quinta-feira, 8 de abril de 2021

A Comuna de Paris

Construção histórica e legado político

Milton Pinheiro

Este artigo avalia as questões que antecederam à Comuna de Paris e aqueles que ocorreram entre março e maio de 1871. Considerada como uma construção histórica, em um período de dualidade de poder, a Comuna apresentou padrões de luta, nos momentos da tomada do poder e da transição política do Estado burguês para o Estado Proletário. Tais padrões podem ser percebidos nas várias revoluções do século XX, inauguradas pela Revolução Russa de 1917: a tomada do poder político, as mudanças estruturais, políticas e institucionais do Estado – reorientadas para uma futura eliminação do próprio Estado. Os fracassos dessas lutas não invalidam o princípio revolucionário e emancipador das lutas dos trabalhadores, nos diversos momentos históricos, e nos lega uma perspectiva política para pensarmos o socialismo no século XXI.

Introdução

A história da França é marcada por lutas pela república, mas a de 1848 seria diferente da luta de 1830 (1). O movimento de 48 apresentou a esperança de transformações sociais, descortinando as questões dos operários e dos camponeses. Todavia, a procura constante pela república como possibilidade do sonho da igualdade social esbarrou no projeto da burguesia, que revestida do manto da dominação, perdeu suas características progressistas e se assumiu como classe dominante, lançando mão de um projeto conservador.

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(1) Em 1830 ocorreram acirradas lutas sociais e políticas na França. A partir das missões “saint-simonianas”, os trabalhadores reivindicaram direitos sociais e avançaram na luta política pela república- como um ensaio de revolução. Todavia, o desfecho desse processo foi a derrota dos trabalhadores e o surgimento da chamada Monarquia de Julho, de Luís Felipe.

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A burguesia consolidou sua força hegemônica com a vitória na última revolução burguesa do século XIX (1848) - que se aprofundou com o golpe de 18 Brumário e com o chamado bonapartismo. Napoleão III, um líder carismático, com grande percepção conjuntural, articulado pela presença do campesinato na sua base social de sustentação política, manteve-se no poder até 1870. Percebe-se que o bonapartismo foi a consequência do equilíbrio entre as classes, da falta de hegemonia política de um segmento e de um líder a serviço da articulação entre as diversas frações da burguesia.

O Império foi aclamado de um extremo a outro do mundo como o salvador da sociedade. Sob sua égide, a sociedade burguesa, livre de preocupações políticas, atingiu um desenvolvimento inesperado. Sua indústria e seu comércio adquiriram proporções gigantescas; a especulação financeira realizou orgias cosmopolitas; a miséria das massas ressaltava sobre a ultrajante ostentação de um luxo suntuoso, falso e vil. O poder estatal, que aparentemente flutuava acima da sociedade, era de fato o seu maior escândalo e o viveiro de todas as suas corrupções (Marx, 1977, 196).

Essa forma política de gerência do Estado definiu as ações necessárias para seu projeto de dominação, levando até as últimas consequências as tarefas da revolução burguesa. Consolidou um amplo desenvolvimento capitalista, com o avanço da industrialização, das relações capitalistas de produção e com a urbanização. Essas ações de afirmação do capitalismo vão ter implicações culturais, sociais e políticas. Ao lado disso, a burguesia se fortaleceu entre 1850 a 1870 e seus lucros ultrapassaram os 300%, enquanto o salário cresceu apenas 45%.

No entanto, esse processo foi se modificando a partir do conjunto de contradições e concessões da luta política e do avanço do proletariado parisiense, desgastou-se a relação do Estado bonapartista com a burguesia e os setores monárquico/clerical - paralelamente ao descontentamento do campesinato e do enfrentamento dos trabalhadores.

Como saída para a crise social em que a França se encontrava, Luís Bonaparte inaugurou na era contemporânea a disputa externa como instrumento político para vencer a disputa interna – um dos fatores que impulsionaram a contenda de Napoleão III contra Bismarck.

A guerra franco-prussiana iniciou-se com a derrota da Áustria em 1866 para a Prússia. Bismarck partiu efetivamente para a unificação da Prússia, onde criou a Confederação Alemã do Norte, em 1867. Faltava apenas a anexação dos Estados do sul, para o chancelar prussiano formar o que seria a poderosa Alemanha. Todavia, a França não queria um Estado agressivo, com essas características do Estado prussiano unificado, colado em sua fronteira.

