No texto anterior, Saviani e as ideias pedagógicas no Brasil (1), foram discutidos os dois períodos iniciais do livro de Dermeval Saviani: as ideias pedagógicas nos períodos 1549 - 1759 e 1759 - 1939. Agora vamos nos ater em parte do 3º período (1932 - 1969)
3º Período (1932 – 1969) - predominância da pedagogia nova: equilíbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova (1932 – 1947)
Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da vida", refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. E' evidente que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões diferentes sobre a "concepção do mundo", que convém fazer adotar ao educando e sobre o que é necessário considerar como "qualidade socialmente útil". (...) A educação, uma função essencialmente pública: Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. (...) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação: A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. (O manifesto dos pioneiros da educação nova - 1932)
Assinam o Manifesto de 32 as seguinte personalidades: Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, Antônio de Sampaio Doria, Anísio Spinola Teixeira, Manuel Bergstrom Lourenço Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, Carlo Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., Jose Paranhos Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Noemy Marques da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua Francisco Venancio Filho, Paulo Maranhão, Cecilia Meirelles, Edgar Sussekind de Mendonça, Armanda Alvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nobrega da Cunha, Paschoal Lemme, Raul Gomes.
O Manifesto de 32 tem a seguinte estrutura:
Introdução: O movimento de renovação educacional; Diretrizes que se esclarecem; Reformas e Reforma.
1. O fundamentos filosóficos e sociais da educação: Finalidades da educação; Valores mutáveis e valores permanentes.
2. A organização e administração do sistema educacional:
O Estado em face da educação: A educação, uma função essencialmente pública; A questão da escola única; A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação
A função educacional: A unidade da função educacional; A autonomia da função educacional; A descentralização.
3. As bases psicobiológicas da educação: O processo educativo; o conceito e os fundamentos da Educação Nova.
4. Planejamento do sistema, conforme os princípios e diretrizes enunciados:
Plano de reconstrução educacional: As linhas gerais do plano; O ponto nevrálgico da questão; O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no Brasil; O problema dos melhores.
A unidade de formação de professores e a unidade de espírito.
O papel da escola na vida e sua função social.
Conclusão: A democracia - um programa de longos deveres.
O manifesto dos educadores em 1932 foi um ponto de inflexão nas discussões sobre educação no Brasil. Os embates sobre a organização de um Sistema Nacional de Educação foram realizados sob a égide das ideias contidas neste manifesto. Com perdas e ganhos, mas com influências no período 1932 - 1969. Dermeval Saviani analisou estas influências em "Manifesto dos pioneiros da educação nova de 1932 e a questão do Sistema Nacional de Educação", (p. 15), quando da comemoração dos 80 anos após o Manifesto, em 2014.
No tema Plano de reconstrução educacional, o Manifesto 32, diz sobre a escola secundária: Sobre a base de uma cultura geral comum, em que importará menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o "método de sua aquisição", a escola moderna estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de formas de atividade social. (Manifesto, p. 198).
O método de aquisição versus conteúdos. É uma concepção pedagógica diferente e inovadora.
E sobre a universidade, o que diz o Manifesto 32? Ao lado das faculdades profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõe-se a criação simultânea ou sucessiva, em cada quadro universitário, de faculdades de ciências sociais e econômicas; de ciências matemáticas, físicas e naturais, e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos mentais e das necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em todos os ramos de conhecimentos humanos. (Idem, p. 199)
As pelejas sobre universalização da educação pública estatal percorreram o século XX, do Manifesto de 1932 à Constituinte de 1988. Nesta Constituinte a Educação como dever do Estado perdeu para o conceito da Educação como serviço. O dever perdeu para o serviço.
Em 2019, o Ensino superior já estava semi-privatizado (cerca de 80% das matrículas estão no ensino privado, com raras exceções, de baixa qualidade) e o Ensino Básico não, a relação é invertida: 20% está no setor privado.
O predomínio da pedagogia nova
Os lazeres, os ócios, representam um perigo iminente para o homem habituado ao trabalho, e nos lazeres ele encontra seduções extremamente perigosas, se não tiver suficiente elevação moral para dominar os instintos subalternos que dormem em todo ser humano (Vianna, 1978, p. 79, in Saviani, p. 190).
