A conjuntura
Em dezembro de 2020, o Brasil contava com cerca de 19,1 milhões de famintos, 9% da população, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Em dezembro de 2021 é de se esperar, infelizmente, um número maior de famintos.
Enquanto isso, houve um crescimento do número de bilionários brasileiros na lista anual da FORBES, de 45, em 2020, para 65, em 2021. Esta crueldade faz do pais um dos mais desiguais do mundo (10% dos mais ricos ganham quase 59% da renda nacional e os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que os 10% mais ricos).
Adiciona-se a esta situação os dados alarmantes sobre inflação, salário e desemprego.
A inflação oficial, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), alcançou a marca de 10,06% no acumulado em 2021. Influenciou nestes dados, destacadamente, itens essenciais como o preço dos alimentos, combustíveis e energia elétrica e gás de cozinha, corroendo de forma generalizada o poder de compra da renda dos trabalhadores e trabalhadoras.
Os acordos salariais de inúmeras categorias de trabalhadores ocorreram em condições desfavoráveis a estes últimos, como resultado da contrarreforma trabalhista de 2017 e de medidas tomadas durante a pandemia em nome da “proteção ao emprego”. Isso implicou em que apenas 9,5% dos acordos tenham ficado acima da inflação, 23,5% dentro do cálculo da inflação e 70% abaixo da inflação (Elaine Behring, 12/11/2021, Esquerda online).
O desemprego de 14,1% da População Economicamente Ativa (PEA), a subutilização da força de trabalho em 28,6% da PEA e 14,4 milhões de desempregados (IBGE, segundo trimestre de 2021) completam o quadro de desastre social provocado pela política ultra neoliberal em que estamos vivendo. E a tragédia sem fim é agravada pela pandemia, num contexto negacionista estimulado pelo Palácio do Planalto, que nos levaram a 619,245 mil mortos em 04/01/2021 (worldometers.info/coronavirus). É neste ambiente que o desemprego avança, sem novidades, desde 2019.
O governo Jair Bolsonaro, o rei das trevas
A tristeza e indignação provocadas por esses indicadores nos leva a esclarecer que o capitalismo é um modo de produção e reprodução social que não se orienta pelas necessidades humanas, a não ser quando elas constituem uma base material para o processo de valorização do valor. E o governo Bolsonaro e Guedes, neste contexto, reforça o avanço da exploração e as desigualdades, mas com uma idiossincrasia: o viés fascista. Estão presentes o darwinismo social, a destruição da liberdade de ensino e de pensamento, o cerceamento da livre organização dos trabalhadores, a criação de forças milicianas para silenciar oponentes entre tantas outras características, destacando-se os nexos de seu governo com o grande capital (Roberto Leher, Carta Maior, 28/09/2021). Mesmo com o genocídio em curso, da imensa crise econômica e do negacionismo o atual governo obteve êxitos: a contrarreforma da previdência, a flexibilização da legislação ambiental, a EC 109 e as privatizações (Correios, venda fatiada da Petrobras e o avanço na privatização da Eletrobrás).
E o que o governo atual ainda não obteve êxito? A PEC 32. Não teve êxito devido à intensa mobilização dos servidores e servidoras federais organizadas pelos seus sindicatos. Um trabalho memorável de esclarecimento e pressão junto aos parlamentares conseguiu, até então, desarmar esta bomba-relógio e evitar o desastre.
Esta PEC do retrocesso administrativo foi barrada porque “todas as atividades desenvolvidas pelo Estado, inclusive as essenciais à população, podem ser objeto de execução pelo setor privado, excetuando aquelas concebidas como privativas do Estado. Desse modo, por meio de lei ordinária, toda área social, meio ambiente, pesquisa científica e tecnológica, universidades poderão ser geridas e executadas por entes privados. O Estado será uma grande EBSERH, piorada, pois todas as suas atividades na esfera social serão exploradas pelos grupos econômicos privados-mercantis. Aqui não são as organizações sociais, mas as corporações que irão explorar os ditos serviços essenciais. Isso explica o empenho dos editoriais dos grandes meios de comunicação e os manifestos empresariais em prol da PEC 32. Neste sentido, o texto da PEC 32 tem o mérito de explicitar os seus objetivos. ” (Idem)
O ensino remoto na pandemia
A UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), devido à pandemia, interrompeu as atividades presenciais em 17 de março de 2020. O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UFES aprovou, no dia 17 de agosto, a resolução que cria e regulamenta o Ensino-Aprendizagem Remoto Temporário e Emergencial (EARTE) na graduação. Em resposta à provocação E aí, vamos ficar ‘sem trabalhar’ veio o ensino remoto precarizando o trabalho docente com uma infraestrutura precária e desassistida. E veio como um cavalo de Troia com EaD no seu interior.
