Quem foi a brasileira que revolucionou a luta das trabalhadoras domésticas
Do UOL, em São Paulo 27/04/2022
O movimento sindical dos trabalhadores
domésticos brasileiros nasceu em Santos (SP), em 1936, por iniciativa de
Laudelina de Campos Melo, a dona Nina. Ela e outras pioneiras perceberam que
não tinham direito à sindicalização ou à proteção pelas leis vigentes e se
uniram. Quase 90 anos depois, o país tem mais de 5 milhões de pessoas nessa
categoria, sendo que quase 70% delas sequer têm carteira assinada. Durante a
pandemia, mais de 1 milhão de postos de trabalho nesse setor foram destruídos
no Brasil.
O cenário só não é pior porque a mineira de
Poços de Caldas, que nasceu em 1904, menos de 20 anos depois da declaração de
abolição da escravatura (1888), passou a atuar de organizações sociais do
movimento negro quando se mudou para Santos nos anos 20. Ela tinha 16 anos
quando recebeu o primeiro salário. Abandonou a escola para cuidar dos irmãos
menores e trabalhava desde os 7 enquanto a mãe era doceira e lavadeira de um
hotel da cidade. Seu ativismo foi essencial para a categoria —e por extensão
para as mulheres negras. Os primeiros direitos trabalhistas, como carteira
assinada e previdência social, vieram só em 1972, com muitas restrições, mas
ali foi o princípio da luta.
Para se ter uma ideia, nessa época, o serviço
doméstico era mencionado nas leis sanitárias e policiais, mas somente com o
intuito de proteger a sociedade contra as trabalhadoras domésticas. Elas eram
vistas explicitamente como ameaças em potencial às famílias empregadoras.
"Se ainda hoje a associação entre escravidão, trabalho doméstico e negro
ainda está no imaginário social, sem dúvida nenhuma nas primeiras décadas do
século 20 isso ainda era muito presente", escreveu o sociólogo Joaze
Bernardino-Costa, em sua tese de doutorado pela UnB (Universidade de Brasília).
Na década de 1930, já morando em São Paulo,
Laudelina se filiou ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), militou pela FNB
(Frente Negra Brasileira), entidade do movimento negro que também seria
reconhecida como partido, e fundou a primeira associação de trabalhadores
domésticos do Brasil, em Santos. Naquela época surgiriam também outras
entidades da categoria em território paulista, que, junto à FNB e tantos grupos
políticos, culturais e classistas, acabariam perseguidos e fechados durante a ditadura
de Getúlio Vargas no Estado Novo (1937-1945).
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
Laudelina se alistou para trabalhar como auxiliar de guerra no país.
"Hitler foi o maior carrasco que existia naquela época. Dizia no Livro
Azul que ele eliminaria todas as raças que não fossem arianas, principalmente a
raça negra seria eliminada. Então aquilo me levou, me trouxe uma revolta dentro
de mim. Resolvi me alistar para servir a pátria", explicou Laudelina a
Elisabete Pinto.
Ela atuaria como trabalhadora doméstica até
meados dos anos 1950, quando morava em Campinas (SP) e passou a ganhar dinheiro
por meio uma pensão que montou e de salgados que vendia em campos de futebol.
A associação fundada por ela havia voltado a
funcionar com o fim da ditadura varguista, mas a trajetória de perseguições não
havia acabado. Com o golpe militar de 1964, que instituiu novamente uma
ditadura no país, a associação dos trabalhadores domésticos precisou se abrigar
no partido UDN (União Democrática Nacional), cuja principal liderança era
Carlos Lacerda, para não fechar as portas. Doente, Laudelina acabou se
afastando de sua entidade no fim dos anos 1960, e só voltaria a ela já no fim
da ditadura, a pedido de amigas e companheiras.
Em 1988, com a promulgação da nova
Constituição, a associação finalmente se tornaria um sindicato. Laudelina
morreria em 1991, aos 86 anos de idade, em Campinas. Ela não viveu para ver a
aprovação da chamada PEC das Domésticas, em 2013, que garantiu os mesmos
direitos para trabalhadores domésticos que outros profissionais já tinham, como
jornada de trabalho de 44 horas semanais, com limite de oito horas diárias, o
pagamento de hora-extra e recolhimento de FGTS.
"(A trajetória de Laudelina) foi
fundamental para a organização da categoria na busca de direitos. Laudelina
também levantou, através da sua atuação sindical, bandeiras contra o
preconceito racial e contra a discriminação das mulheres", afirma a
Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas.
Laudelina, suas lutas e conquistas vídeo
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