De quem é a citação acima? Da FIESP (Federação das Industrias do Estado de São Paulo) de 1926. Um relatório das associações empresariais paulistas, redigido por Otávio Pupo Nogueira.
É o fordismo presente no Brasil no início do século XX. Época em que o café ganha proeminência após os ciclos do ouro e do açúcar. O café e o capitalismo brasileiros, neste período, chegaram num contexto complexo. A população global cresceu de 14,3 milhões em 1890 para 30,6 milhões em 1920 e 35,8 milhões em 1925. No Brasil a concentração urbana acelerada: No Distrito Federal (hoje Rio de Janeiro) a população passou de 522,6 mil em 1890 para 1.15 milhão em 1920; São Paulo no mesmo período passou de 64,9 mil para 579 mil. A atividade industrial se desenvolve durante a 1ª guerra (1915 - 1919) quando foram criadas 6,9 mil empresas, número parecido com a criadas nos último 25 anos (5,9 mil). O número operários passa de 500 mil em 1920 para 800 mil em 1930 (Basbaum, 1968, pp. 140-141 in Saviani, p. 189).
É deste ambiente que a preocupação da FIESP se explica em 1926.
E é com este preâmbulo que Saviani analisa, no capítulo VIII (as ideias pedagógicas no Brasil entre 1932 e 1969: o predomínio da pedagogia nova), a peleja educacional, com a inserção do escolanovismo. E a batalha com a Igreja Católica continua.
Em novembro de 1930 o governo provisório, liderado por Getúlio Vargas, cria o Ministério da Educação e Saúde Pública. Francisco Campos, um escolanovista, é empossado ministro. Em abril de 1931 vem a chamada Reforma Francisco Campos com uma penca de decretos: cria o Conselho Nacional de Educação, organiza o ensino superior no Brasil, a Universidade do Rio de Janeiro, o ensino secundário e o ensino comercial. E de sobra, uma banana: restabelece o ensino religioso nas escolas públicas.
O Decreto 19.941 de 30/04/1931 institui, pela primeira vez na história de República, o ensino religioso nas escolas oficiais, atendendo a Igreja Católica. Qual o significado dessa aliança? Saviani com a palavra:
Como explicar que um adepto do escolanovismo, ao assumir o posto de autoridade máxima dos assuntos educacionais da República, tenha tomado medida em benefício da Igreja Católica? Por um lado, essa situação não se configurava tão estranha, uma vez que estava respaldada por importantes precedentes históricos, como se pode ver pelos processos de restauração na Europa em meados do século XIX. O exemplo mais contundente desse fenômeno deu-se na França, onde a burguesia, após ter atacado violentamente a Igreja enquanto componente de "Antigo Regime", a ela se aliou diante do temor do avanço do movimento operário. E no Brasil das décadas de 1920-1930 também estava em causa esse temor num momento em que se preocupava converter a questão social de caso de polícia, como fora tratada na República Velha, em questão política. E a Igreja aparecia, aí, como um antídoto importante com sua doutrina social... (Saviani, p. 196)
O escolanovismo
A trindade cardinalícia (nas palavras de Saviani) do movimento brasileiro da Escola Nova é formada por: Manuel Bergstrom Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Anísio Spínola Teixeira.
Manuel Bergstrom Lourenço Filho (1987 - 1970) escreveu o primeiro livro com o ideário renovador no Brasil: Introdução ao estudo da escola nova, com sua 1ª edição em 1930. Os detalhes deste livro, já na 14ª edição, estão a seguir.
Lourenço Filho, M.B. (Manuel Bergstrom) 1897 - 1970. Introdução ao estudo da escola nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia contemporânea / M. B. Lourenço Filho. 14ª ed. - Rio de Janeiro. EdUERJ: Conselho Federal de Psicologia, 2002, 392 p.
Sumário
Parte I - As bases
I - O movimento da escola nova e suas bases históricas
Proposição geral do tema. As raizes do movimento. A renovação escolar e a influência da 1ª Grande Guerra. A educação totalitária, a 2ª Grande Guerra e suas consequências. Situação atual.
