quarta-feira, 17 de março de 2021

Euler (1707 - 1783)

Euler e a imperatriz da Rússia


Marcelo Viana, FSP, 16/03/2021

Matemático encontrava regularmente a soberana Catarina, a Grande, para conversar sobre as ciências
O czar Pedro 3º tinha o nome, mas nenhuma das qualidades de seu formidável avô, Pedro 1º, o Grande. Impopular devido a suas ideias pró-germânicas, em 9 de junho de 1762 foi deposto por tropas fiéis à sua carismática esposa, a princesa alemã Sofia de Anhalt-Zerbst que, ao converter-se à igreja ortodoxa russa, adotara o nome Catarina.

O matemático suíço Leonhard Euler - Domínio público

Morreu pouco depois, em condições suspeitas, e Catarina logo se fez coroar, dando início a um reinado de mais de três décadas que fez dela a mulher mais poderosa de sempre, e a única a receber o cognome “a Grande”. Entre suas prioridades estava devolver à capital imperial o brilho cultural que tivera a partir do reinado de Pedro 1º.

As exigências de Leonhard Euler para voltar à Rússia foram exorbitantes: salário anual de 3.000 rublos, pensão para sua esposa, Katharina, e promessa de cargos importantes na corte para seus filhos. Catarina aceitou sem hesitar e, em 1766, Euler regressou pela última vez a São Petersburgo. Está sepultado no mosteiro Alexandre Nevsky, num mausoléu de mármore que tive a oportunidade de visitar em 1991, quando participei da inauguração do Instituto Euler da Academia de Ciências da (ainda) União Soviética.
Esse período final de sua vida foi marcado por diversas tragédias. Cinco anos após ter ficado cego, em 1771 sua casa foi destruída por um incêndio que quase lhe custou a vida. Dois anos depois perdeu sua esposa de 40 anos. Oito dos 13 filhos do casal não chegaram à idade adulta.

Mas em 1776 casou com sua meia-cunhada Salome, e essa relação durou até a sua morte.
Catarina, a Grande, era uma mulher culta e sofisticada, que se correspondia com os maiores intelectuais do seu tempo, e fazia questão de discutir pessoalmente com os pensadores que reuniu em sua corte. Euler não era exceção: tinha encontros regulares com a soberana para conversar sobre matemática e outras ciências.

Euler continuou trabalhando até morrer, sem que os dramas pessoais ou a cegueira abatessem sua incrível produtividade. O seu último trabalho, sobre balões aerostáticos, foi encontrado escrito com giz na ardósia, e foi publicado postumamente.
Em 18 de setembro de 1783, após um almoço em família, sofreu uma hemorragia cerebral enquanto conversava com um colega sobre a recente descoberta de Urano. Poucas horas depois “parou de calcular e de viver”, como explicou Condorcet em seu elogio fúnebre na Academia de Ciências da França.

Seu maior monumento é o website The Euler Archive (Arquivo Euler), repositório dos mais de 850 trabalhos que escreveu, e de muito mais informação sobre sua vida e obra.

Euler e o rei da Prússia

Frederico, o Grande, se desapontava com a falta de habilidades práticas do matemático
Marcelo Viana, FSP, 10/03/2021

Inquieto com a instabilidade de sua posição em São Petersburgo, em 1741, Euler aceitou convite do rei Frederico, o Grande (1712-1786), para dirigir a seção de matemática da Academia de Ciências da Prússia e segue para Berlim. As quase duas décadas seguintes foram marcadas por descobertas muito importantes e por uma relação difícil com o rei.

Entre as obrigações de Euler estava educar a princesa Friederike Charlotte, sobrinha do rei. Ele lhe escreveu mais de 200 cartas sobre temas de matemática e física, que foram depois coletadas e publicadas na forma de um livro. As "Cartas de Euler a uma princesa alemã" evidenciam sua notável capacidade para comunicar ciência em linguagem acessível e se tornaram populares na Europa e nos Estados Unidos.

Frederico, um dos mais brilhantes monarcas do iluminismo, era culto, sofisticado, infatigável, excelente administrador e um dos maiores generais de sua época. Suas conquistas expandiram o reino, alçando a Prússia à condição de uma das principais potências mundiais. A par disso, reuniu em Berlim muitas das melhores mentes da ciência, arte e cultura do seu tempo.

O filósofo, historiador e escritor francês Voltaire ocupava lugar de prestígio na corte de Frederico, o qual apreciava a eloquência e mordacidade do francês. Euler era o oposto: simples, religioso, mal informado fora da matemática, nunca questionava as normas e entrava em discussões sobre temas que conhecia mal, o que o expunha a chacota.

O rei ficou especialmente desapontado com a falta de habilidades práticas do matemático. "Eu queria um chafariz e pedi a Euler que calculasse a força das rodas necessária para elevar a água até o reservatório. O aparelho foi planejado geometricamente e não conseguia erguer nem um gole de água. Vaidade das vaidades! Vaidade da geometria!"

Em suas correspondências, ele se referia a Euler como "o ciclope", brincadeira cruel com a cegueira do olho direito, ocorrida ainda na Rússia. Na sequência de uma catarata no olho esquerdo, em 1766, o matemático ficou totalmente cego, aos 59 anos de idade. Isso não afetou a sua produtividade: em 1775 ele publicou um artigo matemático por semana, uma média impressionante!

Por volta de 1763, enquanto a Guerra dos Sete anos assolava a Prússia e outras partes da Europa, a situação na Rússia tinha melhorado. O poder fora tomado por uma ambiciosa princesa alemã que estava a ponto de tornar-se a imperatriz Catarina, a Grande. A convite dela, Euler decidiu voltar para São Petersburgo. Foi a sua última mudança.

