sábado, 11 de maio de 2024

Radinho de pilha salva em Porto Alegre

'Velho' radinho de pilha salva a comunicação e vira item de segurança no RS

Camila Corsini, Tilt, em São Paulo, 11/05/2024

Alguns dos rádios de pilha arrecadados na campanha. Imagem: Arquivo Pessoal

Os rádios de pilha se tornaram itens essenciais na comunicação com pessoas afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. É por meio deste "item de museu" que essa parcela da população consegue se inteirar da situação do estado e recebe informações complementares.

"Estamos vendo pessoas há dias sem energia, sem contato ou acesso a qualquer fonte de informação digital. O rádio acaba sendo a forma de conexão com o mundo", afirma o professor universitário Willian Araújo, de 36 anos.

Uma campanha idealizada por ele e outros profissionais da Unics (Universidade de Santa Cruz do Sul) busca arrecadar aparelhos para distribuição nas áreas afetadas pela enchente — a princípio, as comunidades da região central do estado. "Nos dias de grande confusão, eu me vi com o meu radinho de pilha", diz. "Rádios locais não tinham transmissão online no horário que eu queria ouvir, eu estava sem internet e sem luz. E eu não tinha outro rádio que não fosse o de pilha."  Willian Araújo

Estruturas são vulneráveis

A cidade de Santa Cruz do Sul é considerada de porte médio e, apesar de ter uma área urbana bastante industrializada, ela também é forte na agricultura familiar. A população está acostumada com o uso do rádio, mas sempre atrelado ao celular, internet ou carro.

"A emergência climática configurada nessa enchente nos mostrou que as nossas infraestruturas comunicacionais são muito vulneráveis. O rádio de pilha acabou se tornando uma forma segura de ter acesso a informação sem depender das mídias sociais." Willian Araújo

Para o professor, a imprensa local tem feito um bom trabalho de orientação, produção de conteúdo e prestação de serviço —e o rádio é o meio de comunicação que possibilita que todo esse material atinja, principalmente, as comunidades rurais e mais afastadas.

A campanha arrecada rádios de pilha e recursos para comprá-los. Em paralelo, o núcleo de comunicação da Unics produz boletins informativos que são transmitidos nas rádios locais.

Entre os conteúdos estão dicas de cuidado com a saúde nas enchentes ou como identificar sintomas de leptospirose, por exemplo. Também foi criado um canal no WhatsApp, para a equipe receber áudios e vídeos e fazer checagem das notícias.

Rádio é resiliente

"O rádio vem anunciando sua morte desde os anos 50 e vemos a resiliência do meio de comunicação se atualizar a cada desafio tecnológico. Os podcasts e a transmissão ao vivo mostram como a oralidade é importante para a sociabilidade humana." Willian Araújo

"O que estava caindo em desuso é a tecnologi de transmissão de FM (frequência modulada), assim como a AM (amplitude modulada) estava obsoleta. Elas ganharam um outro significado no Rio Grande do Sul a partir dessa tragédia", complementa Willian.

Willian acredita que o rádio de pilha é o "item de segurança" que todos deveriam ter em casa. Apesar de não ser o mais prático ou tecnológico, é o meio de comunicação que funciona quando a estrutura essencial entra em colapso.

Embora a ideia tenha nascido através da Unics, a iniciativa cresceu e já conta com apoio da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) e diversas associações ligadas à radiodifusão.

O grupo busca apoio da Defesa Civil na distribuição dos aparelhos na região central do estado. "Queremos expandir para a região metropolitana, mas ainda é difícil garantir que vamos conseguir porque depende de logística. E o emergencial agora é água, comida e roupa."


quinta-feira, 9 de maio de 2024

Moniz Vianna, 100

Com a morte de Antonio Moniz Vianna, em janeiro, o País perdeu o seu mais influente, elegante e incisivo crítico

Por Sérgio Augusto, O Esyado, 07/02/2009

Um minuto de silêncio precedeu o jogo do Flamengo contra o Volta Redonda, domingo passado, pelo Campeonato Carioca. Quantos dos presentes no Maracanã conheciam, ainda que vagamente ou só de nome, Antonio Moniz Vianna?, perguntei-me ao saber da homenagem, seguro de que jamais teria uma resposta satisfatória. Moniz Vianna, morto na madrugada do último sábado de janeiro, aos 84 anos, não era uma celebridade, apenas um dos mais ilustres torcedores do Flamengo, sua maior paixão depois do cinema. Célebre ele fora em décadas passadas e famoso há de ficar como o primeiro crítico de cinema brindado com um minuto de silêncio no Maracanã. 

Se vivêssemos no melhor dos mundos, todas as salas de exibição brasileiras também lhe teriam prestado alguma forma de homenagem em suas matinês do último domingo, pois o cinema lhe deve mais, muito mais, tributos que o futebol do Flamengo. Moniz foi, simplesmente, o mais influente crítico de cinema do país. Não há controvérsias sobre o que acabo de afirmar. Ele não só escrevia todos os dias, sobre quase todos os filmes em cartaz, como seus comentários, quase sempre tomando duas ou mais colunas de alto abaixo do jornal, saíam no então mais lido diário de circulação nacional, o Correio da Manhã. Isso numa época (de 1946 ao final dos anos 60) em que, no mundo inteiro, a crítica de cinema diária era curta, ligeira e pedestre. Seus competidores, portanto, não foram Bosley Crowther (por longo tempo o principal crítico do New York Times) ou Louis Chauvet (idem do France-Soir), mas aqueles, mais ensaísticos, com mais tempo para escrever e espaço para se espalhar em publicações semanais, mensais e especializadas, como André Bazin e Jacques Doniol-Valcroze (que dividiam a seção de cinema do L?Observateur, futuro Nouvel Observateur), James Agee (Time), Otis Ferguson (The New Republic), Robert Warshow (Partisan Review), Manny Farber (The Nation). 

Daí porque boa parte dos cineastas (Nicholas Ray, Robert Aldrich, Budd Boetticher, os que trabalharam na unidade de Val Lewton, na RKO) cuja descoberta costuma ser atribuída aos franceses, notadamente aos da revista Cahiers du Cinéma, foram na verdade "revelados" por Moniz. Como escrevia com extrema elegância, incisividade e inigualável erudição, pois, afinal de contas, via de tudo, ao contrário dos franceses, que ficaram, por alguns anos, alheios ao que Hollywood produziu durante a 2ª Guerra, e dos americanos, com limitada intimidade com a produção comercial europeia, conquistou admiradores da Amazônia ao Rio Grande do Sul. 

Influenciou duas ou três gerações de críticos, alguns dos quais discípulos diretos, como Valério Andrade (que, aos 20 anos, se mandou de Natal, no Rio Grande do Norte, para conhecer o mestre pessoalmente, tornando-se, ainda em 1959, seu primeiro assistente na coluna do Correio da Manhã), Walter Lima Jr., Paulo Perdigão, e, mais tarde, Ruy Castro. Foi também o "wagonmaster" de toda uma linhagem de críticos surgida no início dos anos 1950, no Rio (Ely Azeredo, Décio Vieira Ottoni), em Belo Horizonte (Cyro Siqueira, Mauricio Gomes Leite), e onde mais o Correio da Manhã pudesse ser lido. Ainda do tempo em que a palavra fita era sinônimo de filme, Moniz preferia chamar de cenário (do francês "scénario") o que há tempos chamamos de roteiro e também só em francês (e no masculino) se referia à montagem ("o montage"). 

Passou anos traduzindo "novel" por novela, em vez de romance, até que, à falta de reclamações ou cobranças para as quais guardara uma explicação etimológica arrasadora, capitulou ao termo corrente. Tinha especial apreço pelo adjetivo "admirável", peculiaridade que só fui notar relendo a única coletânea de suas críticas, reunidas, em 2004, por Ruy Castro: Um Filme Por Dia (Cia. das Letras). Venerava John Ford. Não procede, contudo, que em sua lista dos "dez melhores filmes de todos os tempos" figurassem 11 ou 12 criações de Ford. E não foi ele quem, instado a indicar os três maiores gênios do cinema, respondeu: "John Ford, John Ford e John Ford." Se o fizesse, estaria plagiando Orson Welles. Seu filme predileto sempre foi Aurora, de Murnau. Mas ao genial irlandês do Maine reservou o melhor altar de sua catedral. Acima de todos, O Delator (The Informer), seguido, mais ou menos nesta ordem, por No Tempo das Diligências (Stagecoach), Depois do Vendaval (The Quiet Man); O Sol Brilha na Imensidade (The Sun Shines Bright) - isto mesmo, na imensidade, e não na imensidão; Como Era Verde o Meu Vale; A Longa Viagem de Volta; O Homem que Matou o Facínora; Rastros de Ódio (The Searchers). 

