sexta-feira, 30 de abril de 2021

Sexo tem idade?

Campanha inglesa causa polêmica ao celebrar o sexo na maturidade

Silvia Ruiz, Colunista do UOL, 30/04/2021

Esta semana postei no meu perfil no Instagram (me siga lá também @silviaruizmanga) as imagens que você vê nesta página com a seguinte pergunta: "Olhe bem para esta sequência de fotos e responda: como você se sente sobre essas imagens?"

Eu sabia que casais maduros nus em poses sensuais e em total intimidade é algo que a gente praticamente não vê por aí (coisa absolutamente corriqueira em campanhas de moda, videoclipes ou propagandas, sempre com pessoas jovens) e causaria um certo alvoroço.

Mas não imaginava que o incômodo seria tão grande. Entre muitos comentários positivos, vieram vários outros como: "Sinceramente, achei um horror. Me deu nojo"; "Não consigo achar bonito. Tudo na vida tem seu tempo. Quando chega a idade, existe carinho e amizade"; "Imagens criadas para chocar. Não entendo a razão para isso." Em poucas horas, centenas de pessoas deixaram de me seguir, não sem antes mandar mensagens indignadas com o "mau gosto" da minha postagem.

Essa "polêmica" me deu ainda mais certeza sobre a importância da campanha que a ONG inglesa Relate acaba de lançar espalhando essas fotos em cartazes pelas ruas do Reino Unido e na internet. O famoso fotógrafo de moda Rankin foi recrutado para fazer os registros de intimidade na maturidade.

Batizada de 'Vamos Falar sobre a Alegria de Sexo na Vida Madura', a campanha é estrelada por cinco casais e uma mulher que foram capturados em poses amorosas e sensuais, ostentando frases provocadoras e espirituosas como: "Alguns homens descobrem que amam golfe. Alguns homens descobrem que amam homens." (na foto de um casal homossexual).

Em outra imagem, Daphne, vestida com lingerie, é abraçada por seu parceiro Arthur com a legenda: "A segunda revolução sexual. Como a primeira, mas com mais alguns pedaços instáveis." A campanha visa quebrar o tabu em torno do sexo e da intimidade de casais mais velhos, um assunto que raramente é abordado abertamente. E me parece mais necessária do que nunca.

Embora seja verdade que imagens sexualizadas estão em toda parte (do clipe da Anitta à novela as oito), elas sempre revelam casais jovens, e qualquer menção a pessoas mais velhas fazendo sexo costuma ser usada para rir.

Colocar as pessoas mais velhas como seres puros e infantilizados e, portanto, assexuados, é mais um capítulo do etarismo, o preconceito de idade, que vivemos intensamente e precisa ser combatido. Imaginar que o sexo acaba na maturidade não poderia estar mais distante da realidade. De acordo com uma pesquisa da Universidade de Michigan, por exemplo, 40% dos adultos de 65 a 80 anos são sexualmente ativos e, mais da metade, 54%, diz que sexo é importante para sua qualidade de vida. Mais: 65% das pessoas dessa faixa etária se dizem interessados em sexo.

"Ao contrário do que muitos pensam, observo que não há uma ruptura muito grande na vida sexual com o avanço da idade. O que parece ser mais determinante para o fim do desejo sexual é o fato de ter tido experiências pouco prazerosas com os parceiros e também o tempo de duração da relação. Entrevistei mulheres mais velhas que, após o término de seus casamentos, encontraram relações amorosas e sexuais plenas e satisfatórias", escreveu recentemente em sua coluna na Folha a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio, autora do livro "A Bela Velhice" e estudiosa desse público.

Por isso, é importante, sim, normalizar o que é normal. Sexo é parte da vida, seja aos 20 ou aos 70. "Todos nós precisamos de intimidade agora mais do que nunca", diz Rankin, "e a idade, é claro, é apenas um número". Eu não poderia concordar mais com ele.

Depoimentos

Let’s Talk the Joy of Later Life Sex - Lynne and George

Let’s Talk the Joy of Later Life Sex - Daphne and Arthur

Let’s Talk the Joy of Later Life Sex - Billie and Cora

Let’s Talk the Joy of Later Life Sex



Foi mal, psicanálise

A verdade é que é uma delícia dormir com nossos filhos 

Tati Bernardi, FSP, 29/04/2021

Há um ano coloquei minha filha para dormir comigo, por causa de uma febre, e nunca mais ela voltou para o seu quarto. Tentei de todas as formas possíveis (mentira) explicar que seria muito melhor que ela dormisse sozinha, mas depois da centésima (terceira) noite frustrada, simplesmente fui vencida pelo enorme desejo que ela (eu) tem de dormir agarrada a mim (a ela).
Meu analista diz que isso está muito errado. Ele explicou um montão de coisas que eu já não lembro mais (lembro direitinho). Tinha algo sobre meu corpo, meu desejo, meu espaço para ser mulher. Tinha algo sobre o desenvolvimento da subjetividade dela, sobre a importância dos nãos, dos interditos. Ele está corretíssimo (odeio esse desgraçado, queria trocar de terapeuta).

Mas acontece que no meio da noite os pezinhos dela, por mais frio que faça em São Paulo, ficam suadinhos. Daí ela, ainda dormindo, só resmunga, “tira, quente”, e eu já estou ali pertinho e arranco suas meias (eu estudo Freud, eu faço terapia há 15 anos, talvez ela esteja me pedindo que eu me retire). O quarto então é invadido por um chulezinho de neném que, se não for o cheiro mais perfeito que já existiu na história, certamente empata com chá de erva cidreira ou canela saída do forno.

A verdade é que é uma delícia dormir com nossos filhos (durmo encolhida, levo chutes na cara, fico com dores) e o bafinho dela ao acordar me faz ter vontade de viver sem precisar estar apaixonada (ou medicada ou desafiada por um novo trabalho ou preocupada porque minha família e amigos são quase sempre mais deprimidos então não me dou esse direito). Ela sorri bem largo todas as manhãs, diz “mamãe” de uma maneira muito doce e faz um carinho no meu rosto. Está feliz por ter dormido ali, e eu pergunto o que quer de café da manhã. Ela responde baixinho, já sabendo da nossa piada interna, “primeiro um chamego”, e então eu beijo tanto essa criança que ela tem um ataque de riso e implora, adorando, “agora chega, sua doida!”.

Um grande amigo winnicottiano (quero romper com ele, cheio de pitacos) me deu uma bronca enorme. Disse que a cama da minha filha, e a falta que eu preciso lhe fazer na hora de dormir, são “espaços” em que ela poderia desenvolver sua criatividade, segurança e liberdade. A maravilhosa (não gosto dela) terapeuta infantil que entrou em nossas vidas para tentar resolver o problema da minha filha de não conseguir dormir longe de mim (e agora está tentando resolver o meu problema de não conseguir dormir longe da minha filha) explicou que parte das birras demonstradas durante o dia é de afetos atrapalhados, como se eu a estivesse estimulando demais e ela não soubesse onde colocar essa libido. Achei essa sacada perfeita (que mulher sem noção dos infernos, nunca mais voltei lá).

Gente, eu só estou segurando a mãozinha de uma menininha de três anos que diz ter medo do monstro (eu tô ligada, eu li Freud, eu sei quem é o monstro, eu sei que também tenho medo, eu sei que o pai precisa cortar essa palhaçada —mas se cortar eu capo ele), eu só estou obliterada por esse amor, aproveitando cada segundo dessa fase bebê (eu tô ligada que ela não é mais bebê, eu sei que tratá-la como bebê vai cagar tudo), será que é preciso mesmo pensar em afetos, traumas, libido, sexo, quando a cena é apenas uma mãe extasiada pelo cheirinho do pescoço suado da filha? (É preciso, eu sei, eu li, eu faço terapia há 15 anos).

Enfim, psicanalistas, vocês todos exageram demais (mentira). Está tudo bem comigo (mentira). Eu vou resolver isso hoje mesmo (mentira). Vai dar certo (mentira). Conchinha com filho é um dos motivos pelos quais a gente nasce.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Não queremos ser da família

Dia da Doméstica: "Não queremos ser da família", diz líder do sindicato"

Mariana Gonzalez, De Universa, 27/04/2021

Hoje é Dia da Empregada Doméstica e, pela segunda vez, a data acontece em meio à crise da covid-19 no Brasil. Para Luiza Batista, presidente da Fenatrad (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas), não há o que comemorar: a categoria, formada principalmente por mulheres negras, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), é uma das mais afetadas pela pandemia. Isso porque parte dessas trabalhadoras se expõe ao vírus no transporte público para chegar à casa dos patrões, parte sofre com o desemprego e a fome. Há, ainda, um grupo que é obrigado a dormir no trabalho para evitar o deslocamento durante a pandemia e fica sem ver a família, à disposição dos patrões 24 horas por dia — cenário que pode configurar cárcere privado, explica Luiza.

Em entrevista a Universa, Luiza também fala sobre a "relação de servidão" entre trabalhadoras e empregadores que perdura por décadas e rebate a ideia de que elas são "quase da família": "Não somos e não queremos ser. Nós temos a nossa família. O que queremos é que nossos direitos sejam respeitados".

UNIVERSA: De que maneira o agravamento da pandemia de covid-19 impacta as trabalhadoras domésticas?
Luiza Batista: Esse agravamento acontece agora não só no sentido da pandemia, da saúde, mas também no da vida das pessoas. E as trabalhadoras domésticas, como sempre, por serem de uma categoria que a sociedade insiste em não reconhecer o valor, sofrem mais. São mais de 1,5 milhão de trabalhadoras domésticas desempregadas durante a pandemia, é a terceira categoria mais afetada pela crise. As diaristas também foram muito afetadas. Para tentar amenizar, estamos fazendo arrecadação de cestas básicas e distribuindo entre os sindicatos filiados. No ano passado distribuímos 4,5 mil cestas para trabalhadoras domésticas desempregadas.


"Muitas de nós estão em situação de fome — as pessoas inventaram uma expressão menos chocante, insegurança alimentar, mas elas estão passando fome mesmo."

No início da pandemia em 2020, uma parcela dos empregadores dispensou as trabalhadoras domésticas e manteve seus salários. Hoje, com o cenário ainda mais grave, esse movimento voltou a acontecer?
Mesmo no ano passado, quando fizemos campanha para que os empregadores deixassem as trabalhadoras domésticas em casa pagando salário, pouquíssimos aderiram. Tem casos de trabalhadoras que ficaram em casa três, quatro meses, recebendo salário, mas é um número muito pequeno. Hoje ainda menos. Alguns estados, quando decretaram quarentena, consideraram o trabalho doméstico serviço essencial [caso do Pará e de Pernambuco, por exemplo]. Pode ser classificada como essencial uma cuidadora de idosos ou babá que trabalha numa família que atua na linha de frente, por exemplo, mas fora dessas circunstâncias, o trabalho doméstico não é essencial.


