor do metal, com 88% do total mundial, e que jazidas exploradas — principalmente em Minas Gerais — têm material suficiente para abastecer o mercado nas próximas décadas. Falta demanda para o nióbio, usado para tornar ligas metálicas mais leves e resistentes.
Com a ofensiva de Bolsonaro, explodiram os requerimentos de exploração do metal, as posteriores autorizações de pesquisa e o aval para busca por nióbio na Amazônia. Um levantamento feito pela Folha no sistema de processos da ANM mostra que 295 requerimentos de exploração do nióbio foram protocolados em 2019, 2020 e 2021, os três primeiros anos do governo Bolsonaro. A ANM concedeu 171 autorizações de pesquisa no período, das quais 64 foram para a região da Amazônia Legal.
No triênio de 2016 a 2018, foram 120 requerimentos e 74 autorizações de pesquisa, das quais 25 para a Amazônia. Assim, o aumento do aval para exploração de nióbio na Amazônia foi de 156% no governo Bolsonaro. A comparação com o triênio anterior mostra uma explosão de autorizações de pesquisa. Entre 2013 e 2015, foram 9 autorizações na Amazônia, conforme o sistema da ANM. As 64 concedidas entre 2019 e 2021 representam, assim, um aumento de 611%.
A licença para a pesquisa permite a prospecção pelo metal e já envolve gastos elevados por parte das empresas e pessoas físicas interessadas. Gastos com infraestrutura, sondagem, beneficiamento, lavra experimental e trincheiras podem chegar a R$ 1 milhão, conforme os valores informados à ANM.
No caso do nióbio, o mais comum é que os interessados busquem autorização para explorar o metal junto a outros minérios, como tântalo, bauxita e manganês. O aumento de autorizações para o nióbio no governo Bolsonaro é superior ao verificado com outras substâncias. O tântalo, por exemplo, permaneceu estável de um triênio para outro.
Os requerimentos feitos nos três anos de governo, que envolvem nióbio, somam uma área de 1 milhão de hectares, o equivalente à área de 6,5 cidades de São Paulo. Entre 2016 e 2018, os requerimentos visavam áreas totais de 394 mil hectares, ou 2,5 capitais paulistas. O levantamento feito pela Folha em dados públicos mantidos pela ANM mostra que 18 (28,1%) das 64 autorizações de pesquisa de nióbio na Amazônia nos últimos três anos passam por assentamentos de reforma agrária estruturados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Ao todo, são nove assentamentos no Amazonas, no Amapá, no Pará, em Rondônia e em Roraima, onde estão assentadas 8.500 famílias, segundo dados atualizados pelo Incra em novembro de 2021. Os documentos disponíveis nos processos da ANM não indicam que as comunidades tenham sido consultadas sobre a exploração de nióbio nas áreas dos assentamentos. Há documentos que indicam aval do Incra, desde que ocorra uma comunicação prévia sobre o início das pesquisas.
"O Incra não participou dos processos de autorização de pesquisa nos assentamentos. A ANM deve ser consultada para prestar mais esclarecimentos", afirmou o órgão, em nota. A ANM não respondeu aos questionamentos da reportagem. Segundo o Incra, não há vedação para pesquisa e desenvolvimento de atividade minerária em assentamentos de reforma agrária. "O Incra e os beneficiários da reforma agrária serão consultados na fase de licenciamento ambiental para definição das medidas mitigatórias e compensatórias."
Pelo menos dois processos para exploração de nióbio envolvem franjas de terras indígenas no Amazonas, conforme os mapas produzidos pela ANM. O empresário João Carlos da Silva Martins, da cidade de Pontes e Lacerda (MT), é o recordista em autorizações de pesquisa de nióbio e outros minérios em assentamentos de reforma agrária (cinco autorizações) e em áreas coladas a terras indígenas (duas autorizações).
Os documentos da ANM mostram que a terra indígena é a Waimiri Atroari, onde vivem 2.000 indígenas — entre eles isolados da cabeceira do Rio Camanaú, conforme levantamento feito pelo ISA (Instituto Socioambiental). A reportagem não localizou Martins. O empresário do ramo de transportes Marcos Vizone Carvalho, de Lábrea (AM), obteve autorização da ANM para pesquisar nióbio e cassiterita em uma área de 1.166 hectares em Manicoré (AM).
Os documentos do processo mostram que a área inclui bordas da terra indígena Tenharim Marmelos, onde vivem 535 indígenas tenharim. "A área não está na terra indígena, está próxima à terra indígena, cerca de 300 a 400 metros. Tem uma rodovia dividindo", disse Carvalho à Folha.