Sua última crítica, no Correio da Manhã, publicada em 9 de setembro de 1973, foi, justamente, sobre John Ford, , que morrera 10 dias antes. Fui também seu assistente, junto com Valério Andrade, no começo dos anos 1960, suprema conquista profissional acalentada desde os 14 anos, quando, por acaso, bati os olhos na primeira crítica assinada por ele, e, mesmerizado pela leitura, decidi ali mesmo o meu destino. Moniz foi meu maior mestre, meu mentor. Era uma figura mítica, assaz fordiana: rigoroso e gentil, ranheta e bem-humorado, um pouco como o pater famílias encarnado por Donald Crisp em Como Era Verde o Meu Vale. Divergíamos em muitas coisas (inclusive no futebol); quase entramos em rota de colisão por causa da crítica ("demasiado sionista") que fizera de Exodus, de Otto Preminger; e para alguns dos cineastas brasileiros que ele mais apreciava (Lima Barreto, Jorge Illeli, Rubem Biáfora, Walter Hugo Khouri) eu vivia torcendo o nariz. 

Apesar da fama de "inimigo número um do cinema brasileiro", ajudou-o como poucos, e sem favoritismos, quando à frente da Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica, no governo Carlos Lacerda, e do Instituto Nacional de Cinema. Não foi o único a atacar, com implacável rigor, a chanchada, achincalhada por todos os críticos em atividade nos anos 1940 e 1950. Até por Alex Vianny, proverbial defensor do cinema brasileiro. Não havia clima nem distanciamento suficiente, naquele tempo, para se avaliar, sem parti-pris, o fenômeno da chanchada. Mas não há dúvida que, de todos os seus detratores, Moniz foi o mais virulento. 

Os Fla-Flus, de inegável cunho ideológico, que ainda se promovem entre Moniz e Alex ou entre Moniz e Paulo Emílio Salles Gomes me parecem ociosos, se não estapafúrdios. Paulo Emílio foi um (grande) ensaísta, de produção mais compassada, não um crítico ativo cotidianamente, exposto a escolhas e julgamentos tangidos pela urgência. Moniz e Alex, ao menos, jogavam na mesma liga: eram ambos críticos de militância diária, mas Alex tinha contra si dois fatores: seus textos não possuíam o brilho e o charme dos de Moniz, nem desfrutavam da mesma periodicidade, profusão e difusão. Passo ao largo de suas idiossincrasias ideológicas, vale dizer, de seu tropismo stalinista, porque, em matéria de idiossincrasias, Moniz tampouco era fácil. Preferia René Clair a Jean Renoir, valorizava De Sica, Visconti e Fellini em detrimento de Rossellini, não trocava Pietro Germi por De Santis ou qualquer outro regista supervalorizado pelo PCI. Implicou, desde o início, com a Nouvelle Vague e o Cinéma-Verité (que considerava uma reciclagem tardia do Cinema-Olho de Dziga Vertov); detestava os atores formados (ou deformados, segundo ele) pelo Actor?s Studio; as produções de Jerry Wald para a Fox; o teatro-filmado de Delbert e Daniel Mann (ambos apelidados de "Little Mann", para evitar confusão com o "grande Mann", Anthony Mann, cujos westerns estrelados por James Stewart adorava); as neuroses de Tennessee Williams ("aquele mal psicanalisado dramaturgo"); as afetações e os modismos da crítica parisiense (desde o final dos anos 1940, quando alguém da La Révue du Cinéma, ancestral do Cahiers, proclamou: "Abaixo Ford! Viva Wyler!"). 

Moniz foi a primeira pessoa que Glauber Rocha, seu fã ardoroso, procurou, ao chegar ao Rio pela primeira vez. Ficaram amigos, depois brigaram e fizeram as pazes, como bons e passionais baianos (Moniz nasceu em Salvador e veio para o Rio com 11 anos). Estavam brigados quando Moniz elogiou Deus e o Diabo na Terra do Sol e de bem quando Moniz pichou Terra em Transe (a seu ver, "caótico e ininteligível"), o que não impediu que o fero mas generoso crítico, então no INC, se esforçasse para liberar Terra em Transe, proibido pela ditadura militar.

...

O cinema é uma arte industrial. Todas as artes estão se tornando ou comerciais ou industriais. Mas o fato de o cinema ser uma arte industrial não depõe muito contra ele. A arte pela arte não existe! Se existe, não prospera. O cinema teve que cumprir a trajetória de todas as outras artes. É claro que se baseando nelas também. O cinema se baseia na literatura. O cinema utiliza música. O cinema utiliza técnicas de teatro também. O cinema é uma arte! (Antônio Vianna Moniz)

O crítico nacional

Antonio Moniz Vianna, que fez com que duas gerações se apaixonassem pelo cinema, completaria 100 anos

Ruy Castro, FSP, 09/05/2024

"Eu vou matar Moniz Vianna!", gritou Glauber Rocha ao ler mais um artigo arrasador do crítico do Correio da Manhã contra um filme do Cinema Novo. Moniz era o principal crítico de cinema do Brasil, e Glauber, o grande cineasta, alma do Cinema Novo. Mas que matar, que nada. Os dois eram baianos e se entendiam. Logo fizeram as pazes e, mais uma vez, para sempre —até a briga seguinte. O verdadeiro Antônio das Mortes, armado de uma Royal em vez de carabina, era Antonio Moniz Vianna.

Moniz (1924-2009) faria 100 anos neste sábado (11). Em três décadas de crítica desde 1946, e sempre no Correio da Manhã, do Rio, falou de mais filmes do que todos os colegas americanos e franceses multiplicados uns pelos outros, e com mais propriedade. De Lumière a Woody Allen, sua cultura de cinema era total. Seus artigos às vezes ocupavam duas colunas de alto abaixo do jornal —um filme por dia, todos os dias!—, com opiniões que lhe valeram tanto brigas quanto admirações.

Moniz era nacional. Nos anos 50, Glauber o lia na Bahia; Mauricio Gomes Leite, em Belo Horizonte; Rubem Biafora, em São Paulo; Linduarte Noronha, em João Pessoa; Walter Lima Jr., em Niterói; Cacá Diegues, Julio Bressane, Sergio Augusto, Paulo Perdigão e José Lino Grünewald, no Rio; Geraldo Mayrink, em Juiz de Fora; Valerio Andrade, em Natal. Por sua causa, todos se tornaram críticos; os sete primeiros, cineastas.

O homem que fez a cabeça de tanta gente, e tinha em casa 5.000 filmes em VHS e montanhas de fotos, cartazes e trilhas sonoras, não conseguiu com que seus filhos fossem cinéfilos. Mas, então, Moniz ganhou um neto. Depois de apresentá-lo a desenhos de Walt Disney, westerns e musicais a que ele não deu muita bola, Moniz passou-lhe determinado filme. Foi o que bastou para o garoto se apaixonar pelo cinema, em dimensões iguais à do avô.

Eduardo tinha quatro anos. O filme era "Psicose".

O homem que melhor nos ensinou a ver um filme

Com a morte de Antonio Moniz Vianna, em janeiro, o País perdeu o seu mais influente, elegante e incisivo crítico


segunda-feira, 6 de maio de 2024

Enchentes no Rio Grande do Sul, o desastre anunciado

ENCHENTES NO RS: LEIA O RELATÓRIO DE 2015 QUE PROJETOU O DESASTRE – E OS GOVERNOS ESCOLHERAM ENGAVETAR
"Brasil 2040" traçou cenários futuros e propôs medidas de adaptação do país às mudanças climáticas. Mas foi ignorado.
Tatiana Dias, Intercept, 6 de maio de 2024

 
Foto: Evando Leal/Agencia Enquadrar/Folhapress

O RIO GRANDE DO SUL vive uma tragédia sem precedentes. Até a manhã desta segunda-feira, pelo menos 83 pessoas morreram, mais de 100 estão desaparecidas e pelo menos outras 121 mil tiveram que deixar as suas casas após as chuvas no início de maio. O número certamente será muito maior, já que metade do estado está debaixo d’água. Os impactos ainda são desconhecidos, mas o governador Eduardo Leite já afirmou que se trata da maior catástrofe da história do país e comparou a situação a uma guerra.

A situação é extrema – porém, não dá para dizer que seja inesperada. Há pelo menos 10 anos, um relatório da Presidência da República já apontava chuvas acentuadas no Sul do Brasil em decorrência das mudanças climáticas. O documento também chamava atenção para a necessidade de sistemas de alerta e de planos de contingência.

O relatório “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, encomendado em 2014 pela gestão de Dilma Rousseff, do PT, apresentava resultados dramáticos. Elevação do nível do mar, mortes por onda de calor, colapso de hidrelétricas, falta d’água no Sudeste, piora das secas no Nordeste e o aumento das chuvas no Sul.

O estudo – que analisou impactos em infraestrutura, agricultura, energia, entre outros – foi feito por vários órgãos de pesquisa do país e custou R$ 3,5 milhões.

Seu objetivo era propor medidas para a chamada adaptação climática. Ou seja, minimizar os impactos negativos das mudanças inevitáveis. Só que o estudo foi engavetado no próprio governo Dilma e, depois, ignorado pelas gestões seguintes.