A ADUFES SSIND realizou uma pesquisa da opinião (no período da 18 de março e 07 de abril de 2021) denominada “Percepções sobre o Trabalho/Ensino Remoto e saúde na Pandemia | Docentes em exercício da UFES – 2021”. Resultados relevantes: (1) 80% (79,1%) dos/as respondentes afirmaram que a carga horária, durante o ensino remoto, ultrapassou as 8 horas diárias, sendo que, deste total, 30,73% disseram trabalhar, em média, mais de 10 horas por dia; (2) 71,1% disseram que as atividades domésticas aumentaram, de modo a prejudicar as atividades profissionais, quando circunscrita às mulheres, a porcentagem sobe para 94% e (3) quando se leva em conta apenas as mulheres, nenhuma mencionou trabalhar dentro da jornada de 8 horas, pois todas ultrapassam a jornada normal, sendo que 67,25% disseram trabalhar entre 8 e 10h e 32,75% afirmaram trabalhar 10 horas ou mais.
“A infraestrutura precária e desassistida; a ampliação da jornada encetada pela manutenção do calendário acadêmico, por pressões, cobranças e intimidação; bem como a suscetibilidade a diversas formas de assédio mencionadas na pesquisa são emblemáticas da condição da classe trabalhadora sob a lógica ultraliberal em franco processo de instalação no Brasil. Contudo o novo imperativo histórico a nós imposto pela pandemia – no sentido de uma solidariedade intransigente para com a fragilidade de cada um/uma, o medo, a incerteza, o cansaço, o adoecimento mental e físico e as incontáveis perdas que continuamos a computar diariamente neste tempo sem precedentes – tem sido tão ignorado quanto silenciado pela instituição, que, podendo adotar outra política, assume o papel de ratificadora de um sistema integrado de opressão e exploração que inscreve incontáveis formas de violência.” (Lívia de Cássia G. Moraes e Júnia C. S. M. Zaidan)
“Nunca estudei tanto e aprendi tão pouco”. Depoimento de uma estudante sobre o EARTE na UFES.
Sobre o cavalo de Troia: os efeitos colaterais do ensino remoto
Em outubro de 2020 a SESU/MEC divulgou as portarias nº 434 e 433: Reuni digital: Plano de Expansão da EAD nas IES públicas federais. Esta proposta corresponde a um ardoroso manifesto de implantação do EaD no Sistema Federal de Ensino Superior. Em 2019 existiam 81.189 matrículas nas IES Federais. A proposta pretende, em 10 anos, acrescentar cerca de 1,5 milhão de matrículas. Caso esta insensatez ocorra teríamos no Ensino Superior Público mais estudantes em EaD do que no ensino presencial. Repetiria o que hoje acontece no sistema privado de ensino superior.
E tem mais, em fins de 2021 voltou a ser discutida nas Universidade Federais a Portaria nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019, que aumenta de 20 para 40% a carga horária na modalidade EaD nos cursos de graduação presenciais.
O Prof. Dermeval Saviani esteve numa live promovida pela ADUFES, em 29/05/2020, e discorreu sobre ensino presencial e ensino a distância. Citou "Victor de l'Aveyron", o menino selvagem, de Jean Itard. Do ponto de vista pedagógico Saviani explica a passagem do selvagem afeito às coisas materiais para, com a educação, às coisas imateriais. Mais tarde ele associa a dictomia entre o ensino a distância (com o predomínio de coisas materiais) e o ensino presencial (coisas imateriais). Para Dermeval Saviani um vídeo, um livro ou um documentário complementam a aprendizagem, mas sozinhos não são suficientes ao processo educacional de formação. A transposição de coisas materiais para coisas imateriais é realizada através de vínculos presenciais. E os vínculos não são apenas entre educador e educando, como diria Paulo Freire, são vínculos também entre estudantes.
Campanha salarial
O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), alcançou a marca de 10,74% no acumulado de 12 meses até novembro de 2021. A inflação voltou. E o governo do presidente Jair Bolsonaro, o rei das trevas, "declarou guerra aos servidores públicos federais que não usam farda". Os servidores e servidoras federais, em exercício e em aposentadoria, têm o dever e o direito de radicalizar na luta em defesa do salário.
REPOSIÇÃO DAS PERDAS SALARIAIS DO PERÍODO DE 2010-2021 E PRESERVAÇÃO DO PODER DE COMPRA
O FONASEFE, Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais, representando as entidades nacionais ANDES-SN, ANFFA-Sindical, ASFOC-SN, ASMETRO-SN, ASSIBGE-SN, CGTB, CNTSS, CONDSEF/FENADSEF, CSPB, CSP/CONLUTAS, C.T.B, CUT, FASUBRA, FENAJUFE, FENAPRF, FENASPS, INTERSINDICAL, PROIFES, SINAIT, SINAL, SINASEFE, SINDCT, SINDIFISCO-Nacional, SINDIRECEITA, SINTBACEN e UNACON-Sindical deve encaminhar e pautar uma greve nacional e unificada já neste início de 2022.
