sábado, 26 de fevereiro de 2022

François Truffaut

Truffaut parte 2

Diretor revelou por que haviam desprezado ‘Rastros de Ódio’: era verão e queriam as férias

Sérgio Augusto, O Estado de S.Paulo, 26 de fevereiro de 2022

Falava meio rápido, fumava à beça, 2 cm mais baixo do que eu, muito tímido – ok, disso dei conta na coluna passada, mas repito para marcar bem a figura de François Truffaut, ao qual retorno, atendendo a insistentes pedidos. Como também já foi em parte relatado, Truffaut passou uns dias no Rio, vindo do Festival de Mar del Plata de 1962, ao lado de um punhado de estrelas do cinema francês (Jean-Paul Belmondo, Pascale Petit, Marie Laforêt, etc.) e outro cineasta parisiense, Phillippe de Broca, que fora seu assistente em Os Incompreendidos e pouco depois aqui filmaria O Homem do Rio, com Belmondo.

L'HOMME DE RIO de Philippe de Broca - Official Trailer - 1964 

O que afinal rolou além da persistente dor de cabeça que quase alijou Truffaut do coquetel da Unifrance Film, na noite de 4 de abril? A mais calma e extensa conversa que pude ter com ele, um proveitoso tête-à-tête. No giro pelas atrações turísticas da cidade, com David Neves ao volante, prevaleciam as banalidades de praxe sobre a paisagem e a arquitetura.  Dele só havíamos assistido ao curta Les Mistons e seus dois primeiros longas: Os Incompreendidos e Atirem no Pianista. No correr da semana, seríamos apresentados a Jules e Jim. Nunca me senti tão compelido a largar o jornalismo e fazer cinema. Quantas vezes ele teria ouvido confissão igual? 

 
François Truffaut em 1965, durante o festival da Nouvelle Vague  Foto: Jack de Nijs/Anefo/Wikimedia Commons

De espadrille cáqui, quizás comprada no balneário argentino, não se surpreendeu com a Croisette carioca. Já conhecia Copacabana de foto e filmes. Mencionei Les Enchaînés (Interlúdio na França), de Hitchcock, falsamente ambientado naquele cenário.

Dali a um mês, Truffaut iria a Cannes, como presidente daquele júri que, manipulado por ele, daria a Palma de Ouro a O Pagador de Promessas, passando a perna em Buñuel e no Antonioni de O Eclipse. Não gostava do cinema de Antonioni: frio, árido, “Antonioennui”. 

Para dali a quatro meses, agendara a primeira de uma série de entrevistas com Hitchcock, que redundaria na mais lida conversa entre dois diretores de cinema. Na época, seus Hitchcocks favoritos eram Psicose e Janela Indiscreta.

Via menos filmes (3 ou 4 por semana) do que em seus tempos de crítico (uma dúzia) e, entre os recém-vistos, gostara de Oito e Meio, América América (era fã de Kazan), Os Guarda-chuvas do Amor, O Desprezo e Muriel. Sua experiência mais inesquecível: na tarde de 6 de julho de 1946, deslumbrou-se pela primeira vez com Cidadão Kane. Tinha 14 anos.

Contou-me muitos babados dos Cahiers du Cinéma e sua fauna. E enfim me esclareceu por que haviam desprezado tanto Rastros de Ódio, de John Ford, em sua estreia em Paris. “Era verão. Apressados pelo início das férias, não demos ao filme a merecida atenção. Revimos nossa opinião. Godard adorava, e não conseguia conter as lágrimas sempre que via John Wayne pegar Natalie Wood no colo, e dizer: ‘Let’s go home, Debbie’.” 

Truffaut parte1: 4 x 20 + 10

Guerra na Amazônia

Vai ter guerra na Amazônia

Claudio Angelo, 21 de Fevereiro de 2022

No fim do ano passado tive o privilégio duvidoso de passar quase 20 dias viajando pela Amazônia. Desci a BR-163 de Santarém até Castelo dos Sonhos, no Pará, e na volta percorri a Transamazônica de Itaituba, a capital brasileira do ouro ilegal, até Altamira. Estava acompanhado de Tasso Azevedo, um dos arquitetos das políticas que levaram à queda do desmatamento entre 2005 e 2012 e, em alguns trechos, da jornalista Giovana Girardi, que cobre meio ambiente há mais tempo do que ela gosta de admitir.

 
Queimada em Novo Progresso no "Dia do Fogo"

Em todos os lugares, mas especialmente no sul do Pará, me senti no famigerado putsch de 7 de setembro na Esplanada. Em Novo Progresso, cidade que come, bebe e respira crime ambiental, era difícil encontrar um estabelecimento comercial ou uma porteira de fazenda sem uma bandeira do Brasil na fachada. Adesivos do “mito” adornavam carros. Uma loja de caça e pesca exibia orgulhosa banners de “não é pelas armas, é pela liberdade”. Para andar sozinho sem despertar suspeitas, colei um adesivo de “Bozo 2022” na mochila, mas na porta do hotel Tasso logo me avisou da futilidade do esforço: “Você é a única pessoa de máscara na cidade, todo mundo vai saber que você é de fora”.

Novo Progresso está vivendo seu grande momento. Em seus restaurantes lotados, onde uma pizza é vendida a 130 reais, em suas concessionárias de pás carregadeiras e lojas de motosserras, em seus silos e frigoríficos, tudo recende a um lugar onde está correndo dinheiro. Dinheiro de garimpo clandestino, de venda de terra grilada, de gado criado dentro de uma área protegida vizinha à cidade, de soja colhida onde antes era o gado e antes do gado era o grilo e antes do grilo era a mata. Novo Progresso e as vizinhas Castelo dos Sonhos (um distrito de Altamira), Trairão e Itaituba reelegerão Jair Messias Bolsonaro por larga margem em outubro deste ano.

Bolsonaro deu a essas e outras cidades amazônicas exatamente o que prometera na campanha e o que elas sempre desejaram: liberdade total. Seu governo arrancou o superego do chamado “setor produtivo” ao assegurar que o Estado, na forma do Ibama, da Polícia Federal, da Agência Nacional de Mineração e outras, não mais perturbaria o trabalho honesto e suado dessas pessoas de bem. Em janeiro deste ano, gabou-se do serviço bem feito ao dizer que “reduzimos em 80% (sic) as multagens (sic)” no campo.

Embora a redução não tenha sido de 80% (por que Bolsonaro não mentiria sobre isso também?), todos os indicadores de desempenho do Ibama em sua gestão, ano após ano, são os piores das últimas duas décadas. O governo disponibiliza dinheiro para a fiscalização ambiental como um decoy. Enquanto a imprensa e John Kerry perseguem o fetiche dos recursos, o governo os disponibiliza, mas garante que eles não servirão para nada. O homem amazônico da fronteira ganhou segurança para fazer o que faz de melhor desde a década de 1970: privatizar terras públicas, incorporando sua madeira, os nutrientes de seu solo e seus minérios.

À primeira vista, Novo Progresso é a própria realização da visão de Paulo Guedes de um mundo onde o setor privado opera sem travas, sem regulações e sem o dedo do Estado. Quem chegar primeiro leva, escolhe-se entre ter emprego e ter direitos e frequentemente “meritocracia” se mede pela quantidade de balas no revólver. O problema é que, como toda utopia anarcocapitalista, essa também tem muito de “anarco” e pouco de “capitalista”. A economia da fronteira amazônica só prospera porque é enormemente subsidiada. A terra é de graça; os nutrientes do capim que engorda o boi são de graça; e os efeitos climáticos do desmatamento, a mãe de todas as falhas de mercado, não são abatidos do preço da arroba de carne nem da saca de soja. A conta quem paga é você a cada enchente em Itabuna, cada deslizamento em Franco da Rocha e cada seca que esgota a energia das hidrelétricas do Centro-Sul. Para os homens (porque são quase sempre homens) de bem da Amazônia, the mamata never ends. E a teta nunca foi tão generosa quanto na era Bolsonaro. E é por isso que em 2023, não se engane, a floresta vai entrar em guerra.

Com a possibilidade felizmente cada vez mais plausível de o facínora perder a eleição, o próximo presidente vai precisar fazer uma escolha muito difícil sobre a Amazônia. Pode deixar tudo como está, com a economia de metade do território entregue ao crime organizado. Ou pode intervir. E aí o bicho vai pegar.

Porque qualquer intervenção que se faça para conter o ecocídio e o etnocídio em curso na Amazônia necessariamente terá de envolver a volta do Estado por meio de ações pesadas de comando e controle. As grandes investigações do Ibama e da PF, com prisões de funcionários públicos, apreensão de gado, embargo de fazenda de deputado e queima de equipamento de amigo de senador, terão de voltar a ser rotina. O finado Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, que vigorou de 2004 a 2019, vai ter de fazer um retorno triunfal. E o “setor produtivo” vai precisar voltar a ter medo de satélite.

Se o eleito for Luiz Inácio Lula da Silva, essa responsabilidade será redobrada. Em seu governo começaram a ser adotadas as medidas que levaram à queda do desmatamento (que ele próprio passou a torpedear depois, mas essa é outra história). Lula, que andou visitando os chefes de governo climaticamente conscienciosos da Europa, sabe que um choque de gestão ambiental com drástica redução do desmatamento é a primeira medida a ser adotada para que o Brasil seja novamente aceito à mesa da comunidade internacional.  

Nada disso vai acontecer com o Exército gastando meio bilhão de reais para distribuir panfletos educativos aos bandidos ou com o governo pedindo moderação à turma da motosserra. Há três anos eles estão com a chave da adega e um passe livre no Bahamas; não serão simplesmente persuadidos a ficar sóbrios e castos só porque o filme do Brasil está queimado e o planeta está tostando. Haverá, anote, bloqueios de rodovia, passeatas, atentados a escritórios do Ibama, veículos queimados, agentes alvejados. O helicóptero do órgão ambiental incendiado dentro de um aeroclube em Manaus em janeiro foi só um aperitivo do que vem por aí. Para citar apenas um exemplo, há um CAC (clube de atiradores, esse instrumento da milicianização oficial do país) sendo construído no meio do nada numa fazenda em Castelo dos Sonhos a 40 quilômetros de uma terra indígena. Ninguém faz uma coisa dessas num lugar desses para treinar atletas para a Olimpíada de Paris.