Iniciou-se a guerra franco-prussiana e, no teatro de operações, as tropas francesas mostraram-se taticamente incompetentes, com enorme quantidade de soldados mobilizados, mas poucos equipamentos bélicos. Com esse roteiro, a guerra não se prolongou por muito tempo. Após várias derrotas, chegou-se à batalha final de Sedan, com grande mortandade, o aprisionamento de 100 mil soldados franceses e a prisão do imperador Napoleão III. Em dois de setembro de 1870, a França foi derrotada e humilhada.

Na novela O Desastre, Émile Zola descreve a dramática situação:

Como uma torrente turva fluía a multidão para os fossos de
sedan, fazendo pensar nos montões de lôdo dos e pedras que
a corrente arrasta do alto das montanhas e leva à
profundidade dos vales... Acaso era possível censurar algo a
esses infelizes que tinham permanecido imóveis, esperando
durante doze horas consecutivas, sob os projéteis de um
inimigo invisível e frente ao qual sabiam-se impotentes?
Agora, as baterias inimigas os dizimavam de frente, dos
flancos e pela retaguarda; o fogo cruzado era cada vez mais
denso à medida que o exército fugia em procura da cidade. O
extermínio, que tinha lugar no fundo do sujo fosso para o
qual ia sendo precipitada essa massa humana, era total 
(Jvostvov & Zubok, 1976,11).

Com a derrota em Sedan, o bonapartismo fechou o seu ciclo e entrou em colapso. Na França, a repercussão da guerra e a prisão do imperador alimentaram manifestações protagonizadas pelos trabalhadores de Paris, contra a burguesia e a sua aliança retrógrada políticas, forçando o término da monarquia e a formação de um governo provisório no dia 14 de setembro de 1870. Mesmo com a instalação da III República, as lutas continuaram, com seguimentos monárquicos.

Apesar de haver um governo provisório, as contradições do processo instalaram um vazio político. Os movimentos da história manifestaram-se celeremente: as massas demonstravam insatisfação com as condições da derrota, o governo de defesa nacional fracassava na tentativa de acordo com Bismarck e as tropas prussianas estavam nos portões medievais de Paris. Ocorreu o levante de Lyon e, em Paris, as massas trabalhadoras exigiam armas para enfrentar o inimigo. No último dia de outubro, Paris entrava em ação direta contra o governo de defesa nacional, que capitulou no campo de batalha em Metz.

Sob lideranças blanquistas (2), os operários e a guarda nacional formaram uma Comuna, tomaram o palácio municipal, mas foram derrotados e expulsos pelas tropas do governo de defesa nacional. Ainda em 1870, outro levante em Marselha também foi derrotado.

No limiar da bandeira vermelha

O ano vermelho de 1871 começou com o bombardeio de Paris pelos prussianos que, no dia 18 de janeiro, ocuparam Versalhes e proclamaram o surgimento do império alemão (3).

O governo provisório convocou eleições para Assembleia Nacional. Foram eleitos 750 deputados: 450 monarquistas; os demais eram republicanos das mais diversas posições. Dos 46 deputados eleitos em Paris, apenas 06 eram aliados do governo provisório. No espaço da luta, permanecia um vazio político, com indefinições e improvisações. As lutas de classe se acirravam, principalmente em Paris, apontando para a dualidade de poder. O povo armava-se para combater as tropas prussianas através da formação de 200 batalhões da guarda nacional. Era um momento de profunda divisão de classe. Com o proletariado e a burguesia planejando táticas e estratégias para construir o seu poder, confirmava-se a cena política da dualidade de poder.

Em Paris, a contrarrevolução tentava encetar os seus golpes. Thiers, então chefe do governo em Versalhes, enviou tropas para recuperar as armas que estavam nas colinas de Montmartre. Os trabalhadores resistiram, e na madrugada do dia 18 de março de 1871 derrotaram as forças de Versalhes sob o comando do general Lecomte. Com a eclosão da autodefesa dos trabalhadores diante da contra-revolução, começava a Comuna de Paris, e o rastilho dessa forma de resistência se espalhou pela cidade. O comitê central da guarda nacional assumiu o poder em Paris e realizou eleições para o Conselho da Comuna, no dia 26 de março:

Votaram duzentos e oitenta e sete mil (287.000) eleitores. Número relativamente superior ao de fevereiro de 1871 nas eleições à Assembléia Nacional. No dia 27 de março, na presença de cerca de duzentas mil (200.000) pessoas em clima de grande festa, os eleitos são empossados no hotel de Ville e é proclamada a Comuna (Costa, 1998, 69).