II - As bases técnicas e sua elaboração: contribuição da biologia
Empirismo e técnica. A pedologia: estudo da criança. Contribuição dos estudos da biologia. Aplicações técnicas e influência geral dos métodos boológicos.
III - As bases técnicas e a contribuição geral da psicologia
Do biológico ao psicológico. Psicologia e educação. A expansão dos estudos psicológicos. Contribuição geral da psicologia à renovação escolar: variações psicológicasnas idades, diferenças individuais, modelo funcional.
IV - A psicologia e seus grandes constructos atuais
A motivação. A aprendizagem. As teorias da aprendizagem. A personalidade: descrição, formação e desenvolvimento.
V - As bases técnicas e os estudos sociais
Do individual ao social. Os estudos sociais. Estudos relativos à morfologia social. Estudos sobre a dinâmica social. Assimilação, dinâmica social e educação. As instituições educativas e as condições sociais. Contribuição geral dos estudos sociais. Microeducação e macroeducação.
Parte II: os sistemas
VI - As bases e os sistemas didáticos
Importância do estudo dos sistemas. Normalização do trabalho escolar: a didática. Basedow, Pestalozzi e Foebel. Um grande sistematizador: Herbart. Escola ativa, escola do trabalho, ensino fundamental.
VII - Ensaios precursores, primeiras "Escolas Novas' e expansão das ideias de reforma.
Ensaios precursores. Realizações na Inglaterra. Instituições com o título expresso de "escola nova". Caracteres gerais das "escolas novas" (Inglaterra, Alemanha, Suiça, Itália). Primeiras aplicações ao ensino público (Austria, Alemanha). A renovação nos Estados Unidos. Dois ensaios brasileiros.
VIII - Dois sistemas de grande difusão: Montessori e Decroly
Considerações gerais. O sistema de Montessori e suas origens. Princípios básicos de Montessori: liberdade, atividade, individualidade. Os fundamentos da didática montessoriana. Um sistema de transição: Decroly. Sistemas de princípios, não de fórmulas. Os procedimentos: sistemas de transição. Os "centros de interesses". As três fases de cada centro. Servem os "centros" a qualquer idade? Os jogos educativos.
IX - O sistema de "projetos"
Gênese e desenvolvimento do sistema. Princípios fundamentais. Técnicas dos projetos. Há passos formais nos projetos? Organização de séries de projetos. Resultados do ensino pelo sistema de projetos.
X - O sistema de "unidades de trabalho"
Fundamentos gerais. Experiência e vida social. O ambiente da escola e os objetivos sociais. Organização das unidades e procedimentos didáticos. Sistema especial: aplicação no ensino médio e no ensino superior.
Parte III: a problemática
XI - A problemática e a filosofia da educação
Análise preliminar. As grandes correntes do pensamento filosófico (idealismo, realismo, pragmatismo e instrumentalismo, personalismo, humanismo, supernaturalismo). Relações entre a filosofia e a pedagogia. Princípios gerais da escola nova.
XII - Problemática e ação polítca
Educação, vida social e cultural. Bases comuns da renovação educacional e política. Projeções na vida social e política. A mudança social e os sistemas de ensino.
Na bibliografia, estão títulos de obras de autores como: John Dewey, David Émile Durkheim, Willian Heard Kilpatrick, Paul Gerhard Nartop, Émile Bréhier, Adolphe Ferrière, Lucio Lombardo-Radice, Wladmir Bechtrew, Maurice Blondel, Kurt Kofka, Henri Piéron, Watson, Ivan Petrovich Pavlov, Edward Lee Thordinke, Édouard Claparède, Jean - Ovid Decroly, Omer Buyse, Hamaide, Gerg Kerschensteiner.
Vê-se que o escopo da obra foi difundir o ideário escolanovista, cingido-se às sua principais manifestações surgidas na Europa e nos Estados Unidos. É interessante observar que, nas apenas três páginas ao final do capítulo VII em que aborda os "ensaios brasileiros", Lourenço Filho se refere de passagem aos reflexos do movimento de renovação didática no final do século XIX em colégios particulares de origem norte-americana: Colégio Progresso, do Rio de Janeiro, Escola Americana da capital paulista e Colégio Piracicabano, de Piracicaba. (Saviani, p. 202)
As primeiras experiências escolanovistas aconteceram em escolas privadas à margem das redes públicas de ensino. Em contraposição aos princípios explicitados pelo Manifesto de 32, que teve Lourenço Filho como um dos seus signatários, e pregava a reconstrução educacional dos sistemas públicos. Mas o movimento da Escola Nova se espalhou no futuro contaminando as discussões sobre as ideias pedagógicas no Brasil.
