Caminhamos, assim, celeremente, para a cristalização do belo sonho, que parecia irrealizável, de atingir em breve o nosso Estado as culminâncias esplêndidas do ensino superior com a suprema criação de sua Universidade.
Com esta frase, com toques parnasianos, Jones dos Santos Neves, o então governador do Estado, em 1953, dava o ponta pé inicial para a criação da Universidade do Espírito Santo.
Aprovado na Assembleia Legislativa, o projeto foi sancionado pelo governador e transformado na Lei nº 806 de 5 de maio de 1954. Consumava-se assim o fato mais importante ocorrido nesse século no setor educacional. (Ivantir, p. 27)
À semelhança de experiências pioneiras como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (1920) e a Universidade de São Paulo (1934), a Universidade do Espírito Santo almejava a Universidade como ela é e no que ela deve ser.
O projeto de federalização da Universidade do Espírito Santo foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República (Juscelino Kubitschek) através da Lei nº 3868 de 30 de janeiro de 1961. Nascia a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
A estruturação em Centros de Ensino e Departamentos aconteceu a partir do Decreto Federal nº 63.577 de 8 de novembro de 1968 (Diário Oficial de 13/11/1968). E junto os Conselho Universitário, Conselho de Ensino e Pesquisa e Conselho de Curadores.
Os Centros criados: Estudos Gerais, Artes, Tecnológico, Agropecuário, Biomédico, Educação Física e Desportos, Ciências Jurídicas e Econômicas e Pedagógico.
Os campi da UFES como estão hoje foram estabelecidos assim: Goiabeiras (1968 a 1979), Maruipe (1973), CEUNES – São Mateus (1990) e Alegre (1975).
O hoje e o ontem
Em 2018 o Ensino Superior no Brasil tinha 8.450.755
matrículas de graduação. As Instituições de Ensino Superior privadas tinham uma
participação de 75,4% do total de matrículas. A rede pública participava com
24,6%. Inep/MEC
É nesse ambiente semi privatizado
(sendo otimista) que a UFES se encontra hoje.
A UFES oferece, atualmente, 103 cursos de graduação
com 19.580 estudantes. Na pós-graduação possui 47 cursos de mestrado acadêmico,
nove de mestrado profissional e 26 de doutorado e 3644 estudantes. Possui um
quadro de 1.780 professores efetivos, 2.016 técnicos-administrativos.
Alguns dados históricos relevantes:
- Vagas de graduação: em 1995: 2360; em
2019: 2776 (aumento de 17%)
- População do ES: em 1997: 2.853.098: em
2019: 4.018.650 (aumento de 40%)
- Estudantes de graduação: em 1995: 9.500;
em 2019: 19.580 (aumento de 2,06 vezes)
- Estudantes de pós-graduação: em 1994:
230; em 2019: 3.644 (aumento de 15,8 vezes)
- Docentes: em 1994: 1084; em 2019: 1756
(aumento de 62%)
- Docentes com doutorado: em 1994: 129
(11,9% do quadro); em 2019: 1194 (85,8%) (aumento de 9,2 vezes)
- Técnicos administrativos: em 1994: 2.405;
em 2019: 1.927
Estes dados são do Portal da UFES e (Ivantir, p.
135)
Algumas considerações sobre: a) o aumento, em 24 anos,
de vagas corresponde a menos da metade do aumento da população do estado do
Espírito Santo; b) no mesmo período, o número de estudantes de graduação dobrou
enquanto o aumento do número de docente cresceu 62%; c) um aumento
significativo de docentes com doutorado e d) um aumento relevante do número de
estudantes de pós-graduação (15,8 vezes).
Destes dados convém realçar, neste período, o
decréscimo da oferta de vagas da UFES em relação ao acréscimo da população e o
aumento significativo da sobrecarga de trabalho dos professores e professoras
da Universidade.
