segunda-feira, 25 de abril de 2022

Eleição na França

Macron vence Le Pen na França e volta a barrar ultradireita, mas promete mudanças. Enquanto reeleito distribui acenos, derrotada agora mira eleição legislativa

Michele Oliveira e Alexandra Moraes, Folha de São Paulo

24 abril 2022 às 15h00

O presidente ​Emmanuel Macron, 44, foi reeleito, neste domingo (24), para mais cinco anos como presidente da França. Pouco depois da meia-noite pelo horário local, com 100% das urnas apuradas, o político de centro-direita tinha 58,55% dos votos, à frente de Marine Le Pen, 53, com 41,45%.

Os números são praticamente os mesmos que haviam sido apontados pelas projeções divulgadas logo após o fechamento das urnas, às 20h no horário local (15h de Brasília), 58,2% e 41,8% —as estimativas são calculadas a partir dos resultados das seções eleitorais que encerram primeiro a votação.

Quinze minutos depois da divulgação da projeção, Le Pen já admitiu a derrota em discurso a apoiadores, buscando manter sua base mobilizada de olho na eleição legislativa de junho. O presidente se torna, agora, o quarto mandatário reeleito na Quinta República, como é chamado na França o período após 1958. O feito não era alcançado havia 20 anos, quando Jacques Chirac venceu o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen.

A apoiadores no campo de Marte, em Paris, em frente à Torre Eiffel, Macron agradeceu a vitória, dizendo que será sua responsabilidade encontrar uma resposta para o que chamou de raiva que teria movido os eleitores da rival. Ele fez menção àqueles que "votaram em mim não porque apoiam minhas ideias, mas para bloquear a ultradireita".

Reconheceu que a França sai da eleição como um país dividido e prometeu: "Ninguém vai ser deixado para trás". Na citação ao nome da adversária, parte do público ensaiou uma vaia e sugeriu que a derrotada se mudasse para Moscou —sua ligação com a Rússia de Vladimir Putin foi repisada ao longo da campanha. Macron então interrompeu o discurso para pedir que ela não fosse apupada. "De agora em diante, não sou o candidato de um partido, mas sim o presidente de todas e todos."

Afirmou ainda que seu segundo mandato não será de continuidade e prometeu cinco anos melhores para o país e para os mais jovens. "Não devem ser anos tranquilos, mas serão históricos", disse. E anunciou que vai trabalhar por uma França republicana, mais comprometida com os valores sociais e verdes. O político, que chegou ao campo de Marte ao som da "Ode à Alegria", hino da União Europeia, ao final de seu discurso de cerca de dez minutos ouviu o hino francês, emocionado, ao lado da mulher.

Antes mesmo de sua fala, líderes como Charles Michel (presidente do Conselho Europeu), Ursula von der Leyen (presidente da Comissão Europeia), Mark Rutte e Alexander de Croo (premiês de Holanda e Bélgica) cumprimentaram o presidente reeleito. Os líderes da Alemanha, Olaf Scholz, e do Reino Unido, Boris Johnson, enviaram mensagens na sequência. Segundo o Palácio do Eliseu, o primeiro telefonema após a divulgação das projeções foi com o premiê alemão. O brasileiro Jair Bolsonaro, até pouco depois das 20h de Brasília, não havia se manifestado sobre o pleito francês.

Eleito em 2017 como uma lufada de centrismo na polarizada sociedade francesa, Macron continuará como chefe de Estado da sétima maior economia do mundo e a segunda da União Europeia, bloco do qual é um dos países fundadores. Com 67 milhões de pessoas, a França é o maior país da UE em território. É ainda um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com poder de veto.

A posse para o novo mandato deve acontecer até o dia 13 de maio.

A disputa foi uma repetição do segundo turno de 2017, mas marcada por uma diferença bem menor entre os dois candidatos. Cinco anos atrás, Macron obteve 20,7 milhões de votos e venceu por 66,1% a 33,9%. Desta vez, o resultado de Le Pen é o melhor da história para um candidato da ultradireita, que tenta chegar ao poder desde 1974, quando seu pai disputou a Presidência pela primeira vez.