Segundo o empresário, essa é a primeira vez que consegue uma autorização para pesquisar nióbio. "Eu sonhava com isso. Sonhava com carvão e aparecia nióbio. Minha expectativa é vender o metal dentro do Brasil." Questionada pela reportagem, a Funai (Fundação Nacional do Índio) não respondeu se participou das autorizações dadas pela ANM e se concorda com as áreas permitidas para pesquisa de nióbio.
Outros projetos margeiam unidades federais de conservação, chegando a tocar nessas unidades, como é o caso do Parque Nacional dos Campos Amazônicos, no Amazonas. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) disse não ter recebido nenhuma consulta sobre pesquisa de nióbio em unidades de conservação.
Em tempo
Nióbio wiki
Nióbio Brasileiro
Clã Moreira Salles domina produção de mineral xodó de Bolsonaro
Expansão defendida pelo presidente enfrenta falta de demanda e custo elevado
Anna Virginia Balloussier, FSP, 05/10/2019
O arranha-céu mais alto de Pequim, o China Zum, que tem meio quilômetro de extensão. O maior acelerador de partículas do planeta, o LHC. Megapontes mundo afora. Foguetes do bilionário Elon Musk.
O nióbio, ativo da família Moreira Salles, que controla a maior empresa do mundo desse minério, está em tudo isso. Mas é por sua presença nos discursos de Jair Bolsonaro que ele talvez seja mais lembrado.
O presidente não perde uma oportunidade de exaltar as maravilhas do 41º elemento da tabela periódica. Em junho, direto do Japão, onde estava para a reunião do G20, mostrou, numa transmissão pelo Facebook, como o nióbio agrega valor até a bijuterias. O “pequeno cordãozinho” que exibiu valeria R$ 4.000, e se de ouro fosse não passaria de R$ 3.000, sustentou.
“A vantagem disso, em relação ao ouro, primeiro são as cores, que variam. E ninguém tem reação alérgica a nióbio. Alguns têm a ouro. Às vezes, a mãe põe um brinquinho na orelha da menina — menina, para deixar bem claro— e tem reação.”
Palco maior foi a Assembleia-Geral da ONU. “O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas, especialmente das terras mais ricas do mundo”, disse em sua estreia no encontro, no dia 24 de setembro.
Foi a deixa para exaltar a “grande abundância”, nas reservas Ianomâmi e Raposa Serra do Sol, de ouro, diamante, urânio e deste menos conhecido minério batizado em homenagem a Níobe, neta de Zeus na mitologia grega. Uma semana depois, disse a garimpeiros que “o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério”.
A hipótese de que Bolsonaro possa anular a demarcação de reservas indígenas com o pretexto da exploração mineral tira o sono de ambientalistas e lideranças indígenas. Causa também estranhamento a 4.500 km dali, onde fica a maior jazida de nióbio do mundo. Lugar, aliás, familiar ao presidente. Com a disputa presidencial já em mente, Bolsonaro visitou três anos atrás a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), desde 1965 sob controle da família sócia do Itaú Unibanco.
Sua empolgação com a matéria-prima de um negócio que ajuda os Moreira Salles a serem o clã mais rico do Brasil rendeu uma situação ambígua em agosto, quando a CBMM entregou seu 1º Prêmio de Ciência e Tecnologia.
Pedro Moreira Salles, que preside o conselho de administração da empresa, alfinetou a onda anticiência do governo Bolsonaro ao dizer que “um país que dê as costas para o conhecimento” está condenado a ser “pobre, doente e inseguro”. Mas exaltou o mineral xodó do presidente. Há anos Bolsonaro fala de um “Vale do Nióbio”, que vê como versão brasileira do polo de silício que fomenta o hub tecnológico dos EUA. O que pegou a companhia de surpresa é a afirmação de que o Brasil teria motivos para explorar o nióbio do norte do país.
Sequer há demanda para tanto. A CBMM domina 80% do mercado de cerca de 130 mil toneladas de nióbio por ano. Tem uma única concorrente, uma britânica que atua no Canadá e em Goiás. A brasileira pretende fechar este ano com 110 mil toneladas produzidas, o que elevaria sua receita de R$ 7,4 bilhões em 2018 (apenas com empréstimos, o Itaú faturou R$ 63,6 bilhões no ano passado).
