Gatos, tubarões e cães no caminho de papas, cineastas e presidentes
Bichos viram protagonistas nas vidas de Bento 16, Spielberg e Lula
Por Sérgio Augusto, 07/01/2023, O Estado
Na última quinzena do ano, a tradicional fauna da manjedoura acabou eclipsada, na mídia internacional, por uma cadelinha brasileira sem pedigree, um punhado de gatos vaticanos e aqueles bichos que mais nos metem medo dentro d’água depois das piranhas. Os gatos eram os que o finado papa emérito Bento 16 acolheu e lhe fizeram companhia em sua penúltima morada. A cadelinha sem pedigree é mesmo aquela que tomou posse com Lula, domingo passado. Quanto aos tubarões, a todos eles o cineasta Steven Spielberg pediu perdão, publicamente, pelos eventuais danos que seu filme Tubarão (Jaws) teria causado à preservação da espécie.
Bento 16 não tinha cara de elurófilo. Mas o papa Leão 12 tampouco tinha e no entanto também adorava gatos. Do seu xodó felino o escritor e ministro francês Chateaubriand passou a tomar conta. Os de Joseph Ratzinger ficarão sob custódia da Santa Sé ou mesmo da prefeitura romana, que entende do riscado.
Spielberg ganhou os tubos com Tubarão e seu avassalador êxito comercial (já foi a maior bilheteria de todos os tempos) contribuiu de forma decisiva para sufocar o cinema independente que a chamada “geração sexo, drogas e rock’n’roll” germinara em Hollywood, a partir de Sem Destino (1969). Spielberg simplesmente reinventou o blockbuster. Não de todo vassalo de sustos e horripilâncias; aqui e ali com brechas para algum tipo de “crítica social”. Um dos subtemas de Tubarão é a ganância capitalista. O maior predador do filme não é bem o tubarão, mas o prefeito e os hoteleiros da Ilha Amity, que, qual Pazuellos do turismo, se omitem e mentem para não prejudicar os negócios, fazendo jus à acepção metafórica que os dicionários dão às palavras tubarão e “shark”.
Em seu extemporâneo mea culpa, o cineasta se ateve ao “danoso” estímulo que seu thriller deu à pesca do tubarão como atividade esportiva. Por sorte, o tubarão do filme era fake, um artefato mecânico, como a Moby Dick de John Huston, não um bicho de verdade, como os golfinhos Flipper e Winter. Do contrário, Spielberg teria de prestar contas aos órgãos que desde 1938 monitoram o tratamento dado a animais em produções cinematográficas.
Mea culpa mais consequente ficaram devendo vários diretores da velha guarda hollywoodiana, entre os quais Michael Curtiz, que nada fez para evitar o morticínio de dezenas de cavalos durante as filmagens de A Carga da Brigada Ligeira, em 1936. Contrariando as ameaças dos bozogolpistas, Lula não só logrou subir sem obstáculos a rampa do Planalto como ainda inovou, levando pela coleira a estopinha Resistência, mestiça até pouco tempo sem lar e agora primeira-cadela no Alvorada. Muita gente achou aquilo ridículo, mas logo entregou os pontos.
Os presidentes norte-americanos são mais publicamente apegados aos seus animais de estimação do que os nossos. E até mais dependentes deles politicamente. Graças a um discurso piegas sobre um cocker spaniel chamado Checkers, Richard Nixon escapou de perder a corrida presidencial de 1952, como vice de Eisenhower. Franklin Roosevelt só assegurou um quarto mandato presidencial após resgatar sua scottish terrier, dada como perdida numa das ilhas Aleutas, durante a Guerra do Pacífico. O que Resistência podia ter feito por Lula ela já o fez..