"Existe uma contradição muito grande: no dia a dia, não somos valorizadas, mas na pandemia, quando muita gente ficou sem o nosso trabalho, as pessoas perceberam que limpar banheiro, lavar roupa, fazer comida não são tarefas tão simples e que nosso trabalho é necessário."

Luiza Batista: Divulgação.

Acredita que a pandemia pode mudar a forma como as pessoas enxergam o trabalho doméstico? Vamos valorizar mais essa atividade?
Por enquanto, não mudou muito a forma como as pessoas tratam as trabalhadoras. Minha mãe dizia que pau que nasce torto nunca se endireita, então, quem tem essa característica de se sentir superior aos outros, de não respeitar os direitos dos trabalhadores, não deve mudar. Mas isso a gente só vai poder dizer no futuro. Ainda estamos muito longe de dizer que não vivemos mais uma pandemia, ainda mais com essa política do presidente Bolsonaro de estimular a aglomeração, de não incentivar o uso de máscaras.
Se a pandemia tivesse sido tratada da forma correta desde o início, com certeza a gente perderia muitas vidas, mas não nessa proporção. Mas as pessoas se espelham na liderança, né? Então tem empregador que pensa: "Estou pagando, então na minha casa não vou usar máscara e minha funcionária tem que continuar trabalhando" e expõe essas trabalhadoras ao vírus. Mas é uma doença que mata, que deixa sequelas, eu mesma tive covid-19 e até hoje sinto as pernas fracas, o cabelo caindo.


Que tipo de relato vocês têm ouvido das trabalhadoras domésticas durante a pandemia?
Muitas ouviram: "Ou você fica direto no trabalho, ou fica direto em casa, porque vai ser demitida". E aí são obrigadas a dormir no trabalho durante a semana, porque o empregador tem medo de que ela se contamine e passe para ele. Essa mulher tem filhos, aluguel para pagar e precisa do emprego, então acaba se submetendo, mas isso é um cerceamento à liberdade da pessoa, dependendo do caso pode ser considerado cárcere privado. O trabalho doméstico tem especificidades que outras categorias não têm: uma pessoa que trabalha como auxiliar de serviços gerais numa empresa, por exemplo, tem como denunciar abusos, irregularidades, mas no nosso caso, não. A residência é inviolável por lei, e isso dificulta a denúncia e a fiscalização. As trabalhadoras também não querem se comprometer. Muitas vezes elas ligam para o sindicato, relatam uma situação dessas, mas quando a gente pede nome, endereço para fazer a denúncia, pedir uma fiscalização, elas desligam. É angustiante saber que isso acontece, mas não ter como agir.


Com a PEC das Domésticas, as trabalhadoras passaram a ter acesso a todos os direitos estabelecidos na CLT — carga horária definida, FGTS, 13º salário, férias, entre outros. Na prática, isso acontece?
Não. Carteira assinada é lei no Brasil há quase 50 anos, mas pesquisas mostram que, entre trabalhadoras domésticas, nunca passou de 50% da categoria com registro. 

Por quê? 

Não tem penalidade para o empregador e a impunidade corre solta. Aí, em 2006, o Lula sancionou a Lei 11.324, que proibiu esses descontos, garantiu férias de 30 dias (antes, eram apenas 20), entre outros direitos. Só depois, em 2013, conquistamos a PEC que nos incluiu na CLT, ao lado das outras categorias. A CLT existe desde 1943 e as trabalhadoras domésticas só entraram nas leis trabalhistas 70 anos depois. Nossos passos vêm de longe, e nosso trabalho é de formiguinha.


"Para você ter uma ideia, até 15 anos atrás, tinha empregador que descontava a alimentação da trabalhadora, descontava um percentual de aluguel se ela dormia no trabalho — quando, na verdade, deveria pagar hora extra"


O que justifica essa demora?
Discriminação. O trabalho doméstico é herança direta da escravidão. Depois da Lei Áurea, o povo negro simplesmente foi expulso das casas, sem nenhuma reparação. Resultado: formaram-se os bolsões de pobreza, as comunidades periféricas. Não tinha emprego para todos. Por conta disso, muitos pediam para continuar nas casas-grandes e se tornaram escravos da gratidão, em troca de um lugar para dormir e de um prato de comida. 


Esse conceito de "escravo da gratidão", que você mencionou, ainda permeia a relação entre trabalhadoras domésticas e empregadores?
Sim, com esse conceito de "Você é quase da família". A família da trabalhadora é uma, a do empregador é outra. O que tem que existir é uma relação de trabalho respeitosa dos dois lados. O empregador precisa respeitar a trabalhadora como um ser humano, não dar ordens aos gritos, cometer maus tratos, assédio moral. E a trabalhadora tem que entender que está ali como uma profissional, prestando um serviço. Muitas vezes, a gente recebe trabalhadores idosas, de bengala, tentando entender porque apesar de ter carteira assinada, o empregador não recolheu o INSS e ela não vai conseguir um auxílio-doença, por exemplo. Aí a gente oferece apoio jurídico, e elas dizem "Não, não vou colocar meu patrão na Justiça, ele é muito bom para mim". Muitas vezes, ela só descobre que não é da família quando já está doente, quando envelhece e não pode mais trabalhar e não consegue se aposentar. Ganha um presentinho aqui, uma lembrancinha ali, e se sente lisonjeada, mas não fiscaliza o principal, que é o INSS, o FGTS. Quando ela decide levar o processo adiante, sofre constrangimento, ouve dos patrões: "Você trabalhou tanto tempo na minha casa, comeu da mesma comida".


"A gente precisa desconstruir essa fala de que somos "quase da família", porque não somos. A gente tem a nossa família em casa. O que a gente quer é respeito aos nossos direitos."


Recentemente, vimos pessoas públicas associando a contaminação de covid-19 às trabalhadoras domésticas. Como você responde a essas declarações?
É uma discriminação, uma forma da corda arrebentar para o lado mais fraco. Não foi a classe trabalhadora, que trabalha para receber menos de dois salários mínimos, que viajou para os países onde havia surto de covid-19. Lá no Rio de Janeiro a primeira morte foi de uma trabalhadora doméstica — os patrões sabiam que estavam contaminados e não tiveram a sensibilidade de deixá-la em casa. Ela se contaminou, tinha comorbidades e foi fatal, os patrões se curaram e, com certeza, já têm outra trabalhadora doméstica lá fazendo o mesmo serviço.
Não fomos nós que trouxemos o vírus, foi a classe média, que tem plano de saúde, acesso a hospital particular. Enquanto isso, a gente sabe que a maioria das pessoas internadas nos hospitais públicos são pessoas que dependem do transporte coletivo para trabalhar. Muitas vezes, eu fico esperando passarem três, quatro ônibus para não entrar na aglomeração, mas eu sou aposentada, faço meus horários. E as companheiras que precisam chegar cedo à casa dos patrões? Podem se dar ao luxo de esperar uma condução menos lotada? Não, elas vão amontoadas na primeira que passar.
 

No ano passado, o caso da Mirtes, que perdeu o filho, Miguel, após ele cair da janela do apartamento em que estava sob os cuidados da patroa dela, se tornou emblemático. O que essa história diz sobre a realidade das trabalhadoras domésticas no Brasil?.
 

Quando a Mirtes foi trabalhar, no dia da morte do Miguel, a quarentena mais dura já tinha passado, mas ela trabalhou durante todo o período da pandemia. Ela inclusive teve covid-19 e trabalhou mesmo doente, sem repouso. A Mirtes não tinha com quem deixar o filho e, enquanto ela passeava com a cadela, a patroa [Sarí Côrte Real] não teve paciência com uma criança de cinco anos que queria ficar perto da mãe, colocou ela no elevador e acabou da forma que acabou. Ela foi presa, pagou R$ 20 mil de fiança e está respondendo em liberdade. Se fosse a Mirtes que tivesse colocado uma criança no elevador, ela estaria solta? Teria esse dinheiro? Com certeza não. Ela estaria num presídio feminino. Isso mostra que existem vários Brasis dentro de um único Brasil. Apesar da repercussão do caso, vai continuar sendo assim, a mesma relação de servidão de sempre.


"Quem paga, quem é branca, quem mora num condomínio de luxo à beira mar, acha que pode dispor da vida da trabalhadora doméstica e que não vai dar em nada."
 

O Brasil é o país com o maior número de trabalhadoras domésticas do mundo, sete milhões. O que nos faz manter essa relação?
De um lado, a pessoa que tem um certo poder aquisitivo acha que lavar o copo em que bebeu água é uma atividade de menor valor. Se não tiver uma pessoa para fazer, a pia fica cheia de louça. Do outro, o país tem mais de 14 milhões de desempregados, fora as pessoas subempregadas, fazendo bicos, trabalhando por conta própria. Isso faz com que o trabalho doméstico se torne uma cultura. É muito comum a patroa deixar a calcinha no box do chuveiro para a trabalhadora doméstica recolher. Os homens, então, nem se fala, deixam a cueca suja no chão mesmo. Essas pessoas estão acostumadas a ter mão de obra barata — infelizmente, o piso é o mínimo nacional, de R$ 1.102 — e a oferta é muito grande. Vão sempre buscar ter quem faça esse serviço considerado de menor valor. É um ciclo vicioso.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

O debate em educação

Debate em educação ganharia se fosse feito com menos reducionismo e senso comum

Por Antônio Gois, O Globo, 26/04/2021

“Você já deve ter pego um táxi ou Uber - com todo respeito que eu tenho a profissão de motorista - em que o motorista de Uber fala ‘na verdade eu sou engenheiro, na verdade eu sou advogado’. Essa ideia só de diploma não levou a nada. E o Brasil carece hoje de mão de obra técnica profissional.”

A afirmação acima foi feita na semana passada pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, em entrevista ao programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, ao responder a uma pergunta sobre a necessidade de expandir o ensino profissionalizante no país. Não é a primeira vez – e provavelmente não será a última - que uma autoridade pública recorre a essa imagem para criticar ou justificar uma política pública relacionada ao ensino superior ou técnico.

O problema nesse argumento, em especial quando utilizado pelo ministro da educação, é que se trata apenas de uma evidência anedótica, do mesmo nível que afirmar que fumar não faz mal pois conhecemos algum parente na família que fumou a vida inteira sem ter tido complicações por causa disso. Sabemos, porém, que o fumo é prejudicial por um conjunto de evidências científicas que olham para os dados gerais da população, e não para exemplos isolados. Deveríamos usar a mesma régua para falar de políticas educacionais.