Perguntei à Natalie Unterstell, especialista em políticas climáticas e uma das responsáveis pelo projeto, se os achados ainda faziam sentido. “Sim, absolutamente tudo, pois trabalhamos com projeções para 2040, 2070 e 2100”, ela me disse.

Até hoje não é fácil encontrar o “Brasil 2040” na internet. Apesar da urgência de seus alertas, o estudo simplesmente não está disponível publicamente. Nem mesmo o sumário executivo. No ano passado, o ministério do Meio Ambiente chegou a dizer que o documento havia sido “extraviado” com uma atualização do site na gestão passada.

Precisei recorrer à Wayback Machine, que felizmente salvou o site antigo do Ministério do Meio Ambiente que lista os 42 relatórios que fazem parte do estudo. Leia o sumário executivo na íntegra:

Sumário Executivo Brasil 2040

“A mudança do clima global é o maior desafio à ação concertada da humanidade neste início de século”, diz a abertura do resumo executivo. “Há consenso em que, mesmo ante a incerteza relativa à dimensão e distribuição espacial dos fenômenos climáticos, é preciso avançar em ações que aumentem a resiliência das estruturas que balizam a vida e a economia”.
Documento alertou para chuva e cheias na região Sul

O relatório do “Brasil 2040” que detalhava os impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos, feito pela Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, destacou um aumento no nível de chuvas no extremo sul do país superior a 15%. 


 
Mapa mostra anomalias de precipitação em diferentes cenários. Em azul, onde irá chover mais; em vermelho, onde choverá menos.

“Especificamente, há possibilidades de aumento de frequência dos eventos de cheia e inundações na região Sul e de eventos de seca nas regiões norte-nordeste”, previu o relatório.

Não precisamos esperar até 2040 para sentirmos os efeitos: esse é o 4º episódio de fortes chuvas no Rio Grande do Sul em menos de um ano.  No ano passado, a Amazônia sofreu uma seca sem precedentes.

Entre as medidas objetivas propostas pelos pesquisadores estava, por exemplo, a elaboração de planos de contingência específicos para eventos de cheias, associados a um planejamento de longo prazo e frequentemente atualizados. Essas ações deveriam orientar  as ações durante a ocorrência desse extremo climático. Também foram propostos sistemas de alerta e adaptação da drenagem urbana.
Para Unterstell, as medidas de adaptação iriam muito além de alerta precoce. “A principal adaptação é adaptar a estrutura para que seja resiliente”, ela afirma, citando como exemplo reformas nos diques de Porto Alegre para que eles resistam às novas condições climáticas.

“Se o sistema de alerta pra avisar para evacuar numa enchente como esta, ótimo. Mas a adaptação viria antes, para o alerta sequer tocar”, diz a pesquisadora, hoje presidente do Instituto Talanoa.
Estudo foi considerado ‘alarmista’

O “Brasil 2040” foi encomendado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da presidência da República, na época comandada pelo economista Marcelo Neri. Neri convidou outro economista, Sergio Margulis, autor do estudo “Economia da adaptação à mudança climática”, para assumir o cargo de subsecretário de desenvolvimento sustentável.

A ideia era focar no estudo de adaptação climática, e Margulis chamou Unterstell, especialista em políticas públicas sobre clima, para coordenar o projeto. A equipe reuniu mais de 30 pesquisadores de várias áreas e instituições diferentes para os estudos, que serviriam de base para o Plano Nacional de Adaptação do Ministério do Meio Ambiente.

Só que no meio do caminho tinham algumas hidrelétricas.

Os achados do estudo impressionaram os pesquisadores. Uma das descobertas, por exemplo, foi que as secas nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte poderiam reduzir a água nas bacias hidrográficas, impactando a produção de energia elétrica das hidrelétricas.

Na época, o governo estava construindo a faraônica usina de Belo Monte – e ela, segundo os estudos, poderia ter sua capacidade de produção de energia reduzida em 50% com a projeção da seca. A reunião de apresentação teve um climão, descrito em detalhes em um ótimo episódio do podcast Tempo Quente.
“Isso muda tudo”, disse na reunião Altino Ventura Filho, então secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia. Os pesquisadores se surpreenderam com o fato de que o  próprio secretário desconhecia aquelas informações. Saíram da reunião achando que o governo tomaria providências – e tomou, mas diferentes da expectativa.

Rousseff fez uma reforma ministerial e trocou Marcelo Neri por Roberto Mangabeira Unger. A equipe da Secretaria de Assuntos Estratégicos foi inteiramente substituída, inclusive os responsáveis pelo estudo, Sérgio Margulis e Natalie Unterstell. O projeto “Brasil 2040” foi encerrado e as informações deixaram de ser públicas.

Segundo a jornalista Giovana Girardi, a informação de que o projeto iria para o Ministério do Meio Ambiente passou a circular naquela época. Em outubro de 2015, um mês antes da Conferência de Paris, o governo resolveu lançar o estudo sem alarde, torto e incompleto. O sumário executivo foi feito pela equipe que cancelou o programa.

Uma reportagem da época mostrou que o Brasil 2040 foi considerado alarmista’ pela própria Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.

Pouco se falou no assunto depois. Dilma foi derrubada e seu sucessor, Michel Temer, ratificou o Acordo de Paris enquanto, na prática, adotava medidas que colocavam as metas climáticas do país em risco. Depois, veio Jair Bolsonaro – um negacionista que intensificou a destruição, anulou os avanços do país e continuou postando mentiras sobre o clima em meio às notícias das enchentes no Rio Grande do Sul.

Agora, pelo menos, a postura do governo mudou. Ao visitar o estado na última quinta-feira, , o presidente Lula chamou a atenção para a emergência climática, e exaltou a importância da ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva. “A natureza está se manifestando, e nós precisamos levar isso muito em conta, porque quando a natureza se rebela, a gente sabe que os prejuízos são muitos”, disse Lula.

A realidade se impôs. E antes de 2040.

País poderá viver drama climático em 2040, indicam estudos da Presidência

domingo, 5 de maio de 2024

Ufes 70 anos

O texto abaixo de A Gazeta corresponde a um relato quase institucional e ufanista dos 70 anos da UFES. Tem um pecado original. Não cita uma referência essencial sobre o tema: Ivantir Antônio Borgo, “UFES: 40 anos de história”, 2ª edição, EDUFES, 2014. Um livro essencial. O único registro histórico sobre a UFES, publicado em 1995 (1ª edição) . Disponível aqui 

Quando dos 66 anos publiquei neste blog UFES (1954 – 2020), perdas e ganhos numa perspectiva histórica e crítica sobre a UFES. Mas a matéria de A Gazeta tem seus méritos. Dá um panorama atualizado da universidade.

No final tem a história de Emília Frasson Manhães, a primeira mulher a se formar na UFES (Engenharia Civil) numa área dominada por homens. Ela se formou em 1960. Tem o seu depoimento. Está com 94 anos


Aline Nunes, A Gazeta, 03/05/2024

Responsável pela formação de profissionais das mais diversas áreas e com significativa contribuição para o desenvolvimento econômico e social do Estado, a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) completa, no próximo domingo (5), 70 anos de atividades. A princípio, tratava-se de uma instituição estadual, mas logo foi federalizada. Ao longo dessas sete décadas, grandes transformações aconteceram, não apenas para quem por lá estudava, mas para toda a sociedade. 

Para marcar o começo dessa história, é curioso observar que, após movimentações políticas, no ano de 1954 foi criada, oficialmente, a Universidade do Espírito Santo, porém ela reunia faculdades que já funcionavam na região central de Vitória. O campus de Goiabeiras, que hoje conta com sete centros de ensino, só começou a ser vislumbrado 12 anos depois, quando a Ufes obteve a desapropriação da área do então Victoria Golf & Country Club para a sua construção.

Em 1968, as antigas escolas e faculdades que integravam a universidade foram extintas e transformadas em centros de ensino. Então, estima-se que a inauguração tenha sido entre os anos de 1968 e 1970.

Atualmente, a Ufes tem quatro campi — Goiabeiras e Maruípe, em Vitória; São Mateus, no Norte; e Alegre, no Sul — e oferece 109 cursos de graduação, seis dos quais a distância, e 100 de pós-graduação (mestrado e doutorado). Todos gratuitos. Há ainda programas de pesquisa, projetos desenvolvidos para a comunidade, espaços culturais abertos ao público, atendimento em saúde pelo SUS com os serviços do Hospital Universitário Cassiano Antonio de Moraes (Hucam). Difícil citar todos. Então, neste levantamento feito por A Gazeta, foram reunidos 70 fatos, número que simboliza o aniversário da universidade. Confira um pouco dessa trajetória.

História

Vista aérea do campus de Goiabeiras da Ufes nos anos 1980. Crédito: Antonio Carlos / Cedoc A Gazeta

1. Uma ideia - Na década de 1950, começou a ser idealizada a criação de uma universidade no Espírito Santo. Era uma das prioridades do governador Jones dos Santos Neves. Naquele período, haviam sido criadas diversas faculdades, tais como a Escola Politécnica, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e a Escola de Belas Artes, em 1951; o Instituto de Música, em 1952; e a Faculdade de Odontologia, a Escola de Auxiliares de Enfermagem e o Instituto de Tecnologia, em 1953.