Em tempo
'O filme Tubarão é baseado no livro homônimo de Michael Crichton e é classificado no gênero terror e suspense. Vejam só, um filme em que a personagem principal é um tubarão, o vilão da estória. Uma garota é encontrada morta na praia, possivelmente por um ataque de tubarão. Aí a trama toda transcorre na caça a um tubarão branco. Ao contrário do que mostra o filme o tubarão branco não caça gente para comer. Ele gosta mesmo é de gordura, que é abundante nas focas, leões e elefantes marinhos. Claro que ele não vai desprezar um humano de 150 kg viciado em refrigerante, pizza e sorvete. Caiu no mar é peixe. É um equívoco imaginar que tubarões são agressivos com os humanos. Das cerca de 400 espécies, apenas 30 estão envolvidas em ataques a pessoas.' (Os dinossauros )
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Golpistas urinaram em peça de Burle Marx e quebraram um Krajcberg; veja lista
Busto da artista Marta Minujín foi encontrado no chão e restauração de relógio de dom João 6º é considerada difícil
Carolina Moraes e Gustavo Zeitel, 9/1/2023, Folha de São Paulo
Os manifestantes golpistas que invadiram as edificações da praça dos Três Poderes, em Brasília, idealizadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer —Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal— danificaram importantes obras de arte da cultura brasileira e prédios tombados.
O Palácio do Planalto é onde há, por ora, o maior número de obras de arte danificadas. "Bandeira do Brasil", de Jorge Eduardo, de 1995, foi encontrada boiando na água que inundou o térreo do edifício.
No terceiro andar, "Mulatas", de Di Cavalcanti, "O Flautista", de Bruno Giorgi, e "Galhos e Sombras", de Frans Krajcberg, também foram vandalizadas —veja lista completa abaixo.
O governo estima que só o trabalho de Di Cavalcanti, o mais importante do Salão Nobre, vale R$ 8 milhões. Na obra de Krajcberg, avaliada em R$ 300 mil, galhos que compõem o trabalho foram quebrados e jogados longe.
O diretor da casa de leilões Bolsa de Arte, Jones Bergamin, no entanto, avalia que a obra de Di Cavalcanti valha cerca de R$ 20 milhões. Segundo ele, boa parte das obras depredadas são raras e importantes, mas "Mulatas", tanto pelo tamanho quanto pela sua representação do país, é a de maior valor histórico entre as vandalizadas.
"Bailarina", obra de Victor Brecheret, que foi arrancada de sua base e encontrada no chão da Câmara dos Deputados, é avaliada em R$ 5 milhões— e, de acordo com Bergamin, será difícil de restaurar caso tenha grandes danos. Isso porque a pátina, uma camada que cobre os metais das esculturas, é antiga. É o mesmo caso da restauração da escultura "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti, que foi pichada na frente do STF e vale entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões.
No Planalto, há ainda imagens da obra "Vênus Apocalíptica", da artista argentina Marta Minujín, jogada no chão, do lado de fora do prédio. Os danos às obras foram vistoriados por restauradores e especialistas nesta segunda-feira.
Segundo o governo, o diretor de curadoria dos palácios presidenciais, Rogério Carvalho, avalia que a maioria das obras pode ser restaurada, com exceção do relógio de Balthazar Martinot. A peça, considerada rara, foi dada de presente a dom João 6º pela corte de Luís 14, da França. O objeto foi desenhado por André-Charles Boulle e fabricado pelo relojoeiro francês Balthazar Martinot no fim do século 18, poucos anos antes de ser trazido ao Brasil.
Quadros também foram quebrados e rasurados no corredor que dá acesso às salas dos ministérios no Planalto, e uma mesa-vitrine do designer Sérgio Rodrigues teve seu vidro quebrado. Uma imagem ainda mostra que desenharam um bigodinho com caneta azul que imita o de Adolf Hitler num retrato de José Bonifácio.
No Senado, vândalos ainda urinaram numa tapeçaria de Burle Marx, danificaram um tinteiro de bronze da época do Império, um quadro que data de 1890 e retrata a assinatura da Constituição, e uma mesa do Palácio Monroe, onde funcionou a segunda sede do Senado, no Rio de Janeiro.
O Planalto tem um acervo com mais de 700 obras, de acordo com um levantamento feito pelo jornal via Lei de Acesso à Informação —Djanira Motta da Silva, Athos Bulcão, Carlos Scliar, Maria Bonomi, Francisco Brennand, Alfredo Volpi, Amilcar de Castro e Vicente do Rego Monteiro são alguns dos nomes de peso que fazem parte da coleção. Essas obras também se tornaram um ringue de disputa política com Jair Bolsonaro. A pintura "Orixás", de Djanira, que ficava no Salão Nobre, por exemplo, foi retirada do espaço pelo ex-presidente e voltou à reserva técnica do acervo. Ela também foi furada com uma caneta.