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(2) Louis-Auguste Blanqui (1805-1881) foi um combativo líder revolucionário do século XIX. Teórico centrado no papel da violência era de origem muito simples, e sempre foi ligado aos movimentos carbonários desde o início do século. Passou 36 anos de sua vida preso, e seus seguidores (blanquistas) tiveram um papel muito grande na direção da Comuna. Recai sobre Blanqui a origem do termo, ditadura do proletariado. Ele defendia uma organização clandestina, centralizada, coesa e preparada para tomar o poder.

(3) Bismarck e o alto comando das forças prussianas, a serviço dos junkers, instalados em Versalhes, proclamaram o nascimento do Império alemão.

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A Comuna construindo a história

Do contexto histórico que antecede à Comuna de Paris, podem-se extrair três primeiras lições: 1. A Comuna apresentou-se como consequência da guerra franco-prussiana; 2. O momento aberto pela derrota em Sedan consolidou um vazio político e, na arena da batalha, manifestaram-se as forças do governo de defesa nacional, do governo provisório, do poder estabelecido pelas massas insurretas no seu espontaneismo e, finalmente, no governo operário da Comuna; 3. Nesse ciclo, percebe-se um padrão histórico para o entendimento das revoluções, ainda que não constituído como um dogma.

Trata-se de um padrão que facilita a compreensão da revolução proletária, em períodos históricos recentes, marcados pelas lutas democráticas e revolucionárias, de guerras e revoluções. São sinais observados na Comuna em Paris e que se manifestaram na revolução russa (1917) e em outras revoluções, no decorrer do século XX.

Com a Comuna no exercício do autogoverno dos trabalhadores, foram implantadas medidas que entraram para a história da humanidade. As comissões de trabalho da Comuna tiveram preocupações excepcionais com a questão da justiça, da segurança pública, finanças, instrução pública, medidas militares, saúde, trabalho e comércio, serviços públicos e relações exteriores, tudo isso articulado por uma comissão executiva.

 Esse papel executivo estava imbricado com a função legislativa, e todos os mandatos eram revogáveis - representando uma nova e histórica forma de ação política. Sob essa forma política, transparece uma dualidade do poder, que se afirma no contraponto à ordem burguesa e avança quando a Comuna começa a destruir o aparelho de Estado da burguesia. O conjunto de medidas tomadas contra a ordem burguesa e as ações para impor uma nova democracia configurava uma possibilidade de transição. 

As medidas e ações de natureza política definidas pela Comuna, principalmente aquelas advindas da comissão de trabalho e produção, avançavam na ruptura com a ordem burguesa – em consonância com as variadas formas de se analisar o processo de transição (4), dentro das ideias marxistas. Esse processo de transição pode ser apreendido como uma marcha da história que permite o entendimento dos embates democráticos, das lutas radicais, de guerra e revolução, da quebra do aparato de Estado da burguesia, da constituição dos trabalhadores como classe dominante, da socialização do poder político e da gestão coletiva da produção.

Contudo, no fogo da batalha, a Comuna cometeu erros na sua efêmera existência de 72 dias: não confiscou a propriedade dos meios de produção, limitando-se ao controle social das fábricas (oficinas) que os donos haviam abandonado na fuga de Paris; não marchou no primeiro momento sobre Versalhes, quando as tropas do governo de Thiers encontravam-se desorganizadas; não confiscou do dinheiro do banco de França, que estava financiando as ações contrarrevolucionárias do governo de Versalhes; não promoveu a necessária articulação entre o campo e a cidade; não abriu os arquivos da França, nos quais estavam as mais sórdidas estórias da burguesia e da monarquia; não organizou e disciplinou as ações de combate das tropas da Comuna- um poderoso conjunto de homens e mulheres que estavam com sede de luta e motivados para transformar o mundo em que viviam.


Mas muitos batalhões estavam sem chefes desde 18 de março; os guardas nacionais, sem quadros; os generais improvisados, que assumiam a responsabilidade de liderar quarenta mil homes, não tinham qualquer conhecimento militar, nem jamais haviam conduzido um batalhão ao combate. Não tomaram as providências mais elementares, não reuniram nem artilharia, nem carregamento de munição, nem ambulâncias, esqueceram de fazer uma ordem do dia, deixaram os homens sem víveres por várias horas numa bruma que lhes penetrava os ossos. Cada federado seguiu o chefe que quis. Muitos não tinham cartuchos, pois acreditavam, como diziam os jornais, que se tratava de um simples passeio militar (Lissagaray, 1991, 143).

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(4) Como afirma José Paulo Netto (1990, 87), “A transição socialista, ou seja, o período histórico que compreende a realização dessas tarefas, a etapa entre a liquidação do domínio político-econômico da burguesia e a emancipação de todas as classes na supressão do proletariado enquanto classe – a transição socialista, na ótica do pensamento socialista revolucionário nas suas matrizes ‘clássicas’, constitui o tempo sócio-histórico em que, simultaneamente, se opera a socialização da economia e a socialização da política (do poder político)”.