2. Ensino público - Mas o governador planejava uma universidade pública que oferecesse formação em várias áreas do conhecimento e, então, decidiu reunir instituições de ensino. Ainda em 1953, foi instituído o Conselho do Ensino Superior, que preparou um anteprojeto de lei propondo a criação da universidade.

3. Tramitação - A proposta foi encaminhada para a Assembleia Legislativa em janeiro de 1954. Na sessão de 20 de abril daquele ano, o projeto foi aprovado. Na sequência, foi sancionado por Santos Neves e transformado em lei no dia 5 de maio de 1954. Estava, então, criada a Universidade do Espírito Santo.

4. No começo - A nova universidade era composta pelas faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, de Odontologia, de Química Industrial e Farmácia, Politécnica, de Música, de Belas Artes, de Educação Física, e de Medicina – esta foi instalada em 1960. A Faculdade de Ciências Econômicas foi criada em 1957, por meio de decreto estadual, e incorporada à universidade em 1961. No mesmo ano, também foi incorporada a Faculdade de Direito, fundada em 1930, e federalizada em 1950.

Projeto da área de esportes do campus de goiabeiras da Ufes. Crédito: Cedoc A Gazeta

5. Federalização - Com dificuldades para se manter, entre outras razões, pela falta de investimentos, houve mobilizações políticas para federalizar a universidade. Até que, em 30 de janeiro de 1961, o presidente Juscelino Kubitschek, em um ato administrativo, sancionou a mudança, já aprovada no Congresso Nacional. Nascia a Universidade Federal do Espírito Santo.

6. Centros de ensino - Em 1968, as escolas e faculdades que integravam a Ufes são transformadas em oito centros de ensino: Agropecuário; Artes; Biomédico; Ciências Jurídicas e Econômicas; Educação Física e Desportos; Estudos Gerais; Pedagógico; e Tecnológico.

7. Interiorização - A interiorização da Ufes foi iniciada em 1976, com a criação do Centro Agropecuário (Caufes), nos municípios de Alegre e São José do Calçado, no sul do Espírito Santo, e da Coordenação Universitária do Norte do Espírito Santo, nos municípios de São Mateus e Nova Venécia.

Estrutura

Alunos circulam no campus de Goiabeiras da Ufes, com os prédios da Biblioteca e da Reitoria ao fundo. Crédito: Antonio Carlos/ Cedoc A Gazeta

8. Campi - Atualmente, a Ufes tem quatro campi: Goiabeiras e Maruípe, em Vitória; São Mateus, no Norte; e Alegre, no Sul do Espírito Santo. Cada campus é dividido em centros de ensino. Agora, são 11.

9. Estruturação - Entre 1981 e 1990, foram inaugurados, no campus de Goiabeiras, o Restaurante Universitário, a Biblioteca Central, o atual prédio da Reitoria e o Núcleo de Processamento de Dados (atual Superintendência de Tecnologia da Informação). Esse campus tem 140 edificações.

10. Oferta - A universidade oferece ensino de graduação presencial e a distância, e de pós-graduação (mestrado e doutorado acadêmico e profissional), e mantém cerca de 25 mil estudantes nessas modalidades.

11. Servidores - Dos 4.042 servidores de carreira — técnico administrativo em educação, professor e outras categorias — 43,44% têm doutorado, 20% têm especialização e 18% têm mestrado.

12. Equipamentos - A Ufes dispõe de vários equipamentos culturais, como galerias de arte, museu, teatro e cinema, com atividades voltadas para o público interno e externo.

13. Comunicação - A Rádio Universitária, sintonizada no dial 104.7, entrou no ar em 1985. Já a TV da Ufes foi criada no ano 2000.

14. Recursos - O Orçamento da Ufes tem sido arrochado ao longo dos anos. Na última década, o maior valor foi registrado em 2015, quando foram destinados R$ 232 milhões para a instituição. No ano seguinte, caiu para R$ 152,8 milhões. De lá para cá, a redução foi gradativa, chegando ao pior resultado em 2021 (R$ 102,29 milhões). Houve uma leve recuperação em 2023 (R$ 135,2 milhões), mas nova queda neste ano, com previsão de R$ 122,41 milhões para custeio e investimentos.

Vista aérea do campus de Alegre, no Sul do Espírito Santo. Crédito: Reprodução rede social

15. Implantação - A Ufes coordenou, em 2003, o processo de implantação da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), com sedes nos Estados de Pernambuco, Bahia e Piauí.

16. Adesão - A Ufes aderiu ao Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), do Ministério da Educação (MEC), em 2006. Um ano depois, a Ufes também passou a integrar o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

17. Veterinário - Já em 2008, a Ufes inaugurou o Hospital Veterinário, o único de instituição pública do Estado, no campus de Alegre.

18. Indígena - Em 2015, começou o curso de Licenciatura Intercultural Indígena, para atender demandas apresentadas pelos povos Tupinikim e Guarani por formação de seu quadro de professores em nível superior, garantindo o reconhecimento de seus direitos diferenciados, a valorização de seus saberes e práticas, e sua qualificação como educadores e sujeitos políticos. A primeira turma se formou em 2022.

19. Seleção - A Ufes aprovou a utilização do Enem, como primeira etapa da seleção para ingresso na universidade, em 2013. A segunda etapa era composta de provas discursivas e redação. A Ufes aderiu integralmente ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do MEC, a partir de 2018.

20. Pós-graduação - Em 1978, foi implantado o mestrado em Educação, primeiro programa de pós-graduação da Ufes. Atualmente, há 61. Já o primeiro doutorado foi em Ciências Fisiológicas, em 1993. Hoje são 39. No primeiro semestre de 2024, 2.589 alunos se matricularam em pós-graduação na Ufes.

Teatro Universitário da Ufes. Crédito: Divulgação/Ufes

21. Ranking - Em 2019, a Ufes passou a integrar a lista do Times Higher Education (THE), um dos principais rankings universitários do mundo, que avalia critérios como ensino, pesquisa, citações, visão internacional e transferência de conhecimento como indicadores de desempenho das universidades.

22. Padrão internacional - Em setembro de 2022, a Ufes alcançou, pela primeira vez, nota 6 na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), referente aos programas de pós-graduação em Biotecnologia e em Política Social. O conceito 6 indica desempenho equivalente a padrões internacionais de excelência. Em dezembro do mesmo ano, após uma revisão da Avaliação Quadrienal 2017-2020 da Capes, o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) também recebeu nota 6.

Laboratório da Ufes. Crédito: Divulgação/Ufes

Pioneirismo e inovação

23. Ouvidoria - No ano de 1992, foi criada a Ouvidoria da Ufes, a primeira ouvidoria pública universitária no Brasil, instituindo a função de Ombudsman.

24. Reserva de vagas - A Ufes aprovou em 2005, de forma pioneira no Brasil, a política de reserva de vagas para estudantes da rede pública e de baixa renda familiar.

Pista de atletismo da Ufes. Crédito: Divulgação/Ufes

25. Esportes - A Ufes inaugurou, em 2016, uma pista de atletismo de padrão internacional, a primeira do Espírito Santo.

26. Acervo único - Em 2018, foi inaugurado, no campus de Goiabeiras, o Museu de Ciências da Vida (MCV), cujo acervo é único em todo o Brasil, tornando a Ufes referência nacional em museus de anatomia e correlatos.

Iara, sigla em inglês para Veículo Robótico Autônomo Inteligente, foi desenvolvido pela Ufes . Crédito: Divulgação/Ufes

27. Autônomos - Iara, veículo autônomo desenvolvido na Ufes, trafegou pela primeira vez, em vias urbanas e rodovias sem intervenção humana, entre o campus de Goiabeiras e a praia de Meaípe, em Guarapari, em 2017. Dois anos depois, a Ufes, em parceria com a Embraer, conduziu o primeiro teste de aeronave autônoma no Brasil, realizado no interior de São Paulo. Dois anos mais tarde e em primeiro teste, um caminhão autônomo desenvolvido pela universidade percorreu grande parte do campus de Goiabeiras (aproximadamente 3,5 quilômetros) sem motorista.

Planetário da Ufes. Crédito: Divulgação/Ufes

Parcerias

28. Planetário - Instalado no campus de Goiabeiras em 1995, em parceria com a Prefeitura de Vitória, o planetário funciona como um laboratório de ensino e difusão científica, de forma integrada à comunidade.

29. Pesquisa - Em 2004, foram iniciadas as operações no Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento de Metodologias para Caracterização de Óleos Pesados (LabPetro), resultado de uma parceria entre a Ufes e a Petrobras e um dos mais importantes complexos de pesquisa do mundo na área de química do petróleo.