A bela fórmula de Euler


Descoberta do matemático foi pouco mais do que curiosidade até a década de 1890, quando Poincaré revelou o seu profundo significado


Marcelo Viana, FSP, 02/03/2021

Leonhard Euler (1707 - 1783) escrevia sobre matemática, física, astronomia, mecânica, lógica, filosofia e música em latim, alemão e francês. Seus trabalhos foram publicados pelas academias das nações mais avançadas da época, especialmente na Suíça, Rússia, Prússia e França. Mais de um século depois que a Academia Suíça de Ciências iniciou a coletânea de suas obras, com 85 volumes já publicados, a tarefa ainda não terminou.

A sua descoberta mais conhecida do público, obtida por volta de 1740, é a fórmula que leva o seu nome: e(iπ)+1=0. Essa belíssima relação usa os símbolos mais notáveis da matemática (π =3,1415…; a constante de Euler e=2,7182…; a unidade imaginária i=√-1; e os números 0 e 1, com os quais se constroem todos os outros) numa única igualdade que liga a aritmética, a álgebra, a geometria e a análise.


Em 1758, Euler observou que os números F de faces, A de arestas e V de vértices de um poliedro (sólido geométrico) convexo sempre satisfazem a igualdade F-A+V=2. Por exemplo, no cubo F=6, A = 12 e V=8, e vemos que 6-12+8=2. Provas alternativas deste fato foram dadas por matemáticos do calibre de Legendre e Cauchy, que também apontaram que a igualdade pode falhar se o poliedro não for convexo.


Apesar desses avanços, a descoberta de Euler continuou sendo pouco mais do que uma curiosidade até a década de 1890, quando Poincaré revelou o seu profundo significado e a tormou a base de uma nova disciplina matemática: a topologia algébrica.


Em 1760, Euler obteve um importante critério geral de exatidão para equações diferenciais de qualquer ordem. Submeteu o trabalho à Academia de Ciências de São Petersburgo, mas a publicação só ocorreu seis anos depois. No meio tempo, Euler mencionou a descoberta, sem prova, em sua correspondência com D’Alembert, o qual informou Lagrange, Condorcet e outros. Em 1765, o jovem Condorcet publicou uma prova, sem mencionar Euler.


Chateado, mas sem graça de intervir diretamente, Euler insistiu com Lagrange, que era próximo de Condorcet, para que pressionasse esse a reconhecer a origem do resultado. Mas, receoso de arruinar a carreira do amigo, Lagrange “enrolou”. A verdade sobre o “teorema de Condorcet” só veio a ser conhecida em 1980, quando essas cartas foram publicadas.


Em junho de 1741, Euler trocou São Petersburgo por Berlim, onde ficaria por quase duas décadas. Foi um período muito produtivo de sua vida científica. Mas, desprovido de sentido de humor e interessado apenas em números e figuras, o matemático nunca se encaixou na vida na brilhante e sofisticada corte de Frederico, o Grande, rei da Prússia.

Euler, o matemático mais prolífico da história


Estudioso tem inúmeras contribuições fundamentais em áreas da matemática, física, astronomia e até música
Marcelo Viana, FSP, 23/02/2021

Leonhard Euler é um dos grandes matemáticos da história e, certamente, o mais prolífico de todos os tempos. Seus trabalhos contêm inúmeras contribuições fundamentais a diversas áreas da matemática (da teoria dos números até a probabilidade), da física (acústica, ótica), da astronomia (do movimento planetas e cometas até a geofísica e o estudo das marés), da mecânica (da teoria dos corpos rígidos à ciência naval), da lógica, da filosofia e até da música.
As obras “completas” de Euler foram publicadas no século 19, mas o trabalho ficou insatisfatório, o que motivou a Academia de Ciências da Suíça a empreender um esforço mais consistente para reunir todos os seus escritos. Iniciado em 1904, esse projeto já publicou 85 volumes de trabalhos e ainda não está concluído.


Euler nasceu na Basileia, capital da Suíça, em 15 de abril de 1707. Foi contemporâneo e próximo de vários membros da família Bernoulli, especialmente de Daniel Bernoulli (1700 - 1782), com quem manteve amizade ao longo de toda a vida.
Após ter terminado o doutorado em 1726, Euler tentou, sem sucesso, obter uma posição como professor da Universidade de Basileia. Também participou no famoso concurso de solução de problemas matemáticos promovido pela Academia de Ciências de Paris, mas ficou em 2º lugar. Ele viria a ganhar esse concurso doze vezes ao longo de sua vida.


Por essa altura, Daniel Bernoulli se tornou membro da Academia de Ciências de São Petersburgo, na Rússia, e recomendou o seu amigo Euler para a cátedra de fisiologia da academia. Desapontado com o insucesso na sua cidade natal, Euler aceitou o convite da imperatriz Catarina I e viajou para São Petersburgo, onde chegou em maio de 1727. Datam do período que se seguiu muitas de suas grandes descobertas.


A morte de Catarina, sucedida por seu filho e desafeto Pedro II, piorou a situação política dos cientistas, sujeitos à hostilidade da facção tradicionalista ligada ao novo imperador. Desapontado, Daniel Bernoulli voltou para a Suíça em 1733, sendo sucedido por Euler como chefe da divisão de matemática da Academia.


Euler se casou no ano seguinte com a filha de um pintor da Academia. Sua esposa Katharina daria à luz 13 crianças, das quais apenas cinco chegaram à idade adulta. A família permaneceu em São Petersburgo até junho de 1741, quando Euler aceitou oferta irrecusável de Frederico, o Grande, rei da Prússia, para assumir a direção de matemática na Academia de Ciências de Berlim.


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