sábado, 26 de junho de 2021

Saviani e as ideias pedagógicas (3)

Continuando com a resenha sobre o livro de Dermeval Saviani, A história das ideias pedagógicas no Brasil.

Textos anteriores publicados: Saviani e as ideias pedagógicas no Brasil (2) e Saviani e as ideias pedagógicas no Brasil (1) 

Estamos no Capítulo IX (Predominância da pedagogia nova - 1947 a 1961) do livro de Dermeval Saviani. O conflito escola privada e escola pública continua.

A luta que se abriu, em nosso país, entre os partidários da escola pública e os da escola particular, é, no fundo, a mesma que se travou e recrudesce ora nesse, ora naquele país, entre a escola religiosa (ou o ensino confessional), de um lado, e a escola leiga (ou o ensino leigo), de outro lado. Êsse, o aspecto religioso que temos o intuito de apenas apontar como um fato histórico que está nas origens da questão, e sem a mais leve sombra de desrespeito aos sentimentos que somos os primeiros a reverenciar, da maioria do povo brasileiro. Ela disfarça-se com frequência, quando não se apresenta abertamente, sob o aspecto de conflito entre a escola livre (digamos francamente, a educação confessional) e a escola pública ou, para sermos mais claros, o ensino leigo, a cujo desenvolvimento sempre esteve historicamente ligado o progresso da educação pública. Mas, continuando a decomposição do problema em seus elementos principais, implica essa campanha contra a escola pública, se não é um dos fatores que a desencadearam um aspecto econômico: é praticamente uma larga ofensiva para obter maiores recursos do Estado, do qual se reclama, não aumentar cada vez mais os meios de que necessita o ensino público, mas dessangrá-lo para sustentar, com o esgotamento das escolas que mantem, as de iniciativa privada. O grave documento a que acima nos referimos, "apresenta, de fato, como suas linhas mestras (nas palavras, insuspeitas e autorizadas, d'O Estado de S. Paulo) estes três princípíos fundamentais: 1) o ensino será ministrado sobretudo pelas entidades privadas e, supletivamente, pelo poder público; 2) o ensino particular não será fiscalizado pelo Estado; 3) o Estado subvencionará as escolas privadas, a fim de que estas possam igualar os vencimentos dos seus professores aos dos professores oficiais. É, como se vê (conclui o grande diário), a instituição no Brasil, do reinado do ensino livre: livre da fiscalização do Estado, mas remunerado pelos cofres públicos". (Manifesto dos Educadores: Mais uma Vez Convocados - Janeiro de 1959).

O período pós Vargas continuou marcado pela presença das personagens escolanovistas. O rearranjo político dominado pelos partidos políticos UDN, PSD e PTB propiciou avanços e recuos para a educação brasileira. A constituinte de 1946 espelhou este ambiente de reconstrução educacional. Questões como descentralização do ensino, vinculação orçamentária para a educação (20% para Estados e Municípios e 10% para a União), assistência aos alunos necessitados e a criação de institutos da pesquisas junto às instituições de ensino superior foram implementadas na época pela Constituição de 1946. 

Nas discussões sobre o anteprojeto de LDB (para regulamentar dispositivo aprovado na constituição de 1946), sob a liderança de Lourenço Filho, foram explicitadas as divergências entre o pessoal da Escola Nova e as posições da igreja católica, representadas (na comissão para formular o anteprojeto) por Alceu Amoroso Lima e Leonel Franca. A proposta de criação do Conselho Nacional de Educação (CNE) com atribuições deliberativas e não apenas consultivas foi questionada pelo ministro da Educação, Clemente Mariani. Estava em curso a conciliação conservadora que dava suporte ao governo Dutra. A "modernização conservadora". A LDB foi postergada face as divergências na época.

A peleja escola pública versus escola privada volta com a igreja sacrificando um novo Cristo: Anísio Teixeira. Tudo porque ele explicitou suas posições, em setembro de 1956, em Ribeirão Preto, na conferência "A escola pública, universal e gratuita". Posições trazidas de toda a turma escolanovista. Anísio Teixeira foi figura central no meio educacional na década de 1950. Tinha na direção e liderança órgãos de pesquisa e disseminação educacional como INEP (de 1937) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais , CAPES (1951), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e CBPE (1953), Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional. 