Haverá pressão total de prefeitos e parlamentares locais sobre governadores recém-eleitos e do Centrão sobre o Planalto para um enorme “deixa disso”, um acordo “com Supremo, com tudo” para mudar a legislação ambiental e “pacificar de vez” o campo. Foi esse o papo usado em 2010 para mudar o Código Florestal, em 2012, o que não apenas não pacificou coisa alguma como pôs fim ao ciclo virtuoso de queda na devastação da Amazônia.

O próximo ocupante do Palácio do Planalto terá de chegar a Brasília em janeiro com tampões no ouvido e amarrado ao mastro para não sucumbir ao canto de sereia da flexibilização das leis. Ao mesmo tempo, terá de estar preparado para uma reação violenta de patriotas armados a qualquer plano sistemático para reduzir as taxas de desmatamento. Bolsonaro pode até ir embora, mas o bolsonarismo criou raízes na floresta e não vai largar o osso fácil. Dois mil e vinte e três será um ano tenso, ruidoso e possivelmente sangrento na Amazônia.

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Claudio Angelo nasceu em Salvador, em 1975. Foi editor de ciência do jornal Folha de S.Paulo de 2004 a 2010 e colaborou em publicações como Nature, Scientific American e Época. Foi bolsista Knight de jornalismo científico no MIT, nos Estados Unidos. Lançou, em 2016, pela Companhia das Letras o livro A espiral da morte, sobre os efeitos do aquecimento global, ganhador do Prêmio Jabuti na categoria Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática.

Longe da Ucrânia, pense Amazônia

Farra bolsonarista com armas de fogo municia batalhão Azov da floresta

Marcelo Leite, 26/02/2022

O Estado perderá de vez o controle de metade de seu território, assim como cedeu o domínio dos morros e periferias para traficantes ou milícias. Saldo vergonhoso para a chusma de militares que tomou Brasília e passara décadas fantasiando a perda de soberania sobre a Amazônia para potências estrangeiras.

O mundo está de olho na Ucrânia, e com razão. Mas a ex-república soviética invadida a mando do ex-KGB Vladimir Putin fica muito distante, e aqui mesmo há um conflito em gestação no ovo de serpente deitado por militares brasileiros na Amazônia. O alarme foi acionado por Claudio Angelo, jornalista que mais entende de clima e floresta amazônica, no artigo "Vai ter Guerra na Amazônia". E o clima na floresta amazônica é mesmo de confronto.

Não de hoje, claro. Quem já passou por Novo Progresso (PA), na BR-163, como este colunista sete anos atrás, sabe que a atmosfera lá sempre foi irrespirável para agentes do Ibama, ambientalistas e repórteres, com a fumaça do desmatamento e o cheiro de chumbo no ar.

 
Policiais federais e servidores do Ibama atuam em garimpos ilegais na região do rio Crepori, afluente do rio Tapajós, no município de Jacareacanga, no Pará - Pedro Ladeira - 15.fev.2022/Folhapress

Angelo andou pela região no final de 2021. Assim descreve o ambiente: "[Na] cidade que come, bebe e respira crime ambiental, era difícil encontrar um estabelecimento comercial ou uma porteira de fazenda sem uma bandeira do Brasil na fachada".

Na mesma época circulei por áreas de cerrado e de transição desse bioma com a Amazônia. Na entrada de cada latifúndio pendia um pavilhão nacional, a testemunhar que o prestígio de Jair Bolsonaro segue alto no ogronegócio. Já se disse que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. Atualizando a máxima, seria o caso de dizer que no Brasil, hoje, é o derradeiro reduto dos canalhas armados.

Ninguém ignora que ruralistas figuram entre os interessados na esbórnia em que Bolsonaro transformou o acesso a armas e munições, assim como seu controle pelo Estado. Com a cumplicidade do Exército, que faz vista grossa diante da proliferação de arsenais particulares, alguns deles a abastecer o crime organizado. Fazendeiros gostam de posar de vigilantes e caçadores, álibi para acumular armas de fogo. E se acostumaram ao vale-tudo fundiário e ambiental fomentado pelo presidente que enverga gravata com fuzis e seu comparsa Ricardo "Boiada" Salles.

Qualquer presidente que se escolha em 2022 (e não seja Bolsonaro) terá de retomar o estado de direito nessa metade do Brasil em que garimpeiros são tolerados quando invadem terras indígenas, enlameiam o mais lindo rio amazônico (Tapajós) e incendeiam helicópteros do governo federal. Mais dia, menos dia, Brasília terá de reciclar medidas como as que derrubaram as taxas de desmatamento entre 2005 e 2012, nos governos Lula e Dilma, após explosão nos anos iniciais da primeira administração petista.

Listas de municípios campeões de devastação, restrição de crédito, embargo de propriedades, moratória de produtos oriundos de áreas desmatadas — o que for. Caso contrário, o Estado perderá de vez o controle de metade de seu território, assim como cedeu o domínio dos morros e periferias para traficantes ou milícias. Saldo vergonhoso para a chusma de militares que tomou Brasília e passara décadas fantasiando a perda de soberania sobre a Amazônia para potências estrangeiras.

A soberania já era, e quem a açambarcou foi o inimigo interno. Não os comunistas que Bolsonaro e caterva apontam debaixo de camas de casal, carteiras escolares e escrivaninhas de postos de vacina, mas os extremistas impunes que ousaram sitiar o Supremo Tribunal Federal com suas carretas de grãos.

Pensando bem, são os inimigos internos só do país, não dos militares agachados diante de Bolsonaro. Destes seriam mais bem descritos como aliados — o batalhão Azov do cafundó, que não parece disposto a tolerar invasão de suas terras pela lei.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Guerra na Ucrânia 2, o capitalismo na ordem unida

Invasão da Ucrânia pode dar início a nova ordem entre Ocidente e Oriente. Com Rússia bem posicionada nos mercados, Putin confronta grandes potências, e China não o condena

Alexa Salomão, FSP, 25/02/2022

Está na cabeça de todo o mundo. Como Vladimir Putin simplesmente ignora telefonemas e visitas de representantes das nações mais ricas da União Europeia e dos Estados Unidos e faz uma invasão por terra, mar e ar na Ucrânia, nitidamente premeditada pelo enorme nível de coordenação?

Por semanas, ele deixou claro que não quer entregá-la bovinamente à Otan, abrindo flanco para a instalação de mísseis na cola da fronteira russa. Mas também está nítido que sua ação tem um simbolismo maior, pelo nível de desprezo que demonstra em relação a outros chefes de Estado.
Há indícios de que o Ocidente fraqueja, e como não há vácuo de poder, o Oriente avança pelas brechas.

Putin dá sinais de que se preparou para este momento mais tenso, inclusive prevendo quais seriam os limites das sanções econômicas sobre a Rússia, o principal instrumento de reação. Suas aparentes calma e segurança viriam do fato de que boa parte das peças de seu jogo de xadrez bélico estão bem posicionadas em outro tabuleiro, os mercados de commodities.

Mesmo comandando uma economia com brilho menor, o governo russo fez apostas em produtos-chave, e a globalização tratou de criar interdependências miúdas, tão difíceis de desatar como nó de correntinha fina. Alguns exemplos

 A Rússia tem grandes reservas de carvão e petróleo e é o maior produtor de gás do mundo. Muito se repetiu que quase 40% do gás consumido na Europa é russo. Agora vai ficando claro que não há fornecedores alternativos à altura da demanda europeia. Na terça-feira (22), circulou nas agências internacionais a declaração de um executivo da indústria no Catar avisando que não há no mercado volume suficiente de GNL, gás natural liquefeito, para cobrir o eventual cancelamento de contratos de europeus com os russos. Muitos colocam dinheiro na mesa para apostar que a retaliação alemã, de suspender a licença do gasoduto Nord Stream 2, que levará gás russo ao país, não dura até o fim do outono.

Ucrânia: 7 mapas para entender a guerra 

A Rússia também é um importante produtor de cevada, aveia, centeio e principalmente de trigo, item básico de alimentação. Nos últimos anos, se tornou o maior exportador de trigo do mundo, e controla 20% do abastecimento global. Enquanto os analistas falam da perda de prestígio de Putin, os preços dos principais produtos russos ganham valor. O preço do barril de petróleo já passa de US$ 100 e o trigo acumula alta de 17% em uma semana.

Colocando um pouco de Brasil na discussão é preciso lembrar que Rússia é um fabricante tão expressivo de adubos e fertilizantes que nada mesmo de 62% das importações brasileiras daquele país estão concentradas nesses produtos. Outra fatia importante desses itens vem de Belarus, um aliado na guerra da Ucrânia. Como ficar sem?

Há outra questão. Apesar de os principais países terem condenado a ofensiva na Ucrânia, a China segue sem criticar Putin, com membros do alto escalão emitindo manifestações dúbias. Integrantes da diplomacia chinesa já fizeram ponderações sobre a relação da Rússia com a Ucrânia e as repúblicas separatistas. Não tem segredo aí. Se a China condenar a Rússia vai complicar suas exigências em relação a Taiwan. Na quarta-feira (23), o ministro das Relações Exteriores chinês chegou a declarar que Taiwan não é Ucrânia porque sempre foi parte inalienável da China.

Faz um tempo que os dois países caminham juntos na economia. O principal parceiro comercial da Rússia — de longe — é a China, e vice-versa. Minério e um volume gigante de petróleo vão para a China, que vende para a Rússia muito maquinário e eletroeletrônicos. Entre os dois países estão em construção redes de gasodutos que prometem mudar o equilíbrio da oferta do produto no mercado global. No início de fevereiro, quando a crise da Ucrânia já estava em curso, a parceria escalou. Putin foi a Pequim para participar da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno.

Num claro recado ao Ocidente, especialmente aos Estados Unidos, ele e o presidente chinês Xi Jinping anunciaram um acordo "sem limites" nas áreas econômica e política.
Essa aproximação consolida a organização de um poderoso bloco na banda oriental do mundo, liderado pela China, que vai escanteando as potências ocidentais.

No meio da pandemia, em novembro de 2020, enquanto o então presidente Donald Trump travava a guerra comercial contra a China, o gigante asiático e 14 países do Pacífico fecharam o maior acordo comercial do mundo. Chamado de Parceria Econômica Regional Abrangente, o bloco reúne 2,2 bilhões de consumidores e um terço do PIB global. Ao mesmo tempo, a China mantém a construção da Nova Rota da Seda, megaobra de infraestrutura que liga Oriente Médio, Ásia, África e Europa, atravessando áreas que eram de influência da ex-União Soviética.

Todos esses movimentos, colocaram os dois países, que já foram os maiores impérios ao leste, de costas para o Oeste. Putin, em sua invasão da Ucrânia, fez um movimento mais ousado e novo, confrontou o Ocidente — aqui, entendido como o grupo desenvolvido dessa parte do mundo, Europa e Estados Unidos. Sim, tudo indica que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pode ter razão. Há sinais de que Putin trabalha para reconstruir a antiga União Soviética. E a lacônica China quer o quê?

SIM, É GUERRA! PUTIN ENTRA NA UCRÂNIA!

A natureza é a responsável?

A culpa não é da natureza

Tragédias como a de Petrópolis estão associadas à ocupação de áreas de risco – tolerada e incentivada pela sociedade

Victor Carvalho Pinto, piaui, 16 fev 2022

Ilustação de Carvall 

A aviação é o meio de transporte mais seguro que existe. Isso não se deve a nenhuma característica técnica, mas à existência de um sistema de investigação disciplinado internacionalmente, que tem por objetivo identificar todos os fatores que possam ter contribuído para cada acidente e recomendar medidas para a prevenção de futuros acidentes. Se na aviação as quedas são investigadas com rigor, quando falamos de desastres urbanos – enchentes, deslizamentos de terra etc. – não temos no Brasil qualquer ação específica relacionada à identificação de responsabilidades ou de medidas que possam ser tomadas para a prevenção de futuras tragédias. Ao contrário, em geral há todo um esforço de reconstrução com o propósito de recompor a situação exatamente como ela se encontrava antes do desastre.

Tragédias como as que ocorreram este ano na Bahia, no Espírito Santo e esta semana em Petrópolis são recorrentes. Ainda estão na memória coletiva os deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011, e no Morro do Bumba, em Niterói, em 2010, com centenas de mortes. São desastres que decorrem, em sua maioria, do ciclo natural da água – ensinado às crianças no ensino fundamental e mapeado com grande precisão pelos órgãos públicos municipais e estaduais. Por esse motivo, ao contrário dos acidentes aeronáuticos, geralmente provocados por fatores imprevisíveis, os desastres urbanos são previsíveis, tanto no espaço quanto no tempo. 

As cidades costumam se formar nas proximidades da água – de um rio, por exemplo. Ocorre que os rios têm um ciclo que acompanha a variação das chuvas durante o ano. Consequentemente, há uma faixa de terra ao longo deles – a “várzea” – que alterna períodos de seca e alagamento. Se essas áreas forem ocupadas, as casas nelas construídas serão, claro, periodicamente alagadas. Não há drenagem que impeça isso de ocorrer. A única coisa a ser feita é impedir a ocupação de tais espaços.
Se o alagamento das várzeas é um fenômeno natural, o deslizamento de terras decorre da intervenção humana sobre o ambiente. A supressão da vegetação para a edificação de casas em morros íngremes gera erosão e instabilidade do solo, acentuados pelas chuvas. Os deslizamentos resultantes podem vitimar não apenas os moradores daquelas residências como também as pessoas que vivem nas áreas mais baixas.

A erosão também gera sedimentos que são carregados pelas chuvas para o leito dos rios, assoreando-os, ou seja, tornando-os mais rasos. Além disso, a impermeabilização do solo, decorrente da pavimentação do sistema viário e dos lotes privados, acelera o fluxo da água da chuva, sobrecarregando as redes de drenagem e aumentando o volume que chega aos rios. A convergência desses dois fenômenos faz com que os alagamentos se expandam para além da várzea original dos rios.

Numa escala mais planetária, supõe-se que as mudanças climáticas causadas pelo acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera estejam alterando o próprio regime hídrico, gerando secas em algumas regiões e chuvas mais intensas em outras. Tudo isso é amplamente conhecido – e a legislação brasileira contempla medidas adequadas a respeito.

O Código Florestal define como “área de preservação permanente” as faixas marginais aos cursos d’água e as encostas com declividade superior a 45o. Elas preservam os recursos hídricos, protegem o solo e asseguram o bem-estar das populações humanas. A Lei de Parcelamento do Solo Urbano proíbe a urbanização de terrenos alagadiços e sujeitos a inundações. 

A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil prevê o mapeamento das áreas de risco, a fiscalização de sua ocupação, a intervenção preventiva e a evacuação da população nelas residente, que deverá ser imediatamente acolhida em abrigos provisórios e cadastrada para atendimento habitacional definitivo. Todo município com áreas de risco deve elaborar uma carta geotécnica, que orientará a elaboração do plano diretor e a aprovação de projetos de loteamento. O Estatuto da Cidade exige que os planos diretores mapeiem as áreas de risco, planejem as ações preventivas, inclusive com realocação da população, se necessário, e adotem medidas de drenagem aptas a prevenir desastres e mitigar seus impactos.

 Ora, se a legislação proíbe a ocupação de áreas de risco, por que não é aplicada? Há casos em que se aprovam empreendimentos em violação clara da lei. Na maior parte dos casos, entretanto, a ocupação de áreas de risco se dá pela formação de assentamentos informais, como favelas e loteamentos clandestinos.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que existiam em 2019 – é o último dado divulgado – nada menos do que 5,13 milhões de domicílios ocupados em 13.151 “aglomerados subnormais”, distribuídos em 734 municípios. Isso corresponde a 7,8% dos domicílios do país. Os estados com maior proporção de domicílios em aglomerados subnormais são Amazonas, com 34,59%, e Espírito Santo, com 26,10%. Em alguns municípios, a informalidade supera os 50% e, portanto, passou a ser regra e não exceção: 74% em Vitória do Jari (AP); 68,93% em Viana (ES); 61,21% em Marituba (PA); 61,07% em Cariacica (ES); 55,49% em Belém (PA); 53,51% em Ananindeua (PA); 53,38% em Manaus (AM).

A regularização de assentamentos informais é possível, mas não necessária. Existe uma legislação específica para isso desde 2009, atualizada em 2017. Não se trata simplesmente de distribuir títulos de propriedade para os ocupantes. É preciso um diagnóstico prévio de cada situação, que indicará a possibilidade ou não de regularização, o meio de equacionamento da ilegalidade fundiária e a responsabilidade pela execução das obras. Em seguida, deve ser elaborado um projeto urbanístico, que identificará as unidades a serem relocadas, para abertura de espaços públicos, passagem de dutos e ampliação de sistema viário. Só então poderá esse projeto ser levado a registro – e os moradores, titulados. Assentamentos em áreas de risco só podem ser regularizados se for possível eliminar o risco, por meio de obras de engenharia. Do contrário, devem ser desconstituídos.

 Diversos fatores contribuem para a informalidade urbanística. A baixa renda de grande parte da população limita suas possibilidades de pagar por um aluguel no mercado formal. Não se deve, entretanto, imaginar que todo assentamento informal tenha como ocupantes pessoas de baixa renda. Há inclusive condomínios de alta renda construídos à margem da lei. Também é preciso entender que, mesmo nas áreas de baixa renda, grande parte dos moradores paga aluguel ou comprou o terreno de alguém, que pode ser outro ocupante ou algum grileiro de terras, agindo isoladamente ou como membro de uma organização criminosa.

Contribuem para o encarecimento dos aluguéis regras de zoneamento que restringem indevidamente a oferta de unidades habitacionais. Entre elas, recuos obrigatórios desnecessários, exigências de vagas de garagem e segregação rígida de usos, dificultando a conversão de imóveis comerciais em residenciais. A isso tudo soma-se uma política de moradia mal direcionada, que constrói conjuntos habitacionais distantes, sem infraestrutura ou mobilidade e exclusivamente residenciais, nos quais muitos beneficiários não querem morar, preferindo vender ou abandonar suas unidades.

Por fim, é preciso também mencionar os incentivos perversos gerados pela regulação de serviços públicos, que obrigam as concessionárias de energia elétrica e saneamento básico a instalar redes de infraestrutura em todo e qualquer assentamento delas carentes, independentemente de sua legalidade, impacto ambiental ou localização em área de risco. A responsabilidade dessas concessionárias e seus órgãos reguladores é grande, pois, mesmo em situação de pobreza, a maioria das pessoas não ocuparia uma área de risco que não tivesse acesso a água e energia elétrica. A tolerância com as ligações clandestinas é igualmente nociva e se explica, em alguma medida, pela política tarifária instituída pelas agências reguladoras, que distribui parte desse prejuízo entre todos os usuários, mediante aumento de tarifas.

Se todos esses fatores geram a informalidade enquanto fenômeno geral, é preciso investigar, em cada desastre específico, aqueles que contribuíram para as tragédias. A ocupação era regular ou irregular? Recente ou consolidada? Qual era a renda dos moradores? A ocupação era própria ou os moradores pagavam aluguel? O local estava mapeado como área de risco? Se estava, o que foi feito a respeito? A população foi informada do perigo? Existiam ligações de energia e água? Essas ligações eram regulares ou clandestinas? As concessionárias consultaram a prefeitura sobre a conveniência e a oportunidade de fornecer esses serviços? Havia algum procedimento de regularização fundiária em curso? Em caso positivo, já se tinha um projeto urbanístico aprovado? Essas são questões que a imprensa, por exemplo, ao cobrir as tragédias urbanas, pode ajudar a responder.