Não que alguém coloque nessas palavras, mas bolsonaristas às vezes mais atrapalham que ajudam. Um dos exemplos é dizer que o Brasil deve expandir a exploração, sem considerar se há demanda ou mesmo o custo de minerar numa Roraima sem infraestrutura. “O mercado é limitado, sendo economicamente inviável aumentar a sua produção, ainda mais investir numa nova planta em região remota”, diz Márcio Santilli, presidente da Funai no governo de Fernando Henrique Cardoso e sócio do Instituto Socioambiental. Ele vê “ignorância deliberada” de Bolsonaro sobre o tema, “associada ao viés ideológico que o leva a tentar deslegitimar o direito dos índios.”
Eduardo Ribeiro, presidente da CBMM, diz que a reserva em Minas Gerais dura ao menos dois séculos, de bom tamanho para suprir a clientela. E esse discurso do nióbio como “salvador da pátria” seria acima do tom, ele diz à Folha na casa de hóspedes da empresa, que recebe potenciais compradores do mundo todo, sobretudo asiáticos, em Araxá (MG). A entrada da sede parece a ONU, com cerca de 50 bandeiras de cada país que negocia com a CBMM.
Há algo de vintage no entusiasmo de Bolsonaro pelo elemento. Enéas Carneiro (1938-2007), eterno presidenciável da direita ultranacionalista, usava seus parcos segundos na propaganda eleitoral para criticar a exportação do extraordinário nióbio “a preço de banana” —a CBMM manda para fora 96% do que produz.
Em 2016, o então deputado Bolsonaro discursou no Congresso contra a venda, cinco anos antes, de 30% da companhia para acionistas da Ásia. Para ele, tudo parte de um plano para jogar a riqueza verde-amarela no colo do capital estrangeiro. “É crítico e inacreditável! Mas logicamente se acredita, porque vem do PT.”
Há muita informação falsa sobre o nióbio, e a maioria peca por exagerar. Enéas, diz Ribeiro, é bom exemplo de “ideias incorretas” que geram “ruídos por completa ignorância”. Hoje há vídeos atribuindo superpoderes ao nióbio, como um caminhão que vira pedacinhos ao se chocar contra uma cerca supostamente feita com o material.
Também circula a ideia falsa de que o Brasil concentra quase todo o nióbio global, quando na verdade há 85 minas mapeadas no mundo, a maioria não explorada justamente por empecilhos na extração e falta de compradores. Mas o nióbio é tudo isso? Se levou o ex-embaixador e banqueiro Walther Moreira Salles a adquirir a CBMM na década de 1960, potencial deve ter.
Os descrentes lembram que o valor comercializado é baixo demais (o quilo do ouro vale cem vezes mais do que os US$ 40 do ferronióbio, principal produto da CBMM). Se é tão maravilhoso assim, por que cobrar tão pouco?
O nióbio, de fato, gera ligas metálicas mais leves e resistentes. Exemplo da CBMM apresentado em Araxá: uma caçamba de caminhão com aço normal sai em média por R$ 82,5 mil; a de aço turbinado por nióbio, R$ 92,3 mil. Só que o segundo veículo pesaria 6.000 quilos, 1.100 a menos do que o comum. Conseguiria transportar uma tonelada extra de carga e precisaria fazer, assim, menos viagens. Cálculo: em seis meses, o custo compensaria. E basta um temperinho de nióbio para anabolizar o aço, coisa de 300 gramas por tonelada. Tanto que o ferronióbio exportado pode ser empacotado em pequenas latas que lembram as de tinta.
Revés: o Brasil pode monopolizar a produção de nióbio, só que o ele concorre com outros parecidos.
O presidente da CBMM propõe chegar numa aula de engenheira e perguntar: “Titânio, quem ouviu falar? Todo mundo levanta a mão. Anos atrás, só três gatos pingados sabiam o que era nióbio”. Siderúrgicas são as maiores clientes da CBMM, mas a companhia investe em outras frentes. Luiz Carlos Oliveira, professor do departamento de química da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), dá exemplos: “Temos resultados avançados para o uso como fármaco anticâncer e promissores para a produção de supercapacitores híbridos para uso em energias renováveis”.
Baterias (para veículos elétricos e celulares, por exemplo) que fundem materiais como lítio e nióbio poderiam ser carregadas em minutos, até segundos. Neste mês, a Lamborghini anunciou uma dessas baterias mistas para seus carros de alta performance, capazes de alcançar 100 km/h em três segundos. Eduardo Ribeiro, o presidente, brinca (ou não) que no futuro até um xampu miraculoso poderia levar nióbio.
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Erramos: o texto foi alterado
8/10/2019
Um caminhão com uma caçamba feita com aço turbinado por nióbio pesaria 6.000 quilos, e não 6.000 toneladas, como foi publicado em versão anterior desta reportagem. O texto já foi corrigido.
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