Na época representava a igreja católica , no debate, o deputado e padre Fonseca e Silva que tinha em Carlos Lacerda um aliado. Fonseca acusava Anísio (um liberal) de comunista que procurava aproximar o pragmatismo de Dewey do marxismo. Nas palavras de Saviani:

É que não estava em causa sua pessoa (Anísio Teixeira) e, portanto, as suas ideias e convicções. O que estava em causa era o que ele representava, e que estava resumido no título de sua conferência: a luta pela implantação e consolidação de uma escola verdadeiramente pública, universal e gratuita. E a igreja sentiu-se ameaçada, pois interpretou que, universalizando-se a escola pública e gratuita, ela se estenderia a todos e atenderia a todas as necessidades educacionais da população. Não haveria, pois, espaço para outro tipo de escola. Penso residir aí a crença dos representantes da Igreja que identificavam a defesa da escola pública, mantida e administrada pelo Estado, como defesa do monopólio estatal do ensino. Daí a concluir que os defensores da escola pública eram adeptos do socialismo e do comunismo era apenas um passo. Passo que foi dado somente rapidamente, mas sofregamente, quando consideramos a virulência cega dos ataques. (Saviani, p. 288)

Na defesa da escola pública manifesta-se um expressivo número de intelectuais divididos em três correntes de pensamento: a liberal-idealista, a liberal-pragmatista e a corrente socialista.

Para os liberais-idealistas têm a concepção kantiana de que o homem é definido pela moralidade. A tarefa de educação consiste em converter o homem num ser moral, transformando sua animalidade em humanidade. O homem é considerado um valor supremo que se afirma na sua individualidade independente das condições socio-históricas em que vive.  Representam esta corrente Júlio Mesquita Filho, do jornal O Estado de São Paulo, os professores da área de filosofia e história da educação da USP, como Roque Spencer Maciel de Barros, Laerte Ramos de Carvalho e João Rodrigues Villabos. Para Roque Spencer "a igualdade social é uma falácia; deve restringir-se aos limites jurídicos" (Orso, 2003, p. 144)

A corrente liberal-pragmática segue a concepção pragmática de William James de que o "único teste de verdade provável é o que trabalha melhor no sentido de conduzir-nos, o que se adapta melhor a cada parte da vida e combina com a coletividade dos reclamos da experiência" (James, 1979, p. 30). 

No campo da educação essa concepção tem como um dos maiores formuladores John Dewey, que teve em Anísio Teixeira o seu principal divulgador no Brasil. Foi também essa corrente que catalisou os movimentos em defesa da escola pública materializando-se seus aspectos principais no manifesto "Mais uma vez convocados" redigido por Fernando Azevedo em 1959 como uma espécie de retomada, nas novas condições, do "Manifesto dos pioneiros da educação nova" divulgado 27 anos antes. (Saviani p. 290) 

A corrente socialista procura compreender a educação a partir de seus determinantes sociais, considerando-a um fator de transformação social provocada (Fernandes, 1960, pp. 172-173)

"Uma  educação  que  possibilite  o  acesso  ao  conhecimento  científico,  clássico, contribuirá para que o trabalhador compreenda a sociedade em que vive, passando a lutar para que a mesma seja transformada." (Gramsci e a escola unitária)

Florestan Fernandes foi uma das lideranças mais expressivas do movimento em defesa da escola pública. Sua participação incessante nas discussões sobre a primeira Lei de Diretrizes e  Bases (LDB) de 1961  foi uma "uma autêntica peregrinação cívica e pedagógica que é um fato inédito nos anais de nossa história da educação" (Barros, 1960, p.XXIII).

Os conflitos, após debates entre Fonseca e Silva (escola particular) versus Anísio Teixeira (escola pública), se alastram pela imprensa. Anísio Teixeira e Florestan Fernandes, que também se envolve no debate, passam a ser alvos de ataques pessoais a seus posicionamentos político-ideológicos, nem sempre bem interpretados. O debate centra-se no diferente entendimento que se dá à liberdade de ensino, visto que os defensores da escola pública se pautam por uma educação laica, pública e gratuita, enquanto que os defensores do ensino confessional/privado, se utilizam do conceito de liberdade como o direito da família na escolha da escola para seus filhos, que deveria, se necessário, ser custeada pelo Estado, visto que este não tinha o direito de se sobrepor ao direito da família à educação de seus filhos. Os defensores da escola pública eram considerados como tendo a intenção de implantar o socialismo no Brasil, “promovendo não só a laicização do ensino, mas também a laicização e o materialismo da vida[...], um plano de orientação materialista e ateísta do ensino nacional[...] em favor do monopólio estatal”. (Buffa, 1979 in Innocente, pp. 246 – 250, 2006)