Não existe no Brasil um órgão incumbido da investigação de desastres urbanos na perspectiva da prevenção de novos acidentes, a exemplo do que ocorre no caso de acidentes aeronáuticos. Tanto a União quanto os estados e municípios podem criar órgãos desse tipo. Na sua ausência, o Ministério Público pode instituir inquéritos civis com tal finalidade, com o apoio de instituições acadêmicas, como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Diante da tragédias que se repetem, a melhor homenagem que se pode fazer às vítimas é entender todos os fatores que contribuíram para a sua ocorrência – com o intuito de responsabilizar os culpados e adotar medidas capazes de evitar novos desastres.

 
Victor Carvalho Pinto 

Coordenador do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper e doutor em Direito Econômico e Financeiro

Guerra na Ucrânia

Planejamento militar minucioso russo dificultou defesa ucraniana; leia análise
Nas primeiras horas da invasão à Ucrânia, a Rússia fez uma grande exibição de seu moderno e amplo poderio militar, no qual ela vem investindo pesadamente há alguns anos

Roberto Godoy, O Estado de S.Paulo, 24 de fevereiro de 2022

Fazia um frio de 2 graus em Kiev quando o primeiro fogo veio do céu, na madrugada desta quinta-feira (hora local) - um míssil russo de precisão, provavelmente da classe Kalibr, com ogiva de meia tonelada de explosivos, caiu sobre o prédio do comando conjunto das forças armadas da Ucrânia, na periferia da capital, às 2h37. Era só o começo.

O show sinistro do clarão do bombardeio noturno estava acontecendo em muitos outros pontos do país sob ataque. O quadro de situação é ainda nebuloso, mas instalações da infraestrutura ucraniana foram atingidas em Donetsk, Luhansk, sedes das repúblicas reconhecidas dias antes por Vladimir Putin, e em ao menos dez outras cidades. Tropas apoiadas por blindados de infantaria rodavam pela região leste com a cobertura de helicópteros artilhados. Nos polos marítimos de Odessa e Mariupol, fuzileiros teriam desembarcado com a missão de assumir o controle -- ou destruir -- as instalações portuárias.

 
Tanques russos se movimentam na região de Rostov, na fronteira com a Ucrânia  Foto: YURI KOCHETKOV/EFE

Doze horas depois, as noticias da invasão da Ucrânia eram as piores possíveis. No período, tudo deu certo para a força expedicionária da Rússia, o que significava que os objetivos dos ataques -- a infraestrutura militar -- tinha sido atingida. Com ela, usinas de energia, sistemas viários de grande porte, alguns perto de Kiev, que fazem a ligação com o distrito industrial.

Nas primeiras horas da invasão à Ucrânia, a Rússia fez uma grande exibição de seu moderno e amplo poderio militar, no qual ela vem investindo pesadamente há alguns anos. Fotografado e registrado por satélites, o aparato mobilizado expôs também uma escancarada falha da inteligência da Otan, dos Estados Unidos e da Europa. Se sabiam de algo, não tomaram providência.  
Para conseguir levar a cabo a operação que está se desdobrando na Ucrânia, a Rússia precisou de pelo menos dois anos para organizar tudo. Enquanto isso, os alarmes parecem ter começado a soar (pelo menos publicamente) apenas quando as tropas começaram a se acumular na fronteira entre os dois países.

Para que os quase 200 mil militares fossem mandadas para o terreno, ou seja, se instalassem às portas da Ucrânia e ficassem em prontidão, foi necessário preparar a área para eles. Foram redes de abastecimento, de retirada e suporte médico para feridos na frente de batalha e infraestrutura de transporte adequada para a mobilização das tropas.  
Rússia realiza invasão de larga escala Ação russa por mar, ar e terra é o maior ataque de um Estado contra outro na Europa desde a 2ª Guerra

 

Esse grande efetivo mobilizado foi dividido em linhas de atuação. Uma delas é a linha vermelha, de contato, que fica na fronteira da Rússia com a Ucrânia. Para essa linha vermelha, Moscou deslocou 120 mil combatentes que, sozinhos, já formam um exército gigantesco. E eles não estavam sozinhos. O contingente foi reforçado com equipamentos como tanques, canhões, lança-mísseis, veículos de transporte de tropa, blindados de infantaria. Um destaque foram pesos-pesados tanques do tipo T-72C e T-90, que chegam a ter entre 40 e 45 toneladas, com canhões enormes de 125 mm e sistemas avançados. Em exercícios na neve, esses tanques chegaram a fazer 100 km/h.

Há também uma linha amarela, com mais 52 mil combatentes, de retaguarda. Há duas semanas, uma linha verde, outra de retaguarda, que precisa de 24 horas para ser mobilizada, foi formada pelo pessoal que atuou nos exercícios conjuntos na Belarus. Foram pelo menos dois anos para preparar totalmente essa estrutura. O objetivo é claro, dito várias vezes, mas também vago: a desmilitarização da Ucrânia. Como ele será alcançado é que ninguém sabe exatamente. Entre o amanhecer e o entardecer na Ucrânia, a Rússia colocou em campo sua forte aviação composta por caças bombardeiros SU-24, grandes supersônicos especializados no ataque ao solo. Normalmente utilizados em apoio à infantaria, começaram a surgir em cena os helicópteros artilhados, conhecidos como tanques voadores pelos russos, que podem levar mísseis e foguetes. 

Entenda a crise entre Rússia e Otan na Ucrânia

Um diferencial na campanha tem sido o míssil terra-terra, de alta precisão, que tem como característica capacidade de cobrir distâncias de até 1,3 mil km e levar ogivas de até meia tonelada, além de serem muito precisos. Se somam ao armamento os mísseis da família Kalibr, de cruzeiro, que podem ser lançados de navios ou de lançadores em terra, e o míssil tático Iskander, usado contra pontos bem específicos.

Na cartela russa de opções bélicas, um dos mais recorrentes é o foguete BM-30 Tornado, de 300 mm, que pode cobrir distâncias de até 90 km. Cada rampa utilizada no lançamento pode disparar até 12 desses foguetes de uma vez, normalmente contra alvos grandes e concentração de tropas. Ele passou a ser visto desde a manhã desta quinta-feira, na região de Karkiv, centro industrial importante.

Se o investimento foi grande no equipamento, a força humana não ficou para trás. Há cerca de dez anos, o governo russo passou a investir em um programa de qualificação de suas forças armadas. Ele diminuiu a força de cerca de 1,3 milhão de combatentes, entre homens e mulheres, para cerca de 900 mil. Mas a qualidade aumentou.  

O serviço militar obrigatório é de um ano, mas o alistado recebe uma proposta para permanecer mais dois, por contrato. Depois de passar por uma seleção rigorosa, a carreira é atraente e com bons soldos, equivalente aos de um soldado da Otan. Um salário inicial de um soldado russo fica entre R$ 13 mil e R$ 15 mil. A carreira passou a ser atrativa. À medida que se aperfeiçoa com cursos e especializações, o soldado aumenta também seu salário. 

Presença russa, Kremlin apoia militarmente regiões de maioria russa em antigos países da URSS
Províncias em disputa. Regiões separatistas russas nas antigas república soviéticas


Para reforçar o poderio de combate dessas tropas, há um novo modelo de fuzil. Claro que eles têm o clássico AK-47, mas passaram também a adotar o AK-12, calibre 5.45mm, muito preciso com seus sistemas a laser para melhorar eficiência do tiro. Gradualmente, ele está substituindo o AK-47.

Olhando para o futuro, mas apoiado por uma doutrina do passado, no último fim de semana, Putin comandou exercícios com equipamentos militares, dentro da Tríade Nuclear, desenvolvida na Guerra Fria. São mísseis intercontinentais, de longuíssimo alcance, lançados a partir de silos subterrâneos, de submarinos submersos e de aviões. E tudo funcionou bem.

Mas um dos testes chamou a atenção. A bordo de um caça Mig-31 estava um míssil de hipervelocidade Zircon. Segundo o Ministério da Defesa russo, ele voa até 11 mil km/h. O Mig-31, por sua vez, pode voar até 3 mil km/h. A questão é que, voando a essa velocidade e disparando de águas internacionais a cerca 300 km de um país inimigo, por exemplo, não há nenhum recurso capaz de interceptar esse míssil, uma vez disparado. Nos testes com um disparo do Zircon ele funcionou muito bem.

Mais de 1,7 mil manifestantes contra a guerra na Ucrânia são presos na Rússia

 Prisões aconteceram em 51 cidades, informa organização não-governamental russa; protestos aconteceram mesmo depois das autoridades ameaçarem reprimir os manifestantes

Redação, O Estado de S.Paulo, 25 de fevereiro de 2022 | 00h08

Mais de 1,7 mil pessoas foram presas na Rússia nesta quinta-feira, 24, em 51 cidades, durante protestos contra a invasão russa da Ucrânia, segundo informações do The New York Times e do OVD-Info, organização não-governamental russa. O ataque foi iniciado na madrugada pelo presidente russo, Vladimir Putin.

Protestos foram registrados em lugares como Moscou, São Petersburgo, a antiga capital imperial, e também na Sibéria. Mais cedo, as autoridades russas advertiram que iriam reprimir qualquer manifestação "não autorizada". Apesar dos avisos, milhares de russos foram à ruas cantando 'Não à guerra' e balançando bandeiras russas, segundo imagens vistas nas redes sociais.

 
Em Moscou, mesmo após as ameaças de autoridades, manifestantes se reuniram contra a invasão da Ucrânia. Foto: Evgenia Novozhenina/Reuters - 24/2/2022

"Fui detida ao sair de casa", escreveu Marina Litvinovich, uma ativista de Moscou, no Telegram depois de convocar os cidadãos russos para a manifestação por meio de um post no Facebook. "Vamos limpar essa bagunça nos próximos anos. Nem mesmo nós. Mas nossos filhos e netos", disse ela ao anunciar o protesto. "Tudo o que vemos é a agonia de um moribundo. Infelizmente, a Rússia está em agonia". Além dela, o diretor de teatro Yevgeny Berkovich também foi preso.