A obra dos anos 1960, que mostra divindades de religiões de matriz africana, voltou a ser exibida na mostra "Brasil Futuro: As Formas da Democracia", no Museu Nacional da República, em Brasília, como parte da programação cultural da posse de Lula. A primeira-dama Janja também já afirmou que a pintura retornará ao Planalto.
Rogério Carvalho, que voltou à curadoria de acervo neste ano e é um dos organizadores da mostra, disse que sua equipe tentava retratar o Brasil e mobilizar símbolos em que a própria população se reconhecesse ao trabalhar com as obras. Para ele, desde que Michel Temer chegou ao Alvorada, tudo que foi pensado para ser público voltou a ser privado.
Num áudio enviado a um grupo no WhatsApp logo após a invasão da praça dos Três Poderes, Carvalho conta que o terceiro andar do edifício tinha sido acabado de montar na terça-feira. O espaço mais danificado, segundo ele, foi o segundo piso do prédio — e o Ministério da Cultura e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, foram acionados para acompanhar a vistoria das obras depredadas.
Manifestantes golpistas depredam prédio do STF vídeo
https://www.youtube.com/watch?v=ICskvqfo42o&t=1s
No STF, a cadeira da presidente Rosa Weber, concebida pelo designer Jorge Zalszupin, foi arrancada. Além disso, um crucifixo foi danificado e a escultura "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti, de 1961, foi pichada.
Segundo um funcionário do Congresso, os golpistas quebraram as vidraças da Câmara e fizeram pichações. "Araguaia", vitral de Marianne Peretti, de 1977, que fica no Salão Verde da Câmara dos Deputados, também foi depredada. Também invadiram e quebraram a sala da liderança do PT. Ao lado, incendiaram uma lanchonete. Atrás dela, fica um painel do artista Athos Bulcão, que também foi vandalizado.
Em nota, o Iphan lamentou os danos causados ao patrimônio cultural brasileiro e afirmou que o levantamento completo das obras danificadas ainda depende de liberação de todos os prédios por parte dos órgãos responsáveis pela perícia.
"Em esforços conjuntos com o Ministério da Cultura, técnicos do instituto vão se reunir com a ministra Margareth Menezes, na tarde desta segunda-feira, para discutir medidas de restabelecimento de todos os prédios e definir as ações de conservação e restauração dos bens protegidos pelo Iphan", publicaram ainda.
As edificações da praça dos Três Poderes foram tombadas, em 2007, pelo Iphan. Brasília, cidade planejada ainda na década de 1950 durante o governo de Juscelino Kubitschek, também foi inscrita pela Unesco, em 1987, na lista do patrimônio mundial. Logo após o ataque, diversas autoridades e instituições ligadas à proteção dos monumentos públicos se manifestaram.
Em nota, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, o CAU, classificou a invasão como um atentado grave contra "o primeiro conjunto urbano do século 20 reconhecido como patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas".
O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, o Icomos Brasil, ainda afirmou que vai acionar instâncias internacionais para investigar o caso. "Eventuais responsabilizações internacionais poderão acontecer tanto para os que vandalizaram quanto para os responsáveis governamentais eventualmente envolvidos. Pode haver julgamento pelo Tribunal Penal Internacional, como aconteceu no caso de Timbuktu, no Mali", afirmam.