Lourenço Filho foi uma figura chave no processo de desenvolvimento e divulgação das ideias da Escola Nova no Brasil. Por mais de cinquenta anos (...) animou o ambiente pedagógico no país até a sua morte em 3 de agosto de 1970, no Rio de Janeiro. (Saviani, p. 206).
Fernando Azevedo (1894 - 1974) concluiu, em 1918, o curso de direito na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em São Paulo, mas não exerceu a advocacia. Dedicou-se ao magistério e à critica literário como jornalista. Enturmou-se com o pessoal do Manifesto de 1932 e foi o redator do documento.
... o que está em causa, aí, é o estímulo às observações e experiências da criança, levando-a a desenvolver o trabalho com interesse e prazerosamente, satisfazendo sua curiosidade intelectual: "O aluno observa, experimenta, projeta e executa. O mestre estimula, aconselha, orienta" (Azevedo, 1958, p. 74). E reintera: para lá de orientador, o professor "é um colaborador que conduz em suas investigações e experiências e, participando de uma atividade que provocou e acompanha, contribui para estabelecer entre o aluno e o professor essa solidariedade efetiva que provém do trabalho feito em comum" (idem, in Saviani, p. 212).
Com essas posições pedagógicas, Azevedo nos surpreende: exaltava a política educacional de Estado Novo que atingiu o ponto culminante na Constituição de 1937.
Quanto à ciência e ideologia dizia-se inspirado em Karl Marx e David Émile Durkheim.
... não resta dúvida de que havia, por parte de Fernando Azevedo, uma clara desconfiança em relação ao pensamento de esquerda, em especial ao marxismo. (...) Não deixa de ser surpreendente, e também curioso, o enquadramento do socialismo na sociologia positivista operado pelo pioneiro considerado por Luiz Antônio Cunha o líder da tendência liberal elitista. Ganha todo o sentido, portanto, o enunciado de Antônio Candido em entrevista a Maria Luiza Penna: se não aceitarmos a contradição, não entenderemos Fernando Azevedo. Todo ele é contraditório (apud Cunha, 1994, p. 140). Aliás, o próprio Azevedo, em seu esboço autobiográfico, considera-se uma "personalidade complexa e contraditória" (Azevedo, 1973, p. 234, in Saviani, pp. 215 e 216)
Anísio Spindola Teixeira (1900 - 1971)
Da trindade cardinalícia do movimento brasileiro da Escola Nova, Anísio Teixeira foi o mais proeminente dos três, junto com Azevedo e Lourenço Filho. Foi um ativista ferrenho no campo das ideiais pedagógicas. Em 1931 é nomeado membro da Comissão do então Ministério da Educação e Saúde Pública, encarregada dos estudos relativos à reorganização do ensino secundário no país e em 1932 publica Educação progressiva, pela Companhia Editora Nacional, São Paulo. Assume a cátedra de Filosofia da Educação no Instituto de Educação do Rio de Janeiro e, mais tarde, na Escola de Educação da UDF, na qual permanece até o momento de sua saída da Diretoria da Instrução Pública. Assina o Manifesto dos pioneiros da educação nova, ao lado de outros 31 personalidades acima citadas.
Até sua morte em 1971, Anísio lutou para a educação como um direito de todos e jamais um privilégio de classe social. A escola pública, universal e gratuita.
E esse grau de desigualdade refletia-se na educação, que na verdade era tratada como um objeto de privilégio das elites. Contrapondo-se a essa situação, a vida de Anísio Teixeira foi sempre marcada pelo entendimento segundo o qual a educação é um direito de todos e não é jamais um privilégio. Esse entendimento atravessa de ponta a ponta toda a sua obra, tendo sido, inclusive, estampado nos títulos de alguns de seus livros com "Educação não é privilégio", de 1957 (Teixeira, 1994) e "Educação é um direito", publicado em 1968 (Teixeira, 1968b in Saviani, p. 222).