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Pode-se afirmar que a Comuna foi o primeiro Estado operário (5), e que iniciou o processo histórico de revolução proletária na era contemporânea. A Comuna iniciou esse ciclo e se consolidou como legado político para pensarmos o socialismo no século XXI.

Paris e a Comuna foram derrotadas por elementos circunstanciais das relações de causa e efeito. Contudo, a Comuna permanece como representação das ideias comunistas e da afirmação ontológica do ser humano. A revolução construída pela Comuna lutava contra a exploração no mundo da produção; deixou claro que a política efetivada pela esfera pública era um instrumento de classe a serviço da propriedade privada; e por ser uma Comuna operária, apresentou a possibilidade de construção de um novo ser social, a partir do trabalho.

Ainda que as revoluções variem em sua forma e em suas perspectivas sociais, a Comuna mostrou o seu caráter proletário e internacionalista (6). Percebeu aquilo que está no Manifesto Comunista, ou seja, que o Estado é um comitê para administrar os negócios da burguesia. Por isso, os Comunards insistiram em destruir esse Estado a serviço da propriedade privada e da sua hegemonia moral - efetivando a afirmação de Marx, nas palavras de Lênin (1980, 247): “A ideia de Marx consiste em que a classe operária deve quebrar, demolir a ‘máquina de Estado que encontra montada’, e não limitar-se simplesmente à sua conquista”.

Com a Comuna, surgiu a possibilidade de efetivação de um poder socializado que emergia da produção, transformava o caráter político de classe no poder dos trabalhadores associados de Paris. Mesmo com a sua derrota, colocou na lixeira da história o espasmo reacionário de Thiers, quando afirmou que o socialismo estava acabado por muito tempo.

No início do século XX, com o mesmo padrão histórico, entraram em cena os trabalhadores, camponeses e soldados da Rússia, que se levantaram para constituírem os sovietes. A revolução russa atualizou a Comuna como um instrumento teórico. E os acontecimentos revolucionários do breve século XX, atualizaram as perspectivas de luta pelo socialismo no século XXI.

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(5) Como afirmava Marx (1977: 67), “Eis o seu verdadeiro segredo: a Comuna era, essencialmente, um governo da classe operária, fruto da luta da classe produtora contra a classe apropriadora, a forma política enfim descoberta para levar adiante dentro de si a emancipação econômica do trabalho”.

(6) É importante registrar a presença de militantes internacionais que lutaram nas fileiras da Comuna, tornando real a frase de Marx, “Proletários de os todos países, uni-vos”. Havia trabalhadores de vários países europeus em Paris, particularmente vindos da Bélgica. Todavia, pela Comuna passaram internacionalistas que tiveram papéis extraordinários, a exemplo de Léo Frankel, operário húngaro que foi o comissário de justiça da Comuna, e que realizou uma grande obra social. Também, os militares poloneses Wroblewski e Dombrowski que lideraram as tropas comunardas. Este último, como comandante militar da Comuna, lutou até os últimos dias da façanha histórica. Morreu em combate no dia 23 de maio, e se transformou em herói da república universal, assim como tantos outros lutadores anônimos.

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Esse constante reexame na teoria foi feito, quando ao examinar a quebra da estrutura do Estado burguês, pela Comuna de Paris, Marx encontrou a forma política da ditadura do proletariado: a primazia da classe trabalhadora no controle do Estado, para possibilitar a transição para uma sociedade sem Estado. Esses ajustes continuam, ao analisar o bonapartismo, Marx considerou que a burguesia também inaugurou a sua ditadura de classe (7).
O caráter universal da Comuna consolidou um momento intermédio, de transição para a ditadura do proletariado, através da luta pela conquista do Estado, por um governo dos trabalhadores (exército popular) em armas - capaz de elaborar e executar novas leis. Para além dos seus erros ou incompreensões, algumas questões permanecem emblemáticas: 1. a Comuna foi inspiradora da luta pelo socialismo e, pela sua composição social, foi operária (Rougerie, 1964); 2. as suas ações partiram do contexto da luta de classes, numa dimensão de representação dos trabalhadores (8).