30. Prefeituras - Após seis anos do início do curso de graduação, foi inaugurada, em 2006, a Base Oceanográfica, em Aracruz, por meio de parceria com a prefeitura do município. Outra parceria foi estabelecida com a Prefeitura de Jerônimo Monteiro, que doou uma área de 55 mil metros quadrados, transformada em Unidade Experimental Florestal do campus de Alegre.

31. Intercâmbio - No mesmo ano, iniciou-se o Acordo de Cooperação Acadêmica entre a Ufes e a Universidade de Coimbra (Portugal), a fim de manter intercâmbio de estudantes, docentes e pesquisadores.

32. Patente - Em 2018, a Ufes obtém sua primeira patente concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi): Resina supressora de pó de minérios e uso da resina, em parceria com a Vale. A invenção permite obter a resina supressora do pó de minério por meio da reciclagem química do polímero termoplástico Poli (Tereftalato de Etileno) ou PET.

Lagoa da Ufes. Crédito: Divulgação/Ufes

Extensão

33. Saúde - O primeiro programa de extensão da Ufes, intitulado “Promoção de Cuidados Primários de Saúde em uma Comunidade”, foi criado em 1984 e ainda está em funcionamento.

34. Plataforma - No ano passado, foi lançada a Plataforma Moocqueca, que abriga cursos livres e de curta duração no formato Massive Online Open Courses (Mooc), voltados para a atualização profissional e abertos ao público do Brasil e do exterior.

Alimentação

35. Refeições - O Restaurante Universitário (RU) foi inaugurado em 1º de março de 1968, no Centro de Vitória, e chegou a fornecer no período 1.200 refeições diárias. A construção do prédio central, no campus de Goiabeiras, só foi iniciada 11 anos depois.

36. Ampliação do RU - Em 2008, foi criado o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) para apoiar a permanência de estudantes de baixa renda nas instituições federais de ensino superior. Entre as medidas adotadas, com recursos da nova iniciativa, foi a ampliação do restaurante da Ufes, o que permitiu aumentar a oferta de assentos e refeições.

37. Isenção - A alimentação adequada, como estratégia de permanência universidade, ganhou um reforço com a criação do benefício RU-Ufes em 2023. Além dos alunos cadastrados no Programa de Assistência Estudantil (Proaes) já contemplados com isenção, estudantes de graduação presencial, com renda familiar bruta mensal per capita média de até dois salários mínimos, passaram a ter concessão de subsídio de 100% do valor cobrado para acesso ao restaurante.

Neste ano,  17.918 alunos se matricularam para o primeiro semestre. Crédito: Ricardo Medeiros

Estudantes

38. Cursos de A a Z - De Administração a Zootecnia, a Ufes oferta 109 cursos de graduação — 103 presenciais.

39. Matrículas - No primeiro semestre de 2024, 17.918 alunos se matricularam. Desses, 50,38% eram pretos e pardos, 47,44% brancos, 0,65% amarelos e 0,11% indígenas.

40. Faixa etária - A maioria dos alunos se concentra na faixa de 18 a 24 anos. Eles representam 63,28% dos estudantes. Mas há também uma parcela que ainda não entrou na maioridade (0,57%) e uma turma dos mais de 50 anos (1,87%).

41. Gênero - Mais da metade dos universitários se identifica pelo gênero feminino. As mulheres representam 57,02% dos matriculados na Ufes.

42. Assistência estudantil - O número de alunos assistidos na Ufes chegou a 4,9 mil no primeiro semestre de 2023. Boa parte dos auxílios é para permanência dos estudantes na instituição.

43. Bolsas - A Ufes concedeu 2.357 bolsas em 2023, algumas ligadas a entidades, como Sebrae, Fapes e CNPq.

44. Intercâmbio - A Ufes tem 157 alunos estrangeiros, de mais de 30 nacionalidades (das Américas, Europa, Ásia e África), em turmas de cursos de graduação, mestrado e doutorado.

45. Expansão - O Reuni foi implementado em Maruípe. O Centro de Ciências da Saúde aderiu ao programa, em 2014, resultando na criação de quatro cursos: Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrição e Terapia Ocupacional. O CCS ainda oferece graduação em Enfermagem, Farmácia, Medicina e Odontologia.

46. Nome social - Estudantes da Ufes passaram a exercer, em 2014, o direito de uso e de inclusão do nome social nos registros acadêmicos, sempre que o nome civil não refletir a identidade de gênero ou implicar algum tipo de constrangimento.

Biblioteca Central

Educação a Distância (EaD)

47. Oferta - Em 2001, foi criado o Núcleo de Educação Aberta e a Distância (Ne@ad), atual Superintendência de Educação a Distância (Sead), e o primeiro curso na modalidade EaD, o de Pedagogia.

48. Graduação - Há seis cursos com 517 estudantes.

49. Gênero - Assim como nos cursos presenciais, as mulheres representam a maioria dos estudantes: são 397 estudantes do gênero feminino.

50. Etnia - Os negros (pretos e pardos) somam 317 estudantes na EaD, isto é, 61,31% dos matriculados. O grupo é formado, ainda, por 186 brancos, seis amarelos e oito que não declararam etnia.

51. Faixa etária - A maioria dos alunos tem entre 36 e 40 anos. Nessa faixa etária, são 111 estudantes, mas há universitários na EaD de 20 a mais de 50 anos.

52. Especialização - Há, ainda, 539 alunos em quatro cursos de especialização lato sensu EaD.

Inclusão 

53. Reserva de vagas - Em 2008, a Ufes implementou um sistema próprio de reserva de vagas contemplando, exclusivamente, estudantes egressos de escolas públicas que possuíam renda familiar de até 7 salários mínimos mensais. Naquele ano, 40% das vagas de cada curso de graduação foram reservadas, mas a meta era alcançar 50% em até dois anos. Na primeira seleção, 1,3 mil alunos ingressaram na Ufes pelo programa.

54. Secretaria - No mesmo ano, foi criada a Secretaria de Inclusão Social para promover a permanência e o bom desempenho acadêmico dos estudantes de origem popular.

55. Substituição - A iniciativa própria de reserva de vagas foi substituída, em 2012, pela Lei Federal 12.711, por meio da qual a Ufes reservou, em cada processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, 50% de suas vagas para estudantes que tivessem cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

56. Nova inclusão - Alteração da Lei n. 12.711, em 2018, estabelece a inclusão, por curso e turno, da subcategoria de reserva de vagas para pessoas com deficiência, em proporção igual à proporção respectiva na população do Espírito Santo, onde está instalada a Ufes.

57. Pós-graduação - Programas de pós-graduação stricto sensu da Ufes passaram a adotar, em 2021, o sistema de cotas para pessoas negras, com deficiência e alguns estendem a reserva para pessoas trans (travestis, transexuais e transgêneros) e refugiados políticos, conforme os critérios de cada programa. Em abril de 2024, foi aprovada resolução que institui a Política de Ações Afirmativas nos cursos e programas de pós-graduação da Ufes. As vagas serão reservadas em todas as seleções para mestrado e doutorado.

58. Mais acesso - Em 2023, foi criada a Secretaria de Inclusão Acadêmica e Acessibilidade (Siac), a fim de contribuir para o avanço das políticas de inclusão.

59. Concurso - Também no ano passado, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Ufes regulamentou a oferta de vagas nas modalidades de reserva (20% para pessoas pretas e pardas e de 20% para pessoas com deficiência) em concursos públicos para os cargos efetivos da carreira do Magistério Federal e em processos seletivos para contratação temporária de professores substitutos e visitantes.

Alunos circulam pelo campus de Goiabeiras da Ufes nos anos 1980. Crédito: Josemar Gonçalves - 29/8/1980

Entidades

60. Servidores - A Associação dos Servidores da Ufes (Asufes) é criada em 1977, que passou a se chamar Sindicato dos Trabalhadores da Ufes (Sintufes), em 1992.

61. Professores - Em 1978, foi criada a Associação dos Docentes da Ufes (Adufes).

62. Estudantes - Naquele mesmo ano, foi reconstituído o Diretório Central dos Estudantes da Ufes (DCE), que havia sido extinto pela ditadura militar.

63. Aposentados - Em 1985, é criada a Associação dos Aposentados da Ufes (Asaufes).

Hucam: de sanatário a hospital universitário

Hospital Universitário

64. Criação - O prédio original do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam) foi fundado na década de 40 como um sanatório para atender a um problema de saúde específico, a tuberculose. Com o surgimento de novas tendências terapêuticas para o tratamento dos pacientes, a internação deixou de ser necessária, e o chamado Sanatório Getúlio Vargas transformou-se em 20 de dezembro de 1967 em Hospital das Clínicas (HC), após um acordo entre a Ufes e o governo estadual.

65. Estágio - A transformação previa que o hospital servisse de campo de estágio ao ser criado o curso de Medicina da Ufes. Em 1976, foi instalado o curso de Enfermagem da universidade, que passou a utilizá-lo também como campo de aprendizagem prática para seus estudantes.

