segunda-feira, 1 de março de 2021

Recursos para a Educação no Brasil

DESVINCULAÇÃO DE RECURSOS: Não é verdade que o piso para educação tenha sido inútil

Por Antônio Gois, 01/03/2021

“Vincular o orçamento da União não resolveu nada. Nós gastamos 6,3% do PIB nacional com educação e estamos com a educação brasileira entre as 20 piores nações do mundo". Esse foi um dos argumentos utilizados pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC) para justificar a proposta - retirada depois da repercussão negativa - de desvinculação de recursos para o setor. O debate sobre a eficiência do gasto público e as prioridades do orçamento é sempre necessário e legítimo. Mas é preocupante quando uma medida com impactos profundos num setor tão importante seja apresentada a partir de argumentos superficiais e falaciosos.

A vinculação de recursos para a educação apareceu primeiro na Constituição de 1934, mas logo foi suspensa pela ditadura do Estado Novo. Voltou a vigorar em 1946, mas foi novamente extinta em 1967 por outra ditadura: a militar. Em 1983, já no fim do regime e por iniciativa do Congresso Nacional, foi aprovada a emenda Calmon, que estabelecia pisos mínimos da renda resultante de impostos a serem aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino. Para Estados e municípios, este percentual era de 25% e, para a União, de 13% (ampliado cinco anos depois para 18%, na Constituição de 1988).

No início da década de 80, o percentual do PIB investido em educação no Brasil oscilava ao redor de 2,5%. Para efeito de comparação, nos Estados Unidos - país que já havia há muito erradicado o analfabetismo e universalizado a educação básica naquele momento - esta proporção era de aproximadamente 5%. O dobro.

O que aconteceu com o Brasil desde então? Dados do IBGE indicam que, do início da década de 80 até o final da década passada, o percentual de jovens de 4 a 17 anos fora da escola caiu de 35% para 2,6%. Ainda inaceitável, mas infinitamente menor. No caso de creches, um relatório do MEC de 1994 estimava que, em 1989, apenas 5% das crianças de zero a três anos eram atendidas, sendo metade em escolas sem vínculo com os sistemas de ensino. Hoje, o acesso à creche em redes de ensino está em 37%.

De que adiantou expandir a matrícula se a qualidade piorou? Em primeiro lugar, não piorou. A série histórica do Sistema de Avaliação da Educação Básica começa em 1995. Naquele ano, apenas 19% dos alunos terminavam o 5º ano do ensino fundamental com aprendizado considerado adequado em matemática. Em 2019, foram 49%. Outro erro grave na análise das consequências da expansão da matrícula é restringi-la apenas ao aprendizado. Há evidência consolidada de que, mesmo nas condições atuais de nossas escolas, a expansão das matrículas resulta em maior renda e empregabilidade das mães, em menores taxas de homicídio na adolescência, em menor gravidez precoce indesejada entre jovens e em maiores salários no mercado de trabalho

A afirmação do senador de que estamos entre “as 20 piores nações do mundo” provavelmente é uma referência ao Pisa. Nossos resultados, de fato, são muito ruins. Mas, como a adesão ao exame é voluntária, há um viés nos 79 participantes. Nações desenvolvidas, com maior gasto por aluno e histórico de mais investimento no passado, estão mais representadas do que países em desenvolvimento. A China, por exemplo, participa apenas com algumas províncias – as mais ricas – e Índia, Paquistão, Bangladesh e Nigéria (apenas para ficar na lista dos países mais populosos) nunca participaram. Mesmo assim, quem se der ao trabalho de ler o relatório da OCDE para o Brasil verá que entre 2000 e 2018 houve melhorias tímidas em Leituras e Ciências e mais significativas – apesar de oscilações no período – em Matemática. Isso num contexto em que mais jovens de baixa renda foram incluídos.

 
Na lógica dos debates rasos, dizer que melhoramos em alguns indicadores fundamentais costuma ser interpretado como uma negação de uma realidade ainda preocupante. Temos sérios problemas, inclusive de eficiência no gasto. Mas não é verdade que o investimento feito até agora foi em vão. A questão é que, em educação, os resultados positivos ou negativos costumam ser colhidos no longo prazo.


Como já argumentei neste espaço recentemente, no mundo ideal, políticos brasileiros comprometidos com o interesse público não precisariam de leis os obrigando a gastar com educação. Com mais liberdade, tomariam decisões melhores, sem comprometer o atendimento numa área tão vital. Na prática, é difícil de imaginar esse cenário por aqui. Por isso ainda é tão importante garantir um mínimo de investimentos no setor.

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