segunda-feira, 14 de junho de 2021

Maria Orlanda Pinassi

Entrevista do Momento: Maria Orlanda Pinassi

Por Milton Pinheiro, O Momento, 14/06/2021

Entrevista com Maria Orlanda Pinassi, professora de sociologia aposentada da UNESP e professora colaboradora da Escola Nacional Florestan Fernandes.

 
Reprodução: Correio da Cidadania

O MOMENTO – Em um cenário de grave situação política, como você examina o Brasil atual?
MARIA ORLANDA PINASSI – Aterro societário é o que parece definir a tragédia brasileira atual. Colapso social, desemprego estrutural, insegurança alimentar, caos sanitário, degradação ambiental, desmonte das instituições sociais públicas – sobretudo as de educação e saúde -, delinquência moral, militarização em todas as esferas, apologia às armas, ao genocídio, etnocídio, pobrecídio, feminicídio, ascenso democrático de narco-milicianos-neopentecostais transbordando de territórios restritos para o controle truculento e negacionista do país, alienação das massas, fascistização generalizada. Em poucos anos, saltamos de uma ilusória situação emergente para uma situação de barbárie efetiva. Personificamos a periferia que absorve os extremos da crise sistêmica.

O que dizer, por exemplo, de um país que, em 2020/21, comparece com 30 bilionários no ranking da revista Forbes, 11 dos quais estreantes? Como justificar a riqueza de 62 brasileiros que, em situação de pandemia, quase dobrou de R$ 127,1 bilhões para R$ 219,1 bilhões enquanto metade da população não tem como garantir comida na mesa? Esse capital altamente concentrado não é só vadio, ele é efetivamente criminoso porque assenta sobre quase 500 mil vidas perdidas para a Covid-19, porque produz 116 milhões de famintos, 15 milhões de desempregados, 5 milhões de alentados e mais de 40 milhões de trabalhadores e trabalhadoras informais precarizados. 

Neste período, aumentou substantivamente o número de indígenas, negros, mulheres, ambientalistas, lideranças populares no campo e nas cidades, perseguidos e assassinados pela cultura do ódio, entulho da ditadura, recidiva de um país estruturalmente subalterno, mais do que nunca cloaca do rentismo, do extrativismo, agronegócio, do tráfico. No último ano, áreas de floresta e de cerrado, ricas em espécies endêmicas de animais de plantas, muitos dos quais em risco de extinção, arderam sob o negócio do fogo; praias e manguezais do Norte e do Nordeste foram invadidos por grande quantidade de óleo e lixo hospitalar vindos sabe-se lá de onde. Por motivos diversos, todos absolutamente torpes, favelas, aldeias, quilombos vivem sob ataques constantes e brutais para atender os apetites incontroláveis do capital transnacionalizado. É assim que vejo o Brasil hoje, o país da tempestade perfeita.

O. M – Como interpreta o papel das esquerdas na luta de classes em curso?
MARIA ORLANDA PINASSI – Pensando em termos de luta de classes, não vejo papel efetivo para as esquerdas dogmáticas, aquelas que arrastam correntes com seus programas de transição socialista feitos de cima para baixo, sem correspondência com a realidade das massas. Essas esquerdas fetichizam o “sujeito revolucionário” como entidade a-histórica e propõem soluções modernizantes baseadas no culto do trabalho abstrato e na avançada tecnologia burguesa como caminhos seguros para o socialismo. 

O mais grave dos erros cometidos já nos primeiros tempos da Revolução Russa foi buscar os alicerces do que deveria ter sido uma nova sociedade livre de dominação e exploração justamente no sistema fundado na divisão social hierárquica do trabalho e na realização do valor. Tudo sob o estrito controle de um Estado agigantado e mal resolvido por acumular poder político e poder econômico. Perdeu-se ali a oportunidade de tomar o Estado, esvaziar seu conteúdo hierárquico, burocrático e substituí-lo por “um governo do povo” tal como foi feito pelos comunardos, em 1871. Mais, deixou-se de atender às necessidades prementes da população faminta através de algo ao alcance das mãos, simples, como era o caso das comunas camponesas, capazes de abastecer o país do produto mais essencial às pessoas e ao futuro da revolução: comida abundante e de boa qualidade. 