Em atos cautelosos - porém, incomuns -, estrelas pop russas, jornalistas, um comediante de televisão e um jogador de futebol se também opuseram ao confronto pela internet. Ivan Urgant, um dos comediantes de televisão mais famosos da Rússia, escreveu em sua conta no Instagram: "Medo e dor. NÃO À GUERRA".

Maxim Galkin, apresentador de televisão e cantor, disse: "Estou em contato com meus parentes e amigos da Ucrânia desde manhã! Não posso explicar em palavras o que sinto! Como isso é possível! Nenhuma guerra pode ser justificada! Não à guerra!".

 
Manifestante é presa por policiais russos em Moscou, durante protesto contra a invasão da Ucrânia. Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP - 24/2/2022

Mais discretas, outras celebridades russas postaram uma foto em preto e branco no Instagram para expressar oposição.

O regulador de telecomunicações da Rússia alertou as organizações de mídia nesta quinta para não divulgar o que descreveu como "informações falsas" sobre a enorme operação militar de Moscou contra a Ucrânia e ameaçou bloquear conteúdo ofensivo. O governo também informou que apenas as informações vindas de órgãos oficiais eram confiáveis. /REUTERS, THE NEW YORK TIMES, AFP E EFE

MAIS DE DOIS MIL PRESOS NA RÚSSIA NO PROTESTO CONTRA A GUERRA

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

O Poderoso Chefão

'O Poderoso Chefão', aos 50 anos, é o monumento de Francis Ford Coppola. Clássico que retorna aos cinemas em cópia remasterizada teve produção turbulenta, mas segue impecável, sem tirar nem pôr 

Inácio Araujo, FSP, 23/02/2022

Hoje parece simples, mas quem viu a cena há 50 anos, em 1972, quase pulou da poltrona e jamais esqueceu: após os primeiros créditos de "O Poderoso Chefão", a tela ficava escura; e dela, como se viesse de muito longe, saía uma voz: "Eu acredito na América", dizia. "Mas o que é isso?" —as pessoas podiam perguntar. Não bastasse começar com a tela escura, vinha essa frase.

E quem, naquele momento, acreditava na América —ou seja, nos Estados Unidos? Ninguém. Nem quem fingia acreditar. Os EUA se afundavam agonicamente na Guerra do Vietnã, os caixões chegavam aos montes com pracinhas mortos, os protestos estavam em toda parte. Mas essa era a pergunta lançada direto em nossa cara. Coppola levava a ironia a sério.

Aos poucos surgia um ator falando diretamente para a câmera, contando sua história. A câmera se afastava bem lentamente e, de costas, via-se o vulto que todos esperavam ver: Marlon Brando, ou Vito Corleone. Esse início já anunciava o que viria ser o maior clássico do cinema da moderna Hollywood. Um filme clássico, dizem. Mas nem tanto. Com essa abertura, não se pode ser de todo clássico. E depois meia hora de uma festa de casamento servindo como exposição e introdução ao drama que viria a seguir.

Terminada a festa em Nova York, o filme se desloca inesperadamente a Hollywood, para uma sequência intermediária — mas não menos antológica do que tudo que veio antes. É quando conhecemos pessoalmente os métodos brutais do afável Vito Corleone. Pouco depois, um lance nos remete ao Hitchcock de "Psicose": um atentado deixa don Vito prostrado no chão. Mas, ao contrário de Janet Leigh em "Psicose", Vito não morreu. Em compensação, sua quase morte é o pretexto para que a figura de seu filho Michael comece a se sobressair, a transformar-se do rapaz de bem que era no "capo" mais implacável que já se viu no cinema.

E por aí segue o filme. Remasterizado —como retorna aos cinemas nesta quinta (24)— ou não, imperdível. Nenhuma cena para cortar ou acrescentar, nenhum fotograma a tirar, nada. E, no entanto, quando vemos, parece que tudo correu num mar de rosas. Longe disso.


O Poderoso Chefão | Especial 50 anos |
vídeo


Coppola brigou metro a metro com a Paramount. Para ter um elenco de desconhecidos, comandado por um iniciante como Al Pacino e um porra-louca como Marlon Brando. Para que o filme se passasse na Nova York do pós-guerra e não em Kansas City, 1970. Parece óbvio: tratava-se de contrastar o momento de triunfo maior dos EUA, a segunda metade dos anos 1940, com sua maior crise, o Vietnã — e com ele a rebeldia feminista, a sublevação dos negros et cetera.

A Paramount levava mais fé na trama de Mario Puzo do que no quase iniciante Coppola. Mas alguma fé levava, a julgar pela piada que fez circular. Numa reunião de produção, alguém lembrou que filmes de gangster não faziam sucesso desde a década de 1940. "Desta vez será diferente", objetou alguém. "O filme vai ser feito por um italiano de Nova York, não por um judeu de Los Angeles".

A confiança nos italianos não era incondicional. Tanto que Coppola teve que dirigir parte do filme com um outro diretor colado nele o tempo todo: caso o estúdio o demitisse, o outro diretor já saberia em que ponto estavam as coisas. E tanto que Coppola teve que enfiar Al Pacino goela abaixo do estúdio, que queria James Caan —o explosivo Sonny, o irmão mais velho de Michael. Demorou até que se convencessem de que tinham um grande ator —e sobretudo o ator certo— no papel.

Os problemas não pararam por aí. Por incrível que pareça, Coppola esteve todo o tempo às turras com seu fotógrafo, Gordon Willis. O tempo demonstraria que Willis era o fotógrafo certo: à exuberância incontível do diretor, ele opunha a discrição de uma luz subexposta. Houve quem reclamasse que não se via nem mesmo os olhos de Marlon Brando. Gordon Willis não se apertava: "Nos quadros de Rembrandt também não".


 
O diretor Francis Ford Copolla dirige os atores Robert Durvall (à esq.) e Marlon Brandon (à dir.), durante gravações do filme 'O Poderoso Chefão' - Reprodução
 

Finda a briga, todos sabiam que tinham uma obra-prima em mãos. Não podiam imaginar que fosse durar tanto tempo: a visão a um tempo romântica da máfia comandada por um senhor bonachão completava-se pela violência bárbara que o espírito familiar justificava. Éramos nós contra o mundo. Nós, a família, nós os sicilianos de Nova York. Se a América —os EUA— se desmantelava, a família tinha que permanecer unida contra tudo.

O filme e seu sucesso elevaram Coppola instantaneamente a líder, a chefão de uma geração que tinha Brian De Palma, Martin Scorsese, George Lucas, Steven Spielberg, entre tantos outros cineastas de primeira linha. Talvez o sucesso tenha lhe subido à cabeça, é verdade. Julgando que podia tudo, depois do forte "A Conversação" e da impecável sequência "O Poderoso Chefão 2", se deu mal na complicada produção de "Apocalipse Now". Para completar, a distribuidora impôs uma montagem desastrosa —de que o filme só se recuperaria na versão "Redux".

Coppola afundou-se em dívidas, faliu, reergueu-se, tornou-se produtor de vinhos, fez um monte de filmes ignorados — por vezes muito bons, como "Tucker", em 1988, ou "Tetro", de 2009. Embora a maior parte deles fosse fraca mesmo, nunca lhes faltou ousadia, como se a cada vez precisasse sacudir a poeira do academismo. De todos os fracassos (ou incompreensões), o que mais lhe tenha magoado terá sido "O Poderoso Chefão 3", de 1990. Não só por ser o final da saga iniciada 18 anos. Não só por ser o momento em que o drama de Michael Corleone se revelava como tragédia. Mas, sobretudo, porque os críticos atacaram a atuação de sua filha, Sofia.

Quando querem te atingir, atacam sua família, disse ele, magoado. Sim, o espírito de família continuava acima de tudo. Ninguém, fora Francis Ford Coppola, teria feito de "O Poderoso Chefão" o monumento que ele fez.


O ecossistema do crime ambiental na Amazônia

As raízes econômicas da destruição da Amazônia. Desmatamento contribui tanto para a tragédia em Petrópolis (RJ) quanto para a seca que afeta o agronegócio

Ilona Szabó de Carvalho, FSP, 22/02/2022

O ritmo alarmante do desmatamento da Amazônia  vem sendo alimentado por um verdadeiro ecossistema de economias ilícitas, no qual diversas atividades financiam a destruição da floresta e vice-versa. O desmatamento e a degradação da floresta amazônica comprometem o futuro e o bem-estar das próximas gerações e prejudicam o meio ambiente e a regulação do clima em escala planetária.

 
Fiscais do IPAAM (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), escoltados por policiais militares, vistoriam área de desmatamento no sul do Amazonas - Lalo de Almeida - 20.ago.2020/Folhapress

Entre outros aspectos, a Amazônia influencia decisivamente o regime de chuvas no país  e sua cobertura verde tem relação com a intensidade e frequência delas. Em última instância, o desmatamento da floresta contribui tanto para a tragédia em Petrópolis (RJ) quanto para a seca que afeta o agronegócio, além das tempestades de areia no interior de São Paulo, que vimos no ano passado. As áreas mais vulneráveis às consequências de eventos extremos do clima são as mais pobres, no Brasil e no mundo.

Buscando compreender os motores da destruição da floresta, um novo estudo do Instituto Igarapé
mostra um panorama inédito do ecossistema da criminalidade ambiental na Amazônia, onde os crimes que impulsionam a destruição da floresta estão se tornando mais complexos, interconectados e violentos, à medida que o Estado se ausenta da região e estimula atividades predatórias. Dados analisados de 369 operações da Polícia Federal (PF), entre 2016 e 2021, confirmam que o desmatamento é apenas a ponta visível por satélite de algo maior que vem ocorrendo na Amazônia.

Isso porque a destruição da floresta vem a reboque de atividades econômicas ilícitas ou contaminadas com ilicitudes. Mineração ilegal de ouro, extração ilegal de madeira, grilagem de terras públicas e a parcela da agropecuária com passivos ambientais se entrelaçam nos diferentes territórios amazônicos e contribuem para a escalada do desmatamento ilegal e da degradação da floresta.