Cronologia Anísio Teixeira (Nunes, pp. 121 - 123)
1900 - Nasce na cidade baiana de Caetité, a 12 de julho de 1900, filho de Deocleciano Pires Teixeira e Ana Spínola Teixeira.
1907 - Inicia os estudos primários com os jesuítas no Colégio São Luiz.
1914 - Ingressa no Colégio Antônio Vieira, em Salvador, onde fez o curso secundário.
1922 - Torna-se Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro.
1924 - É nomeado, a 9 de abril, Inspetor Geral de Ensino da Secretaria doInterior, Justiça e Instrução Pública da Bahia.
1925 - A Inspetoria Geral de Ensino transforma-se em Diretoria Geral de Instrução. Acompanha D. Augusto Álvaro da Silva em viagem à Europa e tem a oportunidade de observar seus sistemas escolares.
1926 - Inaugura a Escola Normal de Caetité.
1927 - Realiza a primeira viagem aos EUA, em abril, comissionado por lei, para estudos de organização escolar.
1928 - Publica Aspectos americanos de educação: relatório sobre suas observações na América do Norte. Volta aos EUA para um curso de dez meses no Teacher’s College da Columbia University, de New York.
1929 - Exonera-se do cargo de Diretor Geral de Instrução da Bahia. Publica pelas Edições Melhoramentos Vida e educação, o livro de John Dewey, tendo como prefácio o estudo de sua autoria “A pedagogia de Dewey: esboço da Teoria da Educação de John Dewey”. Gradua-se como Master of Arts, especializado em Educação pelo Teacher’s College da Columbia University.
1931 - É nomeado membro da Comissão do então Ministério da Educação e Saúde Pública, encarregada dos estudos relativos à reorganização do ensino secundário no país.
1932 - Publica Educação progressiva, pela Companhia Editora Nacional, São Paulo. Assume a cátedra de Filosofia da Educação no Instituto de Educação do Rio de Janeiro e, mais tarde, na Escola de Educação da UDF, na qual permanece até o momento de sua saída da Diretoria da Instrução Pública. Assina o Manifesto dos pioneiros da educação nova, ao lado de outros intelectuais educadores. Casa-se a 7 de maio com dona Emília Telles Ferreira.
1934 - Publica Em marcha para a democracia: à margem dos Estados Unidos e Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação, pela Editora Guanabara, Rio de Janeiro.
1935 - Exerce o cargo de reitor da Universidade do Distrito Federal durante a ausência deste até provimento do cargo de Vice-Reitor. É nomeado secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal. Em 1º de dezembro pede demissão do cargo por motivos políticos.
1937 - Nasce sua primeira filha, Marta Maria. Com a chegada do Estado Novo, é banido da vida pública e recolhe-se no interior da Bahia.
1939 - Nasce sua segunda filha, Ana Cristina. Muda-se para Salvador e, junto com os irmãos Jaime e Nélson, gerencia a Sociedade Importadora e Exportadora (Simel), empresa de exportação de minérios e importadora de locomotivas e material ferroviário.
1941 - Nasce seu terceiro filho, Carlos Antônio.
1943 - Nasce seu quarto filho, José Maurício.
1946 - É convidado por Julian Huxley para Conselheiro de Educação da Organização Educacional Científica da ONU, sediada em Londres. Exerce a função de Conselheiro para o ensino superior da Unesco (1946-1947).
1947 - Convidado pelo governador Otávio Mangabeira, exerce o cargo de secretário de Educação e Saúde do Estado da Bahia (1947-1951).
1951 - Torna-se Secretário Geral da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (Capes), a convite do ministro Ernesto Simões Filho, permanece no cargo de 1951 a 1964.
1952 - Integra a Diretoria do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), entre 1952 e 1964. Publica A educação e a crise brasileira.
1954 - Publica A universidade e a liberdade humana, pelo Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro.
1955 - Profere aula inaugural na Universidade do Rio Grande do Sul: “O espírito científico e o mundo atual”.