Veja quais obras foram alvo dos golpistas
Palácio do Planalto*
"Bandeira do Brasil", de Jorge Eduardo
"Mulatas", de Di Cavalcanti
"O Flautista", de Bruno Giorgi
"Galhos e Sombras", de Frans Krajcberg
"Vênus Apocalíptica", da argentina Marta Minujín
Relógio Balthazar Martinot
Mesa-vitrine do designer Sérgio Rodrigues
Retrato de José Bonifácio
Pintura de 2003, de Nitma, foi retirada da parede
Pintura de Marechal Rondon, feita em 1953 por W. L. Techmeier, foi retirada da parede
"Evolução", escultura de Haroldo Barroso
*Segundo o governo, o corredor que dá acesso às salas dos ministérios no Planalto foi vandalizado, com muitos quadros rasurados ou quebrados, especialmente fotografias
Congresso Nacional
"Araguaia", vitral de Marianne Peretti, de 1977
Painel de Athos Bulcão, na Câmara dos Deputados
"Painel Vermelho", de Athos Bulcão, no Museu do Senado
Paisagem de Guido Mondin, na Câmara
Pinturas dos ex-presidentes, no Museu do Senado
"Bailarina", de Victor Brecheret
Escultura "Maria, Maria", de Sônia Ebling
Tapeçaria de Burle Marx
Quadro que data de 1890, no Senado
Mesa do Palácio Monroe
Tinteiro de bronze da época do Império, no Senado
STF
Cadeira da presidente Rosa Weber, concebida pelo designer Jorge Zalszupin
Escultura "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti, de 1961, foi pichada
Crucifixo
Brasão do STF
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Para entender por que os golpistas têm medo de Lula 3, olhe para a Amazônia
Após o ataque terrorista de apoiadores de Bolsonaro em Brasília, SUMAÚMA analisa de que forma a atenção do novo governo à floresta e a outros biomas estimulou uma reação violenta e criminosa
JONATHAN WATTS, TALITA BEDINELLI, 10 janeiro2023, Sumaúma
Olhar com atenção os planos ambiciosos do novo governo para proteger a floresta amazônica e outros biomas, como o Pantanal e o Cerrado, é essencial para entender o caos coreografado que eclodiu em 8 de janeiro em Brasília. Há múltiplas causas, mas a nova abordagem da crise climática é particularmente simbólica. Uma vez compreendida a importância histórica dessas propostas, fica mais fácil identificar por que há poderosos interessados em manter seus privilégios e que se sentem tão ameaçados a ponto de instigar a invasão violenta e a destruição dos prédios símbolos dos três poderes: o Palácio do Planalto, o Congresso e a Suprema Corte.
Por que os planos de Lula para a Amazônia enfureceram os aliados da destruição?
O novo presidente e sua nova ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, prometeram desmatamento zero, fim das invasões de todos os biomas brasileiros, e maior participação dos povos indígenas nas decisões nacionais. Essas são mudanças em uma escala historicamente épica. Desde a chegada dos primeiros invasores europeus, há 500 anos, a economia do que viria a ser chamado de Brasil foi centrada em destruir a natureza e subjugar os habitantes originários.
Lula deu esse passo em resposta à maior ameaça à segurança nacional e global representada pelo colapso climático. Cientistas alertam que mais desmatamento pode levar a Amazônia a um ponto sem retorno, com implicações catastróficas para a agricultura brasileira, padrões climáticos regionais e a estabilidade climática. Os planos do novo governo devem permitir que o Brasil obtenha fundos internacionais, abra mercados estrangeiros para produtos brasileiros e reivindique uma posição de liderança em assuntos internacionais. Mas, como toda grande mudança, alguns setores da sociedade brasileira se sentem ameaçados.
Entre eles está uma elite privilegiada, majoritariamente branca, que lucrou com o modelo histórico de exploração e sente que isso faz parte de sua identidade. Isso também inclui os envolvidos em grilagem de terras, garimpo ilegal e extração insustentável de madeira cujas atividades são com frequência ilegais, mas muito afinada com a antiga e pioneira atitude de uma nação imbuída do espírito bandeirante. Dos 7 estados da região Norte, onde se concentra a Amazônia brasileira, Bolsonaro venceu em 4 (Amapá, Acre, Roraima e Rondônia), e nos 3 últimos garantiu esmagadores 70% ou mais dos votos. Nos 3 estados do norte que Lula ganhou (Amazonas, Pará e Tocantins), ele não ultrapassou 55% dos votos.
Quão forte é a conexão entre os golpistas e os extrativistas na Amazônia e em outros biomas?