Para o bem e para o mal o crescimento relevante da
pós-graduação foi acompanhado, primeiro, pela essencial capacitação docente
melhorando muito sua qualificação profissional e, segundo, pela forte presença
do fordismo científico (produtivismo) circunscrito à
universidade operacional destacadamente a partir da década de
1990 no Brasil. E na UFES não foi diferente. “Não há e nem deve haver pesquisa
na universidade operacional... Uma ausência alucinante e é esta ausência que é
contabilizada.” (Marilena Chaui, 2015)
A ação
A partir da década de 1980 a UFES teve mudanças relevantes não apenas por vontade local, mas por um movimento nacional dos trabalhadores e trabalhadoras em educação. Em 1987 há eleições diretas para a escolha da reitoria na UFES. Foi uma conquista da comunidade que desde 1983 vinha lutando por esta bandeira.
Em 1988 a ANDES (Associação Nacional de Docentes) se torna o Sindicato ANDES Sindicato Nacional. A ADUFES (Associação de Docentes da UFES) se torna Sindicato em 1993: ADUFES Secção Sindical do ANDES SN (ADUFES SSIND).
A partir da década de 1980 a UFES teve mudanças relevantes não apenas por vontade local, mas por um movimento nacional dos trabalhadores e trabalhadoras em educação. Em 1987 há eleições diretas para a escolha da reitoria na UFES. Foi uma conquista da comunidade que desde 1983 vinha lutando por esta bandeira.
Em 1988 a ANDES (Associação Nacional de Docentes) se torna o Sindicato ANDES Sindicato Nacional. A ADUFES (Associação de Docentes da UFES) se torna Sindicato em 1993: ADUFES Secção Sindical do ANDES SN (ADUFES SSIND).
A sede da ADUFES, no CEUNI VI, Goiabeiras, até
1998
A Constituição Federal, aprovada em 1988,
revigora a pauta histórica do movimento docente: autonomia, democracia de
gestão, condições de trabalho, carreira e financiamento. O princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e a
autonomia (Artigo 207) são conquistas da comunidade educacional.
E é pela preservação destas conquistas que
aconteceram os conflitos futuros entre a comunidade universitária e as direção
local (UFES) e nacional (MEC).
A greve de docente e técnicos -
administrativos de 1991 foi um exemplo destes conflitos. Durou de 05/06 a
29/09/1991 (107 dias) com a participação de 45 IFES. A pauta: reposição salarial
de 144,88%; rejeição da MP 296/91 que excluía professores e servidores de
reajustes; incorporação das perdas salariais dos Planos Bresser, Verão e
Collor; abertura de concurso público; expansão do quadro de pessoal; eleição
direta para Reitor e garantia de repasse para o ANDES/SN das contribuição dos
docentes.
A greve derrubou, no Congresso Nacional, um
veto presidencial. Na época o presidente Collor tinha aprovação de 70% no
IBOPE.
Os docentes conquistaram um novo reajuste na
tabela de 20% (auxiliar 1 – 20h) e 48,8% (titular e doutorado); aumento de gratificações
por titulação de 15% para 25% (mestrado); de 25% para 50% (doutorado);
gratificação de 12% (especialização); aumento da gratificação de DE (Dedicação
Exclusiva) de 50% para 55%.
Não diria que a eleição para Reitoria em 1995
foi de conflitos. Foi de debates sobre projetos de universidade. Participaram
cinco chapas com propostas distintas. Algumas frases, retiradas dos respectivos
programas, que identificavam as chapas: “A UFES está viva e a cada dia mais
fértil e produtiva.” “De concreto, só as propostas, o resto é coração.”
“Preocupação com a sobrevivência do ensino público e gratuito.” “Administrar
uma universidade requer três qualidades básicas: experiência, diálogo e
atitude.” “Ah! Esta terra tão minha não foi meu berço, mas me sinto tão tua...”
Debates ocorreram em todos os campi da
Universidade (Goiabeiras, Maruipe, Alegre e São Mateus), na TVE (TV Educativa)
do Espírito Santo e na FINDES (Federação
das Industrías do Espirito Santo). Os relatórios da Avaliação Institucional,
ocorrida em 1994, foram referências importantes na discussão.
Esta eleição talvez seja a que mais deu
visibilidade à UFES no Estado do Espírito Santo.
Autonomia e democracia
A defesa da
universidade autônoma passa pelo princípio da gestão democrática em todos os
níveis. É a condição necessária para garantir as razões de ser de uma
universidade. É proteger o ensino superior de qualquer tipo de manipulação
política partidária e de autoritarismo.
E o que se
viu nas últimas décadas na UFES?