1956 - Publica A educação e a crise brasileira, pela Cia. Editora Nacional, Rio de Janeiro. Comparece ao Primeiro Congresso Estadual de Educação Primária em Ribeirão Preto, onde pronuncia conferência “A escola pública, universal e gratuita”. Comparece à 1ª Conferência Internacional de Pesquisa Educacional, realizada em fevereiro nos EUA, por iniciativa da Unesco, onde apresenta um informe sobre o CBPE.
1957 - Inaugura o Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife. Publica Educação não é privilégio e se vê envolvido numa luta sem tréguas contra as autoridades eclesiásticas católicas.
1958 - É o Presidente de Honra da Sessão de Encerramento do Congresso Estadual dos Estudantes de São Paulo. Contra ele vem a público o Memorial dos Bispos Gaúchos. Em apoio ao educador os intelectuais e cientistas sociais lançam um novo manifesto: Mais uma vez convocados.
1959 - Inaugura-se a Casa do Brasil, na Cidade Universitária de Paris, para cuja construção e funcionamento contribui de maneira decisiva como diretor do Inep.
1960 - Viaja para o Chile para participar da reunião do Conselho de Educação Superior das Repúblicas Americanas. É publicada a edição comemorativa do seu 60º aniversário: Anísio Teixeira: pensamento e ação, pela Editora Civilização Brasileira, reunindo estudos e depoimentos sobre sua obra.
1962 - Seu filho José Maurício morre em acidente de automóvel. Torna-se membro do Conselho Federal de Educação, com mandato de seis anos.
1963 - Participa de nova reunião do Conselho Superior nas Repúblicas Americanas, na Cidade do México. Ministra, durante quatro meses, um Curso de Conferências na Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, como professor convidado, após o que foi agraciado com a “Medalha de Honra por Serviços Relevantes”, pelo Teacher’s College daquela Universidade, em homenagem sua obra de educador. É eleito Reitor da Universidade de Brasília (1963-1964).
1964 - É perseguido por infundadas difamações e injustamente processado no Brasil sob a acusação da prática de peculato.
1967 - Retorna à Editora Nacional como consultor para assuntos educacionais e aí permanece até 1971. Dedica-se também às atividades do Conselho Federal de Educação.
1969 - São publicados seus dois últimos livros: Educação no Brasil e Educação no mundo moderno, ambos pela Cia. Editora Nacional, São Paulo.
1971 - Candidato a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, sai da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, para visitar o acadêmico Aurélio de Buarque Holanda , na praia do Flamengo, e desaparece. Dias depois, em 11 de março, é encontrado morto no poço do elevador do edifício.
Sobre a morte de Anísio Teixeira: Carta Capital, 13/01/2014
"São muitas as evidências de que Anísio Teixeira foi morto sob tortura. A história tem dessas coisas: as ditaduras acreditam poder esconder as patas depois de cometer crimes, e as patas sujas de sangue um dia reaparecem. É momento de resgatar a memória, revelar a verdade, fazer justiça. Sem condescendência com os criminosos."
As bases teóricas do pensamento de Anísio Teixeira
Suas bases teóricas de pensamento foram construídas em contato com o pensamento de John Dewey, sobretudo sua concepção de democracia e mudança social. Dewey, ao lado de Charles S. Peirce (1839-1914) e William James (1842-1910), construiu uma visão de mundo que ficou conhecida como pragmatismo. Esses intelectuais trabalhavam em áreas de estudo próximas, mas distintas. Coube a Dewey, George Herbert Mead (1836-1931) e seus colaboradores criar uma teoria da educação baseada na experiência. (...) As fontes do modelo deweyano de comportamento e ação são duas: uma psicologia do comportamento orientada biologicamente e certos procedimentos da ciência física e experimental. Pela primeira vez ele “naturaliza” a mente e delineia o pensamento como função biológica, capaz de adaptar o homem ao meio. Adaptar não é conformar. Lembremo-nos da plasticidade dos instintos (e, por extensão do organismo) na sua concepção. Ao assumir a hipótese darwinista e aplicá-la ao social, Dewey comete o equívoco de estabelecer uma continuidade entre o nível biológico e lógico. (...) Na raiz da concepção de teoria social está também ancorado o desejo de “salvar” e construir a individualidade. Nesse sentido, como uma linha transversal, a concepção política do liberalismo de Dewey cruza com a reflexão psicológica, base de todos os individualismos do laissez-faire (Mills, 1966 in Nunes, pp. 36-37).