Mas, voltando ao nosso assunto, e tendo em vista que o sistema de capital é extraparlamentar, ou seja, um sistema em que as decisões de fato são tomadas fora do parlamento, acredito ainda menos no papel das esquerdas institucionalizadas em partidos eleitoreiros, sindicatos e movimentos sociais que sucumbiram à ordem. Essas esquerdas escolheram aprimorar concepções reativas, defensivas, requentam soluções que só conseguem dar sobrevida a um desenvolvimentismo irresponsável. Essas esquerdas ditas progressistas são fenomenológicas, não alcançam além da pequena política, são parte constitutiva dos vais-e-vens da democracia participativa em crise terminal. 

Apelam para um Estado socialmente falido que “emancipa” de vez parte substantiva da população em crescente estado de vulnerabilidade. As consequências assustadoras do abandono durante a pandemia no Brasil são a maior evidência do divórcio entre o Estado benefactor e a sociedade civil. Um eventual retorno da esquerda liberal, identitária, “progressista”, não significará a recomposição do que foi destruído, será no máximo uma tentativa pouco alentadora de retomar a gerência pacificadora do caos. Pressinto um fiasco total na empreitada.

O. M – No enfrentamento com o governo do agitador fascista, Jair Bolsonaro, o que deve ser a centralidade da luta?
MARIA ORLANDA PINASSI – A tragédia ampliada no Brasil de hoje é consequência da corrosão humanitária em que se converteu o sistema de reprodução sociometabólica do capital a partir de 1960 com a crise do keynesianismo anticíclico. No Brasil, a ditadura civil-militar suspendeu nossa frágil democracia para introduzir no país as condições imperativas ao neoliberalismo, condições essas que ficariam mais definidas nos anos de 1990 com o processo da reestruturação produtiva. Aquela foi a forma de integrar o Brasil ao circuito internacional do capital financeiro via transnacionalização da burguesia interna, de realizar a “Revolução Verde” que significou desmatamento, expropriação ainda mais intensa contra as populações nativas, camponesas, quilombolas, industrialização da agricultura e dependência total de corporações-monstro como a Monsanto (veneno, monocultura, transgenia), extrativismo mineral predatório (super incentivo à Companhia Vale do Rio Doce), uma proletarização que nasce precarizada e sem direitos, escravização militarizada e clandestina de indígenas, sobretudo em regiões de fronteira. 

Traçando uma linha do tempo da chamada Nova República [1985 a 2015], entendo que cada governo que sucedeu a ditadura deu sequência a esse modelo econômico contribuindo para pavimentar os caminhos do inferno que vivemos hoje. Todos, sem exceção, conduziram a política no sentido de confirmar nossa estrutural condição colonial, a nossa subalternidade, o nosso papel produtor de commodities. A atual política de Estado amplia os estragos praticados em décadas e o faz com muito mais desenvoltura e irracionalidade do que todos os que a antecederam em Brasília. Se, nesse processo, Bolsonaro não é o mentor da indigência, ele é um agente especial, de tipo miliciano, criado e treinado nos porões da ditadura de um sistema de acumulação geneticamente putrefato.

Sua ascensão à presidência da república vem a calhar com a crise estrutural da política, muito mais grave e reveladora do que a aludida por Florestan Fernandes em Notas sobre o Fascismo, texto escrito no exílio no Canadá em 1971. Bolsonaro é o último baluarte da política representativa, a face mais obscura de um sistema que tende cada vez mais ao subterrâneo. A centralidade da luta, portanto, independentemente de quem ocupe a gerência política do país, deverá acontecer não só, mas principalmente fora da institucionalidade e seu pressuposto mais essencial permanece sendo a de construir os alicerces da Revolução Social e Popular.

O. M – Existem, hoje no Brasil, movimentos populares com corte de classe e capacidade política para enfrentar o projeto burguês?
MARIA ORLANDA PINASSI – O quadro é muito difuso. Difícil de analisá-lo em toda sua complexidade. Não vejo no Brasil atual nenhum movimento de massas com capacidade significativa de enfrentar o projeto burguês. As Jornadas de 2013, o Movimento de Ocupação das Escolas pelos Secundaristas, em 2016, e o Movimento Ele Não, de 2018, foram as manifestações populares mais expressivas que o país vivenciou neste último período e que, na minha opinião, tiveram potencial ofensivo para um avanço na direção do que sugere a pergunta. No entanto, nenhum dos sucessivos ataques às leis trabalhistas, previdenciárias, tributárias, aos direitos humanos, à educação, à saúde conseguiu criar lastro de repúdio massivo à ordem como vimos em países da América Latina em 2019 e mais recentemente na Colômbia. 