A natureza e as ações da Comuna confirmaram, portanto, que a história da luta dos trabalhadores é uma história das lutas contra hegemônicas. O momento de transição principia com as lutas do processo e com a destruição do aparato burocrático da burguesia e da elaboração de medidas capazes de estabelecer a ruptura com a ordem do capital:

“A simultaneidade destas transformações não é uma petição teórica acidental. Traduz a requisição, inferida de análises sócio-históricas particulares, que pode garantir o trânsito à sociedade sem classes, onde a promessa de felicidade  e torna uma possibilidade concreta e objetiva” (Netto, 1980, 87).

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(7) Para Trotski (2002:174), a partir da compreensão do bonapartismo de Marx, “a única forma de governo aceitável numa época em que a burguesia perdeu a capacidade de governar o povo, e em que a classe operária ainda não adquiriu essa capacidade”. Afinal, “não é democracia, mas, sim, o bonapartismo que representa, do ponto de vista de Marx, a fase final do poder da burguesia”.

(8) Como discutia Engels, “Assim, o caráter de classe do movimento de Paris, que antes ficara relegado a segundo plano pela luta contra os invasores estrangeiros, ocorreu do dia 18 de março em diante com traços enérgicos e claros. Como os membros da comuna eram todos, quase sem exceção, operários ou representantes reconhecidos dos operários, as suas decisões distinguiam-se por um marcado caráter proletário. Estas decisões, ou decretavam reformas que a burguesia republicana apenas tinha renunciado a implantar por covardia, mas constituíam uma base indispensável para a livre ação da classe operária (como, por exemplo, a implantação do princípio de que, no que diz respeito ao Estado, a religião é um assunto puramente privado) ou iam diretamente ao encontro do interesse da classe operária e, em parte, abriam profundas fendas na velha ordem social” (Engels, 2003,79).

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A Comuna surgiu da dualidade de poder e se efetivou na ação revolucionária a partir do conjunto das medidas implementadas, ainda que momentaneamente, pela conquista possibilitada pela vitória nas lutas de classe.

A análise das medidas empreendidas pela Comuna, no seu curto poder, confirmam a profunda grandeza com que se revestiu essa façanha emancipatória: a inovadora junção das atribuições executivas e legislativas (sem a tradicional separação burguesa dos poderes) e a possibilidade de revogação dos mandatos, a qualquer momento, a partir do interesse daqueles que elegeram. Os juízes eram eleitos para os tribunais civis. A ordem pública foi mantida sem abalos, pois, a partir da fuga do governo provisório para Versalhes, Paris transformou-se numa cidade muito segura, com a ordem pública mantida pelo povo em armas. Como o crime do individuo contra o indivíduo é um produto da ordem burguesa, a fuga dessa escória para Versalhes contribuiu para que Paris tivesse um índice diminuto de delitos. 

As comissões da Comuna desenvolveram práticas seminais no campo da democracia direta e se tornaram o poder executivo central da Comuna, tomando medidas inovadoras, como a reorganização da produção em oficinas coletivas. Somaram-se a essas medidas, as resoluções da AIT (aprovadas no Congresso de Genebra) sobre a separação do Estado da Igreja e da transformação do ensino confessional em ensino laico e gratuito - considerada como fundamental para a emancipação humana.

A Comuna deixou a lição de que é possível um poder de transição, representativo dos trabalhadores, desarticular o aparato burguês e socializar o exercício do poder político. Como primeiro passo para a transição, o governo operário é uma democracia de novo tipo, tendendo a ser socialista, como diria Marx. A Comuna conseguiu se atualizar com a revolução russa, afirmaria Lênin. Isso foi realçado por Trotski (2002:155): “Por fim, tínhamos por trás de nós a heróica Comuna de Paris, de cuja queda havíamos tirado a dedução de que aos revolucionários compete prever os acontecimentos e preparar-se para eles”.

Portanto, o legado político da Comuna cria possibilidades para que possamos, no fogo das lutas sociais do começo do século XXI, colocar o socialismo como algo que está na ordem do dia.


Bibliografia

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ENGELS, F. A guerra civil na França, introdução de 1891. in Coggiola, O. (org.) Escritos

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LÊNIN, V. I. O Estado e a Revolução. In: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, v. 2, 1980.

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MARX, K. A Guerra Civil na França. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977.

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TROTSKI, L. A Comuna de Paris e a Rússia dos Soviéts. in Coggiolla, Osvaldo (org).

Escritos sobre a Comuna de Paris. São Paulo: Xamã, 2002.

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VII Colóquio Marx e Engels

A Comuna de Paris: construção histórica e legado político

Milton Pinheiro

Professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia - UNEB

GT 9 – Socialismo no século XXI. Mesa redonda: A Comuna de Paris e a luta

pelo socialismo no século XXI

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A comuna de Paris

Sobre a comuna de Paris (dossiêr) 








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