É muito cedo para dizer. Muitos grupos diferentes de todo o país provavelmente estão envolvidos por muitas razões diferentes. Logo após o ataque ao Congresso, o presidente Lula sugeriu que garimpeiros e madeireiros ilegais da Amazônia estavam envolvidos nos atos de terrorismo na Praça dos Três Poderes. É razoável supor que o presidente tenha informações do sistema de inteligência para justificar tal afirmação. Se assim for, não seria o primeiro ato de terrorismo de pessoas ligadas à destruição da floresta tropical. O terrorista que tentou explodir uma bomba no aeroporto de Brasília em dezembro é um empresário paraense, George Washington de Oliveira Sousa, que trabalha no setor de combustíveis e transportes em cidades do arco do desmatamento.
É importante entender o que a Amazônia e outras áreas de biodiversidade, assim como a independência indígena, representam no imaginário dos terroristas de extrema-direita. Proteger a floresta e outros biomas vai contra seus valores, já que enxergam a natureza como uma fonte de mercadorias geradoras de lucro. Resta saber o papel das forças de segurança nos ataques à democracia. É evidente que a Polícia Militar foi no mínimo negligente na resposta ao ataque, podendo mesmo ter sido conivente. Alguns comentaristas especulam que elementos do Exército posteriormente podem tentar uma intervenção — como aconteceu na Bolívia recentemente — sob a alegação de que precisam impedir mais caos. Os próximos dias e a próxima semana provarão quão real é essa ameaça. Mas está claro que os militares tiveram um papel de destaque no governo de Bolsonaro, ele mesmo um ex-capitão do exército que chegou a planejar um ataque terrorista para conseguir melhores salários para ele e os colegas. O ex-presidente, agora, pelo menos temporariamente fora do alcance da justiça brasileira porque está na Flórida, era um apoiador entusiástico da ditadura militar-empresarial do Brasil (1964-85) e dedicou energia considerável para abrir a Amazônia à exploração feita por grupos empresariais simpatizantes.
O que Lula fez pelos povos indígenas e por que isso incomoda algumas pessoas?
O movimento mais progressista do novo governo é a criação de um Ministério dos Povos Indígenas, comandado por Sonia Guajajara, uma das principais líderes dos povos originários no Brasil. Isso dá mais poder e uma plataforma maior aos indígenas do que em qualquer outro momento. O novo ministério abrigará o principal órgão indigenista brasileiro, a Funai, que foi sensível e sensatamente rebatizada para Fundação Nacional dos Povos Indígenas, em vez de Fundação Nacional do Índio. A mudança era um pedido antigo das lideranças indígenas, já que o termo “índio” é considerado pejorativo e genérico, não representativo da diversidade de povos existentes.
A Funai terá sua primeira líder indígena, a respeitada advogada e ex-deputada Joenia Wapichana. Sua presença é uma guinada em relação a seu antecessor, um delegado de polícia branco ligado ao agronegócio. Ao subir a rampa do Planalto acompanhado de Raoni Metuktire, o cacique Raoni, a maior referência indígena no Brasil, Lula deu ao planeta uma imagem eloquente de mudança. Raoni denunciou ao mundo a tragédia do governo Bolsonaro e acabou atacado pelo ex-presidente brasileiro e seus seguidores.
“[Os povos indígenas] não são obstáculos ao desenvolvimento – são guardiões de nossos rios e florestas, e parte fundamental da nossa grandeza enquanto nação”, disse o novo presidente em seu primeiro discurso ao público. Anteriormente, ele havia insinuado ao Congresso que seu governo ampliaria as terras indígenas: “Cada terra demarcada é uma nova área de proteção ambiental. A estes brasileiros e brasileiras devemos respeito e com eles temos uma dívida histórica. Vamos revogar todas as injustiças cometidas contra os povos indígenas.”
Todos esses movimentos representam uma ameaça para aqueles que acreditam que os capitalistas brancos e cristãos têm o direito e o dever de tomar terras de pessoas de cor de pele diferente com valores culturais diferentes e mais focados em seu modo de vida do que em sua renda e expansão de seu território. Bolsonaro se recusou a demarcar qualquer terra indígena e incentivou invasões de garimpeiros em territórios já protegidos.
Isso está ligado à crise climática?
Sim. Muitas das tensões agora em erupção no Brasil e anteriormente nos Estados Unidos estão relacionadas ao estresse climático nos velhos sistemas políticos e econômicos do capitalismo industrial. Bolsonaro e Donald Trump representam o antigo regime, que quer continuar com a velha forma de fazer negócios independentemente do impacto no clima, no meio ambiente, nas outras espécies e nas pessoas. Lula representa aqueles na base que correm maior risco de roubo e contaminação de terras férteis, água limpa e ar puro, junto com cientistas e uma elite internacional educada que percebe que o velho modelo está falido. Lula mencionou a necessidade de “combater as mudanças climáticas” em seus discursos de posse e disse que se envolveria mais com a comunidade internacional.
Dentro do governo, os rótulos também mudaram. O Ministério do Meio Ambiente foi renomeado como Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas. No entanto, não há um novo superministério que coordenará a política climática em todos os departamentos do governo, como chegou a ser discutido. A ministra Marina Silva afirmou, porém, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que a questão climática será transversal ao governo e haverá estruturas específicas sobre o tema em ministérios como os da Fazenda e da Justiça. Será necessário observar de perto se essa transversalidade, fundamental no momento em que há pouco tempo para evitar o pior, acontecerá na prática cotidiana do poder.
A principal contribuição do Brasil aos esforços internacionais para estabilizar o clima será deter o desmatamento. Se isso for feito, já representará um grande sucesso. O avanço no reflorestamento seria uma conquista adicional. Mas há preocupações de que Lula também esteja pressionando por uma maior exploração das reservas de petróleo e gás, e há incerteza sobre sua posição em grandes projetos de infraestrutura, como barragens para hidrelétricas e novas estradas, que são uma ameaça à natureza e ao clima. Lula anunciou em seu discurso de posse a volta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que em governos anteriores do PT foi responsável, por exemplo, pela volta de grandes hidrelétricas na Amazônia, como a desastrosa Belo Monte. Ainda não se sabe como será o PAC para Lula 3.
O agronegócio aceitará que não pode mais expandir fazendas e plantações derrubando florestas?
Esta é a pergunta crucial. Em seu discurso de posse no Congresso, Lula deixou uma linha clara: “O Brasil não precisa desmatar para expandir a fronteira agrícola, mas sim replantar 30 milhões (de hectares de) áreas desmatadas. Não há necessidade de invadir nossos biomas.” Ele estava dizendo ao parlamento, dominado pelo agronegócio predatório, que a floresta estaria fora dos planos de expansão e seria preciso voltar sua atenção para terras subutilizadas ou abandonadas, já desmatadas, se quisessem expandir as áreas de cultivo. Para o bem ou para o mal, essa foi uma sugestão de Katia Abreu, ex-chefe do lobby agropecuário, que se tornou aliada do partido de Lula e chegou a ser ministra da Agricultura de Dilma Rousseff.
Embora pareça promissor, o diabo estará nos detalhes. Como as “terras degradadas” serão classificadas? Como as proteções serão aplicadas? O governo estará disposto a fechar as brechas que até hoje permitiram que grileiros lavassem e legitimassem terras desmatadas ilegalmente? Essa política divide o agronegócio. Algumas grandes corporações podem apoiá-lo porque já possuem terras consideráveis e percebem que a instabilidade climática representa uma ameaça à sua produtividade. Mas aqueles que seguem lucrando com a grilagem de terras sentirão que estão perdendo.
Por que Lula representa uma ameaça para as dezenas de milhares de garimpeiros ilegais que invadiram terras indígenas na Amazônia?
Outro dos primeiros decretos de Lula foi revogar uma medida do governo anterior que incentivava o garimpo ilegal em terras indígenas e em áreas de proteção ambiental. Assessores dizem que nas próximas semanas e meses, as autoridades federais irão ocupar áreas de mineração ilegal, expulsar invasores e destruir equipamentos. A médio prazo, entretanto, a solução exige um trabalho de inteligência policial mais efetivo e transnacional, já que a porteira aberta para a mineração ilegal na Amazônia trouxe junto o crime organizado, que comanda o tráfico de drogas e de armas no país e viu no ouro uma nova chance de negócio. Qualquer esforço para reduzir a mineração vai provocar resistência em lugares como o estado de Roraima, onde a economia local depende dessa atividade.
Qual a importância de Lula dizer em seu discurso de posse que não “tolerará violência contra os ‘pequenos’”?
