sábado, 14 de janeiro de 2023

Capimtólio

Aconteceu em janeiro

‘1/6′ é narrativa que especula sobre o que teria ocorrido se a insurreição da direita desse certo

Por Sérgio Augusto, 14/01/2023, O Estado

https://www.estadao.com.br/cultura/sergio-augusto/aconteceu-em-janeiro/

Não dá mais para dizer que a invasão do Capitólio foi de uma audácia que não está no gibi, pois ela já está. Coincidindo com o segundo aniversário da assustadora reação neofascista à eleição de Joe Biden, chegou às livrarias o primeiro dos quatro volumes de um livro gráfico inspirado nos atos de vandalismo de inspiração trumpista cometidos no coração do poder norte-americano, em 6 de janeiro de 2021 - daí o título 1/6.

Se o traduzíssemos, teríamos de mudar o título para 6/1.

Imitamos os americanos em muitas coisas, mas a ordem na numeração de meses e dias por eles adotada não é uma delas. O traumático “Nine-eleven” de 2001 sempre foi e continuará sendo, para nós, 11/9, o “11 de Setembro” das torres gêmeas.

Caso decidam recriar em quadrinhos o que aconteceu domingo passado em Brasília, recomendo um título menos preguiçoso e elusivo do que 8/1, que só não seria pior do que 08/01. Palavras como “golpe”, “caos”, “terror”, “bárbaros” e “manés” cairiam melhor, não obrigatoriamente acrescidas do prefixo “bozo” ou dos sufixos “ciata” e “palooza”. Entre os trocadilhos já sugeridos, “Capimtólio” ainda lidera o ranking.

A invasão do Capitólio nos EUA em janeiro de 2021 inspirou a série de quadrinhos '1/6', que imagina o país se a tentativa de golpe tivesse dado certo. Foto: Jose Luis Magana/AP - 6/01/2021

Bolado pelo criativo ativista Gan Golan e com cerca de 40 páginas no primeiro volume, 1/6 é uma narrativa especulativa sobre o que teria acontecido se a insurreição da extrema direita tivesse dado certo. Ou seja, uma distopia mais na trilha de Philip K. Dick (O Homem do Castelo Alto) que de George Orwell e seus epígonos. Will Rosado, quadrinista de primeira ordem, egresso da Marvel e da DC, ilustrou-a como se estivesse tentando emular o dark apocalíptico de Alan Moore, com uma razoável dose de humor.

Há pouco mais de uma década, Golan ajudou a criar As Aventuras de Um Desempregado, saga algo swiftiana de um homem comum ao deus-dará na América recessiva pós-2008, comendo o pão que as elites de Wall Street nem se deram ao trabalho de amassar. A América futurista de 1/6 nos leva só um pouco mais adiante do tempo presente; afinal, apenas dois anos se passaram desde a invasão do Capitólio e seu saldo de 140 policiais feridos e um civil morto, mais quatro suicídios. Só o estrago material foi maior aqui do que lá.

Na América real, os milicianos nostálgicos da guerra civil fracassaram e foram punidos. Shaman QAnon, cosplayer de Winnetou e comandante da horda invasora, pegou mais de três anos de cadeia. Na América contrafactual de 1/6 Trump e o xamã até ganham estátuas em praça pública. Nem por isso 1/6 é uma distopia niilista.

Os verdadeiros heróis da história são os cidadãos que atuam na resistência, não em quartéis. São eles os mais confiáveis fiadores dos ideais democráticos e guardiões da Constituição. Melhor assim que assado.

Em tempo

A Harvard professor’s book asks: What if the Jan. 6 attack had succeeded?




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