Uma simples consulta ao site do IBGE permite verificar que a taxa de desemprego entre a população que hoje tem nível superior completo no Brasil está em 7% (dado referente ao último trimestre de 2020). É a menor proporção entre todos os grupos de escolaridade. A maior é verificada entre os brasileiros com ensino médio incompleto (24%).

Ter um diploma no Brasil, em média, traz também significativas vantagens salariais. Dados da OCDE mostram aliás que o diferencial de renda de quem conseguiu completar universidade é dos maiores do mundo por aqui. Não porque nosso ensino superior seja de qualidade, mas porque ainda é para poucos. Assim como é igualmente para poucos o acesso ao ensino profissionalizante, e não há dúvida de que também precisamos expandir essa modalidade, inclusive pelo retorno positivo que ela traz no mercado de trabalho.

Este não foi o único reducionismo a que o ministro recorreu. Em outro momento, ao falar de alfabetização, ele afirma que “a opção por alternativas pedagógicas para mim equivocadas no passado gerou isso que estamos vendo aí hoje, que são crianças com 9 anos que não sabem ler”, relacionando esse problema especialmente aos “últimos 20 anos”. O discurso de romantizar um passado educacional é recorrente no governo. O problema nesse caso é quando os números, de novo, teimam em contradizer a tese.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, mostrava em 1982 que 47% das crianças de 8 e 9 anos de idade eram analfabetas. Em 1995 (neste caso apenas para os oito anos de idade), a proporção era de 28% e, em 2015, caiu para 10%. A questão aqui não é negar o grave problema que ainda temos no presente - e que são mais amplos do que os dados de alfabetização do IBGE captam -, mas, sim, refutar a tese de que a situação era melhor no passado. Não era.

Os debates em relação às melhores alternativas pedagógicas na alfabetização ou sobre a necessidade de expansão do ensino profissionalizante ou superior continuam necessários e relevantes. Ganharíamos, porém, se fossem feitos com menos reducionismo e apelo a sensos-comuns equivocados.

PS - Todas as estatísticas citadas na coluna são do IBGE. O que demonstra, mais uma vez, o quão importante é para o planejamento das políticas públicas ter estatísticas históricas comparáveis e atualizadas. Mas, infelizmente, por obra do governo e do Congresso Nacional, adiaremos mais uma vez o Censo Demográfico, pesquisa fundamental também para que todos os levantamentos amostrais do país tenham mais precisão para captar questões importantes para o futuro do país.

domingo, 25 de abril de 2021

Sumário Blog

Abril, 2021

Classe C na miséria  

Dermeval Saviani - dossiê

 Templos do saber  

Saviani e as ideias pedagógicas no Brasil (2)

Homeschooling

Margo Glantz 

Weathermen 

Elizabeth Teixeira  

Marçal Aquino  

Os dez mandamentos do desmando  

A Comuna de Paris, dossiêr  

Colapso 

Comuna de Paris completa 150 anos

Arrabalde VI 

Maurizio Lazzarato 

Filmes parte 14

Março, 2021

Tonico 

5G, o edital no Brasil 

Gerda Taro 

Saviani e as ideias pedagógicas no Brasil (1)

A cartomante, Lima Barreto 

The naked dawn  

A vodka, a igreja e o cinema, Leon Trotsky

Bolsonaro 

Euler (1707 - 1783) 

Alfredo Saad Filho  

O moleque, Lima Barreto 

O Homem que sabia javanês, Lima Barreto  

Uê e os labirintos do tráfico no Rio  

Mulher traída e a virada  

Histórias de quem escolheu a mata, Arrabalde V

Julia Barreto  

Vozes da Covid-19 

Recursos para a Educação no Brasil  

Fevereiro, 2021

Filmes parte 13 

Judas and the Black Messiah 

Seymour Hersh 

O discurso de classe e o discurso étnico  

Brasil bordel 

Paragominas, a revolta, Arrabalde IV  

Adriano  

Joan Didion 

Darwin é implacável  

Surrealismo 

Janeiro, 2021

Palmito guarani 

Babenco  

Orwell e a direita

Filmes parte 12

Propagação intencional do coronavirus

O Brasil de Bolsonaro é campeão da Libertadores

O algorítmo e o racismo  

Doria estadista? 

50 filmes  

Carta branca para a morte  

Indígenas e o agronegócio  

Tetinha 

Genocídio ainda 

O que aconteceu no Capitólio 

Perdoando Deus, Clarice Lispector

Amazônia ocupada, Arrabalde III

Dezembro, 2020

São únicas e sobre as quais paira uma terrível ameaça de destruição, Arrabalde I

Controlar a vida e a morte  

Sete bois na linha, Arrabalde II

Gertrud, a liberdade e a solidão  

Filmes parte 11 

Gertrud  

Felicidade clandestina, Clarice Lispector

O casarão da 4  

Direita venceu a esquerda nas eleições, mas Bolsonaro foi derrotado 

Novembro, 2020

ELEANOR MARX: QUESTÃO FEMININA E LUTA DE CLASSES

Negro drama, Racionais MC's

Carlos na pandemia  

Engels, Dossier  

PAI CONTRA MÃE, Machado de Assis

O inferno das mulheres 

Outubro, 2020

Privatização da telefonia 

A desigualdade no Brasil  

Filmes parte 10  

EaD e a qualidade no Ensino Superior 

Antonieta, Antonieta de Barros, a parlamentar negra pioneira que criou o Dia do Professor

Mulheres indígenas candidatas  

Diários do pantanal  

Erasmo, Protejam Erasmo: ele pode ser assassinado a qualquer momento

Setembro, 2020

Filmes parte 9  

ADUFES SSIND, memórias  

ADUFES SSIND Assembleias  

Doris Monteiro  

Tempos da peste  

Greves na Universidades Federais  

Aborto legal e a barbárie  

O que Deus pensa do aborto?  

Agosto, 2020

Festa no céu, chegou Washington Novaes

Filmes parte 8 

Lugar de fala


Textos anteriores estão em Sumário do Blog

Classe C na miséria

Fenômeno dos anos Lula, classe C afunda aos milhões e cai na miséria. Mais de 30 milhões deixam classificação; perspectiva para 2021 é de mais perda de renda nas classes D e E

Fernando Canzian, Folha de São Paulo, 24/04/2021

Maior novidade da paisagem econômica brasileira no início deste século, a chamada classe C está sendo empurrada rapidamente de volta às classes D e E. Ou, o que é pior, indo direto para a miséria pelas consequências da Covid-19 e da desorganização das políticas de mitigação da pandemia do governo Jair Bolsonaro (sem partido).

Pesquisas de diferentes órgãos revelam não só que dezenas de milhões de brasileiros retrocedem a situações mais precárias desde o ano passado mas que suas vidas podem continuar piorando em 2021. Enquanto classes mais favorecidas começam a estabilizar a renda ou a obter ganhos, as classes D e E — cada vez mais numerosas — devem amargar nova queda de quase 15% em seus rendimentos neste ano.
Isso não só aumentará a desigualdade social brasileira mas retardará a recuperação econômica. Mais pobre, a gigantesca população de baixa renda consumirá menos, exigindo menos investimentos e contratações de novos empregados pelo setor produtivo.

Com a paralisação de muitas atividades em 2020 e a interrupção do auxílio emergencial em dezembro — só retomado em abril, com valores bem menores —, milhões de brasileiros estão despencando diretamente da classe C para a miséria.
Em 2019, antes da pandemia, o Brasil tinha cerca de 24 milhões de pessoas na pobreza extrema, ou 11% da população, vivendo com menos de R$ 246 ao mês. Agora, são 35 milhões, ou 16% do total, segundo a FGV Social com base nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios Contínua e Covid-19.

Entre esses novos participantes da pobreza extrema, muitos não se encaixam no clássico perfil do miserável brasileiro — oriundo de famílias muito pobres, desestruturadas e de baixíssima escolaridade. A família de Noemi de Almeida, que estudou até o primeiro colegial, é uma das que fizeram um percurso rápido, e sem escalas, da classe C direto para a miséria. Com renda domiciliar de quase R$ 4.000 antes da pandemia, ela, o marido e duas filhas agora vivem de doações para comer e moram em um terreno invadido no Jardim Julieta, na zona norte de São Paulo.

 

Ali, com redes de água e luz irregulares, ao lado de centenas de casas improvisadas, temem, dia e noite, acabar despejados e sem ter para onde ir. Antes da pandemia, Noemi vendia quentinhas a alunos de uma faculdade na Vila Maria enquanto o marido trabalhava como garçom. Sem aulas e com o fechamento do comércio, ambos ficaram sem renda, não tiveram mais como pagar o aluguel e agora ocupam, com outras 2.000 pessoas, a área invadida em meados de 2020. Com os filhos longe da antiga escola, o casal tenta obter alguma renda vendendo água e refrigerantes. “Tem dias que ganho R$ 30. Outros, que não entra nada”, diz Noemi.

A poucos metros dela, Ingrid Frazão, que concluiu o ensino médio e que conseguia com o marido, até a pandemia, cerca de R$ 3.000 mensais, agora vive na mesma ocupação e depende, para se alimentar, de doações e de um sopão distribuído nas redondezas.


Antes o casal se sustentava com empregos formais (ela, faxineira; ele, instalador de alarmes) e conseguia bancar aluguel de R$ 700 mensais na região do Parque Edu Chaves, também na zona norte paulistana. Hoje, não têm a menor perspectiva de sair de onde estão.
No começo, a ocupação iniciada pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) no Jardim Julieta tinha sido organizada para manter terrenos de 4,5 metros de frente por 9 metros de profundidade.


Mas a demanda da população foi tanta que eles foram encolhidos para 4,5 metros por 4,5 metros para acomodar mais gente. Segundo Valdirene Ferreira, uma das organizadoras do local, pessoas não param de chegar e há filas para tentar acomodá-las.
De acordo com a FGV Social, quase 32 milhões de pessoas deixaram a classe C desde agosto do ano passado, ápice do pagamento do auxílio emergencial pelo governo Bolsonaro, em direção a uma vida pior.
A classe E, com renda domiciliar até R$ 1.205, segundo os critérios da FGV Social, foi a que mais inchou: cresceu em 24,4 milhões de pessoas. Já a classe D (renda entre R$ 1.205 e R$ 1.926) aumentou em 8,9 milhões.