Não porque não temos fardas, mas sim porque temos salários deteriorados pela inflação.
Diretor do ANDES-SN explica reajuste de 19,99% reivindicado por servidores federais
As servidoras e os servidores federais estão em campanha unificada, desde o início do ano, em luta pela recomposição de seus salários. Para isso, reivindicam o índice de 19,99%, referente à inflação acumulada durante os três anos de governo de Jair Bolsonaro, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA/IBGE). No entanto, trabalhadoras e trabalhadores do serviço público federal estão sem reajuste desde 2017 e amargam perdas salariais desde 2011, acumulando uma defasagem nos salários de, ao menos, 49,28%.
Para cobrar o governo atendimento da pauta unificada dos SPF, que pede ainda a revogação da Emenda Constitucional 95 e a derrubada da Proposta de Emenda à Constituição 32, as categorias estão realizando uma série de atividades de mobilização e já acenam para a deflagração de uma greve geral do funcionalismo caso as reivindicações não sejam ouvidas.
O 1º Tesoureiro do ANDES-SN, Amauri Fragoso de Medeiros, explica que a construção política da mobilização se dá a partir da interpretação do artigo 37, inciso 10 da Constituição Federal, o qual diz que os salários dos servidores públicos precisam ter revisão anual. “Esse artigo da Constituição tem sido jogado no lixo desde sua promulgação. Todos os governos que passaram tentaram de certa forma desvirtuar essa interpretação e passaram a conceder aos servidores públicos reestruturação de carreiras ao invés de um índice linear. Esse é o grande problema que nós temos, enquanto servidores públicos, para construir um único índice que dê conta das perdas inflacionárias de todos os SPF”, afirma.
De acordo com o diretor do Sindicato Nacional, para a categoria docente do Magistério Superior e do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico é ainda mais complicado porque houve a desestruturação da carreira, especialmente a partir de 2008, que resultou também em perdas históricas na remuneração de professoras e professores federais.
Em vídeo produzido pelo ANDES-SN, Amauri explica a diferença entre as perdas salariais decorrentes da inflação e as perdas conceituais, fruto da desestruturação de carreira docente. "É importante que a categoria entenda que esse índice único [19,99%] é apenas emergencial, e que nós vamos continuar lutando para recuperar nossas perdas históricas", ressalta. “Vamos construir uma greve forte para que a gente possa recuperar pelo menos uma parte das nossas perdas salariais”, acrescenta
Durante todo o mês de fevereiro, as categorias reunidas no Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) e Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate) irão realizar atos nos estados e em Brasília (DF). De 14 a 25, está prevista a Jornada de Luta, com Estado de Greve do funcionalismo. E, em 9 de março, será deflagrada a greve das categorias, caso o governo não abra negociação com o Fonasefe e o Fonacate.
ANDES-SN na construção da greve geral do setor público - vídeo
Referências
Elaine Behring, “Fome e oportunismo eleitoral: um velho encontro conspira contra o futuro no Brasil desprotegido”, Esquerda online, 12/11/2021. Disponível em https://esquerdaonline.com.br/2021/11/12/fome-e-oportunismo-eleitoral-um-velho-encontro-conspira-contra-o-futuro-no-brasil-desprotegido-elaine-behring/
Roberto Leher, “Relatório da PEC 32 aprovado na Comissão Especial harmoniza o 7/9, o neofascismo e os interesses do capital”, Carta Maior, 28/09/2021. Disponível em https://www.dmtemdebate.com.br/relatorio-da-pec-32-aprovado-na-comissao-especial-harmoniza-7-9-neofascismo-e-interesses-do-capital/
Lívia de Cássia Godoi Moraes e Junia C. S. Mattos Zaidan, “Ensino remoto na Ufes e suas repercussões nas condições de trabalho dos/as docentes”. TRABALHO REMOTO NA UFES, Caderno 2: Percepções sobre o Trabalho/Ensino Remoto e saúde na Pandemia, Adufes – S. Sind., Agosto / 2021, pp 53 - 62. Disponível em https://repositorio.ufes.br/bitstream/10/11791/1/Adufes-Caderno-2-Percepcoes-sobre-o-TrabalhoEnsino-Remoto-e-saude-na-Pandemia.pdf
PORTARIA Nº 434, DE 22 DE OUTUBRO DE 2020, disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-434-de-22-de-outubro-de-2020-284699573
PORTARIA Nº 433, DE 22 DE OUTUBRO DE 2020, https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-433-de-22-de-outubro-de-2020-284699498
Dermeval Saviani, DESAFIOS DA EDUCAÇÃO: LIMITES E ALTERNATIVAS NECESSÁRIAS, Adufes Seção Sindical ANDES - Sind Nacional. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=fM_J_PcbD5A&t=3051s
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