No acirrado debate ensino público versus ensino privado, surge o Manifesto dos Educadores: Mais uma Vez Convocados, em 1959. (Manifesto, pp. 205 - 220). Esse texto foi assinado por:

1) Fernando de Azevedo, 2) Júlio Mesquita Filho, 3) Antônio Ferreira de Almeida Júnior, 4) Anísio Spínola Teixeira, 5) A. Carneiro Leão, 6) José Augusto B. de Medeiros, 7) Abgar Renault, 8) Raul Bittencourt, 9) Carlos Delgado de Carvalho, 10) Joaquim de Faria Góes Filho, 11) Arthur Moses, 12) Hermes Lima, 13) Armanda Alvaro Alberto, 14) Paulo Duarte, 15) Mário de Brito, 16) Sérgio Buarque de Holanda, 17) Nelson Werneck Sodré, 18) Milton da Silva Rodrigues, 19) Nóbrega da Cunha, 20) Florestan Fernandes , 21) Pedro Gouvêa Filho, 22) A. Menezes de Oliveira, 23) João Cruz Costa, 24) Afrânio Coutinho, 25) Paschoal Lemme, 26) José de Faria Góes Sobrinho, 27) Haiti Moussatché, 28) J. Leite Lopes, 29) Gabriel Fialho, 30) Jacques Danon, 31) Maria Laura Monsinho, 32) Maria Yedda Linhares, 33) Anne Danon, 34) Roberto Cardoso Oliveira, 35) Oracy Nogueira, 36) Luis de Castro Faria, 37) Amilcar Viana Martins, 38) Branca Fialho, 39) Euryalo Cannabrava , 40) Thales Mello de Carvalho, 41) Ophelia Boisson, 42) Francisco Montojos, 43) Joaquim Ribeiro Darci Ribeiro, 44) Egon Schaden, 45) Jaiyme Abreu, 46) Juracy Silveira, 47) Lídio Teixeira, 48) Eurípedes Simões de Paula, 49) Carlos Correia Mascaro, 50) Renato Jardim Moreira, 51) Azis Simão, 52) Maria Isaura Pereira de Queiroz, 53) Lúcia Marques Pinheiro, 54) Armando de Campos, 55) Laerte Ramos de Carvalho, 56) Maria José Garcia Wereb, 57) Fernando Henrique Cardoso, 58) Samuel Wereb, 59) Ruth Correia Leite Cardoso, 60) Carlos Lyra, 61) Joaquim Pimenta, 62) Alice Pimenta, 63) Maria lsolina Pinheiro, 64) Rui Galvão de Andrada Coelho, 65) Mário Barata, 66) Luís Eucídio Melo Filho, 67) Mário Travassos, 68) José Lacerda Araújo Feio, 69) Otacílio Cunha, 70) Víctor Staviarski, 71) Cesar Lattes, 72) José Alberto de Melo, 73) L. Laboriau, 74) 0. Frota Pessoa, 75) Celso Kelly, 76) Alvaro Kilkerry, 77) Bayart Damaria Bolteaux, 78) Afonso Varzea, 79) Mário Casassanta, 80) Luis Palmeira, 81) Joel Martins, 82) Fritz Delauro, 83) Raul Rodrigues Gomes, 84) Mecenas Dourado, 85) Perseu Abramo, 86) lva Weisberg, 87) Linneu Camargo Schultzer, 88) Alvércio Moreira Alves, 89) Douglas Monteiro, 90) David Perez, 91) Moises Brejon, 92) Paulo Leal Ferreira, 93) José de Almeida Barreto, 94) Paulo Roberto de Paula e Silva, 95) Afonso Saldanha, 96) Jorge Leal Ferreira, 97) Jorge Barata, 98) A. H. Zimermann, 99) Cesar Veiga, 100) Diógenes Rodrigues de Oliveira, 101) Mendonça Pinto, 102) Silvestre Ragusa, 103) Augusto Rodrigues, 104) Nelson Martins, 105) Dulce Kanitz, 106) Paulo Maranhão, 107) Neusa Worllo, 108) Alvaro Palmeiro, 109) Rubens Falcão, 110) Otavio Dias Carneiro, 111) Jaime Bittencourt, 112) Geraldo Bastos Silva, 113) Letelba Rodrigues de Brito, 114) Joaquina Daltro, 115) Honório Peçanha, 116) Helena Moreira Guimarães, 117) Ester Botelho Orêstes, 118) Mariana Alvim, 119) Aldo Muylaert, 120) Irene de Melo Carvalho, 121) Tasso Moura, 122) Cecília Meirelles, 123) Maria Geni Ferreira da Silva, 124) Jorge Figueira Machado, 125) Paulo Campos, 126) Tarcisio Tupinambá, 127) Baltazar Xavier, 128) Teófilo Moisés, 129) Gastão Gouvêa, 130) Albino Peixoto, 131) Dalila Quitete, 132) Augusto de Lima Filho, 133) Miguel Reale, 134) Manoel de Carvalho, 135) Wilson Martins, 136) Milton Lourenço de Oliveira, 137) Roberto Danemann, 138) Silvia Bastos Tigre, 139) Wilson Cantoni, 140) Raul Sellis, 141) Silvia Maurer , 142) Gui de Holanda, 143) Adalberto Sena, 144) Antonio Candido de Melo e Souza, 145) Inezil Pena Marinho, 146) Maria Thetis, 147) Alberto Pizarro Jacobina, 148) Alvaro Vieira Pinto, 149) Modesto de Abreu, 150) Zenaide Cardoso Schultz, 151) Celita Barcelos Rosa, 152) lsmael França Campos, 153) Zilda Faria Machado, 154) Iracema França Campos, 155) Alfredina de Souto Sales Sommer, 156) Oto Carlos Bandeira Duarte Filho, 157) Valdemar Marques Pires, 158) Viriato da Costa Gomes, 159) Niel Aquino Casses, 160) Terezinha de Azeredo Fortes, 161) Hugo Regis dos Reis 