Embora o Brasil não possua uma classificação oficial para delimitar classes sociais, algumas dessas tentativas, como da FGV Social e da consultoria Tendências (ver quadro), enquadram as famílias de Noemi de Almeida e Ingrid Frazão — assim como outras encontradas pela Folha no Jardim Julieta e em ocupações no centro de São Paulo — como ex-participantes da classe C.

 


Mesmo usando parâmetros diferentes, ambas as classificações revelam o mesmo movimento: encolhimento da classe C, cuja expansão ganhou fama no governo Lula (2003-2011), e, agora, o inchaço acelerado das classes D e E — a última na estratificação e que engloba os mais pobres.
Marcelo Neri, diretor da FGV Social, compara a um “terremoto” a mudança brusca de patamar sofrida pela classe C desde o início da pandemia. Em sua opinião, o auxílio emergencial foi muito mal calibrado: generoso demais em 2020 e insuficiente agora, quando a pandemia faz mais mortos e obriga estados e municípios a interromper atividades.

No auge do pagamento do auxílio, em agosto do ano passado, 82% das pessoas que eram consideradas muito pobres (renda per capita abaixo de R$ 246) um ano antes deixaram de sê-lo momentaneamente —para logo depois voltar à miséria. Em muitos casos, encontram-se hoje em situação pior do que antes. “O governo acabou produzindo muita instabilidade, o que é péssimo, em particular, para os mais pobres”, diz Neri. “A generosidade de 2020 mostrou que o governo não foi sábio, pois agora não tem dinheiro para socorrer os que mais precisam em um momento muito difícil.”

No ano passado, o auxílio emergencial foi pago entre abril e dezembro empregando R$ 293 bilhões (R$ 600 ao mês inicialmente, e depois R$ 300, a 66 milhões de pessoas). Mas a nova rodada deste ano tem previsão de duração de só quatro meses e de somar R$ 44 bilhões — 15% do total de 2020 (pagando R$ 250, em média, a 45,6 milhões de pessoas).
O auxílio emergencial menor mais a lentidão na vacinação contra a Covid-19 no Brasil por ​falta de planejamento federal devem redundar em recuperação econômica lenta, que afetará sobretudo os mais pobres, ampliando a desigualdade.

Segundo Lucas Assis, economista da Tendências, a massa de rendimentos (salários, Previdência, programas sociais, etc.) das classes D e E deve encolher 14,4% neste 2021. Já a da classe A (empresários, funcionários públicos, etc.) pode crescer 2,8%, sobretudo por causa da recomposição das margens de lucro que os empregadores vêm perseguindo.

Com menos renda disponível e cada vez mais numerosas, as classes D e E, que normalmente gastam imediatamente quase tudo o que ganham, não devem funcionar como grandes propulsoras da atividade econômica neste ano. “Pior remuneradas, ainda mais informais do que antes e diante da inflação de alimentos e combustíveis, essas parcelas da população terão pouca renda disponível”, afirma Assis.
Outra pesquisa, da consultoria IDados e publicada pela Folha, mostrou que oito em cada dez famílias com rendimento mensal superior a R$ 5.225 também perderam renda no último trimestre de 2020, na comparação com o mesmo período de 2019. Diante da realidade dos baixos rendimentos do Brasil, no entanto, essas famílias podem ser consideradas como pertencentes às classes média, média-alta e alta — uma minoria, portanto, no país.

Por isso é que preocupam os efeitos da rápida degradação das condições da numerosa classe C, pois considera-se crucial que ela faça o caminho de volta para que o país engate um ritmo de crescimento mais acelerado.







sábado, 24 de abril de 2021

Dermeval Saviani dossiê

Dermeval Saviani, um marxista da educação” é um extenso e qualificado dossiê sobre a trajetória acadêmica e produção intelectual de um dos mais relevantes pensadores críticos da Educação no Brasil contemporâneo. Estamos convencidos de que pesquisadores e educadores – que estudam ou adotam a perspectiva marxista na educação – terão este dossiê como uma importante referência teórica e política.
Destaque-se o artigo de José Claudinei Lombardi (Zezo) que, na abertura do dossiê, que, com competência e rigor, examina a trajetória pessoal, acadêmica e intelectual de Saviani. Coordenada pelo próprio Zezo, membro do Conselho Consultivo do blog, uma longa entrevista, especialmente realizada para marxismo21, contribui também para o conhecimento da vida e obra deste fecundo autor marxista.
Livros, artigos, entrevistas e vídeos completam o dossiê que, coordenado por Zezo, teve a efetiva colaboração de dezenas de pesquisadores vinculados ao HISTEDBR – Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”, Faculdade de Educação da Unicamp.
A todas e todos, a Editoria de marxismo21 é profundamente grata.

Editoria

Dermeval Saviani, um marxista da educação.
José Claudinei Lombardi (Zezo)
Difícil fazer a apresentação deste dossiê, pois Dermeval Saviani é um autor presente entre nós e que continua em plenas atividades acadêmicas, dando continuidade à sua já vasta produção. A estas dificuldades preciso registrar minha longa proximidade, amizade e companheirismo com Dermeval, desde o início da década de 1980, quando fui trabalhar na Universidade Estadual de Maringá (UEM), com vários colegas que cursavam o mestrado ou o doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Além dessa relação de amizade e companheirismo, preciso registrar que Dermeval foi meu orientador de doutorado, em Filosofia e História da Educação, na Unicamp, e um intelectual por quem nutro profundo respeito e admiração, por sua seriedade, disciplina, objetivos, erudição; principalmente por compartilharmos uma consciente e objetiva adesão ao marxismo, a uma perspectiva política socialista e à militância em defesa da escola pública (estatal), gratuita, laica e de qualidade para todos. ler mais

I. Entrevista inédita especial para marxismo21: Demerval Saviani – um educador marxista

II. Memorial descritivo na forma de autobiografia

III. Livros:
A nova lei da educação LDB Trajetória, limites e perspectivas
A pedagogia no Brasil – história e teoria
Da LDB (1996) ao novo PNE (2014-2024) – por uma outra política educacional
Educação – do senso comum à consciência filosófica
Educação no Brasil – estrutura e sistema
Ensino público e algumas falas sobre Universidade
Escola e Democracia (edição comemorativa)
Escola e democracia
História das ideias pedagógicas no Brasil
Pedagogia histórico-crítica – primeiras aproximações
Pedagogia histórico-crítica, quadragésimo ano – novas aproximações

IV. Artigos:
A defesa da escola pública na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica em tempos de suicídio democrático
A defesa da escola pública
A educação musical no contexto da relação entre currículo e sociedade
A educação na Constituição Federal de 1988 – avanços no texto e sua neutralização no contexto dos 25 anos de vigência
A expansão do ensino superior no Brasil – mudanças e continuidades
A filosofia na formação do educador
A ideia de sistema nacional de ensino e as dificuldades para sua realização no Brasil no século XIX
A pedagogia histórico-crítica e a educação escolar
A pedagogia histórico-crítica, as lutas de classe e a educação escolar
A pós-graduação em educação e a especificidade da pesquisa educacional
A pós-graduação em educação no Brasil – pensando o problema da orientação
A produção em história da educação na pós-graduação
A Universidade e o título de Doutor Honoris Causa num contexto de crise
As concepções pedagógicas na história da educação brasileira
As teorias da educação e o problema da marginalidade na América Latina
Breves considerações sobre fontes para a história da educação
Casemiro dos Reis Filho e a educação brasileira
Ciência e educação na sociedade contemporânea – desafios a partir da pedagogia histórico-crítica
Como avançar? Desafios teóricos e políticos da pedagogia histórico–crítica hoje
Contribuições da filosofia para a educação
Crise estrutural, conjuntura nacional, coronavírus e educação – o desmonte da educação nacional
Da inspiração à formulação da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC). Os três momentos da PHC que toda teoria verdadeiramente crítica deve conter
Debate sobre as relações entre educação, formação humana e ontologia a partir do método dialético
Democracia, educação e emancipação humana – desafios do atual momento brasileiro
Doutoramento em educação – significado e perspectivas
Educação escolar, currículo e sociedade – o problema da Base Nacional Comum Curricular
Educação socialista, pedagogia histórico-crítica e os desafios da sociedade de classe
Epistemologia e teorias da educação no Brasil
Epistemologias da política educacional – algumas precisões conceituais
Escola e democracia – para além da teoria da curvatura da vara
Ética, educação e cidadania
Florestan Fernandes e a educação
Formação de professores – aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro
Formación de profesores – aspectos históricos del problema en el contexto brasileño
Gramsci e a educação no Brasil
História comparada da educação – algumas aproximações
História da formação docente no Brasil – três momentos decisivos
História da história da educação no Brasil – um balanço prévio e necessário
História, trabalho e educação – comentário sobre as controvérsias internas ao campo marxista
Marxismo e pedagogia
Modo de produção e a pedagogia histórico-crítica
O choque teórico da politecnia
O conceito dialético de mediação na pedagogia histórico-crítica em intermediação com a psicologia histórico-cultural
O curso de Pedagogia e a formação de educadores
O dilema produtividade-qualidade na Pós-Graduação
O direito à educação e a inversão de sentido da política educacional
O espaço acadêmico da pedagogia no Brasil – perspectiva histórica
O futuro da universidade entre o possível e o desejável
O Inep, o diagnóstico da educação brasileira e a Rbep
O legado de Karl Marx para a educação
O legado educacional do regime militar
O lugar estratégico do mestrado no conjunto da pós-graduação e da pedagogia – problemas e perspectivas
O papel do pedagogo como articulador do trabalho pedagógico na sociedade do capital
O paradoxo da educação escolar – análise crítica das expectativas contraditórias depositadas na escola
O pensamento da esquerda e a educação na República brasileira
O pensamento pedagógico brasileiro – da aspiração à ciência à ciência sob suspeição
O Plano de Desenvolvimento da Educação – análise do projeto do MEC
O protagonismo do professor Joel Martins na pós-graduação
O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias
O vigésimo ano da LDB – as 39 leis que a modificaram
Organização da educação nacional – sistema e conselho nacional de educação, plano e fórum nacional de educação
Os desafios da democracia na conjuntura atual da América Latina
Pedagogia – o espaço da educação na universidade
Pedagogia e formação de professores no Brasil – vicissitudes dos dois últimos séculos
Percorrendo caminhos na educação
Perspectiva marxiana do problema da subjetividade-intersubjetividade
Plano Nacional de Educação, a questão federativa e os municípios – o regime de colaboração e as perspectivas da educação brasileira
Política e gestão da pós-graduação em educação no Brasil
Política educacional brasileira – limites e perspectivas
Política educacional no Brasil após a Ditadura Militar
Políticas educacionais em tempos de golpe – retrocessos e formas de resistência
Problemas e perspectivas da escola pública brasileira à luz do Plano Nacional de Educação
Sistema de Educação – subsídios para a Conferência Nacional de Educação
Sistema Nacional de Educação articulado ao Plano Nacional de Educação
Sistemas de ensino e planos de educação – o âmbito dos municípios
Sobre a especificidade do objeto da história da educação
Sobre a natureza e especificidade da educação
Teorias pedagógicas contra-hegemônicas no Brasil
Um barão brasileiro no congresso internacional de Buenos Aires – as idéias pedagógicas de Abílio César Borges, barão de Macahubas
Vicissitudes e perspectivas do direito à educação no Brasil – abordagem histórica e situação atual

