quinta-feira, 10 de junho de 2021

Cinema e a arte engajada

Uma história do engajamento: Cinema e Literatura

Nada mais vão doravante que a condenação pascaliana, uma vez que a fotografia nos permite, por um lado, admirar em sua reprodução o original que os nossos olhos não teriam sabido amar, e na pintura um puro objeto cuja referência à natureza já não é mais a sua razão de ser. Por outro lado, o cinema é uma linguagem. (Ontologia da imagem fotográfica, André Bazin, O que é cinema?, Cosac Naify, 2014) 

A fotografia e a pintura, conflitos e choques

A menina da foto: a história por trás de um símbolo da Guerra do Vietnã (Kim Phuc Phan Thi)

Guernica de Pablo Picasso

O cinema

O cinema (que nasceu na França, Alemanhã e EUA, nas duas décadas iniciais do século XX) como uma manifestação artística e técnica a partir da fotografia em movimento e a cinematografia (roteiro, cenografia e montagem) já se apresentava como uma linguagem dissolvida na realidade social. Sempre esteve contaminada pelos conflitos e choques a serviço da arte não contemplativa e não imparcial. Os filme Queimada e Soy Cuba serão analisados a partir desta contaminação. 

Filmes a comentar

1. Queimada, 1969, Gillo Pontecorvo

Uma resenha do filme aqui

Live sobre o filme Queimada! (Burn! - 1969 - Gillo Pontecorvo) - Crítica ao colonialismo (João Carvalho e Rafael Dias) 

Queimada assinado por um mestre inconteste da filmografia politicamente engajada, o italiano Gillo Pontecorvo e ambientado em uma ilha caribenha fictícia, que dá título ao filme, a obra recorre aos postulados mais fundamentais da análise histórica marxista para desvelar tramas e artimanhas da exploração que sustenta o modo de produção e a organização sócio-política genericamente classificados como Capitalismo

O filme tem inspiração quase que explícita na Revolução Haitiana de 1804. Não cita, mas o enredo do filme tem equivalências no tempo e no espaço. Início do século XIX e na América Central. Um dialogo do filme para mostrar esta equivalência: 

De uma personagem representando o governo (e a Inglaterra) de Queimada: Contudo, o que a Inglaterra não quer e o que acho que vocês também não, são essas revoluções levadas a conseqüências extremas. Homens como José Dolores e Toussaint L'Ouverture são talvez necessários para iniciar algo. Certamente tem razão quanto a isso. Então, senhores, como veem, acho que, pelo menos no momento, nossos interesses coincidem e coincidem também com o progresso e a civilização. E para os que acreditam nisso, é importante. Mas depois disso, se tornam muito perigosos. Como no Haiti.

A primeira parte do filme é o colonialismo. William Walker, o inglês, vai até a Queimada para fomentar a revolta dos escravos afrodescendentes contra o governo local (português). Consegue, e os escravos tornam-se trabalhadores. Na segunda parte é o imperialismo. Walker volta, anos depois, para combater os trabalhadores explorados e liderados por José Dolores. Se antes ele pensava que "um escravo era mais caro que um trabalhador assalariado", agora tinha que enfrentar o trabalhador organizado e militante. Segundo Dolores "o patrão não se diferencia do feitor". A exploração continua. Os trabalhadores são derrotados (diferente do que ocorreu no Haiti) mas o final do filme não é pessimista. Gillo Pontecorvo discorda da máxima Lutamos como nunca e perdemos como sempre. Para ele máxima é Lutamos como nunca e continuamos lutando como sempre.

A primeira vez que assisti Queimada foi em Bauru, interior do estado de São Paulo, em 1973. Uma cena do filme me deixou encabulado e revoltado. Esta cena não está na versão em DVD (112 minutos) do filme e sim na versão integral (132 minutos). A cena: quando da invasão das tropas governamentais a uma aldeia de famílias de trabalhadores, uma criança nua de  5 anos se encontra com o invasor de cavalo empinado em duas patas. A criança chora desesperada. Lembro desta cena toda vez que lembro do filme. É Pontecorvo visitando o construtivismo do cinema russo. O choque a serviço da revolta e da conscientização. Como na cena da carne estragada no filme O encouraçado de Potemkim de Eisenstein.

Um destaque muito relevante e marcante no contexto construtivista: "Abolição" de Ennio Morricone, a música tema do filme.

2. Soy Cuba, 1964, Mikhail Kalatozov e Sergey Urusevskie (cinematografia) 

Soy Cuba, O Mamute Siberiano, 2004, Vicente Ferraz

Resenhas de Soy Cuba e Soy Cuba, O Mamute Siberiano aqui

La mayor secuencia del Cine en Soy Cuba

Martin Scorsese on I Am Cuba

O filme Soy Cuba é uma exaltação à Revolução Cubana. A respeitada crítica estadunidense de cinema Pauline Kael taxou o filme de propaganda. Mas o que foram os vários filmes de roliude das décadas de 1930 e 1940 senão propaganda do usa way of life?

As três partes do filme: Cuba na época de Fulgencio Batista (quintal de gringos, hotéis de luxo e prostituição), a revolta estudantil nas cidades e a guerrilha nas montanhas com a vitória final. Além do tema muito bem apresentado, o filme tem uma marca essencial: a cinematografia. Produção soviética - cubana e realizada no período de 1962 a 1964, tem alguns plano sequencias espetaculares. A linguagem cinematográfica a todo vapor. A cena famosa: o enterro do estudante assassinado na passeata. A cena começa na rua, sobe três andares de um prédio, passeia por uma fábrica de charutos e depois uma panorâmica sobre o enterro. Com um mínimo de cortes a cena dura cerca de 4 minutos (num filme, uma eternidade).

O filme teve baixa acolhida em suas estreias na Russia e em Cuba em 1965. Ficou esquecido até no final da década de 1990, quando  Martin Scorsese e Francis Ford Coppola se encantaram com o filme. Mais com a cinematografia do que com o conteúdo. Mais tarde, Vicente Ferraz, um diretor brasileiro, fez um documentário muito bom, Soy Cuba, O Mamute Siberiano de 2004. Foi até Cuba e investigou documentos em cinematecas e entrevistou pessoas que participaram da produção do filme tais como técnicos, roteiristas, atrizes e atores. 

Filmes recomendados

1. Antonio Gramsci – Os Dias do Cárcere (Antonio Gramsci: i giorni del carcere), 1977, Lino Del Fra 

2. A Nova Babilônia (Novyy Vavilon), 1929, Grigoriy Kozintsev, Leonid Trauberg (sobre a Comuna de Paris)

3. Cabra Marcado para Morrer (1984), Eduardo Coutinho

 A Família de Elizabeth Teixeira Idem

4. Marighella, 2012, Isa Grinspum Ferraz (sobrinha de Marighella) 

5. Encouraçado Potemkin ,1925, Sergei Eisenstein

6. O sal da terra (Salt of the earth), 1953, Herbert J. Biberman

7. Judas and the Black Messiah, 2021, Shaka King

8. Quo vadis, Aida?, 2020, Jasmila Zbanic (Massacre na Bósnia - 1992 a 1995) 


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