Mas, vamos, por exemplo, à greve de caminhoneiros que também aconteceu em 2018. Esse foi um movimento popular massivo, muito representativo da categoria, que não visou enfrentamento do projeto burguês. Ao invés disso, deu um passo decisivo para o ascenso político da extrema direita e para a fascistização no país. Outro exemplo de ação popular quase sempre reacionária, vem das estratégias praticadas com muito empenho por pastores neopentecostais quando embrenham seus templos despojados nas comunidades mais pobres, sejam elas urbanas, rurais, indígenas, de sem-terra, sem-teto. 

Disseminam valores que penetram a alma dos fiéis que, por sua vez, replicam fundamentalismos, violência contra mulheres, ódio às culturas tradicionais e se autoimpõem submissão absoluta à uma estrutura social hierárquica que precisa ser cada vez mais rígida. É cruel o espancamento de idosas indígenas por pajés evangelizados em suas próprias aldeias; é brutal o que se comete contra as religiões afrodescendentes e seus seguidores nas favelas dominadas por narco-milicianos-neopentecostais. Os entregadores de aplicativos – tanto quanto aconteceu na China e Inglaterra – fazem um movimento com recorte de classe muito interessante justamente quando o capital mais requisita, lucra com e explora seu trabalho extenuante. Tirando o fato de estarem atuando de modo reivindicativo, é uma categoria nova, em crescimento, sem direitos e sem perfil ideológico claro, mas com enorme potencial de enfrentamento. A ver.

O. M – Como analisar a presença do neofascismo entre nós?
MARIA ORLANDA PINASSI – Há 500 anos se forma por aqui um quadrado mágico de distorções sociais endêmicas e de assaltos recorrentes às populações indígenas, pretas, pobres, às classes trabalhadoras e aos nossos recursos naturais. Como disse um pouco antes, esse formato, pautado numa permanente acumulação por espoliação, para usar um termo de Harvey, organiza e reorganiza uma sociedade estruturalmente escravista-colonial, patriarcal, autocrática e periférica. Não surpreende que o Brasil, tal como se encontra hoje, configure uma síntese dos mais graves problemas da atualidade do sistema, um campo privilegiado de observação dos sintomas mais perversos da crise estrutural. Entre eles certamente figura entre nós a explosão de um neofascismo de tipo periférico. E é importante frisar isso porque a nossa extrema direita é tão histriônica quanto a dos colegas dos países do Norte, mas sua submissão ao Império estadunidense equivale à virulência interna, que precisa ser muito mais nociva e destruidora. 

Hoje, o Brasil mostra para o mundo que o controle das massas submersas em necessidades contingentes graves é muito mais eficiente se exercido por instrumentos ideológicos de negação do real e por forte aparato policial. Pois mesmo nas condições extremas da pandemia, quando é praticada a imunização de rebanho, a concessão de auxílio emergencial, que deveria ser prioridade, é fortuita e, de modo racionalmente conveniente, depende dos humores da escória do planalto e do mercado . Não dá para pensar seriamente em saídas como a renda mínima ou renda básica universal, por mais necessárias que possam ser nesse canto tão castigado do mundo, sem se considerar as oscilações cínicas da economia política, inadmissíveis à vida em estado de urgência. Só para concluir essa questão, fascismo e crise cíclica sempre andaram juntos, são fartos os exemplos do século XX. Em tempos de crise estrutural, o neofascismo é devastador no Brasil e no mundo todo e ele não será episódico, como os ensaios nacionalistas da Alemanha, Itália, Japão, Espanha, Portugal, de vários países da América Latina. O neofascismo, ou coisa que o valha, veio para ficar, é internacionalista, popular e funciona como uma metástase generalizada do irracionalismo em que se converteu o sistema de reprodução social do capital. 