V. Textos escritos em coautoria:
com Ana Carolina Galvão Marsiglia. Prática pedagógica alfabetizadora à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica
com José Claudinei Lombardi. Sobre a pesquisa e o ensino de História da educação brasileira
com Maria Amélia Goldberg. Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) – mais um programa de pós-graduação em educação
com Newton Duarte. A formação humana na perspectiva histórico-ontológico
com vários autores. Sociedade Brasileira de História da Educação – constituição, organização e realizações

VI. Coletâneas organizadas:
Dermeval Saviani e José Claudinei Lombardi (orgs.). A escola pública no Brasil – história e historiografia
Dermeval Saviani e outros (orgs.). Capitalismo, trabalho e educação
Dermeval Saviani e José Claudinei Lombardi (orgs). Marxismo e educação – debates contemporâneos
Dermeval Saviani e Newton Duarte (org.). Pedagogia Histórico-Crítica e luta de classes na educação escolar

VII. Entrevistas:
A nova LDB – entrevista
Catarse na pedagogia histórico-crítica – a concepção de Saviani
Entrevista com o professor Dermeval Saviani – Pedagogia Histórico-Crítica na atualidade
Entrevista: Psicologia escolar
Entrevista
Grandes educadores – entrevista

VIII. Vídeos:
A escola pública em crise. Lançamento de A escola pública em crise: inflexões, apagamentos e desafios, São Paulo, 17 de dezembro de 2020, livro que reúne os trabalhos apresentados no “I Seminário Internacional de Educação”, comemorativo dos 50 anos da Faculdade de Educação da USP e os 60 anos da Escola de Aplicação da FE-USP.
A Escola Pública na perspectiva da PHC diante da devastação Ultraliberal
A educação superior no pós-pandemia: uma perspectiva histórico-crítica. Associação de Docentes da Universidade do Estado da Bahia em 07 de julho de 2020.
A qualidade do Ensino Fundamental das Classes Populares e a Melhoria do Desenvolvimento Humano nas Cidades 15 de agosto de 2020.
A Pedagogia Histórica Crítica e a luta revolucionária – Dermeval Saviani
A Primavera Secundarista no Paraná e a Pedagogia Histórico-Crítica
A Redemocratização, o contexto histórico da Pedagogia Histórico-crítica e sua atualidade
Conferência Dermeval Saviani – 36ª ANPED
Conjuntura nacional, coronavirus e educação: o desmonte da educação nacional. Ciclo de Debates do HISTEDBR em 5/6/2020.
Dermeval Saviani – A Pedagogia Histórico-Crítica na Educação do Campo
Dermeval Saviani – Educação e ensino nas obras de Marx e Engels
Dermeval Saviani – Educação, Práxis e Emancipação Humana
Dermeval Saviani – Tema: Pedagogia Histórico-Crítica, Educação e Revolução
Desafios da educação: limites e alyernativas necessárias
Desafios Teóricos e Políticos da Pedagogia Histórico-Crítica
Direito à educação em tempos de pandemia: ninguém fica para trás. Live da conferência de Encerramento do VI Seminário Nacional de Educação Especial e XVII Seminário Capixaba de Educação Inclusiva proferida em 30 de outubro de 2020.
Educação e Emancipação
Educação: Desafios do Nosso Tempo. Participação na live da Mesa de abertura do Congresso Virtual da UFBA 2020 “Universidade em movimento” no dia 18 de maio de 2020.
Ensino Remoto em Tempos de Pandemia: Visão da Pedagogia Histórico-Crítica 
Entrevista concedida à Coluna “Tecendo em Reverso” do Coletivo Abraço Cultural coordenado por Juliana Gonçalves Gobbe, na live do dia 11 de junho de 2020.
Entrevista com Dermeval Saviani – EBEM 2018
Entrevista com Dermeval Saviani 
Idéias e Concepções Pedagógicas no Brasil – Dermeval Saviani
Memória ANPEd | Dermeval Saviani
Políticas educacionais e o avanço da extrema direita. Revista Roteiro, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina, em conjunto com o Grupo “Educação, Políticas Públicas e Mundo do Trabalho”, da Universidade Federal da Paraíba, realizada no dia 14 de julho de 2020.

Rumos da educação em tempos de pandemia e bolsonarismo
Trajetória histórica das pedagogias crítico-libertadoras : formação omnilateral e alternativas em tempos de pandemia. Exposição na live “Formação Omnilateral e Pedagogias Crítico-Libertadoras: mediadas por tecnologias comunicacionais em tempos de pandemias e pandemônios é possível?”, promovida por ADUR-RJ, AdUFRJ e ANFOPE, em 30 de junho de 2020.
TV UFBA no íntegra – Dermeval Saviani: “Políticas Educacionais Brasileiras”

Templos do saber

 
A Da Vinci foi a livraria mais próxima da Shakespeare & Co. que conheci e frequentei

Sérgio Augusto, O Estado de S.Paulo, 24 de abril de 2021

Ontem, 23 de abril, foi o Dia Mundial do Livro. A celebração, criada na Catalunha, em homenagem a Cervantes, nos pegou num momento particularmente adverso para a produção e consumo de livros. Não bastassem a pindaíba geral e a retração presencial nas livrarias impostas pela pandemia, o ministro Paulo Guedes inventou de taxá-los como uma mercadoria qualquer, não um insumo mental e espiritual com 80 anos de isenção tributária na lombada.

A julgar pela míngua de volumes em suas estantes domésticas, o mais perverso e desastrado ministro da Economia das últimas sei lá quantas décadas não parece muito chegado à leitura. Mas, ainda que afinado com a arrogante incultura do presidente e sua corja de adulões, não precisava ter ido tão longe na contramão das políticas de incentivo à leitura que todos os governos do Brasil a.B. (antes de Bolsonaro) ao menos tentaram implementar.
“Pobre não lê”, argumentou Paulo Guedes, como se estivesse justificando uma sobretaxa no preço do hadoque. Para o pobre, o chamado “pão do espírito” (o livro) é mesmo artigo de luxo, e por isso necessitado de estímulos vários, não de carga tributária.
Estímulos que deveriam incluir algum tipo de subsídio ou alívio fiscal às livrarias físicas, que, afinal, são templos do saber – com livreiros no lugar de padres e pastores. 

Enquanto isso, os templos do saber se viram como podem para enfrentar a concorrência de feiras, supermercados, farmácias – e da Amazon. No início de abril, oito livrarias do Rio – Leonardo da Vinci, Argumento, Berinjela, Folha Seca, Blooks, Lima Barreto, Malasartes e Janela – uniram-se para fundar o grupo colaborativo Livrarias Cariocas. O espírito que as anima é o mesmo dos três mosqueteiros de Dumas: uma por todas, todas por uma. Dos múltiplos problemas a serem enfrentados, a taxa proposta pelo ministro da Economia é o que mais se assemelha à espada de Dâmocles.

 Animados pelas comemorações do Dia do Livro e por uma perceptível alta no índice de leitura proporcionada pelo isolamento social, usuários do Twitter e do Facebook distraem-se há dias com enquetes do gênero “quantos livros você já leu durante a pandemia?”, “qual o livro que mais te marcou na vida?”. 

São perguntas difíceis de responder para quem, como eu, não tem o hábito de contar os livros que consome e até hoje não sabe se o que impactou na infância (A Ilha do Tesouro) deve ter precedência sobre o que impactou na adolescência (A Educação Sentimental) e na idade madura (Desonra).
Outra curiosidade, supostamente mais fácil de atender porque factual, revelou-se, contudo, irrespondível: “Qual foi a primeira livraria de sua vida?”.
Pureza d’alma, não faço ideia. 

As crianças da minha geração tinham seus primeiros livros comprados em papelarias de bairro, hábito que perdura até hoje no interior do Brasil. Certamente, veio de uma papelaria, para mim, apaixonante, Os Grandes Benfeitores da Humanidade, de F. Acquarone, em cujas páginas descobri quem foram e que benefícios nos proporcionaram Gutenberg, Pasteur, Edison e o casal Curie.
O que me leva a especular sobre em qual livraria adquiri meu primeiro livro pagando do próprio bolso. Se nascido na segunda metade do século 19, teria sido numa daquelas lojas especializadas da Rua do Ouvidor (Laemmert, Garnier), quase diariamente visitadas por Machado de Assis, Bilac, mas desaparecidas antes de eu vir ao mundo. 

Lembro-me de compras remotas na Zahar, na Ler, na Civilização Brasileira, nas legendárias São José e José Olympio, todas mais ou menos vizinhas, no Centro do Rio. Meus mais insistentes flashbacks afetivos me levam, contudo, à Casa Crashley (no 58 da Ouvidor) e à Leonardo da Vinci (até hoje no subsolo do Edifício Marquês de Herval, na Avenida Rio Branco, 185).

Era na Crashley que eu e todo mundo assinávamos revistas de língua inglesa, da Encounter aos mensários de cinema (Sight & Sound, Films and Filming), no início dos anos 1960. Elas não nos eram entregues em domicílio ou na redação do jornal; tínhamos de ir buscá-las pessoalmente com o mesmo senhor Anthony, cujo sobrenome britânico esqueci. 

A Da Vinci é um caso à parte. Foi a livraria mais próxima da parisiense Shakespeare & Co. que conheci e frequentei. Tinha até uma sucedânea de Sylvia Beach, a italiana Giovanna Piraccini, a mítica dona Vanna, hoje com 94 anos e há muito aposentada, que parecia ter lido todos os milhares de livros que vendera e vendia. Não peguei a primeira Da Vinci (na Avenida Rio Branco), mas peguei os últimos quatro ou cinco anos do circunspecto e algo sartriano Andrei Duchiade, romeno de nascença, marido de dona Vanna, no comando da casa.