66. Profissionais de saúde - Atualmente, é fundamental na formação dos profissionais das áreas de saúde de todos os 8 cursos de graduação que oferece, de programas de pós-graduação stricto sensu, da Residência Médica e da Residência Multiprofissional do Centro de Ciências da Saúde da Ufes. Todos os semestres, passam cerca de 800 alunos no Hucam.

67. Convênio - Em 1975, a partir de um convênio da Ufes com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi possível a construção de cinco novos ambulatórios, aumentando a oferta dos atendimentos à população.

68. Nome - Com a morte de Dr. Cassiano Antônio Moraes, um dos idealizadores da transformação do antigo sanatório em um espaço propício para a formação médica, a instituição conhecida como Hospital das Clínicas foi denominada “Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes”, em 1980.

69. Referência - O Hucam tem posição estratégica na rede do SUS e é referência em média e alta complexidades. Entre outros serviços, realiza diagnóstico e tratamento de tuberculose multirresistente, transplante de córnea, cirurgia geral e cardíaca, além de ter maternidade de alto risco, terapia intensiva neonatal e de adulto, hemodinâmica e outros atendimentos de maior complexidade. Possui vários programas e projetos que são referência no país, como o de Atenção à Saúde da Mulher, Banco de Leite, atenção às vítimas de violência sexual, realizando, também, cirurgias bariátricas.

70. Pacientes - Os pacientes são de todas as regiões do Espírito Santo e de Estados vizinhos, como de municípios do norte do Rio de Janeiro, leste de Minas Gerais e sul da Bahia. São realizadas 15 mil consultas e 800 internações por mês.

Fonte: Superintendência de Comunicação da Ufes, InfoUfes (site), Unidade de Comunicação do Hucam


Ufes 70 anos: a história da 1ª mulher formada em área dominada por homens

Emilia Frasson na festa de formatura como primeira engenheira da Ufes. Crédito: Vitor Jubini

Aos 94 anos, Emilia Frasson Manhães relembra os desafios e as alegrias do período em que passou pela universidade

Aline Nunes, A Gazeta, 05/05/2024

De origem simples no município de Castelo, no Sul do Espírito Santo, Emilia Frasson Manhães, de 94 anos, construiu uma história de sucesso profissional. Mas o início dessa trajetória não foi fácil, tanto pela conjuntura social e econômica do período de sua juventude quanto pela ousadia de suas ambições. Na década de 1950, ela decidiu fazer Engenharia Civil, área dominada por homens. Mesmo com os desafios com os quais se deparou, foi a primeira mulher a se formar no curso na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que, neste domingo (5), completa 70 anos de existência. Veja detalhes desta história no vídeo acima.

Depoimento de Emília Frasson Manhães 

Muitas vezes chamada de "mulher-homem" porque optou por usar calça comprida durante o curso, algo incomum naquela época, Emilia Frasson lidava com o deboche de muitos colegas de turma e até a repreensão de um professor, que exigia o uso de saia em suas aulas. Mas, tendo que subir em pedras e realizar outras atividades que a deixavam exposta, a engenheira aposentada resistiu durante os cinco anos de curso com a roupa considerada inadequada. 

"Sabe o que aconteceu no primeiro ano? Tinha uma matéria que chamava topografia e, na lateral do nosso prédio, tinha uma pedra alta e a gente até escorregava para subir nos nossos trabalhos práticos. Então, eu subia naquela pedra e eles (colegas da turma) queriam sempre que eu fosse na frente porque, quando eu virava, meu vestido subia e eles viam a minha calcinha. Eu passei a botar a minha calça comprida todos os dias."

Alguns estudantes também consideravam que ela, por ser mulher, não se encaixava naquele ambiente universitário. "Tinha os colegas que eu adorava, que me tratavam bem, me tratavam como igual, mas tinha os que ficavam debochando, fazendo bullying", conta. 

Emilia Frasson ingressou na Ufes em janeiro de 1956 e concluiu o curso no final de 1960, isto é, dentro do tempo regular de formação em Engenharia Civil. As dificuldades que enfrentou eram, majoritariamente, por ser mulher naquela área, e não pelos conteúdos. Ao contrário, segundo afirma, houve vezes em que foi bastante elogiada por professores por seu desempenho acadêmico. "Eu era muito esforçada."

O início de tudo

O esforço sempre foi da natureza da engenheira. De uma família de oito filhos, com poucos recursos financeiros, Emilia Frasson acabou sendo criada pela avó, a quem chamava de "mama", pela descendência italiana. Na cidade, em sua época, as crianças estudavam até o ginasial (equivalente ao ensino fundamental) porque não havia escola para fazer o chamado científico — hoje ensino médio. 

“Tinha curso de professora, mas eu me neguei a fazer.  Eu disse que não queria ser porque professora vai para a roça. Não queria ir para a roça. Queria ir para Vitória, para o Rio de Janeiro", relembra. 

Então, a avó lhe conseguiu um trabalho na loja de tecidos de um vizinho. O primeiro de uma série de atividades que realizou em Castelo. De tudo o que fazia, guardava o dinheiro. Até que a avó decidiu viajar para Minas Gerais para visitar familiares e levou a neta junto. A viagem, estimada para um mês, teve estada na casa de tios de Emilia por um ano. Por lá, também precisou trabalhar. 

"Meu tio Alfredo disse: 'Vou levar Emilia na prefeitura. Tem uma vaga e vou botar ela para trabalhar.' A mama perguntou: 'Por que você não bota seus três filhos para trabalhar?' E ele respondeu: 'Meus filhos não precisam trabalhar porque o pai deles é rico. Filho de pobre tem mais é que trabalhar!' Eles me consideravam pobre porque eu morava com a mama."

Emilia Frasson lembra os obstáculos superados durante a trajetória na Ufes. Crédito: Vitor Jubini

Da construção de bolos a prédios erguidos

Voltando dessa longa viagem, ao parar em Vitória, Emilia Frasson soube que um primo iria se casar e se ofereceu para fazer o bolo do casamento. Ao preparar as camadas e estruturar aquele presente aos noivos, despertou para o amor à construção.  Depois da primeira experiência, Emilia retornou a Castelo e passou a oferecer seus serviços como confeiteira na cidade. A cada bolo erguido, uma surpresa com as "obras" realizadas.

Nesse período, o município finalmente ganhou uma turma de científico e Emilia foi a primeira a se inscrever para voltar a estudar. Depois, com o dinheiro que guardou, se mudou para Vitória.

Emilia saiu de Castelo para morar em pensionato em Vitória, antes de estudar na Ufes. Crédito: Vitor Jubini

Emilia foi morar em um pensionato de freiras no Parque Moscoso e, para se manter na Capital, começou a trabalhar como secretária no curso de Odontologia da Ufes. Mas ela queria chegar à Engenharia e guardava na memória uma conversa com o primo que se casou e para quem fez o primeiro bolo.

"Quando o meu primo falou que ia abrir o curso de Engenharia, eu ainda não tinha feito científico, não sabia nada. Perguntei o que engenheiro fazia e ele disse que constrói casa, faz isso, faz aquilo. Ele era advogado, mas tinha conhecimento, morava na Capital. Ele me perguntou se eu gostava de matemática e falei que adorava. Então, disse: 'Você devia fazer Engenharia'. E eu fui para casa com aquilo na cabeça. Comecei fazendo uma catedral (no bolo), uma boneca.  Foi aí que começou a Engenharia."

Já em Vitória, Emilia fez o vestibular e foi aprovada. Outras duas jovens também passaram na seleção, mas não se mantiveram no curso, que era ofertado em um prédio na região de Maruípe, onde atualmente funciona a Casa do Cidadão, e cujo bairro hoje é chamado "Engenharia".  O campus de Goiabeiras, o primeiro a ser implementado pela Ufes, ainda não existia. 

Mesmo com os contratempos impostos, a engenheira aposentada não tem dúvidas: "Foi maravilhoso". Foi a época em que eu mais vivi feliz!"



sábado, 4 de maio de 2024

'Negacionismo climático': Por que o RS está tão exposto às catástrofes

Nádia Pontes, DW, 04/05/2024

Mobilização para resgates no Rio Grande do Sul vídeo

Mais de 100 pessoas podem ter morrido em decorrência das enchentes, 39 mortes foram confirmadas pela Defesa Civil nesta sexta-feira. Nos últimos dias, metade da chuva prevista para todo o ano de 2024 caiu no estado, segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB).

Em Porto Alegre, voluntários recebem quem chega das ilhas do entorno. Embarcações transportaram para a capital mais de 500 pessoas evacuadas. Um centro de treinamento esportivo se transformou em abrigo provisório. "A situação está terrível. A gente está sem estrutura, no escuro praticamente. Tem muita gente vindo para cá", diz à DW Paula Brust, uma das voluntárias que acolhem quem chega.

Para quem atua no monitoramento da situação, a perplexidade e o cansaço pelas horas ininterruptas de trabalho são grandes. "Estamos ainda sem acreditar no volume de chuvas registrado. Nós pensamos até, inicialmente, que nossos equipamentos estavam com defeito", resume Franco Buffon, superintendente da região Sul do SGB.

