No Rio, não vacinados e pessoas com dose atrasada são 88% de internados
Lola Ferreira, UOL, no Rio, 27/01/2022
A ocupação de leitos destinados ao tratamento de covid-19 na rede municipal de saúde da cidade do Rio de Janeiro saltou de 1,7% para 65% nas últimas três semanas em meio à onda da variante ômicron.
Pouco mais de um ano após o início da campanha de vacinação, 46% dos 821 internados com a doença não tomaram nenhuma dose da vacina contra o coronavírus — há duas semanas, esse índice era de 38%. A proporção alcança atualmente 88% dos internados quando considerados também pacientes que não completaram o esquema vacinal, ou seja, que estão com a segunda ou a terceira dose em atraso.
Na capital fluminense, 82,1% da população já tomou as duas doses. Considerando apenas os maiores de 18 anos, esse índice sobe para 97,8%. Isso significa que, embora os não vacinados sejam minoria entre a população, eles representam quase metade dos internados. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que vê aumento da ocupação de leitos em todo o país, aponta que a rede pública de saúde é pressionada por "uma parte considerável da população que ainda não recebeu a dose de reforço e outra parcela nem foi vacinada". A vacinação incompleta afeta principalmente os idosos: pessoas a partir de 60 anos que não tomaram as três doses têm 17 vezes mais chance de serem internadas, segundo dados mais recentes da SMS (Secretaria Municipal de Saúde).
O índice de internação de idosos sem vacina e vacinação incompleta é de 429 por 100 mil habitantes na capital —a taxa cai para 25 quando considerados idosos internados com dose de reforço. A cidade do Rio de Janeiro já registrou 207.192 casos de covid neste mês e se aproxima do total verificado em todo ano passado (293.193). Segundo especialistas em saúde, o avanço da vacinação impede que essas infecções evoluam para óbitos — foram 135 mortes nos primeiros 25 dias do ano (taxa de letalidade de 0,1%). Atualmente a cidade tem 82,1% da população total com duas doses da vacina, e 33% com a terceira dose.
'Arrependimento' de não vacinados
Roberto Rangel, diretor médico do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla —centro de referência para tratamento da doença na capital fluminense—, disse que vê um "sentimento de arrependimento" entre não vacinados. "Os que estão internados e não se vacinaram estão pedindo pelo imunizante, com a ideia ansiosa de que podem melhorar instantaneamente. Depois que a pessoa vivencia a doença e vê o que ela pode causar, é comum que mudem de ideia sobre a vacinação", afirmou o médico em entrevista à BBC Brasil.
Idosos com vacinação incompleta têm 27 vezes mais chance de morrer do que aqueles que tomaram as três doses (taxa de 79 contra 2,9 por 100 mil habitantes). Até agora, ninguém com menos de 60 anos que tenha tomado as três doses da vacina morreu na capital. A ocupação de leitos na cidade do Rio vem crescendo exponencialmente —no dia 5, eram 29 internados; uma semana depois, 190 (38% sem qualquer dose da vacina), e hoje 821.
RJ tem tendência de alta nas UTIs
A Fiocruz observou seis estados e o Distrito Federal com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados. O estado do Rio de Janeiro não está na zona crítica, mas o aumento da demanda é detectado. Em 5 de janeiro, havia 130 pessoas internadas em UTIs no estado. Ontem, eram 869 internados em estado grave (ocupação de 62%).
Na capital, o número saltou de 10 para 376 internados em leitos de UTI —a capacidade é de 488 vagas. Em nota técnica, pesquisadores da Fiocruz afirmam que "a situação está nitidamente piorando, embora o avanço da vacinação ajude a desenhar um quadro diferente do de outros momentos mais críticos da pandemia" e que a transmissibilidade da ômicron "gera números expressivos que pressionam o sistema de saúde" e com pacientes que necessitam de internação em UTIs.
Terceira onda 'mais leve' já mata mais de 600 pessoas por covid em 24 horas
Leonardo Sakamoto, UOL, 27/01/2022
O Brasil registrou, nesta quarta (26/01/2022), 606 mortes por covid-19 em 24 horas. No dia anterior, haviam sido 489. Quando isso aconteceu na primeira e na segunda ondas da pandemia, entramos em estado de alerta. O que está longe de acontecer agora.
