Debate em educação ganharia se fosse feito com menos reducionismo e senso comum
Por Antônio Gois, O Globo, 26/04/2021
“Você já deve ter pego um táxi ou Uber - com todo respeito que eu tenho a profissão de motorista - em que o motorista de Uber fala ‘na verdade eu sou engenheiro, na verdade eu sou advogado’. Essa ideia só de diploma não levou a nada. E o Brasil carece hoje de mão de obra técnica profissional.”
A afirmação acima foi feita na semana passada pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, em entrevista ao programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, ao responder a uma pergunta sobre a necessidade de expandir o ensino profissionalizante no país. Não é a primeira vez – e provavelmente não será a última - que uma autoridade pública recorre a essa imagem para criticar ou justificar uma política pública relacionada ao ensino superior ou técnico.
O problema nesse argumento, em especial quando utilizado pelo ministro da educação, é que se trata apenas de uma evidência anedótica, do mesmo nível que afirmar que fumar não faz mal pois conhecemos algum parente na família que fumou a vida inteira sem ter tido complicações por causa disso. Sabemos, porém, que o fumo é prejudicial por um conjunto de evidências científicas que olham para os dados gerais da população, e não para exemplos isolados. Deveríamos usar a mesma régua para falar de políticas educacionais.
Uma simples consulta ao site do IBGE permite verificar que a taxa de desemprego entre a população que hoje tem nível superior completo no Brasil está em 7% (dado referente ao último trimestre de 2020). É a menor proporção entre todos os grupos de escolaridade. A maior é verificada entre os brasileiros com ensino médio incompleto (24%).
Ter um diploma no Brasil, em média, traz também significativas vantagens salariais. Dados da OCDE mostram aliás que o diferencial de renda de quem conseguiu completar universidade é dos maiores do mundo por aqui. Não porque nosso ensino superior seja de qualidade, mas porque ainda é para poucos. Assim como é igualmente para poucos o acesso ao ensino profissionalizante, e não há dúvida de que também precisamos expandir essa modalidade, inclusive pelo retorno positivo que ela traz no mercado de trabalho.
Este não foi o único reducionismo a que o ministro recorreu. Em outro momento, ao falar de alfabetização, ele afirma que “a opção por alternativas pedagógicas para mim equivocadas no passado gerou isso que estamos vendo aí hoje, que são crianças com 9 anos que não sabem ler”, relacionando esse problema especialmente aos “últimos 20 anos”. O discurso de romantizar um passado educacional é recorrente no governo. O problema nesse caso é quando os números, de novo, teimam em contradizer a tese.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, mostrava em 1982 que 47% das crianças de 8 e 9 anos de idade eram analfabetas. Em 1995 (neste caso apenas para os oito anos de idade), a proporção era de 28% e, em 2015, caiu para 10%. A questão aqui não é negar o grave problema que ainda temos no presente - e que são mais amplos do que os dados de alfabetização do IBGE captam -, mas, sim, refutar a tese de que a situação era melhor no passado. Não era.
Os debates em relação às melhores alternativas pedagógicas na alfabetização ou sobre a necessidade de expansão do ensino profissionalizante ou superior continuam necessários e relevantes. Ganharíamos, porém, se fossem feitos com menos reducionismo e apelo a sensos-comuns equivocados.
PS - Todas as estatísticas citadas na coluna são do IBGE. O que demonstra, mais uma vez, o quão importante é para o planejamento das políticas públicas ter estatísticas históricas comparáveis e atualizadas. Mas, infelizmente, por obra do governo e do Congresso Nacional, adiaremos mais uma vez o Censo Demográfico, pesquisa fundamental também para que todos os levantamentos amostrais do país tenham mais precisão para captar questões importantes para o futuro do país.
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