Comprei lá minhas primeiras revistas de cinema francesas e tudo mais que a cultura francesa nos exportava, em suas duas salas conheci um punhado de futuros amigos. Segundo lar dos intelectuais residentes no Rio, de seus cronistas e poetas, dois dos quais, Carlos Drummond de Andrade e Antonio Cícero, dedicaram-lhe um poema, a Da Vinci era um boteco sem bebidas, onde passávamos horas trocando dicas e impressões sobre o que havíamos lido ou ansiávamos ler. Seus fregueses, não todos, presumo, tinham uma conta numerada, quitada sem açodamento e prazos rígidos.

Espero voltar a falar da Da Vinci neste espaço. Ou da “Davinte”, como a empregada de meus pais anotava os recados sobre a chegada de novas encomendas que dona Vanna comunicava por telefone. Se não me falha a memória, 527192.  


Poesia de Carlos Drummond de Andrade sobre a livraria Leonardo Da Vinci

Ao termo da espiral
que disfarça o caminho
com espadanas de fonte,
e ao peso do concreto
de vinte pavimentos,
a loja subterrânea
expõe os seus tesouros
como se defendesse
de fomes apressadas.
Ao nível do tumulto
de rodas e de pés,
não se decifra a oculta
sinfonia de letras
e cores enlaçadas
no silêncio dos livros
abertos em gravura.
Aquário de aquarelas,
mosaicos, bronzes, nus,
arabescos de Klee,
piscina onde flutuam
sistemas e delírios
mansos de filósofos,
sentido e sem-sentido
das ciências e artes
de viver: a quem sabe
mergulhar numa página,
o trampolim se oferta.
A vida chega aqui
filtrada em pensamento
que não fere; no enlevo
tátil-visual de idéias
reveladas na trama
do papel e que afloram
aladamente dançam
quatro metros abaixo
do solo e das angústias
o seu balé de essências
para o leitor liberto.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Saviani e as ideias pedagógicas no Brasil (2)

No texto anterior, Saviani e as ideias pedagógicas no Brasil (1), foram discutidos os dois períodos iniciais do livro de Dermeval Saviani: as ideias pedagógicas nos períodos 1549 - 1759 e 1759 - 1939.  Agora vamos nos ater em parte do 3º período (1932 - 1969)

3º Período (1932 – 1969) - predominância da pedagogia nova: equilíbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova (1932 – 1947)

Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da vida", refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. E' evidente que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões diferentes sobre a "concepção do mundo", que convém fazer adotar ao educando e sobre o que é necessário considerar como "qualidade socialmente útil". (...) A educação, uma função essencialmente pública: Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. (...) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação: A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. (O manifesto dos pioneiros da educação nova - 1932)

Assinam o Manifesto de 32 as seguinte personalidades: Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, Antônio de Sampaio Doria, Anísio Spinola Teixeira, Manuel Bergstrom Lourenço Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, Carlo Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., Jose Paranhos Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Noemy Marques da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua Francisco Venancio Filho, Paulo Maranhão, Cecilia Meirelles, Edgar Sussekind de Mendonça,  Armanda Alvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nobrega da Cunha, Paschoal Lemme, Raul Gomes.

O Manifesto de 32 tem a seguinte estrutura:

Introdução: O movimento de renovação educacional; Diretrizes que se esclarecem; Reformas e Reforma.

1. O fundamentos filosóficos e sociais da educação: Finalidades da educação; Valores mutáveis e valores permanentes.

2. A organização e administração do sistema educacional: 

O Estado em face da educação: A educação, uma função essencialmente pública; A questão da escola única; A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação

A função educacional: A unidade da função educacional; A autonomia da função educacional; A descentralização.

3. As bases psicobiológicas da educação: O processo educativo; o conceito e os fundamentos da Educação Nova.

4. Planejamento do sistema, conforme os princípios e diretrizes enunciados:

Plano de reconstrução educacional: As linhas gerais do plano; O ponto nevrálgico da questão; O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no Brasil; O problema dos melhores.

A unidade de formação de professores e a unidade de espírito.

O papel da escola na vida e sua função social.

Conclusão: A democracia - um programa de longos deveres.

O manifesto dos educadores em 1932 foi um ponto de inflexão nas discussões sobre educação no Brasil. Os embates sobre a organização de um Sistema Nacional de Educação foram realizados sob a égide das ideias contidas  neste manifesto. Com perdas e ganhos, mas com influências no período 1932 - 1969. Dermeval Saviani analisou estas influências em "Manifesto dos pioneiros da educação nova de 1932 e a questão do Sistema Nacional de Educação", (p. 15), quando da comemoração dos 80 anos após o Manifesto, em 2014.

No tema Plano de reconstrução educacional, o Manifesto 32, diz sobre a escola secundária: Sobre a base de uma cultura geral comum, em que importará menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o "método de sua aquisição", a escola moderna estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de formas de atividade social. (Manifesto, p. 198). 

O método de aquisição versus conteúdos. É uma concepção pedagógica diferente e inovadora.

E sobre a universidade, o que diz o Manifesto 32? Ao lado das faculdades profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõe-se a criação simultânea ou sucessiva, em cada quadro universitário, de faculdades de ciências sociais e econômicas; de ciências matemáticas, físicas e naturais, e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos mentais e das necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em todos os ramos de conhecimentos humanos. (Idem, p. 199)

As pelejas sobre universalização da educação pública estatal percorreram o século XX, do Manifesto de 1932 à Constituinte de 1988. Nesta Constituinte a Educação como dever do Estado perdeu para o conceito da Educação como serviço. O dever perdeu para o serviço. 

Em 2019, o Ensino superior já estava semi-privatizado (cerca de 80% das matrículas estão no ensino privado, com raras exceções, de baixa qualidade) e o Ensino Básico não, a relação é invertida: 20% está no setor privado. 

O predomínio da pedagogia nova

Os lazeres, os ócios, representam um perigo iminente para o homem habituado ao trabalho, e nos lazeres ele encontra seduções extremamente perigosas, se não tiver suficiente elevação moral para dominar os instintos subalternos que dormem em todo ser humano (Vianna, 1978, p. 79, in Saviani, p. 190).

De quem é a citação acima? Da FIESP (Federação das Industrias do Estado de São Paulo) de 1926. Um relatório das associações empresariais paulistas, redigido por Otávio Pupo Nogueira.

É o fordismo presente no Brasil no início do século XX. Época em que o café ganha proeminência após os ciclos do ouro e do açúcar.  O café e o capitalismo brasileiros, neste período, chegaram num contexto complexo. A população global cresceu de 14,3 milhões em 1890 para 30,6 milhões em 1920 e 35,8 milhões em 1925. No Brasil a concentração urbana acelerada: No Distrito Federal (hoje Rio de Janeiro) a população passou de 522,6 mil em 1890 para 1.15 milhão em 1920; São Paulo no mesmo período passou de 64,9 mil para 579 mil. A atividade industrial se desenvolve durante a 1ª guerra (1915 - 1919) quando foram criadas 6,9 mil empresas, número parecido com a criadas nos último 25 anos (5,9 mil). O número operários passa de 500 mil em 1920 para 800 mil em 1930 (Basbaum, 1968, pp. 140-141 in Saviani, p. 189).

É deste ambiente que a preocupação da FIESP se explica em 1926.

E é com este preâmbulo que Saviani analisa, no capítulo VIII (as ideias pedagógicas no Brasil entre 1932 e 1969: o predomínio da pedagogia nova), a peleja educacional, com a inserção do escolanovismo. E a batalha com a Igreja Católica continua.

Em novembro de 1930 o governo provisório, liderado por Getúlio Vargas, cria o Ministério da Educação e Saúde Pública. Francisco Campos, um escolanovista, é empossado ministro. Em abril de 1931 vem a chamada Reforma Francisco Campos com uma penca de decretos: cria o Conselho Nacional de Educação, organiza o ensino superior no Brasil, a Universidade do Rio de Janeiro, o ensino secundário e o ensino comercial. E de sobra, uma banana: restabelece o ensino religioso nas escolas públicas.

O Decreto 19.941 de 30/04/1931 institui, pela primeira vez na história de República, o ensino religioso nas escolas oficiais, atendendo a Igreja Católica. Qual o significado dessa aliança? Saviani com a palavra:

Como explicar que um adepto do escolanovismo, ao assumir o posto de autoridade máxima dos assuntos educacionais da República, tenha tomado medida em benefício da Igreja Católica? Por um lado, essa situação não se configurava tão estranha, uma vez que estava respaldada por importantes precedentes históricos, como se pode ver pelos processos de restauração na Europa em meados do século XIX. O exemplo mais contundente desse fenômeno deu-se na França, onde a burguesia, após ter atacado violentamente a Igreja enquanto componente de "Antigo Regime", a ela se aliou diante do temor do avanço do movimento operário. E no Brasil das décadas de 1920-1930 também estava em causa esse temor num momento em que se preocupava converter a questão social de caso de polícia, como fora tratada na República Velha, em questão política. E a Igreja aparecia, aí, como um antídoto importante com sua doutrina social... (Saviani, p. 196)

O escolanovismo

A trindade cardinalícia (nas palavras de Saviani) do movimento brasileiro da Escola Nova é formada por: Manuel Bergstrom Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Anísio Spínola Teixeira.

Manuel Bergstrom Lourenço Filho (1987 - 1970) escreveu o primeiro livro com o ideário renovador no Brasil: Introdução ao estudo da escola nova, com sua 1ª edição em 1930. Os detalhes deste livro, já na 14ª edição, estão a seguir.

Lourenço Filho, M.B. (Manuel Bergstrom) 1897 - 1970. Introdução ao estudo da escola nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia contemporânea / M. B. Lourenço Filho. 14ª ed. - Rio de Janeiro. EdUERJ: Conselho Federal de Psicologia, 2002, 392 p. 

Sumário

Parte I - As bases

I - O movimento da escola nova e suas bases históricas

Proposição geral do tema. As raizes do movimento. A renovação escolar e a influência da 1ª Grande Guerra. A educação totalitária, a 2ª Grande Guerra e suas consequências. Situação atual.

II - As bases técnicas e sua elaboração: contribuição da biologia

Empirismo e técnica. A pedologia: estudo da criança. Contribuição dos estudos da biologia. Aplicações técnicas e influência geral dos métodos boológicos.

III - As bases técnicas e a contribuição geral da psicologia

Do biológico ao psicológico. Psicologia e educação. A expansão dos estudos psicológicos. Contribuição geral da psicologia à renovação escolar: variações psicológicasnas idades, diferenças individuais, modelo funcional.

IV - A psicologia e seus grandes constructos atuais

A motivação. A aprendizagem. As teorias da aprendizagem. A personalidade: descrição, formação e desenvolvimento.