Uma
autonomia limitada e tutelada por interesses políticos, econômicos e disputas
de poder que se sobrepõem ao papel social, científico e acadêmico que se espera
da universidade.
Um exemplo
recente em 2020: uma chapa para a reitoria foi escolhida por docentes,
estudantes e técnico-administrativos e referendada pelos órgãos colegiados da
UFES. A primeira mulher eleita (Ethel Maciel) na UFES. Mas não foi a chapa
nomeada pelo MEC.
Uma obstrução frontal à autonomia universitária.
A partir de
1988 a UFES teve como reitores: Rômulo Augusto Penina (1988-1991), Roberto da
Cunha Penedo (1992-1995), José Weber Freire Macedo (1996-2003), Rubens Sergio
Rasseli (2004-2011), Reinaldo Centoducatte (2012 – 2020). Os três últimos com
duplo mandato porque reeleitos.
Autonomia e democracia são princípios
indissociáveis.
E não foi o que se viu nestes últimos 32 anos.
Avaliação
Institucional e Estatuinte, bandeiras históricas da comunidade universitária,
foram ignoradas pelas reitorias. Uma exceção: em 1994 aconteceu uma Avaliação
Institucional com a participação de docentes, estudantes e técnicos-administrativos.
REUNI (Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais), EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) e a Polícia
Militar na UFES foram alguns temas discutidos e de forma autoritária
implantados pela UFES.
Dirigentes, apesar de eleitos pela comunidade,
no mandato agem como representantes do MEC e não para a defesa das propostas
apresentadas durante o processo eleitoral. É a subordinação consentida a
serviço de um poder burocrático, carreirista e insensível à autonomia
universitária.
Epílogo
As tensões na vida universitária são parte da própria dialética de funcionamento de um espaço de produção e circulação de conhecimento. As perdas e ganhos resultantes dos conflitos marcam a história universal da universidade. Espelham a luta de classes, a elitização e o poder dominante através do Estado.
Uma visão panorâmica dos modelos seguidos pelas universidades na América Latina aponta como primeiro deles o modelo espanhol, controlado pelo clero, voltado para as artes e a literatura. Mais tarde substituído pelo modelo francês napoleônico e, posteriormente modificado com as propostas renovadoras do Movimento de Córdoba (1918), Argentina. (Denise, p. 102). Uma universidade mais democrática e menos elitista com o seu papel social. Preconizava, dentre outras bandeiras a autonomia universitária e a assistência social aos estudantes.
A jovem Universidade Federal do Espírito Santo é, hoje, depois de 66 anos, resultado de conflitos, ganhos, perdas e convivência fraterna. É a universidade como ela é.
Referências
As tensões na vida universitária são parte da própria dialética de funcionamento de um espaço de produção e circulação de conhecimento. As perdas e ganhos resultantes dos conflitos marcam a história universal da universidade. Espelham a luta de classes, a elitização e o poder dominante através do Estado.
Uma visão panorâmica dos modelos seguidos pelas universidades na América Latina aponta como primeiro deles o modelo espanhol, controlado pelo clero, voltado para as artes e a literatura. Mais tarde substituído pelo modelo francês napoleônico e, posteriormente modificado com as propostas renovadoras do Movimento de Córdoba (1918), Argentina. (Denise, p. 102). Uma universidade mais democrática e menos elitista com o seu papel social. Preconizava, dentre outras bandeiras a autonomia universitária e a assistência social aos estudantes.
A jovem Universidade Federal do Espírito Santo é, hoje, depois de 66 anos, resultado de conflitos, ganhos, perdas e convivência fraterna. É a universidade como ela é.
Referências
Ivantir Antônio Borgo, “UFES: 40 anos de história”,
2ª edição, EDUFES, 2014. Um livro essencial. O único registro histórico sobre a
UFES, publicado em 1995 (1ª edição) . Disponível em https://issuu.com/ufes/docs/livro_60anos_final
Denise Alvarez, “Cimento não é concreto, tamborim
não é pandeiro, pensamento não é dinheiro! Para onde vai a produção
acadêmica?”, MYRRHA, 2004.
Ufes completa 66 anos de existência, ADUFES
Ufes completa 66 anos de existência, ADUFES
Edson Pereira Cardoso
Professor efetivo da UFES no período 1980 –
2012.
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