Continuando Veríssimo que postei aqui segue outro Veríssimo
VER(dadeir)ISSIMO
Luis Fernando Verissimo deixou explicito como o racismo é real e está presente e arraigado na sociedade brasileira.
Ana Cristina Rosa, fsp, 3208/2025, Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)
O gaúcho Luis Fernando Verissimo (1936-2025) soube como ninguém tratar e retratar de forma sagaz e espirituosa várias das questões presentes no cotidiano do brasileiro. Com seus múltiplos talentos (cronista, romancista, humorista, cartunista, roteirista, dramaturgo, músico) não permitiu que a fama do pai – Érico (1905-1975), um dos maiores nomes da nossa literatura – ofuscasse seu próprio brilho.
Cresci lendo os Verissimo. Quando soube da morte do Luis Fernando, no sábado passado (30), me peguei rememorando alguns de seus escritos. Lembrei de uma crônica intitulada "Racismo" (1996), que compõe a obra "Comédias da Vida Pública". Por meio do diálogo entre patrão, um homem branco, e empregado, um homem negro, Luis Fernando deixou explicito como o racismo é real e está presente e arraigado na sociedade brasileira apesar da sua constante negação.
Seguindo à risca a maneira de falar, o texto demonstra como muitas "pessoas de bem" – gente que não se considera racista de jeito nenhum, até tem amigo negro – reproduzem o preconceito racial. E agem de maneira racista sim, mesmo que de forma inconsciente. Nas falas, os personagens reproduzem o pensamento equivocado (porém bastante comum, infelizmente) que associa e limita o negro ao desempenho do trabalho pesado, à beberagem, ao samba e à vadiagem. Com sua astúcia, Veríssimo explora várias expressões racistas que (lamentavelmente) fazem parte do nosso cotidiano para explicitar a naturalização do racismo à brasileira.
A conclusão do texto, é uma pérola que tomo a liberdade de reproduzir a seguir:
"- (...) E digo mais. É por isso que não existe racismo no Brasil. Porque aqui o negro conhece o lugar dele.
– É, mas…
-- E enquanto o negro conhecer o lugar dele, nunca vai haver racismo no Brasil. Está entendendo? Nunca. Aqui existe o diálogo.
– Sim, mas…
– E agora chega, você está ficando impertinente. Bate um samba aí que é isso que tu faz bem."
Luis Fernando Veríssimo.
Verdadeiríssimo.
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Texto de Luis Fernando Veríssimo - Racismo
1- Escuta aqui, ó criolo...
2- O que foi?
1- Você andou dizendo por aí que no Brasil existe racismo.
2- E não existe?
1- Isso é negrice sua. E eu que sempre te considerei um negro de alma branca... É, não adianta. Negro quando não faz na entrada...
2- Mas aqui existe racismo.
1- Existe nada. Vocês têm toda a liberdade, têm tudo o que gostam. Têm carnaval, têm futebol, têm melancia... E emprego é o que não falta. Lá em casa, por exemplo, estão precisando de empregada. Pra ser lixeiro, pra abrir buraco, ninguém se habilita. Agora, pra uma cachacinha e um baile estão sempre prontos. Raça de safados! E ainda se queixam!
2- Eu insisto, aqui tem racismo.
1- Então prova, Beiçola. Prova. Eu alguma vez te virei a cara? Naquela vez que te encontrei conversando com a minha irmã, não te pedi com toda a educação que não aparecesse mais na nossa rua?Hein, tição? Quem apanhou de toda a família foi a minha irmã. Vais dizer que nós temos preconceito contra branco?
2- Não, mas...
1- Eu expliquei lá em casa que você não fez por mal, que não tinha confundido a menina com alguma empregadora de cabelo ruim, não, que foi só um engano porque negro é burro mesmo. Fui teu amigão. Isso é racismo?
2- Eu sei, mas...
1- Onde é que está o racismo, então? Fala, Macaco.
2- É que outro dia eu quis entrar de sócio num clube e não me deixaram.
1- Bom, mas pera um pouquinho. Aí também já é demais. Vocês não têm clubes de vocês? Vão querer entrar nos nossos também? Pera um pouquinho.
2- Mas isso é racismo.
1- Racismo coisa nenhuma! Racismo é quando a gente faz diferença entre as pessoas por causa da cor da pele, como nos Estados Unidos. É uma coisa completamente diferente. Nós estamos falando do crioléu começar a freqüentar clube de branco, assim sem mais nem menos. Nadar na mesma piscina e tudo.
2- Sim, mas...
1- Não senhor. Eu, por acaso, quero entrar nos clubes de vocês? Deus me livre.
2- Pois é, mas...
1- Não, tem paciência. Eu não faço diferença entre negro e branco, pra mim é tudo igual. Agora, eles lá e eu aqui. Quer dizer, há um limite.
2- Pois então. O ...
1- Você precisa aprender qual é o seu lugar, só isso.
2- Mas...
1- E digo mais. É por isso que não existe racismo no Brasil. Porque aqui o negro conhece o lugar dele.
2- É, mas...
1- E enquanto o negro conhecer o lugar dele, nunca vai haver racismo no Brasil. Está entendendo? Nunca. Aqui existe o diálogo.
2- Sim, mas...
1- E agora chega, você está ficando impertinente. Bate um samba aí que é isso que tu faz bem.
Luis Fernando Veríssimo.
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