Por Antônio Gois, 07/06/2021, O Globo
Em 2020, ano em que fomos assolados pela pandemia de Covid-19, o sistema educacional brasileiro bateu recorde positivo de aprovação de alunos. Dados do Censo Escolar divulgados na semana passada pelo Inep mostram que 98% dos estudantes no ensino fundamental e 95% no médio foram aprovados. Em 2019, essas taxas foram, respectivamente, de 93% e 86%. Antes de soltarmos rojões, convém esclarecer que era um movimento esperado. A orientação – acertada – do Conselho Nacional de Educação a todos os sistemas estaduais e municipais foi de evitar ao máximo a reprovação, considerando que os alunos não tiveram oportunidade de aprendizagem adequada por causa da paralisação das aulas presenciais.
O fato de um número recorde de alunos ter sido aprovado não significa, obviamente, que eles aprenderam o que era esperado para o ano letivo. Ainda não sabemos qual o impacto que a pandemia teve na aprendizagem, mas estimativas e dados preliminares já divulgados indicam que, neste quesito, não haverá nada a comemorar. Porém, mesmo que forçados pelas circunstâncias, talvez possamos aprender com esta experiência para avançar no combate a um dos maiores males históricos de nosso sistema educacional: as elevadas taxas de repetência.
Num debate raso e simplista, propor a redução da repetência costuma ser associado à defesa de uma aprovação automática e sem critério. Não é preciso ir para países ricos e de alto desempenho educacional para constatar que é possível, mesmo no Brasil, diminuir significativamente a reprovação sem prejuízo da aprendizagem.
Vejamos o caso de Pernambuco: entre 2007 e 2019, o Censo Escolar registra que o percentual de aprovados no ensino médio da rede pública passou de 68% para 93%. O que aconteceu com os indicadores de aprendizagem nesse mesmo período pré-pandemia? Aumentaram em 25 pontos em matemática e em 39 em língua portuguesa. Para efeito de comparação, a evolução média no Brasil nessas disciplinas foi de 6 e 18 pontos, respectivamente.
Outro exemplo notável nordestino vem do Ceará, referente aos anos iniciais do ensino fundamental. Entre 2005 e 2019, a proporção dos alunos aprovados lá passou de 79% para 98%. É possível aprovar praticamente todo mundo e ainda assim melhorar a aprendizagem? A experiência cearense comprova que sim, pois o avanço registrado – o maior do país - foi de 81 pontos em matemática e 70 em língua portuguesa.
A repetência, além de ineficaz, custa caro. Cálculos do pesquisador Guilherme Hirata, da consultoria Idados, estimavam que, em 2017, o custo da reprovação e abandono era de R$ 17 bilhões, o equivalente naquele ano a algo em torno de 10% de todos os recursos do Fundeb.
Lutar contra a pedagogia da repetência não é uma tarefa fácil no Brasil, pois ela está arraigada em nossa cultura escolar, e por vezes é entendida como sinônimo de qualidade e rigor. Nada mais equivocado. Numa das mais extensas e citadas pesquisas já feitas no mundo, o neozelandês John Hattie procurou identificar em estudos as ações mais eficazes para melhorar a aprendizagem. No caso da reprovação, a conclusão foi que, além de ter impactos negativos, ela ainda eleva consideravelmente o risco de evasão. São raríssimos os temas no debate educacional em que é possível identificar consenso na conclusão dos estudos acadêmicos. No caso da repetência, Hattie é enfático: “É difícil encontrar outra prática educacional em que a evidência científica seja tão inequivocadamente negativa”.
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