V - As bases técnicas e os estudos sociais

Do individual ao social. Os estudos sociais. Estudos relativos à morfologia social. Estudos sobre a dinâmica social. Assimilação, dinâmica social e educação. As instituições educativas e as condições sociais. Contribuição geral dos estudos sociais. Microeducação e macroeducação.

Parte II: os sistemas

VI - As bases e os sistemas didáticos

Importância do estudo dos sistemas. Normalização do trabalho escolar: a didática. Basedow, Pestalozzi e Foebel. Um grande sistematizador: Herbart. Escola ativa, escola do trabalho, ensino fundamental.

VII - Ensaios precursores, primeiras "Escolas Novas' e expansão das ideias de reforma.

Ensaios precursores. Realizações na Inglaterra. Instituições com o título expresso de "escola nova". Caracteres gerais das "escolas novas" (Inglaterra, Alemanha, Suiça, Itália). Primeiras aplicações ao ensino público (Austria, Alemanha). A renovação nos Estados Unidos. Dois ensaios brasileiros.

VIII - Dois sistemas de grande difusão: Montessori e Decroly

Considerações gerais. O sistema de Montessori e suas origens. Princípios básicos de Montessori: liberdade, atividade, individualidade. Os fundamentos da didática montessoriana. Um sistema de transição: Decroly. Sistemas de princípios, não de fórmulas. Os procedimentos: sistemas de transição. Os "centros de interesses". As três fases de cada centro. Servem os "centros" a qualquer idade? Os jogos educativos.

IX - O sistema de "projetos"

Gênese e desenvolvimento do sistema. Princípios fundamentais. Técnicas dos projetos. Há passos formais nos projetos? Organização de séries de projetos. Resultados do ensino pelo sistema de projetos.

X - O sistema de "unidades de trabalho" 

Fundamentos gerais. Experiência e vida social. O ambiente da escola e os objetivos sociais. Organização das unidades e procedimentos didáticos. Sistema especial: aplicação no ensino médio e no ensino superior.

Parte III: a problemática

XI - A problemática e a filosofia da educação

Análise preliminar. As grandes correntes do pensamento filosófico (idealismo, realismo, pragmatismo e instrumentalismo, personalismo, humanismo, supernaturalismo). Relações entre a filosofia e a pedagogia. Princípios gerais da escola nova.

XII - Problemática e ação polítca

Educação, vida social e cultural. Bases comuns da renovação educacional e política. Projeções na vida social e política. A mudança social e os sistemas de ensino.

Na bibliografia, estão títulos de obras de autores como: John Dewey, David Émile Durkheim, Willian Heard Kilpatrick, Paul Gerhard Nartop, Émile Bréhier, Adolphe Ferrière, Lucio Lombardo-Radice, Wladmir Bechtrew, Maurice Blondel, Kurt Kofka, Henri Piéron, Watson, Ivan Petrovich Pavlov, Edward Lee Thordinke, Édouard Claparède, Jean - Ovid Decroly, Omer Buyse, Hamaide, Gerg Kerschensteiner.

Vê-se que o escopo da obra foi difundir o ideário escolanovista, cingido-se às sua principais manifestações surgidas na Europa e nos Estados Unidos. É interessante observar que, nas apenas três páginas ao final do capítulo VII em que aborda os "ensaios brasileiros", Lourenço Filho se refere de passagem aos reflexos do movimento de renovação didática no final do século XIX em colégios particulares de origem norte-americana: Colégio Progresso, do Rio de Janeiro, Escola Americana da capital paulista e Colégio Piracicabano, de Piracicaba. (Saviani, p. 202)

As primeiras experiências escolanovistas aconteceram em escolas privadas à margem das redes públicas de ensino. Em contraposição aos princípios explicitados pelo Manifesto de 32, que teve Lourenço Filho como um dos seus signatários, e pregava a reconstrução educacional dos sistemas públicos. Mas o movimento da Escola Nova se espalhou no futuro contaminando as discussões sobre as ideias pedagógicas no Brasil.

Lourenço Filho foi uma figura chave no processo de desenvolvimento e divulgação das ideias da Escola Nova no Brasil. Por mais de cinquenta anos (...) animou o ambiente pedagógico no país até a sua morte em 3 de agosto de 1970, no Rio de Janeiro. (Saviani, p. 206). 

Fernando Azevedo (1894 - 1974) concluiu, em 1918, o curso de direito na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em São Paulo, mas não exerceu a advocacia. Dedicou-se ao magistério e à critica literário como jornalista. Enturmou-se com o pessoal do Manifesto de 1932 e foi o redator do documento.

... o que está em causa, aí, é o estímulo às observações e experiências da criança, levando-a a desenvolver o trabalho com interesse e prazerosamente, satisfazendo sua curiosidade intelectual: "O aluno observa, experimenta, projeta e executa. O mestre estimula, aconselha, orienta" (Azevedo, 1958, p. 74). E reintera: para lá de orientador, o professor "é um colaborador que conduz em suas investigações e experiências e, participando de uma atividade que provocou e acompanha, contribui para estabelecer entre o aluno e o professor essa solidariedade efetiva que provém do trabalho feito em comum" (idem, in Saviani, p. 212).

Com essas posições pedagógicas, Azevedo nos surpreende: exaltava a política educacional de Estado Novo que atingiu o ponto culminante na Constituição de 1937. 

Quanto à ciência e ideologia dizia-se inspirado em Karl Marx e David Émile Durkheim.

... não resta dúvida de que havia, por parte de Fernando Azevedo, uma clara desconfiança em relação ao pensamento de esquerda, em especial ao marxismo. (...) Não deixa de ser surpreendente, e também curioso, o enquadramento do socialismo na sociologia positivista operado pelo pioneiro considerado por Luiz Antônio Cunha o líder da tendência liberal elitista. Ganha todo o sentido, portanto, o enunciado de Antônio Candido em entrevista a Maria Luiza Penna: se não aceitarmos a contradição, não entenderemos Fernando Azevedo. Todo ele é contraditório (apud Cunha, 1994, p. 140). Aliás, o próprio Azevedo, em seu esboço autobiográfico, considera-se uma "personalidade complexa e contraditória" (Azevedo, 1973, p. 234, in Saviani, pp. 215 e 216)

Anísio Spindola Teixeira (1900 - 1971)

Da trindade cardinalícia do movimento brasileiro da Escola Nova, Anísio Teixeira foi o mais proeminente dos três, junto com Azevedo e Lourenço Filho. Foi um ativista ferrenho no campo das ideiais pedagógicas. Em 1931 é nomeado membro da Comissão do então Ministério da Educação e Saúde Pública, encarregada dos estudos relativos à reorganização do ensino secundário no país e em 1932 publica Educação progressiva, pela Companhia Editora Nacional, São Paulo. Assume a cátedra de Filosofia da Educação no Instituto de Educação do Rio de Janeiro e, mais tarde, na Escola de Educação da UDF, na qual permanece até o momento de sua saída da Diretoria da Instrução Pública. Assina o Manifesto dos pioneiros da educação nova, ao lado de outros 31 personalidades acima citadas. 

Até sua morte em 1971, Anísio lutou  para a educação como um direito de todos e jamais um privilégio de classe social. A escola pública, universal e gratuita.

E esse grau de desigualdade refletia-se na educação, que na verdade era tratada como um objeto de privilégio das elites. Contrapondo-se a essa situação, a vida de Anísio Teixeira foi sempre marcada pelo entendimento segundo o qual a educação é um direito de todos e não é jamais um privilégio. Esse entendimento atravessa de ponta a ponta toda a sua obra, tendo sido, inclusive, estampado nos títulos de alguns de seus livros com "Educação não é privilégio", de 1957 (Teixeira, 1994) e "Educação é um direito", publicado em 1968 (Teixeira, 1968b in Saviani, p. 222).

Cronologia Anísio Teixeira (Nunes, pp. 121 - 123)

1900 - Nasce na cidade baiana de Caetité, a 12 de julho de 1900, filho de Deocleciano Pires Teixeira e Ana Spínola Teixeira.

1907 - Inicia os estudos primários com os jesuítas no Colégio São Luiz.

1914 - Ingressa no Colégio Antônio Vieira, em Salvador, onde fez o curso secundário.

1922 - Torna-se Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro.

1924 - É nomeado, a 9 de abril, Inspetor Geral de Ensino da Secretaria doInterior, Justiça e Instrução Pública da Bahia.

1925 - A Inspetoria Geral de Ensino transforma-se em Diretoria Geral de Instrução. Acompanha D. Augusto Álvaro da Silva em viagem à Europa e tem a oportunidade de observar seus sistemas escolares.

1926 - Inaugura a Escola Normal de Caetité.

1927 - Realiza a primeira viagem aos EUA, em abril, comissionado por lei, para estudos de organização escolar.

1928 - Publica Aspectos americanos de educação: relatório sobre suas observações na América do Norte. Volta aos EUA para um curso de dez meses no Teacher’s College da Columbia University, de New York.

1929 - Exonera-se do cargo de Diretor Geral de Instrução da Bahia. Publica pelas Edições Melhoramentos Vida e educação, o livro de John Dewey, tendo como prefácio o estudo de sua autoria “A pedagogia de Dewey: esboço da Teoria da Educação de John Dewey”. Gradua-se como Master of Arts, especializado em Educação pelo Teacher’s College da Columbia University.

1931 - É nomeado membro da Comissão do então Ministério da Educação e Saúde Pública, encarregada dos estudos relativos à reorganização do ensino secundário no país. 

1932 - Publica Educação progressiva, pela Companhia Editora Nacional, São Paulo. Assume a cátedra de Filosofia da Educação no Instituto de Educação do Rio de Janeiro e, mais tarde, na Escola de Educação da UDF, na qual permanece até o momento de sua saída da Diretoria da Instrução Pública. Assina o Manifesto dos pioneiros da educação nova, ao lado de outros intelectuais educadores. Casa-se a 7 de maio com dona Emília Telles Ferreira.

1934 - Publica Em marcha para a democracia: à margem dos Estados Unidos e Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação, pela Editora Guanabara, Rio de Janeiro.

1935 - Exerce o cargo de reitor da Universidade do Distrito Federal durante a ausência deste até provimento do cargo de Vice-Reitor. É nomeado secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal. Em 1º de dezembro pede demissão do cargo por motivos políticos.

1937 - Nasce sua primeira filha, Marta Maria. Com a chegada do Estado Novo,  é banido da vida pública e recolhe-se no interior da Bahia.

