José Antônio de Ávila Sacramento
Tomás Antônio Gonzaga foi um dos cidadãos envolvidos com a Conjuração Mineira de 1789. Ele nasceu no ano de 1744, na cidade do Porto (Portugal); o falecimento dele aconteceu no ano de 1810, em Moçambique (África), onde cumpria a pena de degredado.
Filho e neto de brasileiros, ele veio para o Brasil quando ainda criança; estudou no Colégio dos Jesuítas da Bahia e, depois, voltou para Portugal, em 1761, para completar os estudos das leis na Universidade de Coimbra. Em 1782, foi nomeado para o cargo de Ouvidor na então capital de Minas Gerais. Em Vila Rica, dizem que ele caiu de amores por Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, uma musa de 17 anos que fez o coração do quarentão desmoronar-se de tanta paixão. Assim, a amada acabou por ser imortalizada nos versos de uma de suas obras literárias, ocasião em que ele se serviu da figura de um pastor para declarar seu amor por Maria Dorotéia, a “Marília de Dirceu”. Foi numa das liras do poema “Marília de Dirceu” que Gonzaga assim escreveu:
“Que haveremos de esperar, Marília Bela? / Que vão passando os
florescentes dias? / As glórias que vêm tarde, já vêm frias; / E pode enfim
mudar- se a nossa estrela. / Ah! Não, minha Marília, / Aproveite-se o tempo,
antes que faça / O estrago te roubar ao corpo as forças / E ao semblante a
graça...”.
Transportando-nos do século XVIII para o XXI, recentemente observamos
que apesar de passadas três décadas da morte de Marcus Vinícius da Cruz de
Mello Moraes, um ato governamental decidiu por homenageá-lo, concedendo-lhe a
promoção póstuma para o cargo de “Ministro de Primeira Classe da Carreira de Diplomata”.
A cerimônia foi realizada com pompa e circunstância no Palácio Itamaraty, na
noite do dia 16 de agosto de 2010, com a presença do presidente Lula e de
parentes do homenageado.
O tal Marcus Vinícius, que virou ministro de primeira classe depois da morte, é o compositor, dramaturgo, jornalista e diplomata mais conhecido Vinícius de Moraes; ele havia sido aposentado compulsoriamente do Itamaraty, em 1968, pelo governo militar, através do famigerado Ato Institucional nº 5. Agora, uma lei irá permitir que os dependentes do boêmio e controverso poeta tenham os benefícios de uma pensão, cujos vencimentos serão correspondentes ao (novo) cargo.
O reconhecimento póstumo ao “poetinha” de nada valeu para ele. O ato oficial não lhe rendeu nenhum sorriso de aprovação ou nem mesmo um protesto; ele não teve como esvaziar uma garrafa de uísque para comemorar, ou até, quem sabe, para se desdenhar do acontecimento; nem mesmo para compor uma canção a letra fria da dita lei lhe serviu de inspiração... Diante deste episódio e de muitos outros semelhantes é que encontro resistência para compreender a legitimação dos atos de póstumas homenagens; tenho absoluta certeza de que estas ações de nada valem para os que já passaram pela vida.
Atitudes assim, no mínimo ou no máximo, parecem ser penitenciosas
benesses concedidas aos descendentes, os quais, meio sem graça (alguns até com
muita voracidade e bastante graça!) gozam daquilo que os titulares fizeram por
merecer e que lhes fora negado enquanto viveram. Quando as pessoas morrem, isto
é óbvio, não há mais o que dizer para elas; as pessoas não podem mais sorrir e
nem sentir, nem emocionar e nem tampouco ouvir. Então, por que será que
deixamos para depois da morte a legitimação daqueles que merecem ser
legitimados?
Por não sabermos se vai haver um novo dia em nossas pobres existências, o hoje não deve ser um dia economizado para ser vivido amanhã. Torna-se necessário que façamos um grande esforço para flexionarmos os verbos no tempo presente; se assim o fizermos, decerto que não correremos riscos de ter de conjugá-los de formas cada vez mais dolorosas ou até mesmo desconcertantes. Se nos abdicarmos de homenagear as pessoas em vida, ressaltando-lhes os saberes e suas competências, estaremos fadados a integrar um lamurioso coro para cantar uma canção cuja letra já muito foi ouvida na voz de Tim Maia (e tantos outros):
“Não sei por que você se foi / Quantas saudades eu senti / E de
tristezas vou viver / E aquele adeus não pude dar / Você marcou na minha vida /
Viveu, morreu na minha história... / E eu, gostava tanto de você / Gostava
tanto de você...”.
Portanto, abençoadas devem ter sido aquelas pessoas (se elas existiram,
devem ser bem poucas, pouquíssimas...) que obtiveram algum reconhecimento ainda
em vida; elas puderam se alegrar, puderam chorar e tiveram a grata satisfação
de saber que suas trajetórias não foram ignoradas. Mas quantas pessoas já se
foram sem sequer terem conhecido algum gesto neste sentido? Quantas delas ainda
temos a oportunidade de valorar, mas estamos negligenciando, estamos deixando
de fazê-lo, adiando sempre, desdenhando da natureza breve e sempre imprevisível
de nossa existência?
Perto de nós, quase sempre há uma galeria de personalidades que, além do
muito que já fizeram, ainda espargem certezas e eliminam dúvidas nos mais
variados campos do saber; não podemos nos esquecer de suas competências e nem
olvidar as suas biografias, negando-lhes os merecidos aplausos. Não devemos
ficar esperando que pessoas deixem este mundo para que, depois, com a noss’alma
cheia de remorso, os nomes delas se tornem apenas frias placas de ruas, como
bem sói acontecer.
Enfim, ainda que aos poucos, creio que poderemos ir acabando com esta
desagradável sensação de que o reconhecimento está intimamente ligado à morte,
nunca à vida.
Enfim, “as glórias que vêm tarde, já vem frias”. Ou não?
Em tempo: as glórias quentes de Lygia Fagundes Telles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário