Gatos, tubarões e cães no caminho de papas, cineastas e presidentes
Bichos viram protagonistas nas vidas de Bento 16, Spielberg e Lula
Sérgio Augusto, O Estado, 07/01/2023
Na última quinzena do ano, a tradicional fauna da manjedoura acabou eclipsada, na mídia internacional, por uma cadelinha brasileira sem pedigree, um punhado de gatos vaticanos e aqueles bichos que mais nos metem medo dentro d’água depois das piranhas. Os gatos eram os que o finado papa emérito Bento 16 acolheu e lhe fizeram companhia em sua penúltima morada. A cadelinha sem pedigree é mesmo aquela que tomou posse com Lula, domingo passado. Quanto aos tubarões, a todos eles o cineasta Steven Spielberg pediu perdão, publicamente, pelos eventuais danos que seu filme Tubarão (Jaws) teria causado à preservação da espécie.
Bento 16 não tinha cara de elurófilo. Mas o papa Leão 12 tampouco tinha e no entanto também adorava gatos. Do seu xodó felino o escritor e ministro francês Chateaubriand passou a tomar conta. Os de Joseph Ratzinger ficarão sob custódia da Santa Sé ou mesmo da prefeitura romana, que entende do riscado.
Spielberg ganhou os tubos com Tubarão e seu avassalador êxito comercial (já foi a maior bilheteria de todos os tempos) contribuiu de forma decisiva para sufocar o cinema independente que a chamada “geração sexo, drogas e rock’n’roll” germinara em Hollywood, a partir de Sem Destino (1969). Spielberg simplesmente reinventou o blockbuster. Não de todo vassalo de sustos e horripilâncias; aqui e ali com brechas para algum tipo de “crítica social”. Um dos subtemas de Tubarão é a ganância capitalista. O maior predador do filme não é bem o tubarão, mas o prefeito e os hoteleiros da Ilha Amity, que, qual Pazuellos do turismo, se omitem e mentem para não prejudicar os negócios, fazendo jus à acepção metafórica que os dicionários dão às palavras tubarão e “shark”.
Em seu extemporâneo mea culpa, o cineasta se ateve ao “danoso” estímulo que seu thriller deu à pesca do tubarão como atividade esportiva. Por sorte, o tubarão do filme era fake, um artefato mecânico, como a Moby Dick de John Huston, não um bicho de verdade, como os golfinhos Flipper e Winter. Do contrário, Spielberg teria de prestar contas aos órgãos que desde 1938 monitoram o tratamento dado a animais em produções cinematográficas.
Mea culpa mais consequente ficaram devendo vários diretores da velha guarda hollywoodiana, entre os quais Michael Curtiz, que nada fez para evitar o morticínio de dezenas de cavalos durante as filmagens de A Carga da Brigada Ligeira, em 1936. Contrariando as ameaças dos bozogolpistas, Lula não só logrou subir sem obstáculos a rampa do Planalto como ainda inovou, levando pela coleira a estopinha Resistência, mestiça até pouco tempo sem lar e agora primeira-cadela no Alvorada. Muita gente achou aquilo ridículo, mas logo entregou os pontos.
Os presidentes norte-americanos são mais publicamente apegados aos seus animais de estimação do que os nossos. E até mais dependentes deles politicamente. Graças a um discurso piegas sobre um cocker spaniel chamado Checkers, Richard Nixon escapou de perder a corrida presidencial de 1952, como vice de Eisenhower. Franklin Roosevelt só assegurou um quarto mandato presidencial após resgatar sua scottish terrier, dada como perdida numa das ilhas Aleutas, durante a Guerra do Pacífico. O que Resistência podia ter feito por Lula ela já o fez..
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