A situação é considerada tão grave que, mesmo se não chovesse mais nos próximos dias, o quadro seguiria muito dramático. A previsão é que mais chuvas atinjam a região.

Tragédia no RS tem dois responsáveis: o negacionismo climático e a irresponsabilidade de Eduardo Leite 

Fuga e choque

Em Porto Alegre, o nível do Lago Guaíba atingiu marca recorde, chegando a quase 5 metros neste sábado (04/05), superando a cheia histórica de 1941. Naquele ano, a água atingiu a marca de 4,76 metros e deixou 25% da população da cidade desabrigada. O Guaíba, que até cruzar a capital é chamado de Rio Jacuí, recebe toda a água que cai no centro do estado. Porto Alegre é a última cidade do percurso até o seu deságue no Atlântico.

Em municípios menores ao longo de rios que fazem parte da mesma bacia hidrográfica, comunidades inteiras parecem ter sido varridas do mapa. Em Estrela, o Rio Taquari chegou a marca recorde de 33 metros. Isso acontece apenas seis meses depois de ele ter alcançado sua cota máxima, que era de 29,53 metros. Quando a água ultrapassa os 19 metros, o rio extravasa e atinge casas e uma indústria próxima.

Com a catástrofe, muitos equipamentos que fazem medição se perderam. Buffon, do SGB, conta que postes instalados às margens dos rios provavelmente foram levados pela enxurrada, e sensores que ficam em contato com a água são atingidos por grandes objetos que vão parar na água: rochas, veículos, escombros de casas.

Em São Leopoldo, banhada pelo Rio dos Sinos, também parte da bacia hidrográfica do Guaíba, famílias que sempre acreditaram morar em bairros seguros deixam suas casas. A bióloga Daiana Schwengber correu de Porto Alegre para ajudar os pais no interior e agora todos estão abrigados na casa de amigos.

"A água subiu muito rápido. Começamos a bater palma em frente à casa das pessoas para ajudar a Defesa Civil a alertar as pessoas para que todos saíssem. Foi muito triste. Muitas pessoas idosas, todos chocados", relatou Schwengber à DW sobre a situação em São Leopoldo.

Cidade de Relvado está isolada por conta de enchentes no Rio Grande do Sul Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Sobreposição de fenômenos climáticos

Marcelo Seluchi, coordenador do Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, Cemaden, diz que a semana de chuva era aguardada, mas não no volume registrado. A explicação está numa sobreposição de fenômenos climáticos que transformou a região central do Rio Grande do Sul num "alvo".

Uma onda de calor estranha para o mês de maio no centro do Brasil causada por área de alta pressão funciona como uma "parede" e não deixa as frentes frias que vêm do Sul avançarem. Como houve uma sequência de frentes frias barradas, toda a água se precipitou no Rio Grande do Sul e causou chuvas por horas e horas consecutivas. Ao mesmo tempo, ventos que chegam do Norte e transportam a umidade da Amazônia pelos chamados rios voadores encontraram o mesmo alvo. "Provavelmente, há influência ainda do El Niño que está desaparecendo agora em maio. As ondas de calor ainda estão intensificadas em função dele", avalia Tércio Ambrizzi, pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, USP.

Para Seluchi, nenhum lugar do mundo resistiria a uma situação destas. "Talvez deveria haver planos de contingência, planos de prevenção, que são feitos na época seca. Não se faz de uma semana para outra. Isso, sim, está faltando", analisa.

Tragédia anunciada

Todos os alertas de ocorrência de eventos climáticos extremos têm sido ignorados pelo poder público no Rio Grande do Sul, segundo Miriam Prochnow, da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida, Apremavi.

"As cidades ignoram que isso tem que ser levado em conta quando se faz planejamento urbano. Não pensam em retirar pessoas de área de risco, permitem ocupação em áreas onde a enchente já chegou. É ignorar a crise climática solenemente", diz Prochnow à DW.

Karina Lima, geógrafa que pesquisa tempestades severas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, ressalta que o estado está numa zona muito afetada pelo El Niño e La Niña - e que os governantes sabem disso.

"Vai trabalhar, governador!": Demori manda a real para Eduardo Leite diante de tragédia no RS 

"Modelos matemáticos já preveem há muito tempo que o RS continuará a tendência de aumento da precipitação média anual e da precipitação extrema, ou seja, mais chuvas concentradas e severas. Com certeza se investe muito pouco em um estado que está tão vulnerável a eventos extremos", afirma Lima.

Para Clóvis Borges, diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), o Rio Grande do Sul perdeu há muitas décadas a resiliência para enfrentar os extremos climáticos.

"Foi o primeiro estado a cobrir todo território com propriedade agrícola. Eliminaram praticamente suas áreas naturais", diz Borges, lembrando que restam 7% da área original de Mata Atlântica no RS e que o bioma Pampas é um dos mais ameaçados.

Reinaldo: Nota do PSDB contra atuação de Lula no RS explica por que partido acabou  

"Uma fração das mortes, do prejuízo econômico que se vê agora é por causa do descumprimento da legislação ambiental. Se a classe política continuar relegando isso, vamos passar por situações mais duras", prevê Borges. "O negacionismo precisa ser deixado de lado já que as catástrofes estão ficando cada vez mais intensas", diz Heverton Lacerda, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).

"Os atuais governos, tanto do estado quanto da prefeitura da capital e outras cidades do interior, estão sob comando de negacionistas climáticos. Isso fica exposto pelas políticas que eles encaminham", declara Lacerda à DW.

Lacerda cita como exemplo um projeto de lei de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), aprovado na Câmara dos Deputados em março último. A medida autoriza o corte de vegetação nativa não florestal - como Pampa, parte do Cerrado e do Pantanal. Na prática, mais de uma área equivalente aos estados do Rio Grande do Sul e Paraná de mata nativa podem sumir do mapa se a lei passar no Senado.

GREVE SIM

A greve dos professores nas universidades federais é necessária? SIM

Parar é a maneira de buscar direitos e conservar os duramente conquistados 

Patrícia Valim, 03/05/2024, FSP

Professora do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Docentes e técnicos administrativos estão em greve em mais de 70 universidades e institutos federais. Historicamente, a greve é o principal mecanismo de luta da classe trabalhadora para conquistar direitos: salário mínimo, 13º salário, jornada de 44 horas semanais, seguro-desemprego, férias, horas extras remuneradas, adicionais de insalubridade e periculosidade, aposentadoria.

Mas há também greves de caráter regressivo, isto é, para não perder direitos conquistados, como as que ocorreram durante o governo Jair Bolsonaro: foram 1.118 em 2019 (Dieese, 2020) e 1.067 em 2022, com o funcionalismo público responsável por 59,4% delas (Dieese, 2023).

Ato de professores e estudantes da Universidade Federal do Triângulo Mineiro nesta segunda-feira (15) - Luis Adolfo

O Andes-SN afirmou que, além da recomposição salarial, existe a necessidade de investimentos públicos nas instituições federais de educação, diante da corrosão desses investimentos no governo passado, sob Jair Bolsonaro (PL).

O MEC (Ministério da Educação) da gestão Lula (PT) diz que busca alternativas de valorização dos servidores da educação. No ano passado, o governo federal promoveu reajuste de 9% para todos os servidores, argumentou a pasta.

Docentes e outros servidores grevistas planejam fazer uma marcha em Brasília na quarta (17).

Equipes do MEC vêm participando, ainda segundo a nota, da mesa nacional de negociação e das mesas específicas de técnicos e docentes instituídas pelo MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) e da mesa setorial que trata de condições de trabalho.

Na última quinta-feira (11), o MEC realizou a primeira reunião da Mesa Setorial de Negociação Permanente. "A carreira de técnico-administrativos será reestruturada neste governo, mas dependemos do espaço fiscal que a junta orçamentária e o governo definirão", disse na ocasião o secretário executivo adjunto do MEC, Gregório Grisa.

Segundo balanço da Andifes (órgão que reúne reitores das universidades) no fim do dia, 18 universidades ainda farão assembleia para decidir sobre adesão e 12 decidiram por não aderir à greve. A organização diz que 15 universidades teriam decidido pela greve até agora: UFV, UFC, UFCA, UFPel, UnB, UFMA, UFCSPA, Unir, Ufop, UFV, UFPR, Unifesspa, UFTP, FURG e UFMG.

A Andifes representa todas as 69 universidades federais e dois centros federais de educação tecnológica. Em nota, a organização diz que acompanha de perto as reivindicações e tem conversado com representantes dos sindicatos.

Já o Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica) ainda não tinha balanço completo sobre a adesão nos institutos federais.

Na semana passada, o presidente Lula (PT) cobrou maiores negociações do governo mas defendeu o direito à greve ao comentar sobre as reivindicações salariais dos servidores públicos. Lula disse que a ministra Esther Dweck (Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) está "fervilhando de problemas", por suas negociações com servidores públicos.

