Projeto Baleia Jubarte alerta sobre extinção iminente da Toninha no norte do ES. Pequeno golfinho foi impactado pelo crime da Samarco e precisa de proteção quanto à pesca acidental
Fernanda Couzemenco, Século Diário, 09/04/2022 | Atualizado 11/04/2022
Gravemente ameaçadas de extinção mesmo antes de serem razoavelmente conhecidas pela sociedade. Essa é a situação da toninha (Pontoporia blainvillei), um pequeno cetáceo (mamífero marinho), parente dos golfinhos e baleias, que ocorre somente na América do Sul, entre o litoral do Espírito Santo e da Argentina.
O alerta foi feito este mês pelo Instituto Baleia Jubarte (IBJ), por meio de Nota Técnica encaminhada aos órgãos ambientais – Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Centro de Mamíferos Aquáticos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CMA/ICMBio) – e aos ministérios públicos Federal e Estadual (MPF/ES e MPES).
Elaborado por Milton Marcondes e José Truda Palazzo Jr, coordenadores de Pesquisa e de Desenvolvimento Institucional do IBJ, respectivamente, a Nota Técnica tem objetivo de "informar autoridades públicas, lideranças comunitárias e demais atores sociais sobre o iminente risco das toninhas serem extintas no Espírito Santo se não forem tomadas com urgência medidas para reduzir sua mortalidade".
No documento, os pesquisadores ressaltam que, no litoral capixaba, as toninhas se concentram apenas na porção norte, entre Santa Cruz/Aracruz e a divisa com a Bahia, havendo maior presença na região da Foz do Rio Doce, em Linhares. Nesse trecho de 175 km, estima-se que resistam apenas 595 indivíduos. Ao sul desse ponto, a partir do litoral de Fundão e Serra, na Grande Vitória, há um vazio de ocorrência da espécie, que só volta a aparecer no litoral norte do Rio de Janeiro.
A Toninha possui hábitos costeiros, mantendo-se em áreas com profundidade máxima de vinte metros. É um cetáceo mais difícil de ser observado na natureza do que seus primos mais famosos, golfinhos e baleias. A cor da água do mar, mais perto da costa, também dificulta o registro. As fotos que ilustram a matéria foram feitas pelo Projeto Toninhas, da Universidade da Região de Joinville (Univille), na Baía de Babitonga, em Santa Catarina, local com a maior população conhecida da espécie, e onde os pesquisadores já acompanham os animais há mais tempo no Brasil, há vinte anos.
Ela está classificada como Criticamente em Perigo no Brasil, o que significa um risco extremamente alto de extinção na natureza. A população capixaba, especificamente, se encontra em posição ainda mais preocupante, exatamente devido a esse isolamento físico. "É a população de cetáceos [mamíferos marinhos, como golfinhos, botos e baleias] mais ameaçada do Brasil", contextualiza Eduardo Camargo, coordenador-geral do Projeto Baleia Jubarte e diretor-presidente do IBJ. O cientista explica que, com o passar do tempo, o grupo do norte do Espírito Santo foi se isolando, por motivos que ainda são desconhecidos pelos pesquisadores. "Já é possível identificar diferenças genéticas desse grupo", destaca.
Lama tóxica e outras ameaças
Eduardo Camargo conta que, ao longo dos mais de vinte anos de monitoramento de encalhes de cetáceos no litoral brasileiro, as toninhas são sempre os que mais aparecem mortos. "A degradação dos habitats costeiros é uma ameaça grave. Após o desastre da Samarco, houve maior contaminação", pontua.
Na Nota Técnica, os autores afirmam que a população capixaba de toninhas "sofreu impacto do Desastre de Mariana, quando o rompimento da Barragem de Fundão em 2015 trouxe mais de 60 milhões de toneladas rejeitos de mineração da empresa Samarco através do Rio Doce atingindo toda a área de ocorrência da espécie no Espírito Santo".
O estudo com carcaças de toninhas encontradas na região mais diretamente afetada pelo crime "mostrou aumento na concentração de mercúrio e zinco no músculo e fígado dos animais encalhados após a chegada da lama", sublinham os autores, ressaltando também que "a ocupação do litoral capixaba coma instalação de portos e terminais marítimos é uma ameaça à sobrevivência da espécie".
Mas a principal ameaça à conservação da espécie, sublinham, é a captura incidental em redes de pesca. A afirmação se baseia em um monitoramento da atividade pesqueira em seis comunidades do norte do Espírito Santo durante dois anos (julho de 2017 a setembro de 2019), período em que o Projeto Baleia Jubarte também realizou reuniões com os pescadores para discutir opções para a sobrevivência das toninhas.
O trabalho faz parte de um estudo de três anos realizado em conjunto com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), com recursos de compensação ambiental decorrentes do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre o MPF e a petrolífera Chevron, após o grande derramamento de petróleo ocorrido em dezembro de 2011 na Bacia de Campos, no litoral norte fluminense.
Mortandade 17 vezes maior
Nos dois anos de monitoramento, a equipe acompanhou 4,4 mil desembarques pesqueiros, nos quais foi identificada a captura acidental de pelo menos 15 cetáceos, dos quais três eram toninhas. Com base nestes dados, explanam os pescadores na Nota Técnica, foi possível estimar as capturas incidentais de toninhas para o período em seis animais, com um intervalo de confiança de 95% de 2 a 22 animais. "Como os dados de capturas foram obtidos de forma indireta, através do relato dos pescadores, é provável que estes números estejam subestimados", acentuam.