Le Pen foi a primeira a votar neste domingo, por volta das 11h (hora local), em Hénin-Beaumont, no norte do país. Cerca de duas horas depois, Macron, acompanhado da mulher, Brigitte, compareceu à sua seção em Le Touquet, também no norte.

A abstenção foi de 28,01%, a mesma indicada pelas projeções dos institutos Ipsos e Ifop (Instituto Francês de Opinião Pública) —o número fica abaixo apenas do recorde de 1969 (31,3%), na disputa entre Georges Pompidou e Alain Poher.

O voto não é obrigatório na França.

Diferentemente de 2017, quando concorria a um cargo pela primeira vez, por um partido lançado havia apenas um ano, A República em Marcha, Macron agora enfrentou nas urnas a avaliação de seu primeiro mandato por uma população em parte insatisfeita com o aumento do custo de vida, diante de uma inflação anual de 5,1%, registrada em março —há um ano, o índice era de 1,6%.

O tema, inclusive, ocupou grande espaço no debate eleitoral e foi uma das principais bandeiras de sua adversária, que apresentou promessas como a redução de impostos, de 20% para 5,5%, sobre os preços da eletricidade e dos combustíveis. A estratégia, aliada a uma campanha que percorreu o interior do país e as periferias urbanas, contribuiu para que Le Pen conquistasse resultados expressivos nos dois turnos —no primeiro, ela ficou em segundo lugar, com 23,15% vos votos. Macron, que terminou a primeira fase com 27,85%, dedicou menos tempo à campanha na etapa inicial. Envolvido nas tratativas diplomáticas que envolvem a Guerra da Ucrânia, ele só confirmou sua candidatura um dia antes do prazo final, em 3 de março, uma semana após o início do conflito.

Além dos dois, a disputa incluiu outros dez candidatos, e uma das surpresas foi a votação expressiva do terceiro colocado, o ultraesquerdista Jean-Luc Mélenchon, que atraiu 21,95% dos eleitores. Seu desempenho, especialmente entre os mais jovens, fez com que Macron e Le Pen ampliassem a atenção ao campo da esquerda no segundo turno, com promessas dedicadas a temas sociais e ambientais. Na véspera da votação, aqueles que declararam ter votado em Mélenchon no primeiro turno se dividiam em relação à decisão deste domingo: 41% anunciavam voto em Macron, 21%, em Le Pen, e 38% não se manifestaram.

O ultraesquerdista em si não apoiou claramente o presidente, mas recomendou aos seus partidários que não dessem "um único voto" a Le Pen. Neste domingo, após a divulgação das projeções, o político repetiu o pedido para que os franceses o elegessem primeiro-ministro, votando em peso em seu partido, França Insubmissa, nas eleições legislativas —chamadas por ele de "terceiro turno" desta disputa.

Em 2017, o partido de Macron foi o mais votado para a Assembleia Nacional, e o atual premiê, Jean Castex, é seu aliado. Considerado o presidente francês mais europeu da história recente, Macron recebeu o apoio de parte dos líderes do bloco, numa manifestação sobre assuntos domésticos considerada rara na UE. O alemão Olaf Scholz, o espanhol Pedro Sánchez e o português António Costa se mostraram, em artigo no jornal Le Monde, temerosos dos efeitos de uma vitória de Le Pen, política que sempre teve um forte discurso eurocético e de relações antigas com o presidente russo, Vladimir Putin.

Se na eleição anterior a ultradireitista defendia a saída da França do bloco, agora passou a dizer que o ideal era uma reforma "por dentro". Entre suas promessas mais polêmicas estavam medidas para priorizar o acesso de franceses sobre imigrantes a emprego e habitação social e o controle de mercadorias nas fronteiras, o que entraria em choque com pontos fundamentais da UE.

Macron, em sua campanha, prometeu continuar trabalhando pela soberania europeia. A expressão, cunhada por ele desde o início do mandato, significa tornar o bloco mais autônomo tanto em termos de Defesa quanto na economia.

Além disso, anunciou a intenção de acelerar a transição energética, ampliando a participação de matrizes nuclear, solar e eólica. No plano socioeconômico, defendeu a elevação da idade para aposentadoria de 62 para 65 anos, o que deve enfrentar a resistência de parte dos franceses.