O. M – Quais são os principais problemas que a esquerda socialista deve afrontar na luta política dessa quadra histórica?
MARIA ORLANDA PINASSI – Entendo que é a própria totalidade da realidade atual o enorme problema a ser enfrentado. As condições concretas da nossa história presente são tão graves que impõem soluções radicais em que a lei do valor, a divisão social hierárquica do trabalho, a modernização incessante das forças produtivas, não podem ser a referência de um mundo novo. Pelo contrário, devem ser firmemente rechaçadas e deixadas no passado.

São tempos, portanto, de questionar seriamente o sentido de não se manter viva uma centelha sequer de toda essa irracionalidade que afeta a vida do planeta e dos bilhões de indivíduos que vivem no abandono, na pobreza, na incerteza. O momento, abalado por pandemias, guerras e fome, parece ser de transição para uma ameaçadora descontinuidade na continuidade controlada pelo capital, um mundo pós-humano e pós-capitalista (mas, não pós-capital) fortemente restritivo e totalitário como querem alguns ultrarricos para assegurar privilégios e riqueza acumulados. Para desgraça deles, porém, é que enquanto existirem, permanecerão dependentes da servidão dos sobreviventes – os antípodas de sempre, as trabalhadoras e os trabalhadores dos quais extraem trabalho excedente e de quem não podem se ver totalmente livres. 

A fome, sintoma mais abjeto da sociedade do capital abundante, consequência do desemprego estrutural e do abandono irrevogável das massas pelo Estado, constitui o problema mais grave e mais imediato a ser enfrentado neste momento. A fome foi a razão poderosa das insurgências mais decisivas da história contemporânea. Muito certamente essa também será a razão da hecatombe para a qual o sistema nos encaminha. Pois então, o sentido histórico da fome que move montanhas é também esclarecedor para não cairmos nas ilusões de sempre. Na Revolução Russa, como vimos antes, a modernização das forças produtivas, com todas as implicações problemáticas que isso causou, foi o caminho escolhido como mais eficiente para a superação do atraso. Nas condições atuais, ao contrário, a fome é resultado do progresso e do fracasso capitalista, não podendo em hipótese alguma ser sua solução. 

Provavelmente teremos pela frente uma situação em que o papel explosivo das massas, impulsionadas por necessidades de sobrevivência essencialmente biológicas, poderá ser bem mais indigesto do que idealizam as esquerdas teleológicas. Isso irá criar um cenário imprevisível de revoltas generalizadas e sem controle desenhando um quadro de disputa gigantesca com a barbárie seja dos ricos, seja dos pobres. A maneira mais efetiva de preparar o ante festum é ouvir outras maneiras de interpretar o mundo, observar atentamente formas não totalmente alienadas ou deformadas que são praticadas pelo mundo afora. Buscar conhecimento em quem combate a carência sem a presença de Estado que já se evadiu dos problemas sociais que criou. Atentar para experiências populares e comunais que atuam na autodefesa da espécie, o que significa defender seus territórios, a natureza e demais espécies. Elas, de fato, vêm se realizando pelo mundo afora e no Brasil, inclusive. 

Não são somente hipóteses. Tais iniciativas possuem o cunho da diversidade (daí a sua riqueza), podendo surgir entre povos tradicionais ameaçados, entre comunidades rurais e populações urbanas em situação de muita vulnerabilidade. Por iniciativa quase sempre de mulheres miserabilizadas, comprovam que é possível formar comunas, viver sem políticas públicas, sem a mão invisível do mercado, sem a lógica do valor de troca, sem divisão social hierárquica do trabalho, sem exploração e sem a corrida desembestada para satisfazer os apetites imaginários impostos pelo capital. Bons alimentos, laços de solidariedade e uma nova relação com a natureza são medidas simples e absolutamente necessárias para sairmos desse imbróglio todo. Isso pode indicar que o “capital social total” ultra-concentrado, ao “emancipar”/abandonar pessoas – pessoas das mais diversas culturas, raças e nacionalidades que pelo mundo afora compõem a “totalidade do trabalho” disponível, cria brechas, difíceis é verdade, mas que não deixam de ser um sinal interessante da história em transição. A luta pela formação de comunas bem como a luta pela preservação das que sempre se organizaram de tal modo (os chamados “comuns”) pode trazer condições de autonomia e sustentatibilidade para atravessar o Rubicão e ainda realizar uma progressiva socialidade igualitária. 

