Análise: Peter Bogdanovich refletiu sobre o fim de uma Era
Os grandes filmes, mesmo que tenham sido poucos, garantem seu nome na história
Luiz Carlos Merten, Especial para o Estadão, 06 de janeiro de 2022
No Dicionário de Cinema, Jean Tulard faz uma observação importante sobre Peter Bogdanovich. Diz que o amor dele pelos velhos mestres de Hollywood - John Ford, Allan Dwan, Howard Hawks e Fritz Lang - é o que o torna interessante. Fritz Lang in America ousa levantar a hipótese de que o Lang hollywoodiano foi tão grande e até maior do que o autor expressionista do cinema alemão. Ao Homero do western, além de um livro, dedicou um documentário - Directed by John Ford.
Mas o crítico, um pouco inspirado pelos franceses da Cahiers du Cinéma, sonhava tornar-se diretor. Conseguiu por meio de Roger Corman, que avalizou sua estreia no longa produzindo Targets, em 1968.
Alvos - e no Brasil o filme chamou-se Na Mira da Morte. Um atirador solitário, escondido detrás da tela de um drive-in que apresenta um filme de terror - com Boris Karloff -, promove um banho de sangue entre os espectadores. O ex-presidente John Kennedy e Martin Luther King haviam sido assassinados. Bogdanovich ia diretamente ao ponto. Na América, o horror da realidade superava o horror ingênuo dos filmes (para o Boris Karloff, ele usou imagens de um filme de Corman). O amor pelos mestres levou Bogdanovich a fazer uma declaração audaciosa - todos os bons filmes já teriam sido feitos. Por que iniciar uma carreira, então?
Justamente para refletir sobre o fim de uma era. O adeus aos drive-ins e seus programas duplos, a John Ford, ao western foram sua inspiração. Os EUA estão morrendo em A Última Sessão de Cinema, vencedor de vários Oscars, incluindo melhor ator e atriz coadjuvantes - Bem Johnson e Cloris Leachman -, em 1971. O Texas nos antípodas da lenda. Na tela do cinema, as imagens gloriosas de John Wayne em Rio Vermelho, de Hawks. Nas tramas do filme, adaptado do livro de Larry McMurtry, jovens sem perspectivas e adultos frustrados, que não sonham mais vivem à deriva. Nomadlands. Bogdanovich, por um momento, parecia o grande talento da nova geração. Simultaneamente, surgiram Steven Spielberg, George Lucas, Martin Scorsese. Forjaram a nova Hollywood.
Bogdanovich seguiu uma carreira errática - a comédia Esta Pequena É Uma Parada, inspirada por Levada da Breca, outro Hawks; a homenagem aos clássicos de estrada e da Grande Depressão, Lua de Papel. Os bons filmes começaram a escassear. O envolvimento com Cybill Shepherd e, depois, com a coelhinha da Playboy Dorothy Stratten - a que foi assassinada - produziram filmes medíocres e/ou distanciaram Bogdanovich de sua ambição original. Marcas do Destino (Mask), com Cher, poderia ter sido um recomeço, mas o fracasso de público desestimulou o diretor. Ele voltou à função de crítico.
Afinal, Quem Faz os Filmes?, um compêndio de conversas com Robert Aldrich, George Cukor, Alfred Hitchcock, Otto Preminger, Raoul Walsh, Frank Tashlin e muitos outros, é pródigo em revelações sobre os bastidores da indústria e a luta pela autoralidade, que Bogdanovich perdeu. O tempo não lhe foi favorável, mas os grandes filmes, mesmo que tenham sido poucos, garantem seu nome na história.
A meca dos cinéfilos, Sérgio Augusto
Morre Peter Bogdanovich, o diretor que amava a teoria do cinema
Autor de filmes como 'A Última Sessão de Cinema', americano de 82 anos era um dos grandes nomes da geração de 1970
Ubiratan Brasil, O Estado de S. Paulo, 06 de janeiro de 2022
O cineasta americano Peter Bogdanovich, que se consagrou por filmes como A Última Sessão de Cinema e Lua de Papel, morreu nesta quinta-feira,6, aos 82 anos. Segundo Antonia Bogdanovich, filha do diretor, ele morreu de causas naturais.
Bogdanovich era considerado um dos mais importantes diretores da Nova Hollywood dos anos 1970, quando também despontaram Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Brian de Palma, entre outros.
Elogiado pela sua persistência em privilegiar os mestres do cinema americano do início do século passado - como Scorsese, era um campeão acadêmico dos cineastas americanos da velha guarda -, Bogdanovich era, no entender do estudioso David Thomson, "um valioso crítico de inspiração francesa que insistia no diretor como autor, tanto que muitos americanos começaram a levar os diretores mais a sério por causa do que ele escreveu."
Bogdanovich foi assistente de direção de Roger Corman em Os Anjos Selvagens (1966)e foi o próprio Corman quem o incentivou a estrear como diretor em Na Mira da Morte (1968).
Logo veio A Última Sessão de Cinema, rodado em 1971 e em preto-e-branco. O filme representa uma sincera declaração de amor ao cinema, ao mesmo tempo em que exibe um retrato melancólico do "american way of life", que então agonizava. O longa estabeleceu em definitivo a reputação de
Bogdanovich como grande diretor (cuja carreira entraria depois em declínio), além de garantir o Oscar de coadjuvante para Cloris Leachman e Ben Johnson.
Ele deixou sua marca, porém, como um importante documentarista da chamada Idade de Ouro do cinema americano. Nos anos 1960 e 1970, quando grandes cineastas viviam um ocaso, esquecidos por público e crítica, Bogdanovich foi atrás dos principais, entrevistando-os para documentários que hoje se tornaram clássicos e imprescindíveis.
Uma das cenas tornou-se clássica - Bogdanovich, então um iniciante promissor, entrevista John Ford, ícone do cinema americano, na década de 1960, perguntando-lhe sobre influências psicológicas na construção de personagens masculinos em seus faroestes. Impassível, Ford, que já era obrigado a usar um tapa-olho por causa da cegueira progressiva, apenas respondeu, secamente: "Corta!".
Mais que o inusitado da resposta (Ford fazia questão de revelar seu mau humor com perguntas), a cena demonstrava Bogdanovich em ação, algo significativo - enquanto na época os críticos americanos endeusavam cineastas europeus, como Godard e Antonioni, ele, gravador em punho, buscava os velhos mestres, como Ford, Howard Hawks e Alfred Hitchcock, que praticamente desenvolveram quase tudo da linguagem cinematográfica.
The Last Picture Show (1971) Trailer #1
NB: livro obrigatório para cinemeiros e cinemeiras
Afinal, quem faz os filmes, Peter Bogdanovich, Companhia das Letras, 2000.
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