Além disso, o crime ambiental não acontece sozinho. As investigações da PF apontam a existência de fraudes, crimes financeiros e tributários, tráfico de drogas, poluição e outras ilicitudes diretamente atrelados à devastação do bioma amazônico. Os crimes violentos contra a pessoa, trabalho escravo, posse de armas, munições e explosivos estão cada vez mais comuns e hoje aparecem em quase um terço das operações da PF na região. Investigações por corrupção e lavagem de dinheiro ocorreram em um quinto das ações analisadas, revelando uma criminalidade ambiental organizada.

Fica cada vez mais claro que o descaso do governo com a Amazônia não só ajuda a acelerar as mudanças climáticas como também aumenta a insegurança no país. O descontrole estatal incentiva a ampliação do crime e a entrada de novos grupos criminosos em uma das regiões mais importantes para o clima do planeta.

Portanto, o enfrentamento ao crime ambiental e crimes conexos precisa ser prioridade do governo federal e dos governos estaduais da Amazônia Legal para que o Brasil possa se tornar uma potência econômica florestal. Somente com a garantia da segurança pública e jurídica, do cumprimento das leis e dos acordos internacionais, nosso país se beneficiará do enorme potencial de serviços ambientais e das soluções baseadas na natureza que pode oferecer ao mundo.

O nexo entre segurança e clima é cada vez mais complexo. Além de superar desafios de governança, coordenação estratégica e de inteligência para inibir a prática de crimes, responsabilizando os atores envolvidos com os ilícitos, é vital priorizar o desenvolvimento e a inclusão socioeconômica da população da região, evitando a criminalização do "peixe-pequeno" e garantindo a manutenção da floresta de pé. Só assim conseguiremos arrancar esse mal pela raiz.

O ECOSSISTEMA DO CRIME AMBIENTAL NA AMAZÔNIA: uma análise das economias ilícitas da floresta
 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Os motoqueiros na tragédia de Petrópolis

e "Tentei salvar meu pai, meus cães e minha tese de doutorado em Petrópolis"

Motoqueiros formam exército para chegar aos morros mais atingidos em Petrópolis

Voluntários levam alimentos, roupas e produtos de higiene a locais sem acesso de carros 

Júlia Barbon, Eduardo Anizelli e Orlando de Souza, 21/02/2022, FSP

Petrópolis (RJ) O som dos motores e escapamentos se junta ao das sirenes nas ruas de Petrópolis, no Rio de Janeiro. São as centenas de motoqueiros que formaram uma espécie de exército, levando e trazendo doações aos lugares que carros e caminhões não alcançam.

Percebendo que esse seria o único jeito de ultrapassar as barreiras de terra e o asfalto coberto de lama, quem tinha moto vestiu capacete e bota e foi ajudar. Uma chuva histórica arrasou a cidade imperial na última terça (15), deixando ao menos 181 mortos e 104 desaparecidos. Muitos usam a experiência que já tinham como motoboys, alguns emprestam os veículos que têm parados na garagem aos amigos, e outros organizam pontos de apoio para além daqueles montados pela prefeitura ou por igrejas, que abrigam mais de 800 pessoas.

Motoqueiros com mantimentos sobem a rua Sargento Boening, próximo ao bairro Chácara Flora, em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

"É um trabalho muito difícil porque a mochila fica muito pesada, é muito estressante. Mas muito gratificante também. Você chega e as pessoas agradecem e falam: vocês são heróis. Na sexta, um rapaz me abraçou e chorou", diz o motoboy Igor Gomes, 28. Foi levar remédios controlados e buscar soro na paróquia Santo Antônio, onde o fluxo de motoqueiros foi tão grande nos primeiros dias que o padre resolveu criar um cadastro com nome e placa, para evitar os poucos que se aproveitavam para pegar as doações e depois vender. A lista já tem cerca de 50.

Juntam-se também aqueles que já costumavam fazer trilhas ou motocross como hobby, com máquinas ainda mais preparadas para subir morros e conhecimento dos atalhos locais, e os que vieram de outros municípios, como Rio de Janeiro, Nova Friburgo e Teresópolis. Luís Rodrigues de Oliveira, 44, é um deles. Trabalhando com transporte na capital fluminense há anos, formou um comboio com cerca de 40 motos e 10 carros que percorreu os 72 quilômetros entre as cidades para levar água, alimento e roupas no último sábado (19).

"Muitos clientes meus doaram", diz ele. "Agora estamos para ir de novo, as pessoas estão precisando mais de roupa íntima, calcinha, cueca, sutiã, absorvente e material de limpeza. Estou vendo se conseguimos comprar para levar", diz ele.

O gerente comercial João Luis de Oliveira, 44, é um dos motoqueiros que se mobilizaram para ajudar no transporte de cestas básicas, água e roupas em lugares de difícil acesso em Petrópolis - Eduardo Anizelli/Folhapress

O gerente comercial João Luis de Oliveira, 44, estacionava a sua moto vermelha e branca estampada com seu nome numa esquina de Alto da Serra nesta segunda (21). "Todo mundo da trilha está ajudando, ontem eram uns 15. Vamos compartilhando a localização no WhatsApp", conta. A moto pesa 105 kg –65 kg a menos do que a sua convencional, usada pelo colega ao lado — e tem pneus especiais. Um deles chegou a furar em um dos trajetos, mas deu tempo de voltar à cidade e colar. "Essa sobe em qualquer lugar", diz.

Quem não tem dinheiro também tem contado com a ajuda dos borracheiros da cidade, que abrem uma exceção para os voluntários. "Tem que ajudar, não tem jeito. Não sabemos quando vamos precisar também, né?", diz José Erivelto, 63, o "Doidinho" da Doidinho Pneus e Rodas. As cerca de cinco motos que apareciam diariamente por ali subiram para 20 depois da tragédia. Normalmente, precisam colar pneu furado e esticar a correia para limpar a lama e passar óleo. "Está fora do comum o número que tem vindo aqui", espanta-se Antônio Carvalho, 43.

O motoboy Igor Gomes, 28, no bairro Chácara Flora, em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, onde forte chuva na última terça-feira (15/02/2022) deixou vários mortos e desabrigados. Eduardo Anizelli / Folhapress

Eles também contam com ajuda para encher o tanque, que normalmente sai por cerca de R$ 90 ou R$ 100. Alguns postos fornecem R$ 15 de combustível, por exemplo. Um estudante de 17 anos e seus amigos conseguiram uma doação inusitada. O jovem, que ainda não tem habilitação, mas já pilota, diz que um colega seu que joga videogame contou para um adversário chinês o que havia acontecido na cidade. Direto da China, o amigo virtual mandou uma transferência de R$ 300 para abastecer as motos.

Ele começa de manhã, umas 10h, e só para à noite. Consegue colocar 20 quentinhas por viagem dentro da mochila, em pilhas de cinco. Só pretende parar quando as aulas no primeiro ano do ensino médio voltarem, depois do Carnaval, porque foram interrompidas pela tragédia. A alguns quilômetros dali, em Alto da Serra, o advogado Daniel Vasconcelos, 28, transformou seu escritório numa base de arrecadação, distribuição e apoio para os motoqueiros, com banheiro, lanche, cafezinho, guaraná Guaravita e água gelada.

No dia da chuva, quando ainda não havia bombeiros equipados, ele conta que tirou uma barreira e amarrou uma corda para facilitar o acesso de uma rua por cima de um carro. Colocaram tábua, portão e tampa de caixa d’água para os moradores conseguirem passar. Depois dormiu duas horas e pensou em como poderia ajudar, percebendo que as motos seriam a melhor opção para circular. Chegou a ralar a perna toda ao cair da garupa de um amigo, que derrapou na lama enquanto carregava mantas e mochilas.

"Aqui é o olho do furação", diz ele, numa ladeira que fica entre alguns dos lugares com mais deslizamentos, como o Morro da Oficina, Sargento Boening e Vila Felipe, dando play no áudio de uma mulher que agradecia a entrega de fraldas e leite porque não podia sair de casa com duas crianças e a sogra com deficiência visual.






Nesta segunda, com muitas passagens sendo liberadas para o acesso a carros, o fluxo de motoqueiros já diminuiu um pouco. As doações também já se acumulam demais em alguns pontos, e os voluntários tentam distribuir para áreas com mais necessidade. No estoque abarrotado de garrafas d’água e quilos de arroz numa casa na Chácara Flora, o empresário e voluntário Robson Luis Samagaio, 47, afirma que algumas comidas começam a estragar. "Tem gente para quem eu dei sete cestas básicas", conta.

Ele agradece que tantos motoqueiros tenham vindo ajudar. "Nos dias normais, a gente costuma se irritar, reclamar deles no trânsito, mas quando acontece alguma coisa assim a humanidade prevalece", diz. De acordo com a Secretaria Municipal de Assistência Social, os itens que chegaram em menor quantidade à central de arrecadação são absorventes, roupa íntima nova (infantil, feminina e masculina), fralda geriátrica, desodorante, máscaras de proteção individual, álcool 70° INPM (líquido e em gel), luvas descartáveis, sacos de lixo e travesseiros.

Livraria perde milhares de exemplares após chuvas em Petrópolis vídeo

 

Tentei salvar meu pai, meus cães e minha tese de doutorado em Petrópolis 

Astrônoma Geisa Ponte visitava o pai quando a chuva subiu um metro em 20 minutos 

Sabine Righetti, 21/02/2022, FSP

 
A astrônoma Geisa Ponte, na casa de seu pai em Petrópolis; ela visitava o pai quando a chuva que abalou Petrópolis chegou na casa da família - Eduardo Anizelli/Folhapress

Perdi também minha coleção de lápis de cor de aquarela, da minha infância, que tinha planejado levar para São Paulo, onde passo a maior parte do tempo por causa do doutorado, para voltar a pintar. Os lápis literalmente se derreteram com a água. 

E estamos aqui limpando a casa do meu pai depois de uma enchente. Tenho muito orgulho da minha origem humilde, das minhas raízes e de onde vim. E ainda assim não consigo parar de pensar: como é difícil viver no Brasil.

Petrópolis (RJ) A astrônoma Geisa Ponte, 36, visitava o pai quando a chuva que abalou Petrópolis chegou na casa da família na última terça (15). Em cerca de 20 minutos, a água já passava de um metro. Foi o tempo que ela teve para tirar o pai e os cachorros de casa —e de correr para o alto de uma escada no vizinho da frente.