"Ela [Esther] está fervilhando de problemas. Acho até que não devia ter deixado ela vir para cá, devia ficar negociando antes que a gente receba de presente as greves", disse. "A gente pode até não gostar, mas [greves] são direito democrático dos trabalhadores. Não tenho moral para falar contra greve, nasci das greves. Então sou obrigado a reconhecer."

Instituições que já estão em greve, segundo o Andes-SN*

    Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) - campi Pouso Alegre e Poços de Caldas;

    Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – campus Rio Grande;

    Universidade Federal do Rio Grande (FURG;

    Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG);

    Instituto Federal do Piauí (IFPI);

    Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB);

    Universidade Federal de Brasília (UnB);

    Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF);

    Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP);

    Universidade Federal de Pelotas (UFPel);

    Universidade Federal de Viçosa (UFV);

    Universidade Federal do Cariri (UFCA);

    Universidade Federal do Ceará (UFC);

    Universidade Federal do Espírito Santo (UFES);

    Universidade Federal do Maranhão (UFMA);

    Universidade Federal do Pará (UFPA);

    Universidade Federal do Paraná (UFPR);

    Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB);

    Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa);

    Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR);

    Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Com indicativo/construção de greve aprovada sem data de deflagração

    Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI);

    Universidade Federal da Paraíba (UFPB);

    Universidade Federal de Pernambuco (UFPE);

    Universidade Federal do Piauí (UFPI);

    Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB);

    Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE);

    Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

Deflagração/indicativo de greve após 15/04

    Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ);

    Instituto federal do Rio Grande do Sul (IFRS) - campi Alvorada, Canoas, Osório, Porto Alegre, Restinga, Rolante e Viamão;

    Universidade Federal de Sergipe (UFS);

    Universidade Federal de Uberlândia (UFU);

    Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA)

Em estado de greve

    Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD);

    Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ);

    Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO);

    Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ);

    Universidade Federal de Santa Maria (UFSM);

    Universidade Federal do Pampa (Unipampa);

    Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA);

    Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

*Outras universidades não ligadas ao sindicato também podem parar

E mais

Greve 2024 

quinta-feira, 2 de maio de 2024

O crime de Mariana e Brumadinho ainda impune

União e Estados devem rejeitar acordo de R$ 127 bilhões proposto por Vale e sócios por Mariana

Mineradoras ofereceram pagar R$ 72 bi em novas indenizações, mas negociadores do poder público reclamam que proposta é retrocesso em compromissos firmados no ano passado

Por Mariana Carneiro, O Estado, 02/05/2024

A proposta feita pelas mineradoras Vale e BHP Billinton, sócias na Samarco, responsável pelo desastre ambiental de Mariana, em 2015, foi recebida com fortes críticas pelos negociadores do governo federal e dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. A expectativa é que os entes públicos deem uma resposta conjunta nesta sexta-feira, 3, e, a tomar pelo clima nos bastidores, a tendência é que ela seja negativa.

Vale, BHP Billinton e Samarco anunciaram na segunda-feira, 29, que haviam ampliado o valor ofertado em compensações de R$ 42 bilhões para R$ 72 bilhões, o que fez com que as ações da Vale na Bolsa se valorizassem, com investidores antevendo um ponto final para um imbróglio jurídico que se arrasta há quase nove anos.

Mas representantes do poder público que participam das negociações, sob reserva, classificaram a proposta como “fake” e um “mero jogo de planilha”, sob a alegação de que as empresas retrocederam em compromissos ambientais e sociais que haviam assumido no ano passado e que os repassaram em valores para o poder público em cifras consideradas inaceitáveis. Ou seja, não houve uma evolução.

Rompimento da barragem da mineradora Samarco, em 2015, destruiu distrito de Bento Rodrigues, em Mariana Foto: Márcio Fernandes / Estadão

Em nota, a BHP e a Vale informaram que mantêm o interesse em negociar (leia mais abaixo). A Samarco disse acreditar que “todas as partes chegarão a um acordo comum”. A iniciativa, além de não atender ao que havia sido acordado em 2023, provocou mal-estar porque os governos entendem que a responsabilidade por ações como a retirada de dejetos minerais de rios e afluentes do Rio Doce devem ser feitas pelas empresas, com os equipamentos e pessoal delas. Além disso, há o entendimento de que, ao entregar obrigações aos entes públicos, as empresas se eximem de eventuais problemas que podem aparecer com a retirada desses resíduos.

Na proposta, as mineradoras reduziram o plano de retirar 9 milhões de metros cúbicos de dejetos do Rio Doce para 900 mil metros cúbicos, o que foi considerado “inadmissível” pelos negociadores. As empresas também retiraram o compromisso de monitorar áreas contaminadas.

Quase nove anos depois do desastre que derramou 40 milhões de toneladas de rejeitos minerais no Rio Doce, há relatos de poluentes químicos na água consumida por pessoas e animais. O rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), é considerado o maior desastre ambiental do País e pode resultar no maior pacto de reparação ambiental do mundo, caso o poder público e as empresas cheguem a um acordo.

Mas a própria ação das empresas de publicizar a oferta foi mal-recebida. A ação corre sob confidencialidade no Tribunal Regional Federal da 6ª Região, em Belo Horizonte, e a divulgação está sendo tratada como uma “deslealdade” nos bastidores. Nem mesmo o valor, alegado como uma ampliação relevante em relação ao proposto no final de 2023, foi bem-recebido.

Lama da barragem atingiu o Rio Doce e chegou ao litoral do Espírito Santo Foto: Gabriela Biló/Estadão

As mineradoras afirmam que a indenização total chegaria a R$ 127 bilhões, somando o que já foi aplicado na Fundação Renova até hoje (cerca de R$ 37 bilhões). Negociadores afirmam que, além dos gastos da Renova serem questionáveis, há vitórias em ações na Justiça que já rendem mais do que o ofertado pelas empresas — em janeiro, as mineradoras foram condenadas a pagar R$ 47,6 bilhões em danos morais coletivos pela Justiça Federal em Belo Horizonte. Em outra ação, de março, a Justiça concede o pagamento de mais R$ 10 bilhões ao Espírito Santo por gastos em cinco municípios do litoral norte que passaram a ser considerados região afetada.

Foi essa decisão que, segundo relatos, motivou a corrida das mineradoras pelo acordo. Na proposta, as empresas solicitam que a inclusão dos cinco municípios seja sustada, o que foi considerado inaceitável pelo Espírito Santo em uma resposta imediata.

Além de tentar reduzir o perímetro de possíveis indenizados, as empresas também propuseram a “quitação completa e absoluta por danos incertos e futuros” que apareçam em decorrência do desastre ambiental, ou seja, que as empresas não venham a ser responsabilizadas no futuro.

Esse ponto desagrada a todos os entes públicos envolvidos. A alegação é que, na área de saúde, é impossível dar a quitação, uma vez que há danos que podem aparecer por gerações nas populações que são abastecidas pelo Rio Doce e que vivem no litoral do Espírito Santo. Nos estragos ambientais, a quitação é considerada parcialmente possível de se atender, desde que mantido o monitoramento.

Em março, Justiça concedeu pagamento de mais R$ 10 bilhões ao Espírito Santo por gastos em cinco municípios do litoral norte que passaram a ser considerados região afetada Foto: Fred Loureiro/Secom-ES/Divulgação

Os entes também discordam da proposta de entrega imediata das ações da Renova para o poder público, como o fornecimento de água potável a comunidades indígenas, alegando a necessidade de uma transição.

Apesar do impasse, a leitura dos negociadores é que as empresas têm o interesse de tentar um acordo no Brasil para evitar uma condenação na corte inglesa, onde vítimas se reuniram em ações contra as mineradoras. O principal fundamento das ações é a lentidão da Justiça brasileira, por falta de um acordo. Ainda assim, a proposta desagradou a tal ponto que o tema pode subir do nível técnico para o político, com a mobilização de governadores e ministros para cobrar uma solução das empresas.

Procurada, a BHP Brasil afirma que “sempre esteve e segue comprometida com as ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em 2015″. “Como uma das acionistas da empresa, a BHP Brasil segue disposta a buscar, coletivamente, soluções que garantam uma reparação justa e integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente”, afirmou.

A Vale também defendeu a solução por meio de um acordo. “A Vale, como acionista da Samarco, continua comprometida com a repactuação do acordo de Mariana e tem como prioridade as pessoas atingidas, representadas desde o início das negociações por diversas instituições de justiça como as defensorias e os ministérios públicos. A companhia confia que as partes chegarão a bons termos quanto ao texto que vem sendo conjuntamente construído”, afirmou a empresa, em nota.

A Samarco, também em nota, reafirmou seu compromisso na “reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão”. “A empresa reitera que a proposta apresentada foi baseada em critérios técnicos, ambientais e sociais, sendo resultado de um amplo processo de diálogo que, desde o início, envolveu diversas instituições de justiça, poder público e representantes de entidades civis e sociedade. A Samarco acredita que todas as partes chegarão a um acordo comum que beneficie diretamente milhares de pessoas, dezenas de municípios, a União e os estados de Minas Gerais e o Espírito Santo”, disse a empresa.

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