O cálculo dos pesquisadores é que, para a população de 595 toninhas estimada, o número máximo de capturas que poderia ocorrer, de forma a não estimular maior declínio da população, seria de 0,7 toninha/ano, ou seja, um máximo de duas toninhas capturadas em um período de três anos, sem considerar os outros efeitos que podem se somar às capturas (degradação de habitat, poluição, doenças, etc) para contribuir para o declínio da população.
Há ainda um outro estudo feito pelo Instituto Baleia Jubarte com o Programa de Monitoramento de Praias da Bacia do Espírito Santo (PMP), por meio do qual foram encontradas, entre 2019 e 2021, 34 carcaças de toninhas na região. O estado de decomposição não permitiu estabelecer a causa da morte de todos os animais, mas em pelo menos doze animais foi identificado o emalhe em redes de pesca como a causa do óbito. O número, ressalvam, possivelmente não corresponde à totalidade real dos óbitos na região nesses três anos, já que parte dos animais se decompõe no mar ou é consumido por predadores antes de chegar às praias.
Assim, apontam, nesta população de 595 animais, que se manteria estável com a perda de duas toninhas mortas a cada três anos, houve perda de pelo menos 34 animais, ou seja, 17 vezes acima do que seria aceitável para assegurar a sobrevivência da espécie.
Recomendações
O IBJ salienta que, na região de maior ocorrência das toninhas no Espírito Santo, que é a costa ao redor da Foz do Rio Doce, numa profundidade até 20 metros, a pesca está proibida, em decorrência da contaminação da água pelos rejeitos de mineração da Samarco. "Mas mesmo assim ainda está ocorrendo pesca nesta área e captura de toninhas", lamentam, indicando a necessidade medidas urgentes a serem tomadas em relação às comunidades pesqueiras da região.
"Se não forem adotadas medidas urgentes para reverter a mortalidade das toninhas a espécie irá desaparecer do Espírito Santo num período relativamente curto", ressalta o Instituto Baleia Jubarte, ao enunciar seis recomendações voltadas a impedir essa tragédia.
A primeira é a proibição definitiva da pesca com rede de emalhe em todo o litoral norte do Espírito Santos, desde a divisa com a Bahia até Santa Cruz, dentro da isóbata de 20 metros de profundidade. Complementar a ela, é a recomendação de realizar a compensação financeira adequada aos pescadores artesanais, bem como desenvolvimento e implementação, com participação das comunidades, de um programa de alternativas econômicas a essa modalidade pesca.
Em terceiro, a adoção, por parte dos órgãos responsáveis, de uma fiscalização rigorosa à proibição da pesca no trecho proposto, com ênfase nas regiões próximas à Regência e Guriri. Em caso de flagrante de pesca na área de restrição, a orientação é para que os envolvidos tenham o equipamento apreendido e a compensação financeira suspensa.
As outras três recomendações envolvem o direcionamento de recursos oriundos de multas, compensações ambientais e outras fontes para ações focadas na conservação da toninha no Espírito Santo; o monitoramento continuado do tamanho da população para avaliar a efetividade das ações adotadas; e a divulgação ampla sobre a situação das toninhas para o público da região e do Estado.
Compensação e fiscalização
Eduardo Camargo conta que o Instituto e Projeto Baleia Jubarte trabalham junto aos órgãos ambientais e outros parceiros para que o trabalho de monitoramento e estudo de alternativas para salvar as toninhas da extinção tenham continuidade. Os recursos do Funbio, provenientes do acordo MPF-Chevron já se encerraram e é preciso encontrar outas fontes de financiamento.
Já há um vasto cardápio de atividades econômicas que podem substituir a pesca artesanal tradicional na região, que já está proibida há seis anos devido ao crime ambiental da Samarco/Vale-BHP. Alternativas que foram discutidas e apontadas pelos próprios pescadores, como fruticultura, hidroponia, apicultura etc.. Também estão em estudos inovações tecnológicas que podem reduzir a captura incidental em locais onde a pesca é permitida, como a instalação de um equipamento que emite som, luzes e vibrações, auxiliando os animais a identificarem a presença das redes e evitarem o emalhe fatal.
Na Foz do Rio Doce, há ainda a proposta de criação de uma unidade de conservação, possivelmente uma Área de Proteção Ambiental (APA), que pode viabilizar uma série de estudos, acordos, monitoramentos e financiamentos de atividades de fiscalização e educação ambiental. "Já há verba da Samarco [compensação pelo crime no Rio Doce] para implementar a APA, mas ela não saiu do papel ainda. Nem sempre dinheiro é problema. Muitas vezes, como nesse caso, o problema é falta vontade de política", critica.
Educação ambiental
Para conhecer mais sobre as toninhas, uma boa opção é o Centro de Visitantes do Projeto Baleia Jubarte, localizado na Praça do Papa, Enseada do Suá, em Vitória. Assim como os centros de Caravelas e Praia do Forte, na Bahia, os locais contam com uma bela exposição sobre a espécie, com réplicas, esqueletos, fotos e muita informação.
No universo virtual, há ainda o Museu das Toninhas, iniciativa criada pelo Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Maqua/UERJ).
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