Ou seja, o ponto de partida do confronto decisivo contra o capital, frente a toda complexidade decadente do sistema, complexidade essa radicalmente antagônica à complexidade ontológica do ser da revolução, deverá ser bem mais modesto do que sempre se pensou. Mas, certamente não será pacifista.

O. M – Como a teoria social marxista pode contribuir para entender o tempo presente?
MARIA ORLANDA PINASSI – Obviamente que essas questões todas estão aqui de modo bastante embrionário e se dispõem a um debate para aprofundamento dos pontos realçados. Mas, desde já adianto que estão baseadas na teoria marxiana, sem a qual considero impensável combater o sistema de reprodução social do capital.

Marx e Mészáros são um norte para pensar, aqui e agora, a formulação de experiências comunais. E de como essas experiências podem ser a ponta de lança para a construção de uma Revolução Política com Alma Social, um processo necessário para atingir a totalidade das relações sociais, atuar no sentido de abolir o Estado, suas instituições, a luta de classes e transformar o cotidiano, a cultura, a educação, a relação com a natureza. Se essas experiências ainda são esparsas, as condições que elas criam precisam se tornar universais. É sobre isso que Marx fala quando se refere às tomadas de decisão da Comuna de 1871 em Guerra Civil na França:

A Comuna não foi uma revolução contra qualquer forma de poder estatal, legitimista, constitucional, republicano ou imperial. Foi uma revolução contra o Estado enquanto tal, contra esta monstruosidade monstruosa da sociedade, foi a ressurreição da autêntica vida social do povo, realizada pelo povo. Seu objetivo não era transferir o poder do Estado de uma fração das classes dominantes para outra, mas destruir essa máquina abjeta de dominação de classe. Não foi uma daquelas lutas mesquinhas pelo domínio de classe entre seu poder executivo e suas formas parlamentares, mas uma rebelião contra ambos, que se complementam”.

É particularmente em seus últimos anos de vida que Marx irá questionar sua teoria da revolução proletária a partir do ponto mais desenvolvido do capitalismo, em seu tempo, a Inglaterra. Tiveram impacto sobre ele aqueles 72 dias intensos de liberdade e democracia radical em Paris, a ligação que estabeleceu com Elisabeth Dmitrieff (uma das muitas mulheres que tiveram papel de destaque durante a Comuna) quem lhe apresentará uma literatura sobre as comunas camponesas e, pouco mais tarde, as correspondências trocadas com os narodniks Nikolai Danielson e Vera Zassúlich que o aproximarão das comunas rurais russas. Marx responderá da seguinte forma à indagação de Vera sobre como se posicionava o comunista, escritor de O Capital, sobre o campesinato tradicional da Rússia:

(…) o estudo especial que delas realizei, e cujos materiais busquei nas fontes originais, me convenceram que esta comuna é o ponto de apoio da regeneração social na Rússia, mas que, para que possa funcionar como tal, seria preciso eliminar primeiramente as influências deletérias que a assaltam de todos os lados e, em seguida, assegurar-lhe as condições normais de um desenvolvimento espontâneo.”

De modo telegráfico, faço menção aqui a Mészáros, em particular no capítulo 19 de Para além do capital, intitulado “Sistema comunal e lei do valor”, onde retoma passagens seminais de Marx para discorrer sobre as principais características do modo comunal de intercâmbio. Para concluir, tomo a liberdade de reproduzir aqui um pequeno trecho dessa sua espetacular análise sobre a sociedade da abundância onde predomine o princípio: “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”, Crítica do programa de Gotha.

A realização verdadeira da sociedade da abundância requer a reorientação do processo reprodutivo social de tal modo que os bens e serviços Comunalmente produzidos possam ser plenamente compartilhados – e não desperdiçados de modo individualista – por todos aqueles que participam da produção e do consumo diretamente social. (…) Não obstante, ainda que a plena realização dessa visão – que postula a necessidade de uma transformação global – levasse um tempo muito longo para ocorrer, os passos práticos necessários para avançar podem ser dados (no “aqui” e “agora”) por qualquer sociedade pós-revolucionária, até mesmo em uma situação relativamente limitada, sem esperar pela reversão radical das relações de poder existentes entre capital e trabalho em uma escala global.” (p. 894 e 895 de Para além do capital)

Nenhum comentário:

Postar um comentário