Saviani (pp. 293 a 296) faz uma síntese do manifesto de 1959

1. Manifesto ao povo e ao governo: o manifesto de 1932, que era um plano para o futuro, agora, diante das transformações ocorridas no país, se torna matéria inadiável como programa de realizações práticas.

2. Um pouco de luz sobre a educação no país e suas causas: aponta as causas dos problemas enfrentados pela escola pública: o rápido crescimento demográfico; o processo de industrialização; as mudanças econômicas e socioculturais. Não foi a educação pública que falhou, mas aqueles que deviam prever sua expansão.

3. Deveres com as novas grerações: a formação não como um favor, mas como um direito, pois do atendimento desse direito depende o futuro do país.

4. O manifesto de 32 e a LDB: as constituições da 1934 e 1946, que desembocaram no projeto de LDB, derivam do programa formulado no Manifesto de 1932.

5. A escola pública em acusação: rebate as críticas à escola pública mostrando que os privatistas buscam atingir três objetivos: que o ensino seja ministrado pelas entidades privadas e apenas supletivamente pelo Estado; que o ensino particular não seja fiscalizado pelo Estado e que o Estado subvencione as escolas privadas. É isto que os defensores da escola privada estavam defendendo sob a bandeira da liberdade de ensino. Ensino livre da fiscalização do poder público, mas remunerado pelo cofres públicos.

6. Violentas reações a essa política educacional em outro países: posições privatistas se fizeram presentes na Itália (1940) e na França (1959). Nesses países a população, liderada pelos intelectuais mais expressivos, reagiu resolutamente contra essa postulação.

7. As duas experiências brasileiras de "liberdade de ensino": o ensino livre da Reforma de Leôncio de Carvalho (1879) e da Reforma de Rivadávia (1911) tiveram resultados catastróficos, obrigando o Estado a revertê-las.

8. Em face da Constituição, já não há direito de escolha: a Constituição não permite o projeto privatista e é clara ao afirmar que a educação é dever do Estado devendo ser obrigatoriamente ministrada pelos poderes públicos, sendo livre à iniciativa privada.

9. Educação - monopólio do Estado?: a acusação de que os defensores da escola pública estariam querendo instaurar o monopólio estatal do ensino. O documento refuta e diz que não é contra a iniciativa privada.

10. Pela educação liberal e democrática: esclarece que a educação pública é uma conquista da democracia liberal do século XIX. Defende uma escola pública de carater universal, obrigatória e gratuita em todos graus e integral.

11. Educação para o trabalho e o desenvolvimento econômico: a educação sintonizada com o seu tempo e com as características da sociedade em que se insere. A mocidade deve estar consciente de que o trabalho é a fonte de todas as conquistas materiais e culturais da sociedade. 

12. Para a transformação do homem e de seu universo: ao homem que ingressou na era tecnológica nada há de impossível no que se refere à transformação das condições favoráveis ou adversas de seu ambiente. Para isso se faz necessária a preparação científica e técnica das novas gerações.