Embora seguindo Dewey, Anísio Teixeira estava atento às condições brasileiras e não reproduzia aqui o sistema estadunidense. Diferente da experiência de lá advogou cá a organização de serviços centralizados de apoio ao ensino. Se Dewey nunca se preocupou com o sistema nacional de ensino e também nunca procurou construir instrumentos de aferição da aprendizagem e do rendimento escolar, Anísio Teixeira tinha essa preocupação e procurou, a partir das condições brasileiras, encaminhar a questão da educação pública na direção da construção de um sistema articulado. (Saviani, p. 226)
A reação católica
O impacto da divulgação do Manifesto em março de 1932 provocou um rompimento entre os escolanovistas e os católicos. Num primeiro momento, estes de retiraram da ABE (Associação Brasileira de Educação) formalizada em dezembro de 1932, pouco antes do início da V Conferência Nacional de Educação em 26 de dezembro de 1932, em Niterói. Da presidência das conferências sai o líder católico Fernando Magalhães e entra Lourenço Filho. Era previsível o desentendimento e por este motivo os católicos fundaram, em 1933, a Confederação Católica Brasileira de Educação.
Ora, para os católicos o Estado, sendo uma instituição de caráter positivo, deveria subordinar-se às instituições naturais e sobrenaturais. Na medida em que os ecolanovistas desconsideravam essa hierarquia e depositavam toda responsabilidade da tarefa educativa nas mãos do Estado, eles estariam, na visão dos católicos, abrindo caminho para a comunização do país. (Saviani, p. 258).
Na época existiam mais de 300 colégios católicos, com mais de 60.00 alunos e 6.200 professores, um terço dos quais assinantes da Revista Brasileira de Pedagogia, órgão oficial da a Confederação Católica Brasileira de Educação. (Barreira, 2002, p. 336, in Saviani, p. 256).
E também surge neste período a figura de Alceu Amoroso Lima (1893 - 1983), um dos intelectuais católicos mais importantes na época e que batia de frente com as teses da Escola Nova.
Pela precedência da família em relação ao Estado, a visão católica defende o direito dos pais de decidir livremente sobre a educação dos filhos. Daí a contestação a outras duas bandeiras do movimento escolanovismo, a gratuidade e a obrigatoriedade, entendidas como interferência indevida do Estado na educação. Essa primazia conferida aos pais, aliada ao louvor à tradição católica do povo brasileiro, conduziu Alceu a secundarizar a bandeira da erradicação do analfabetismo. Para ele, para o ser humano e brasileiro o povo não precisa ler e escrever. Ao contrário, ficando a salvo dos efeitos desagregadores da instrução laica, a massa dos analfabetos conserva as mais puras virtudes da alma brasileira. (Medeiros, 1978, p. 332, in Saviani, pp. 258 - 259).
As ideias pedagógicas no contexto sócio - econômico, do período de 1932 a 1947, deram início aos embates ideológicos e educacionais que repercutem até os dias de hoje. As ideias da Escola Nova pautou, pela primeira vez na República, as discussões sobre um sistema educacional em que o direito à educação e a gratuidade têm a prerrogativa no caminho de um novo modo civilizatório brasileiro. E identificou o quão difícil esse caminhar. As resistências encampadas pela Igreja Católica, pelo positivismo e o liberalismo perduraram naquele período e foram parte das deficiências que herdamos na educação brasileira.
Mas a peleja continua. No próximo encontro discutiremos os capítulos finais do livro de Dermeval Saviani.
Referências
Azevedo, Fernando de (s/d.). (1958). Novos caminhos e novos fins. 3ª edição. São Paulo, Melhoramentos [1ª ed. em 1931]
Azevedo, Fernando de (s/d.). (1973). Figuras do meu convívio. São Paulo, Duas Cidades.
Barreira, Luiz Carlos (2002). "Everardo Adolpho Backheuser". In Favero, Maria de Lourdes Albuquerque & Barros, Jader Medeiros (Org.). Dicionário de educadores no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora de UFRJ; Inep, pp. 332 -338.
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