Não houve nenhum tipo de alerta oficial sobre a chuva forte e o risco de enchente. A família de Ponte perdeu tudo — com exceção da casa, que segue em pé (ainda que sem um dos muros laterais). Na correria, ela tinha uma preocupação extra: salvar também a tese de doutorado em astrofísica em andamento na USP.

Eu tinha acabado de tirar minhas roupas do varal. Lavei tudo porque as roupas ficaram dois anos guardadas dentro do armário — o tempo em que fiquei em São Paulo sem conseguir visitar meu pai em Petrópolis por causa da pandemia. No final do ano passado, consegui vir para cá e fui ficando na casa dele, já que estou trabalhando de casa. Ainda bem que estava aqui. Naquela terça à noite, eu estava no meu quarto onde cresci, dobrando as roupas — que estavam cheirosinhas —, quando meu irmão me mandou uma mensagem. Ele também mora em Petrópolis e disse que tinha chovido muito forte na casa dele. Estava preocupado.

A casa da minha família fica numa região baixa de um morro e perto de um rio, então chuva forte sempre foi motivo de alerta. Mas em 40 anos, desde que meu pai [76 anos] construiu a casa, nada disso tinha acontecido. Resolvi me prevenir. Se entrar água em casa, pensei, é melhor que as coisas estejam em lugares altos. Coloquei toda a minha roupa limpa, que eu estava dobrando, em cima da minha escrivaninha. Não vai chegar até essa altura, pensei.

Para cima do guarda-roupa foi o meu ventilador, que tenho desde que eu era criança. É um ventilador de metal, tem uns 30 anos, bem retrô, do qual tinha maior ciúmes. Parece estranho falar assim de um ventilador, mas eu gostava muito dele. Para a mochila foram documentos, remédios e o computador de trabalho e estudo.

No computador está minha pesquisa de doutorado em andamento no Departamento de Astronomia do IAG-USP — e todos os programas que utilizo. Tudo configurado para o meu trabalho, que tem foco em estrelas de tipo solar. Recentemente, tenho analisado a composição química dessas estrelas por meio de dados de espectroscopia [estudo da interação entre luz e matéria]. É um trabalho bastante intenso, que faço com bolsa da Capes [agência ligada ao MEC].

Quando vi a água entrando na casa, disse para o meu pai que precisávamos sair. Ele foi muito resistente e chegamos a discutir. Em mais ou menos 20 minutos a água já passava de um metro de altura. Os vizinhos do outro lado da rua começaram a gritar desesperados que tínhamos de sair. Foi o tempo de pegar meu pai e seis cachorros —uma eu não consegui levar comigo— e de subir em uma escadaria de acesso ao morro que fica na frente da casa, de onde vimos a água na nossa casa chegando cada vez mais alto. De lá, sentada no chão, encharcada e com frio, escrevi nas minhas redes sociais: "perdemos tudo, tudo."

Na escada, meu pai só falava na cachorra, a Cacau, que ficou para trás. E chorava muito. Depois de um tempo, alguém nos disse que tinha a visto em cima de um tronco, que talvez fosse ela, algo assim, que ela poderia estar viva. De fato, ela sobreviveu. Mas está muito traumatizada.

É difícil imaginar que a fuga de uma casa que está enchendo de água da chuva envolve esse tipo de coisa: convencer um pai idoso a deixar tudo para trás, levar com você sete cachorros. E as coisas acontecem muito rápido. A correnteza tinha muita força e a gente não sabia o que havia naquela água. A qualquer momento você pode ser atingido por um sofá, um tronco, um muro. O nosso muro, que faz divisa com a casa vizinha, caiu com a força da água.

Na correria da saída de casa, cheguei a pensar que iria morrer. Meu pé prendeu no portão de casa que havia desabado no chão virando uma armadilha e eu não conseguia me soltar. Eu estava carregando os cachorros, alguns deles sem coleira. Não sei exatamente como consegui correr. Depois pensei: se meu irmão conseguiu me avisar da chuva forte que se aproximava, por que o poder público não fez a mesma coisa? Não houve nenhum alerta, nenhuma sirene, nada. Não há nenhum tipo de preparo ou de orientação sobre como a população deve agir em caso de enchente. E se meu pai estivesse sozinho em casa com os cachorros?

Quando a chuva parou, a água ainda levou umas duas horas para baixar. A casa do meu pai tem bastante jardim, mas é como se a terra não desse conta de absorver tanta água e lama. Entramos em casa sem acreditar no que estávamos vendo. Tínhamos perdido tudo. Toda a minha roupa recentemente lavada —que eu estava dobrando— virou um bloco enlameado. E meu armário, aquele no qual protegi meu ventilador na parte de cima, desabou completamente por causa da água. Virou um papel.

Perdi também minha coleção de lápis de cor de aquarela, da minha infância, que tinha planejado levar para São Paulo, onde passo a maior parte do tempo por causa do doutorado, para voltar a pintar. Os lápis literalmente se derreteram com a água. Tinha taco que se soltou do piso da sala dentro do vaso sanitário. Perdemos sofá, fogão, a TV que eu tinha acabado de dar para o meu pai, financiada em 12 parcelas. Ele adora assistir TV.

Naquela noite, dormimos exaustos em cima dos colchões encharcados. E, desde então, estamos trabalhando para limpar a casa. Temos recebido a visita de muitos voluntários, que trazem cesta básica, produtos de higiene, água potável e marmitas — o que é bem importante porque, sem fogão, não dá para fazer e nem esquentar comida. Tem gente que passa aqui todas as manhãs com café. Gente que nunca vi e nem sei o nome. Mas nunca veio ninguém do poder público.

Tenho sentido muito enjoo e há temor de leptospirose, um risco em caso de enchente. Também não consegui tomar vacina antitetânica, então estou acompanhando eventuais sintomas enquanto limpo os estragos na casa do meu pai.

Eu sou cientista e sei que essa situação toda só tende a se agravar. Precisamos ter políticas públicas, mas sei que isso não vai acontecer. O que posso fazer, então, é tentar tirar meu pai da casa dele e colocá-lo em um lugar mais seguro.

E estamos aqui limpando a casa do meu pai depois de uma enchente. Tenho muito orgulho da minha origem humilde, das minhas raízes e de onde vim. E ainda assim não consigo parar de pensar: como é difícil viver no Brasil.



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Perda de aprendizagem com a pandemia

94% dos alunos de 9º ano têm nível de aprendizado abaixo do adequado em matemática. Dados são de avaliação feita pela Prefeitura de SP para identificar perdas durante a pandemia

Isabela Palhares, 17/02/2022, FSP

Nas escolas municipais de São Paulo, 94% dos alunos do 9º ano do ensino fundamental estão com nível de aprendizado abaixo do adequado para a série em matemática. Entre os que estão no 6º ano, 85% não aprenderam o que era esperado.

Os dados são da Prova São Paulo, avaliação feita pela Secretaria Municipal de Educação, no fim do ano letivo de 2021. Os resultados mostram um aumento da defasagem dos estudantes em relação a 2019, última vez em que a prova havia sido aplicada. O aumento de alunos com aprendizado abaixo do esperado aconteceu em todas as áreas avaliadas: matemática, língua portuguesa e ciências naturais.

"É o efeito devastador da pandemia no aprendizado dos nossos alunos. Essa perda já tinha sido verificada em outros países e agora começamos a dimensionar o tamanho do problema que temos pela frente", diz Fernando Padula, secretário de Educação do município. O Brasil foi um dos países que ficou mais tempo com escolas fechadas

A avaliação identificou que, entre os alunos de 6º ano do ensino fundamental, 36% tinham conhecimento abaixo do básico, e 39%, no nível básico em língua portuguesa. Esses dois níveis são considerados abaixo do adequado para a série, totalizando 75% dos estudantes nessa série. Não alcançar os resultados esperados para essa etapa significa que o aluno terminou o 6º ano sem conseguir identificar a ideia central de um texto simples ou sem saber analisar informações em gráficos e tabelas.

Apenas 23% dos alunos alcançaram o nível considerado adequado em língua portuguesa e 2% com conhecimento avançado.

O número de alunos com conhecimento abaixo do adequado em matemática no 6º ano é ainda maior. Os resultados mostram que 51% tinham aprendizado abaixo do nível básico, e 34%, no nível básico, somando 85%. Esses estudantes não conseguem, por exemplo, solucionar problemas simples que envolvam uma das quatro operações fundamentais: adição, subtração, divisão e multiplicação.

Apenas 13% atingiram o patamar adequado e 2% estão com conhecimento avançado em matemática. Em ciências naturais, 85% dos alunos do 6º ano também estão nos dois níveis considerados abaixo do adequado para a série.
9º ano

Os resultados do 9º ano mostram índices ainda maiores de alunos com grave defasagem. Apenas 10% conseguiram aprender o que é considerado adequado em língua portuguesa - os outros 90% estão com conhecimentos abaixo do nível básico ou básico.

Em matemática, só 6% atingiram o patamar adequado e 94% estão com conhecimento abaixo do esperado. São alunos que terminaram o ensino fundamental sem ter aprendido, por exemplo, como resolver problemas de probabilidade ou sem saber usar o teorema de Pitágoras.


A avaliação também foi feita com os estudantes do 3º ano, série em que encerram o ciclo de alfabetização, mas os dados ainda não foram computados pela secretaria. Dos cerca de 380 mil alunos das séries avaliadas, 71% fizeram a prova. Segundo Padula, os resultados vão ajudar a pasta a fortalecer programas de recuperação contínua do aprendizado dos alunos nos próximos anos, com foco especial na alfabetização mesmo para estudantes que estão em séries mais avançadas.

"Estamos pensando em criar turmas para aprimorar a alfabetização mesmo daqueles que estão em séries em que esse aprendizado já deveria ter acontecido", disse. As escolas poderão ofertar a recuperação no contra-turno, estão previstas de 4h a 10h semanais de aulas complementares para alunos com maior defasagem.

Os professores da rede municipal também receberão cursos de formação para que possam elaborar estratégias de ensino que levem em consideração o aumento da defasagem dos estudantes. Eles também receberão vídeos com opções de abordagens diferentes para os conteúdos que forem identificados como de maior dificuldade pelos estudantes. A partir deste ano, a secretaria vai ampliar a participação de estagiários dando apoio em sala de aula. Até o ano passado, eles só atuavam nas turmas de 1º e 2º ano do fundamental. Agora, também vão dar suporte ao 3º ano.

O secretário lembra que muitos desses estudantes ficaram quase dois anos sem frequentar as escolas, por isso, destaca que o início deste ano letivo presencial e obrigatório a todos é o primeiro passo para a recuperação do aprendizado. No ano passado, a prefeitura só autorizou as escolas municipais a voltarem a receber todos os alunos, ou seja, sem rodízio, no fim de outubro. Ainda assim, o retorno dos estudantes era facultativo.

Em outubro do ano passado, uma auditoria do TCM (Tribunal de Contas do Município) constatou que o município ainda não tinha adotado nenhuma ação eficiente para avaliar e entender o tamanho do prejuízo educacional dos estudantes. O tribunal também alertou para a baixa efetividade do programa de recuperação que foi feito em 2021, já que, dos mais de 400 mil alunos de 1º a 9º ano, pouco mais de 10 mil tinham se inscrito para receber o apoio, mas só compareceram de fato, em média, 1.407 por dia.

Para Mônica Gardelli, doutora em educação e currículo pela PUC-SP, os resultados da prova são uma constatação de que o ensino remoto não funcionou na cidade de São Paulo. Além do formato a distância ser menos eficaz para estudantes, a prefeitura ainda demorou para garantir que todos os estudantes tivessem acesso a equipamentos e internet para acompanhar as atividades online.


Não adianta ensinar uma fórmula matemática para um aluno que não aprendeu a somar ou multiplicar. Vai ser preciso voltar nesses dois anos para que eles possam avançar
Mônica Gardelli, doutora em educação e currículo pela PUC-SP

A prefeitura anunciou em agosto de 2020 que iria comprar tablets para todos os alunos, mas a maioria deles só recebeu o equipamento no segundo semestre de 2021, quando as aulas presenciais já tinham sido retomadas. "Desde o início da pandemia já se sabia que o ensino remoto tinha muitas deficiências e, mesmo assim, demoraram muito para tomar providências. Essas crianças ficaram muito tempo sem contato com os conteúdos escolares, elas não só deixaram de aprender como também podem ter esquecido o que sabiam e ainda não estava bem consolidado", diz Gardelli.

Ela destaca a importância de respostas rápidas neste ano para que as escolas foquem na recuperação desses aprendizados. Para isso, as escolas e os professores devem ter autonomia para adaptar o currículo escolar e o plano de aulas de acordo com o nível de conhecimento de seus alunos. Segundo Padula, as escolas já podem consultar seus resultados e individuais e terão ajuda de especialistas da secretaria para interpretar o que mostram os dados. A partir dessas informações podem criar seu próprio plano de ensino adequado à realidade dos seus estudantes.

"Não podemos seguir em frente com o que estava previsto, sem olhar para o que perderam. Não adianta ensinar uma fórmula matemática para um aluno que não aprendeu a somar ou multiplicar. Vai ser preciso voltar nesses dois anos para que eles possam avançar", diz.


domingo, 20 de fevereiro de 2022

Ouvir rádio

78% dos brasileiros ouvem rádio, aponta estudo da Kantar IBOPE Media 

Farcom

Companheiro que atravessa gerações, o rádio é um dos meios que mais se reinventou nas últimas décadas e segue emplacando a sua relevância na conversa com as pessoas e com as marcas. 78% dos brasileiros, de 13 regiões metropolitanas pesquisadas, ouvem rádio. E não é pouco. Desses, 3 em cada 5 escutam rádio todos os dias e passam 4 horas e 41 minutos diariamente consumindo o meio. É o que mostra a nova edição do estudo Inside Radio 2020, realizado pela Kantar IBOPE Media.


O meio atinge os perfis mais variados, a média de consumo entre as faixas etárias é alta e demonstra a capacidade do rádio de conversar com audiências de diferentes devices. Acessado em diferentes locais e equipamentos, 78% ouvem rádio em casa, 18% no carro e 3% no trabalho. O destaque está entre os que têm entre 20 a 49 anos, entre eles 83% escutaram rádio nos últimos 30 dias.

O tradicional aparelho de rádio não saiu de moda, já que 81% consome o meio por aparelho radiofônico, que também inclui o rádio do carro, mas a disputa com as outras plataformas se acirra: 23% dos ouvintes escutam o rádio pelo celular, 3% pelo computador, e 4% em outros equipamentos. “O espaço que outros devices estão ganhando, como smarthphones, tablets, notebooks e smart tvs, demonstram o crescimento do acesso ao rádio na web. 9% da população ouviu o meio pela internet nos últimos 30 dias. Passaram 2 horas e 55 minutos ligados no rádio e esse tempo médio aumentou em 15 minutos em relação ao ano passado”, explica Adriana Favaro, diretora de Desenvolvimento de Negócios da Kantar IBOPE Media. “Entre os ouvintes, 16% escutam rádio quando acessam a internet. Quando observamos o perfil social de quem acessa o rádio online, se destacam as classes AB, 64%, e os mais jovens”, completa Adriana.

Hiperconetados e ligados no radinho

O estudo revela que o relacionamento do público de rádio com as redes sociais tem conquistado cada vez mais espaço e ampliado a interação com a programação. Ao longo do 1º semestre de 2020 foram publicados mais de 3,5 milhões de tweets sobre rádio. Dentre essas postagens, quase 650 mil são de autores únicos, com mais de 987 milhões de impressões, cerca de 10 milhões de likes e 1,2 milhões de replies. 24% desses tweets contém algum formato de mídia, entre eles estão: URL’s (39%), fotos (35%) e vídeos (23%).

“Essa interação do público de rádio nas redes sociais evidencia a necessidade dos rádios, das agências de publicidade e dos anunciantes em monitorar e entender a performance dos programas, o que se comenta sobre o meio nessas plataformas, além de quais programas mais engajam os ouvintes. Compreender essa repercussão é mais um caminho para saber o que o público quer, de fato, ouvir”, afirma Adriana ao explicar o Kantar Social Media, nova ferramenta da Kantar IBOPE Media que permite o monitoramento em tempo real todo universo de conteúdo relacionado as rádios nas redes sociais.

O consumo de rádio se destaca durante a pandemia

Ao observar o consumo de rádio durante a pandemia nota-se que as pessoas seguem ouvindo o meio na mesma intensidade e para alguns isso aumentou. 75% afirmam ouvir rádio com a mesma intensidade e 17% disseram que após o isolamento social passaram a ouvir muito mais. Esse período levou ao aumento expressivo na geração de conversas nas redes sociais. O volume de tweets foi 77% maior na segunda quinzena de março em relação ao começo do mês, início do distanciamento social.

Publicidade no rádio

O rádio apresentou no 1ª semestre de 2020 um total de mais de 5200 anunciantes, distribuídos em mais de 6200 marcas. Desses, 2700 anunciantes são exclusivos, veiculando publicidade somente no meio. Para marcas exclusivas, esse número chega a 3093. Foram 2232 novos anunciantes no meio durante o período, ou seja, que não haviam feito publicidade em rádio no 1ª semestre de 2019. Para novas marcas, esse número chega a 2924.

Entre os diferentes setores que anunciam no meio, se destacam: Serviços ao Consumidor (30,5%), Comércio (27,9%) e Financeiro & Securitário (9,3%) que, juntos, concentram mais de 2/3 do investimento (68%). Ao analisarmos as maiores categorias de anunciantes nas praças monitoradas, Super, Hipermercados e Atacadistas (10,8%), Ensino Escolar & Universitário (7,2%), e Serviços de Saúde (6%) se destacam, mostrando a força do meio para as estratégias de mídia em diferentes segmentos.



Kantar IBOPE divulga pesquisa sobre rádio no Brasil, Sexta, 25 Setembro 2020  

O Kantar IBOPE Media divulgou, nesta quinta-feira (23), a pesquisa Inside Radio 2020, que reúne dados atualizados sobre o meio, como perfil e comportamento de ouvintes, novos formatos, entre outros temas. As informações colhidas reforçam a importância que o veículo consolidou durante a pandemia causada pelo novo coronavírus.

Entre os ouvintes de rádio, 75% afirmaram ouvir o meio com a mesma intensidade, ou até mais, em comparação com o período anterior à crise sanitária. Destes, 17% afirmaram ouvir muito mais rádio após o início do período de isolamento social.

O levantamento pesquisou 13 regiões metropolitanas e apontou que cerca de 78% de seus moradores escutam rádio. A cada cinco, três afirmaram ouvir alguma emissora diariamente.

A pandemia transformou também a rotina dos ouvintes e, consequentemente, revelou novos hábitos. Em comparação com o ano passado, por causa do isolamento social, a audiência registrada no trânsito caiu de 23 para 18%. Por outro lado, aumentou de 70 para 78% o percentual de ouvintes sintonizados a partir de casa

Embora haja um crescimento no acesso às emissoras por plataformas digitais, a grande maioria, cerca de 81%, ainda utiliza seu aparelho de rádio para acompanhar a programação. Para 23% da audiência, o acesso é via celular. Nos meios digitais, há prevalência de jovens das classes A e B.

Além de potencializar o alcance do rádio, essas plataformas também permitem repercutir o conteúdo veiculado pelas emissoras. Entre janeiro e junho deste ano, foram registrado 3,5 milhões de tweets sobre o meio. Entre a primeira e a última semana de março, houve aumento de 77% na quantidade de tweets relacionados ao rádio. Outras tendências como veiculação de podcast, streaming e realização de lives também foram analisadas no documento.

“A rotina mudou e o rádio também se transformou para continuar fazendo parte dela, seja em novos horários ou locais de consumo”, afirma a diretora do Kantar IBOPE Media no Brasil, Melissa Vogel.


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