 

 Apoiadores de Macron comemoram comalívio e Daft Punk na França

Alexandra Moraes, 24.abr.2022 às 16h58

Paris

Assim que a projeção da vitória de Emmanuel Macron apareceu no telão, os militantes que se reuniam no campo de Marte, com a Torre Eiffel ao fundo, comemoraram com gritos e bandeiras da França e da União Europeia.

Num palco, a equipe de Macron fez de "One More Time" (mais uma vez, em inglês), o maior sucesso do duo francês Daft Punk, também o seu tema da vitória. (...)

 Daft Punk - One More Time (Official Video)


Macron, favorito para mais cinco anos de mandato na França

Por The Economist, 23/04/2022

Le Pen faz campanha inteligente, mas isso deve ser insuficiente para bater um presidente que encampou a luta ambiental para atrair jovens 

Sete meses atrás, Emmanuel Macron estava nos jardins do Palais du Pharo, em Marselha, diante do cenário ensolarado do antigo porto, e declarou: “Se não tivermos sucesso em Marselha, não teremos sucesso na França”.

Em 16 de abril, o presidente estava de volta ao mesmo cenário majestoso para seu primeiro comício antes do voto final nas eleições presidenciais francesas. A cidade mediterrânea não votou em Macron no primeiro turno, preferindo o esquerdista radical Jean-Luc Mélenchon. Então, o presidente estava em território hostil. Mas, ao retornar à cidade vivaz e rebelde, Macron parecia estar dizendo: se conseguir vencer em Marselha, vencerá em toda a França.

Jovens na mira

Nos últimos dias da campanha, os dois finalistas, o centrista Macron e a populista nacionalista Marine Le Pen, estavam perseguindo os votos daqueles eleitores que não escolheram nenhum deles no primeiro turno. A maioria faz parte dos 7,7 milhões de pessoas (22% dos eleitores) que apoiaram Mélenchon, muitos deles jovens e de mentalidade ambientalista.

Promessas

Consciente disso, Macron prometeu em Marselha colocar o meio ambiente “no centro” de um segundo mandato, dobrar o ritmo do esforço francês para reduzir as emissões de carbono e transformar a França no primeiro grande país a acabar com o uso de combustíveis fósseis. O segundo turno, declarou ele, é uma escolha entre medo e ódio, de um lado, e respeito, diversidade e ecologia, do outro.

No dia anterior, uma hora ao norte de Marselha, no sopé das colinas de Luberon, uma radiante Le Pen estava fazendo corpo a corpo no mercado local. Durante uma hora, ela passou por barracas que vendiam aspargos, azeitonas e embutidos, curvando-se para abraçar crianças ou posando para selfies com transeuntes. Alguns manifestantes gritavam “vá para casa” ou “fascista”.

Fátima Benmalek, uma avó de origem argelina, pediu a Le Pen que não proibisse o uso do véu muçulmano em público, como a candidata prometeu. Mas as boas-vindas que Le Pen recebeu da maioria das pessoas que enchiam suas sacolas mostra até que ponto ela ampliou seu apelo. “Ela está calma, equilibrada, menos agressiva do que antes”, disse Josiane, florista aposentada. “Ela está visitando todas as aldeias. Macron não é muito próximo do povo.”

Popular

Embora criada dentro de uma mansão nos arredores de Paris, Le Pen se autodenominou, com sucesso, como defensora do “povo” contra a elite parisiense, encarnada pelo presidente “globalista”, e como uma mãe divorciada que sofreu tanto quanto qualquer outra pessoa. Ela evitou a capital e viajou pela França rural, onde seu voto é mais forte, prometendo reduzir os impostos sobre contas de calefação, combustíveis e alimentos.

Com uma campanha inteligente, a líder populista nunca esteve tão perto de conquistar a presidência. Vinte anos atrás, seu pai, Jean-Marie Le Pen – cofundador do partido que ela renomeou, de Frente Nacional para Reagrupamento Nacional, e liderou por mais de uma década – obteve apenas 18% no segundo turno presidencial. Em 2017, Le Pen quase dobrou esse número, conquistando 34% dos votos, contra 66% de Macron. Em 20 de abril, a média de pesquisas da Economist a colocou com 45%, ante 55% para Macron.