1939 - Nasce sua segunda filha, Ana Cristina. Muda-se para Salvador e, junto com os irmãos Jaime e Nélson, gerencia a Sociedade Importadora e Exportadora (Simel), empresa de exportação de minérios e importadora de locomotivas e material ferroviário.

1941 - Nasce seu terceiro filho, Carlos Antônio.

1943 - Nasce seu quarto filho, José Maurício.

1946 - É convidado por Julian Huxley para Conselheiro de Educação da Organização Educacional Científica da ONU, sediada em Londres. Exerce a função de Conselheiro para o ensino superior da Unesco (1946-1947).

1947 - Convidado pelo governador Otávio Mangabeira, exerce o cargo de secretário de Educação e Saúde do Estado da Bahia (1947-1951).

1951 - Torna-se Secretário Geral da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (Capes), a convite do ministro Ernesto Simões Filho, permanece no cargo de 1951 a 1964.

1952 - Integra a Diretoria do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), entre 1952 e 1964. Publica A educação e a crise brasileira.

1954 - Publica A universidade e a liberdade humana, pelo Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro.

1955 - Profere aula inaugural na Universidade do Rio Grande do Sul: “O espírito científico e o mundo atual”.

1956 - Publica A educação e a crise brasileira, pela Cia. Editora Nacional, Rio de Janeiro. Comparece ao Primeiro Congresso Estadual de Educação Primária em Ribeirão Preto, onde pronuncia conferência “A escola pública, universal e gratuita”. Comparece à 1ª Conferência Internacional de Pesquisa Educacional, realizada em fevereiro nos EUA, por iniciativa da Unesco, onde apresenta um informe sobre o CBPE.

1957 - Inaugura o Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife. Publica Educação não é privilégio e se vê envolvido numa luta sem tréguas contra as autoridades eclesiásticas católicas.

1958 - É o Presidente de Honra da Sessão de Encerramento do Congresso Estadual dos Estudantes de São Paulo. Contra ele vem a público o Memorial dos Bispos Gaúchos. Em apoio ao educador os intelectuais e cientistas sociais lançam um novo manifesto: Mais uma vez convocados.

1959 - Inaugura-se a Casa do Brasil, na Cidade Universitária de Paris, para cuja construção e funcionamento contribui de maneira decisiva como diretor do Inep.

1960 - Viaja para o Chile para participar da reunião do Conselho de Educação Superior das Repúblicas Americanas. É publicada a edição comemorativa do seu 60º aniversário: Anísio Teixeira: pensamento e ação, pela Editora Civilização Brasileira, reunindo estudos e depoimentos sobre sua obra.

1962 - Seu filho José Maurício morre em acidente de automóvel. Torna-se membro do Conselho Federal de Educação, com mandato de seis anos.

1963 - Participa de nova reunião do Conselho Superior nas Repúblicas Americanas, na Cidade do México. Ministra, durante quatro meses, um Curso de Conferências na Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, como professor convidado, após o que foi agraciado com a “Medalha de Honra por Serviços Relevantes”, pelo Teacher’s College daquela Universidade, em homenagem sua obra de educador. É eleito Reitor da Universidade de Brasília (1963-1964).

1964 - É perseguido por infundadas difamações e injustamente processado no Brasil sob a acusação da prática de peculato.

1967 - Retorna à Editora Nacional como consultor para assuntos educacionais e aí permanece até 1971. Dedica-se também às atividades do Conselho Federal de Educação.

1969 - São publicados seus dois últimos livros: Educação no Brasil e Educação no mundo moderno, ambos pela Cia. Editora Nacional, São Paulo.

1971 - Candidato a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, sai da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, para visitar o acadêmico Aurélio de Buarque Holanda , na praia do Flamengo, e desaparece. Dias depois, em  11 de março, é encontrado morto no poço do elevador do edifício.

Sobre a morte de Anísio Teixeira: Carta Capital, 13/01/2014 

"São muitas as evidências de que Anísio Teixeira foi morto sob tortura. A história tem dessas coisas: as ditaduras acreditam poder esconder as patas depois de cometer crimes, e as patas sujas de sangue um dia reaparecem. É momento de resgatar a memória, revelar a verdade, fazer justiça. Sem condescendência com os criminosos."

As bases teóricas do pensamento de Anísio Teixeira

Suas bases teóricas de pensamento foram construídas em contato com o pensamento de John Dewey, sobretudo sua concepção de democracia e mudança social. Dewey, ao lado de Charles S. Peirce (1839-1914) e William James (1842-1910), construiu uma visão de mundo que ficou conhecida como pragmatismo. Esses intelectuais trabalhavam em áreas de estudo próximas, mas distintas. Coube a Dewey, George Herbert Mead (1836-1931) e seus colaboradores criar uma teoria da educação baseada na experiência. (...) As fontes do modelo deweyano de comportamento e ação são duas: uma psicologia do comportamento orientada biologicamente e certos procedimentos da ciência física e experimental. Pela primeira vez ele “naturaliza” a mente e delineia o pensamento como função biológica, capaz de adaptar o homem ao meio. Adaptar não é conformar. Lembremo-nos da plasticidade dos instintos (e, por extensão do organismo) na sua concepção. Ao assumir a hipótese darwinista e aplicá-la ao social, Dewey comete o equívoco de estabelecer uma continuidade entre o nível biológico e lógico. (...) Na raiz da concepção de teoria social está também ancorado o desejo de “salvar” e construir a individualidade. Nesse sentido, como uma linha transversal, a concepção política do liberalismo de Dewey cruza com a reflexão psicológica, base de todos os individualismos do laissez-faire (Mills, 1966 in Nunes, pp. 36-37). 

Embora seguindo Dewey, Anísio Teixeira estava atento às condições brasileiras e não reproduzia aqui o sistema estadunidense. Diferente da experiência de lá advogou cá a organização de serviços centralizados de apoio ao ensino. Se Dewey nunca se preocupou com o sistema nacional de ensino e também nunca procurou construir instrumentos de aferição da aprendizagem e do rendimento escolar, Anísio Teixeira tinha essa preocupação e procurou, a partir das condições brasileiras, encaminhar a questão da educação pública na direção da construção de um sistema articulado. (Saviani, p. 226)

A reação católica

O impacto da divulgação do Manifesto em março de 1932 provocou um rompimento entre os escolanovistas e os católicos. Num primeiro momento, estes de retiraram da ABE (Associação Brasileira de Educação) formalizada em dezembro de 1932, pouco antes do início da V Conferência Nacional de Educação em 26 de dezembro de 1932, em Niterói. Da presidência das conferências sai o líder católico Fernando Magalhães e entra Lourenço Filho. Era previsível o desentendimento e por este motivo os católicos fundaram, em 1933, a Confederação Católica Brasileira de Educação.

Ora, para os católicos o Estado, sendo uma instituição de caráter positivo, deveria subordinar-se às instituições naturais e sobrenaturais. Na medida em que os ecolanovistas desconsideravam essa hierarquia e depositavam toda responsabilidade da tarefa educativa nas mãos do Estado, eles estariam, na visão dos católicos, abrindo caminho para a comunização do país. (Saviani, p. 258).

Na época existiam mais de 300 colégios católicos, com mais de 60.00 alunos e 6.200 professores, um terço dos quais assinantes da Revista Brasileira de Pedagogia, órgão oficial da a Confederação Católica Brasileira de Educação. (Barreira, 2002, p. 336, in Saviani, p. 256).

E também surge neste período a figura de Alceu Amoroso Lima (1893 - 1983), um dos intelectuais católicos mais importantes na época e que batia de frente com as teses da Escola Nova.

Pela precedência da família em relação ao Estado, a visão católica defende o direito dos pais de decidir livremente sobre a educação dos filhos. Daí a contestação a outras duas bandeiras do movimento escolanovismo, a gratuidade e a obrigatoriedade, entendidas como interferência indevida do Estado na educação. Essa primazia conferida aos pais, aliada ao louvor à tradição católica do povo brasileiro, conduziu Alceu a secundarizar a bandeira da erradicação do analfabetismo. Para ele, para o ser humano e brasileiro o povo não precisa ler e escrever. Ao contrário, ficando a salvo dos efeitos desagregadores da instrução laica, a massa dos analfabetos conserva as mais puras virtudes da alma brasileira. (Medeiros, 1978, p. 332, in Saviani, pp. 258 - 259).

As ideias pedagógicas no contexto sócio - econômico, do período de 1932 a 1947, deram início aos embates ideológicos e educacionais que repercutem até os dias de hoje. As ideias da Escola Nova pautou, pela primeira vez na República, as discussões sobre um sistema educacional em que o direito à educação e a gratuidade têm a prerrogativa no caminho de um novo modo civilizatório brasileiro. E identificou o quão difícil esse caminhar. As resistências encampadas pela Igreja Católica, pelo positivismo e o liberalismo perduraram naquele período e foram parte das deficiências que herdamos na educação brasileira.

Mas a peleja continua. No próximo encontro discutiremos os capítulos finais do livro de Dermeval Saviani. 

Referências

Azevedo, Fernando de (s/d.). (1958). Novos caminhos e novos fins. 3ª edição. São Paulo, Melhoramentos [1ª ed. em 1931]

Azevedo, Fernando de (s/d.). (1973). Figuras do meu convívio. São Paulo, Duas Cidades.

Barreira, Luiz Carlos (2002). "Everardo Adolpho Backheuser". In Favero, Maria de Lourdes Albuquerque & Barros, Jader Medeiros (Org.). Dicionário de educadores no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora de UFRJ; Inep, pp. 332 -338.

Basbaum, Leôncio (1968). História sincera da república. 3ª ed. São Paulo, Fulgor; Alfa-Ômega, vol. 2: de 1889 a 1930.

Cunha, Luiz Antonio Constant Rodrigues (1994). Educação e classes sociais no Manifesto de 32: perguntas sem respostas. Revista de Educação da USP, vol. 20, nº 1 e 2, pp.132 - 150, jan - dez.

Medeiros, Jarbas (1978). Alceu Amoroso Lima: ideologia autoritária no Brasil (1930 - 1945). Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas.

Mills, C. W. Sociology and Pragmatism. New York: Oxford University Press, 1966

Nunes, Clarice. Anísio Teixeira. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. Disponível em https://livrariapublica.com.br/dominio-publico/me4689.pdf

O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA (1932), Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial, p.188–204, ago. 2006. Disponível em http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/manifesto_pioneiros.pdf

Saviani, Dermeval. (2019). História das ideias pedagógicas no Brasil, 5ª edição. Campinas, SP: Autores Associados. (Coleção memória da educação).

Vianna, Luiz Werneck (1978). Liberalismo e sindicalismo no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.