Esta é outra ameaça para aqueles que usaram a violência para garantir a terra e o poder na Amazônia e em outros biomas. O último relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), com dados de 2021, mostra que os conflitos no campo se agravaram. Trinta e cinco pessoas foram mortas naquele ano, contra 20 no ano anterior. A impunidade para crimes ambientais e invasões de terras, o maior acesso a armas e as ações e falas do ex-presidente Bolsonaro multiplicaram a tensão na Amazônia.
Não tolerar a violência significa reconstruir e ampliar as estruturas de fiscalização, fortalecer o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e garantir maior segurança aos povos que lutam pela floresta em pé. Eles podem ser pequenos em termos de poder político e econômico, mas Lula está reconhecendo sua estatura moral e a importância de sua luta.
O presidente também está restabelecendo o Estado de direito e a presença do Estado na Amazônia: “Incentivaremos, sim, a prosperidade na terra. Liberdade e oportunidade de criar, plantar e colher continuará sendo nosso objetivo. O que não podemos admitir é que seja uma terra sem lei. Não vamos tolerar a violência contra os pequenos, o desmatamento e a degradação do ambiente, que tanto mal já fizeram ao país”. Esta é uma ameaça muito óbvia para os interesses daqueles que lucraram com a impunidade da era Bolsonaro.
Como a expectativa de multas ambientais aumenta a tensão?
O novo governo está planejando enviar milhares de notificações de penalidades ambientais para aqueles que desmataram ilegalmente nos últimos anos. Um dos decretos assinados pelo presidente ao assumir o cargo restabeleceu a obrigatoriedade do Estado de destinar 50% da receita de multas ambientais ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, que poderá aplicar o dinheiro em reflorestamento e outros projetos. Além de reduzir a fiscalização e, com isso, as multas aos infratores, Bolsonaro também perdoou punições dadas aos invasores da floresta, o que passou uma clara mensagem de impunidade e causou uma perda de mais de 18 bilhões de reais aos cofres públicos, segundo relatório da equipe de transição. A coleta desses fundos, sem dúvida, vai enfurecer aqueles que estão se esquivando de suas responsabilidades legais.
Que benefícios Lula pode oferecer para aliviar as tensões?
Novos fundos em benefício da Amazônia e seus povos serão essenciais e precisam chegar rapidamente. Outro decreto do dia da posse de Lula autorizou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a voltar a arrecadar doações para o Fundo Amazônia em ações de combate ao desmatamento e na promoção do uso sustentável da floresta. O fundo é financiado principalmente pelos governos da Noruega e da Alemanha, que já começaram a liberar recursos que haviam sido bloqueados durante os anos Bolsonaro.
A equipe de transição também pediu ao Congresso mais 536 milhões de reais para o Ministério do Meio Ambiente. São muitas as propostas de “títulos verdes” que canalizariam dezenas de bilhões de dólares de financiamento ao Brasil e financiaria a transição para uma economia menos destrutiva e que deveria ser usada para encontrar alternativas de emprego e renda para quem perde com uma nova política florestal.
Que benefícios Lula pode oferecer para aliviar as tensões?
O novo presidente deve convencer as pessoas de que há mais a ganhar avançando e enfrentando o desafio do colapso climático do que olhando para trás e fingindo que o problema não existe ou é responsabilidade de outra pessoa, como fez Bolsonaro. Em seu discurso de posse, Lula equilibrou a conservação do ecossistema e os direitos indígenas com crescimento econômico e igualdade social. Encontrar o equilíbrio é um desafio que todos os países enfrentarão nos próximos anos. O apoio internacional será crucial — tanto em termos de encorajamento quanto de dinheiro vivo. Muitas batalhas políticas estão pela frente.