Debate

Mas ainda é uma distância enorme. Na verdade, a dinâmica do segundo turno mudou a favor de Macron. Quanto mais se examina o manifesto de Le Pen, mais se amplia a liderança de Macron. Isso ficou particularmente claro durante o único debate direto, na quarta-feira, que durou mais de duas horas e meia. Macron mencionou as ligações de Le Pen com a Rússia, lembrando aos espectadores de seu empréstimo pendente junto a um banco russo.

“Quando fala da Rússia, a senhora está falando do seu banqueiro.” Sua fantasia de construir uma “aliança de nações” dentro da União Europeia, disse ele, equivale a nada menos do que “tirar a França” do bloco. Sem surpresa, ele superou Le Pen nos detalhes técnicos e na compreensão da política.

Divergências

De sua parte, Le Pen estava mais calma do que quando debateu com Macron em 2017, demonstrando muita empatia por aqueles que lutam para sobreviver e esperando momentos de condescendência para levar a melhor sobre Macron. A dupla entrou em conflito a respeito de turbinas eólicas (que ela quer desmontar), da idade legal para aposentadoria (que ele quer aumentar de 62 para 65 anos) e da proposta de proibição do véu muçulmano em público (que ele rejeitou vigorosamente). Tal proibição, declarou Macron, iria “disparar uma guerra civil”.

É improvável que o debate mude muito as intenções de voto. Mesmo antes de acontecer, os eleitores de esquerda, que são instintivamente hostis a Macron, pareciam estar se preparando para deixar seus sentimentos de lado e apoiá-lo, mesmo que apenas para derrotar Le Pen. A parcela de eleitores de Mélenchon que disse que apoiaria Macron saltou dez pontos, no fim de semana da Páscoa, para 38%. Apenas 16% afirmaram que migrariam para Le Pen.

País fraturado

Em Marselha, havia pouco da emoção que cercava o jovem Macron em 2017. Seus apoiadores estavam mais para moderados que para fervorosos. “Ele talvez não seja um presidente muito popular, mas é corajoso”, disse Victor, funcionário público de Montpellier. Alguns aplaudiram a rejeição de Macron à proibição do véu proposta por Le Pen. Outros destacaram sua defesa da Europa e sua gestão da pandemia. “Ele não foi bem em tudo, mas não foi mal diante do que está acontecendo”, disse Marianne, cuidadora.

Em 20 de abril, o modelo de previsão da Economist apontava para uma probabilidade de 93% de vitória para Macron. A reeleição seria uma façanha para o político de 44 anos, que não havia disputado nenhuma eleição até concorrer à presidência em 2017.

Sob a Quinta República, os franceses nunca reelegeram um presidente com maioria no Parlamento. No entanto, se vencer, Macron enfrentará um país fraturado e descontente, cuja maioria da população não gosta muito dele. A vitória seria um grande feito. Mas um segundo mandato teria de se concentrar no gerenciamento tanto do desânimo quanto das expectativas.  /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Crescimento da extrema direita na França faz voto feminino em Marine LePen aumentar

Enquanto obteve apenas cerca de 33% dos votos no segundo turno com Macron em 2017,candidata poderá conquistar até 46% dos votos no segundo turno deste ano

THE WASHINGTON POST - A maioria das pesquisas sugere que o presidente francês, Emmanuel Macron, derrotará a candidata de extrema direita, Marine Le Pen, no segundo turno da eleição presidencial, neste domingo. Ainda assim, Le Pen desempenhou melhor nesta disputa eleitoral do que na sua candidatura em 2017. Enquanto obteve apenas cerca de 33% dos votos no segundo turno com Macron em 2017, a projeção do site Politico prevê que Le Pen poderá conquistar até 46% dos votos no segundo turno deste ano.

O que poderia explicar o sucesso relativo de Le Pen? Mais apoio das mulheres nas urnas. No passado, mais homens do que mulheres apoiavam o Reagrupamento Nacional (anteriormente Frente Nacional), o partido de extrema direita de Le Pen. Hoje, o hiato entre gêneros se inverteu, e mais mulheres do que homens expressam apoio por Le Pen. (...)


 

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