13. A história não avança por ordem...:  as profundas transformações na economia industrial determinaram mudanças nos sistemas de ensino ampliando-os consideravelmente e obrigando-os a acolher toda a população em idade escolar o que tornou uma obra de tal magnitude que só pode ser efetivada pelo Estado. Eis que contra essa obra se levantam forças reacionárias que buscam reconquistar a direção ideológica da sociedade numa espécie de retorno à Idade Média. Essas forças propõem-se a inverter o sentido daquela obra, utilizando os recursos do erário público para manter escolas privadas que, sem serem fiscalizadas, ainda teriam o direito de cobrar pelo ensino, mercantilizando as escolas. Esses serão desvios no processo histórico da educação. Mas, já que a história não avança por ordem, trata-se de saber por quais desordens, criadoras ou arruinadoras, queremos estabelecer a nossa ordem.

O manifesto de 1959 tinha a proposta de centrar as argumentações na expansão dos recursos públicos para a educação. E não nos aspectos pedagógicos, diferentemente do manifesto de 1932. E mais, acirrar as disputas entre o ensino público e o ensino privado. Por outro lado nos aspectos didático-pedagógico havia uma certa hegemonia das propostas escolanovistas. Havia compatibilizações entre revovadores e representantes da igreja católica. A peleja estava no financiamento público da Educação.

Vê-se que, na medida em que a pedagogia nova foi ampliando sua influência, também foi sendo modificada a sua relação com a pedagogia católica. Aliás, a visão dos católicos não se resumia a um puro e exclusivo confronto, inteiramente irredutível, com a pedagogia nova. Mesmo os mais acerbos críticos da Escola Nova não deixaram de reconhecer pontos de convergência. (Saviani, p. 299)

O predomínio da pedagogia nova e a renovação católica

O período entre a Revolução de 1930 e o final do Estado Novo foi marcado pelo equilíbrio entre as influências das concepções humanista tradicional  (Igreja católica) e humanista moderna (escolanovismo). No período posterior há uma predominância da concepção moderna.

O início da década de 1960 intensifica-se o processo de mobilização popular e em consequencia vem a tona a questão da cultura e educação populares (Favero, 1983). Na educação popular dois destaques: o Movimento de Educação de Base (MEB) e o Movimento Paulo Freire de Educação de Adultos, que tinha pontos em comum com a pedagogia nova.

O MEB foi criado e dirigido pela hierarquia da Igreja Católica e Movimento Paulo Freire, autônomo em relação à hierarquia da Igreja guiava-se pela orientação católica, recrutando seus quadros na Juventude Universitária Católica (JUC).

Se o movimento escolanovista se inspira fortemente no pragmatismo, MEB e o Movimento Paulo Freire buscam inspiração predominantemente no personalismo cristão e na fenomenologia existencial. Entretanto, pragmatismo e personalismo, assim como existencialismo e fenomenologia, são diferentes manifestações da concepção humanista moderna, situando, pois, em seu interior. É lícito, portanto, afirmar que sob a égide da concepção humanista moderna de filosofia da educação acabou por surgir também uma espécie de "Escola Nova Popular" como um outro aspecto do processo amplo de renovação da pedagogia católica que manteve afinidades com a corrente denominada "teologia da libertação". (Saviani, p. 303).

Referências:

Barros, Roque Spencer (Org.) (1960). Diretrizes e bases da educação. São Paulo, Pioneira.

BUFFA, Ester (1979) Ideologias em Conflito: Escola Pública e Escola Privada. São Paulo: Cortez & Moraes.

Favero, Osmar (Org) (1983). Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro, Graal.

Fernandes, Florestan (1960), Mudanças sociais no Brasil, Difusão Européia do Livro, 1960

Innocente, Maria Ângela Paié Rodella (2006). IDEOLOGIAS EM CONFLITO: ESCOLA PÚBLICA E ESCOLA PRIVADA, Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.21, p. 246 – 250 , disponível aqui 

James, William (1979). Pragmatismo e outros textos. São Paulo, Abril Cultural (coleção Os Pensadores)

Manifesto dos Educadores: mais uma vez convocados (Janeiro de 1959), Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial, p.205–220, ago 2006 disponível aqui.  Manifesto redigido por Fernando de Azevedo e publicado em vários órgãos da imprensa no dia 1º de Julho de 1959. Publicado também em revistas de educação. 

Orso, Paulino José (2003). Liberalismo, neoliberalismo e educação: Roque Spencer Maciel de Barros, um ideólogo da burguesia brasileira. Tese (doutorado) - FE/UNICAMP, Campinas. 

Saviani, Dermeval. (2019). História das ideias pedagógicas no Brasil, 5ª edição. Campinas, SP: Autores Associados. (Coleção memória da educação).


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