Nesta terceira onda (chamemos as coisas pelo seu nome), nosso comportamento mudou pelo cansaço de quase dois anos vivendo sob a sombra da doença e pela constatação de que, apesar das sabotagens de Jair Bolsonaro, quase 70% da população está com, ao menos, duas doses da vacina.
Também há o entendimento de que a variante ômicron mata proporcionalmente menos infectados que suas predecessoras. E aí reside o perigo. Em quem está triplamente vacinado, ela deve provocar um quadro mais suave na maioria dos casos. Mas como ela contamina muito mais (chegamos, nesta quarta, a 219.878 infecções registradas em 24 horas, um novo recorde claramente subdimensionado pela falta de testagem), mesmo que a taxa de fatalidade seja menor, ela acaba também produzindo muitos óbitos.
Há nas redes sociais e grupos de aplicativos de mensagens uma discussão que usa a taxa menor de conversão de doentes em mortos para justificar que podemos relaxar. Mas tente explicar para uma família que perdeu um ente querido que a sua morte foi uma irrelevante estatisticamente falando. Ao menos sete estados estão com uma taxa de ocupação de mais de 80% dos leitos de UTI pediátricos para tratamento de crianças de covid-19. Isso é consequência direta do comportamento criminoso adotado por Bolsonaro e por seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que retardaram o início da vacinação infantil para agradar o naco negacionista dos fãs do presidente em ano eleitoral.
E há a questão dos não-vacinados. Parte deles deixou-se levar pela desinformação provocada pelos negacionistas e tomou apenas a primeira dose do imunizante, o que não garante proteção. Parte deles tem se mostrado inimputável mediante a insanidade do que defende e, portanto, também deveria provocar compaixão. Como diria o Evangelho de Lucas, capítulo 23, versículo 34: Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem. (Outra parte são antivax apenas no discurso, com objetivos políticos. Muitos acabam se imunizando e defendendo que os outros fujam da vacina e tomem cloroquina, como o presidente da República. Ou alguém tem dúvida que ele se vacinou, apesar de dizer que não? Tanto que decretou sigilo sobre sua carteira de vacinação.)
Do total de internados por covid-19 em UTIs do Distrito Federal, 90% não receberam nenhuma dose de vacina. E um levantamento da Secretaria de Saúde de Minas Gerais apontou que o risco de morte dos não imunizados é 11 vezes maior do que quem recebeu duas doses. No Rio, 88% dos internados são pacientes que não completaram o esquema vacinal. São vidas afetadas ou perdidas diante de nossa incapacidade como sociedade de frear o avanço da estupidez.
Uma médica que trabalha com pacientes de covid-19 no Hospital das Clínicas, principal centro de referência em São Paulo, contou-me, exausta, que a situação está caótica. Não há equipes para cuidar de tantos pacientes que chegam em situação muito ruim. A quantidade de intubados é menor do que em outros momentos de pico da pandemia, mas o volume de internados é tão grande que eles não estão conseguindo dar conta do atendimento. Ao mesmo tempo, segundo ela, a alta taxa de contaminação de profissionais de saúde reduz ainda mais a quantidade de braços para a tarefa. E os efeitos disso já se fazem sentir, como aconteceu antes, no atendimento aos estão com outros problemas de saúde, condições escanteadas pela covid-19.
O objetivo aqui não é soar as trombetas do apocalipse. A expectativa é de que esta onda passe mais rapidamente que as outras duas, mas vai deixar seus mortos. A vacinação e o uso de máscaras garantem proteção, mas precisam ser levadas a sério para que possamos manter um cotidiano minimamente normal.
Nunca foi tão importante campanhas voltadas aos pais para levarem seus filhos e suas filhas para se imunizarem. Nunca foi tão relevante conversar com pessoas desinformadas para explicar a elas que foram enganadas e que precisam ir tomar suas doses. Nunca foi tão imprescindível explicar que a vacina não impede que você fique doente, mas reduz os sintomas e a chance de que você morra.
Um dos legados do pouco apreço que Jair Lamento-Mas-A-Morte-É-O-Destino-De-Todo-Mundo Bolsonaro demonstrou à vida humana é um país mais embrutecido e indiferente à vida. Neste momento em que caminhamos para a barreira simbólica de mil óbitos por dia, precisamos mostrar ao presidente que toda a estupidez que ele plantou não vai gerar frutos.
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