NOTA: Este texto é a versão revista e ampliada de uma publicação anterior de perguntas e respostas sobre o novo governo, que foi atualizada à luz dos ataques ao Congresso do dia 8 de janeiro de 2023
Tradução: Luiza Mugnol-Ugarte
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Adolescentes ‘luditas’: Eles abandonaram seus smartphones e fogem das redes sociais
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Prisão de mafioso pode ajudar a encontrar obra de Caravaggio roubada nos anos 1960
Por Redação, 18/01/2023, O Estado
Prisão de mafioso pode ajudar a encontrar obra de Caravaggio roubada nos anos 1960
O ministro da Cultura da Itália, Gennaro Sangiuliano, confirmou que espera que a prisão do mafioso Matteo Messina Denaro, ocorrida na segunda-feira (16) após 30 anos de fuga, possa ajudar a solucionar o roubo de uma obra de Caravaggio estimada em 20 milhões de euros. Isso porque o criminoso era considerado um dos maiores “chefões” da história da Cosa Nostra.
O desaparecimento da pintura Natividade ocorreu entre a noite de 17 e 18 de outubro de 1969. A tela estava na igreja de San Lorenzo, em Palermo, e as investigações sempre apontaram o envolvimento da máfia em seu sumiço, com vários criminosos arrependidos afirmando que a Cosa Nostra tinha feito o roubo. “Estamos contando com isso. É um setor no qual estamos muito empenhados com o Núcleo de Tutela do Patrimônio dos Carabineiros, que é uma excelência italiana. Está claro que estamos empenhadíssimos nessa frente”, disse Sangiuliano.
Apesar dos depoimentos de vários membros da máfia, as buscas dos policiais italianos nunca conseguiram chegar ao paradeiro do quadro. Um dos que falaram do caso na década de 1980, chamado Francesco Marino Mannoia, chegou a dizer ao então juiz Giovanni Falcone - morto no início da década de 1990 pela própria Cosa Nostra - que o quadro tinha sido queimado e destruído.
A mesma teoria tinha outro “arrependido”, Gaspare Spatuzza, que disse ter ouvido que o quadro acabou num pasto de porcos e foi roída por ratos em um estábulo localizado na cidade de Santa Maria di Gesù.
Teria sido enterrada?
No entanto, os carabineiros ainda acreditam que a pintura possa ter sobrevivido e conseguiram reconstruir os passos dela entre os anos de 1969 e 1981, quando, após três tentativas fracassadas de venda a colecionadores particulares, ela teria sido enterrada junto com cinco quilos de cocaína e milhões de dólares do narcotraficante Gerlando Alberti. No lugar desse enterro, indicado pelo ex-mafioso Vicenzo La Piana, a caixa de ferro onde tudo teria sido guardado não estava mais - a máfia chegou para retirá-la antes das forças de segurança.
Com isso, após mais de 50 anos de seu desaparecimento, o destino da pintura de Caravaggio continua a ser um mistério. Em 2018, também o Vaticano entrou na operação de procura. Um ano depois, um detetive holandês chamado Arthur Brand disse que recebeu informações de que a tela ainda estava na Sicília. Mas, até hoje, nada foi encontrado.
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Why Every Film Director Owes John Ford | Spielberg Kurosawa Fincher Tarantino Leone Scorcese Welles
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ATORES DE FAROESTE QUE MORRERAM CEDO
ATORES DE FAROESTE QUE AINDA VIVEM
ATRIZES DE FILMES ANTIGOS QUE AINDA VIVEM
MORREU A ATRIZ ITALIANA GINA LOLLOBRIGIDA
ATORES DE FAROESTE QUE MORRERAM PARTE 2
ATORES DE FAROESTE QUE MORRERAM PARTE 3
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Registros de violência doméstica aumentam quase 26% em dias de futebol
A relação entre enfrentamento às violências contra meninas e mulheres e o esporte são demonstradas na pesquisa “Violência Contra Mulheres e o Futebol”, realizada pelo Instituto Avon e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o levantamento, lesão corporal e ameaça são as principais notificações nas delegacias de Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre em dias de partidas de futebol.
Já é hora de colocar Abel Ferreira em seu devido lugar.
Milly Lacombe, Colunista do UOL 29/01/2023
(...) A primeira é a de que o futebol tem que ter responsabilidade social. Quando vemos o líder do time fazer o que Abel faz a gente pode se autorizar a fazer o mesmo ou subir o tom. E a segunda, relacionada à primeira, é o triste entendimento de que, em dias de jogo, a violência doméstica aumenta no Brasil. Mulheres apanham mais, sofrem mais, morrem mais.
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